Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:094/22.8BALSB
Data do Acordão:05/11/2023
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ARBITRAGEM
CONTRATO
Sumário:I – O contrato de gestão celebrado ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto, é um contrato formal, pelo que não é legalmente admissível uma interpretação das obrigações das partes assente em instrumentos não escritos.
II – O contrato de gestão é também um contrato legal e regulamentarmente enquadrado, a ele sendo aplicáveis os regimes regulamentares em matéria de terapêuticas medicamentosas e novos fármacos, inexistindo na lei ou nas cláusulas contratuais uma norma que expressamente derrogue aquela aplicação, seja quanto às indicações terapêuticas, seja quanto aos custos a elas associados, reconduzidos a “actos de produção” da entidade gestora.
III – Dispondo o clausulado do contrato de gestão que alguns custos devem ser suportados directamente pelos subsistemas públicos de saúde, e, por isso, directamente exigidos pela entidade gestora àqueles, tal como sucede nos estabelecimentos do SNS, e tendo sido instituído um novo modo de relacionamento entre o SNS e os ditos subsistemas, cabe apurar, primeiramente, o modo como os estabelecimentos do SNS procederam em relação à cobrança dos referidos custos respeitantes a medicamentos de dispensa hospitalar não associados a actos de produção, para depois poder concluir, à luz do disposto nas cláusulas contratuais e nos regimes legais e regulamentares, se no caso concreto a entidade gestora estaria também obrigada a proceder àquela cobrança junto dos subsistemas públicos de saúde ou se (fosse por disposição contratual, fosse por efeito de princípios fundamentais da actividade administrativa) deveria ser a entidade contratante a suportar os referidos custos.
IV – Os juros de mora respeitantes a quantias devidas no âmbito da execução do contrato de gestão são calculados à luz da legislação aplicável às dívidas do Estado.
Nº Convencional:JSTA00071728
Nº do Documento:SA120230511094/22
Data de Entrada:09/15/2022
Recorrente:ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.
Recorrido 1:A...., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:ARTIGOS 18.º E 19.º DO DECRETO-LEI N.º 185/2002, DE 20 DE AGOSTO
ARTIGOS 2.º E 14.º-C DO DECRETO-LEI N.º 86/2003, DE 26 DE ABRIL
LEI N.º 3/2010, DE 27 DE ABRIL
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I – Relatório

1 – B..., S.A. (B...) (entretanto incorporada na A..., S.A.), com os sinais dos autos, demandou em litígio arbitral que correu termos no Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa (Centro de Arbitragem Comercial) da Associação Comercial de Lisboa, o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P..

2 – Por decisão do Tribunal arbitral ad hoc de 31.01.2022 (atentando também na decisão “complementar” proferida em 28.03.2022), foi o Estado Português condenado a pagar à demandante as quantias de €837.562,00 - por violação da obrigação do Estado assegurar à demandante uma remuneração adequada pelo tratamento dos doentes com hepatite C, no período de 01.01.2018 a 31.08.2019 - e de €563.327,67 - a título de responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da cláusula 28.ª do contrato de gestão, relativo ao período de 01.07.2016 até 31.08.2019 -, ambas acrescidas de juros de mora à taxa de 8% - vencidos e vincendos desde a citação [07.08.2020] até integral pagamento

3 – Inconformado com aquela decisão, o Estado Português interpôs recurso de revista para este STA ao abrigo do disposto no artigo 185.º-A, n.º 3 do CPTA, a qual foi admitida por acórdão de 14.07.2022.

4 – O Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:
«[…]

1. O presente recurso tem por objeto a Decisão Arbitral proferida, a 31.01.2022, no âmbito do processo arbitral n.º 27/2020/AHC/ASB, notificada às Partes no dia 01.02.2022, na versão resultante do Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido e notificado às Partes no dia 28.03.2022, em resposta ao pedido de aclaração e de emissão de sentença adicional apresentado, doravante "decisão recorrida", no âmbito de dois litígios que surgiram entre as Partes durante a execução do Contrato de Gestão do Hospital ..., gerido em parceria público-privada e que se centraram: i) na responsabilidade financeira decorrente da prestação de cuidados de saúde no Hospital ... a doentes com Hepatite C, desde 1 de janeiro de 2018 até ao termo do Contrato de Gestão; ii) na responsabilidade financeira decorrente da dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, prescritos fora do Hospital ... a utentes beneficiários de subsistemas públicos (que não o SNS), desde 1 de julho de 2016 até ao termo do Contrato de Gestão.

2. Atenta a decisão proferida pelo douto Tribunal Arbitral, a 31.01.2022, notificada às Partes no dia 01.02.2022, na versão resultante dos esclarecimentos promovidos pelo Acórdão do Tribunal Arbitral, proferido e notificado às Partes no dia 28.03.2022 (cf. «11. Decisão», Doc. n.º 1, fls. 177), o objeto do presente recurso subdivide-se, no plano formal:

I) Na decisão que julgou procedente o pedido formulado pela Recorrida, relativamente ao litígio da Hepatite C, condenando o Recorrente a pagar à Recorrida o valor de €837.562,00 (oitocentos e trinta e sete mil e quinhentos e sessenta e dois euros), acrescido de juros de mora, à taxa de 8%, até efetivo e integral pagamento, por violação da obrigação de o Demandado assegurar à Demandante uma remuneração adequada pelo tratamento dos doentes com Hepatite C, no período de 1 de janeiro de 2018 a 31 de agosto de 2019; Foi diversa a decisão do mesmo Tribunal Arbitral no âmbito do processo n.° 28/20..., tendo sido (e bem) julgados improcedentes os pedidos formulados pela aí Demandante relativamente ao litígio da Hepatite C (cf. Doc. ...9, já junto às presentes Alegações).

II) Na decisão que julgou procedente o pedido formulado pela Recorrida, relativamente ao litígio dos subsistemas públicos de saúde, condenando o Recorrente a pagar à Recorrida o valor de €563.327,67 (quinhentos e sessenta e três mil, trezentos e vinte e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa de 8%, até efetivo e integral pagamento, a titulo de responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, relativo ao período de 1 de julho de 2016 até 31 de agosto de 2019;

III) Na decisão que julgou improcedente o pedido reconvencional formulado pela Recorrente, relativamente ao litígio dos subsistemas públicos de saúde, no pagamento pela Recorrida, de €802.104,80 (oitocentos e dois mil cento e quatro euros e oitenta cêntimos) e do valor que viesse a ser apurado após prestação de contas e informação da Recorrida quanto aos valores indevidamente recebidos no ano de 2011, relativamente aos medicamentos de dispensa exclusivamente hospitalar prescritos fora do Hospital ... a utentes beneficiários de subsistemas públicos.

3. Sem prejuízo da dissecação do percurso erróneo efetuado, que infra se fará, cumpre à Recorrente muito sinteticamente dar nota que a decisão recorrida:

a) No litígio referente à responsabilidade financeira decorrente do tratamento de doentes com Hepatite C no Hospital ..., fez prevalecer uma comunicação lateral e (como interpretada pela decisão recorrida) a descoberto das peças procedimentais que subjazeram à celebração do Contrato de Gestão, da autoria de um órgão incompetente ratione materiae (e cujo enunciado nunca poderia ter o alcance que lhe foi dado pelo Tribunal Arbitral, sob pena de forte contrariedade ao âmago e razão de ser das Parcerias na área de saúde e com o regime de remuneração nelas fixado), que classificou de «declaração negocial» ao regime instituído e materializado no clausulado do próprio contrato, emitida numa fase concursal que impedia qualquer modificação substancial ao instrumento contratual, tal como foi expressamente salientado pelo representante do Estado Português nas negociações finais - a Comissão de Avaliação de Propostas -, ao abrigo, com fundamento e limite nas atribuições acometidas a esta entidade;

4. A «questão» que quanto a este aspeto ocupa o lugar central do presente recurso de revista pode ser enunciada do seguinte modo, portanto, a de saber se:

1. Uma declaração de um órgão incompetente no quadro do procedimento concursal que antecede a celebração de um instrumento contratual é suscetível de criar obrigações para o contraente público não previstas nas peças do concurso (quando é consabido que são os instrumentos de concurso que pautam o sentido de que como o ente público aceita contratar) e não acordadas ou negociadas no procedimento concursal de acordo com a tramitação e pelos órgãos previstos?

2. Pode, em qualquer caso, uma tal declaração ser emanada, com o efeito de gerar obrigações para o contraente público não-previstas nas peças de concurso nos termos da questão anterior que geram acréscimo de despesa para o Estado, numa fase posterior à fase de apresentação das best and final offers em concorrência, posterior à fase de avaliação para qual o preço e demais condições constituem critério de avaliação e de escolha do concorrente com a melhor proposta para a fase de negociação final, nomeadamente, numa fase de fecho da redação final de aspetos meramente técnicos de acordo com a proposta do concorrente selecionado do Contrato de Gestão?

3. Em qualquer caso, afigura-se legítimo e válido, de acordo com os ditames do Direito Administrativo, o resultado interpretativo extraído de tal declaração que não tenha o mínimo de correspondência com o texto do Contrato (o que sempre seria necessário ajuizar mesmo que se entendesse como entende o tribunal arbitral aplicável o n.º 2 do artigo 236.º do CC)?

5. No litígio referente á responsabilidade financeira decorrente da dispensa pela Recorrida de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar prescritos fora de estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde a beneficiários de subsistemas públicos de saúde, fez vencer uma interpretação desconforme ao instituído no Contrato de Gestão, retirou das normas das Leis de Orçamento do Estados resultados que as mesmas não albergam, contrariou normas e princípios orçamentais dirigidos á despesa pública e ao relacionamento entre o Serviço Nacional de Saúde e os subsistemas públicos de saúde, e promoveu uma leitura infundada e ab-rogante do regime instituído pelo Despacho n.º 4631/2013, de 3 de abril, dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, e pela Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, do Secretário de Estado da Saúde, mais negou o caráter ex novo do Decreto-Lei n.º 124/2018, de 28 de dezembro, violando com isso regras essenciais de interpretação de normas jurídicas e de aplicação da lei no tempo.

6. A «questão» que quanto a este aspeto ocupa o lugar central do presente recurso de revista pode ser enunciada do seguinte modo, portanto, a de saber se:

1. Pode o julgador e aplicador do Direito alcançar um resultado de aplicação retroativa de um novo regime legal para o qual o legislador estabeleceu expressamente a aplicação apenas para o futuro?

Quanto à Hepatite C:

7. Quanto ao litígio que se ancora na responsabilidade financeira decorrente do tratamento de doentes com Hepatite C no Hospital ... entre 01.01.2018 e até 31.08.2019, a questão associada aos factos que constituíram, na visão do Tribunal Arbitral e em manifesto e ostensivo erro de julgamento, a «vontade real das Partes» quanto à aplicação, sem mais, dos programas de financiamento específico que viessem a ser determinados pelo Ministério da Saúde para os hospitais públicos integrados no SNS, à Recorrida, e o respetivo alcance, são de elevada importância e inequívoca relevância jurídica e social, pois: i) têm efeitos em todos os financiamentos específicos determinados pelo Ministério de Saúde (de acordo e com o amplíssimo e inaudito alcance dado pelo Tribunal arbitral através do que resulta da decisão recorrida: «[a] obrigação a que o Demandado, nessa missiva, reconhece que se encontra constituído é apenas a de tratar, neste contexto remuneratório, com igualdade, o Hospital ... e os hospitais EPE, estendendo tais programas, quando criados, à Demandante»); ii) colide, por manifesta incompatibilidade, com o âmago das parcerias em saúde, com o regime legal das parcerias público-privadas, com o estabelecido no Contrato de Gestão do Hospital ... e nos demais instrumentos concessórios na área da Saúde quanto à remuneração do Parceiro Privado nele prevista, gerando, em violação do princípio da legalidade e do princípio da concorrência, uma duplicação de pagamentos sobre a mesma prestação de cuidados de saúde, não prevista nas peças concursais e não admitida nas regras legais de contratação pública.

8. Por um lado, no que ao Contrato de Gestão do Hospital ... respeita, basta atender aos modos específicos de pagamento pela produção do Parceiro Privado e aos financiamentos específicos constantes das Metodologia dos contratos-programa para os hospitais EPE integrados no SNS, que a decisão arbitral ora em crise no acórdão de 31.01.2022 que a integra reproduz respetivamente nos factos 34 a 39, 70 a 75, 79, 82 e 83, 100 e 101 para que se compreenda o amplíssimo, inaudito e ostensivamente errado alcance dado pelo Tribunal Arbitral a uma comunicação que qualificou de «declaração negocial» que vinculou o Estado Português a uma obrigação que não resulta do «contrato escrito», mas sim de um verdadeiro «contrato oculto» que na decisão recorrida foi ajuizado como prevalecente àquele, fixado num cenário concorrencial.

9. A fundamentação, incompreensível e gravosa, da decisão arbitral parece alcançar todos esses financiamentos previstos exclusivamente para os hospitais do Setor Público Administrativo e do Setor Público Empresarial, de milhões e milhões de euros, que não são consentâneas com o modelo de remuneração do Hospital ... em parceria público-privada e que visam remunerar atividade ou encargos que constituem obrigações da Entidade Gestora do Estabelecimento contidas no preço pago, como contrapartida, como Parcela a cargo do Serviço Nacional de Saúde.

10. O que a decisão arbitral agora com gravidade sustenta é que todos os encargos que no modelo de parceria público-privada foram lidos, no procedimento concursal, no comparador público, na apresentação das best and final offers (BAFO), na celebração do Contrato de Gestão do Hospital ..., e ainda que esse modelo não coincida com o modelo de remuneração dos hospitais em gestão pública, conforme se reconhece na decisão recorrida, se esses encargos tiverem abrangidos por um qualquer financiamento específico na metodologia dos contratos-programa em qualquer dos anos de 2009 a 2019, o pagamento autónomo desses financiamentos acresce aos valores a pagar ao parceiro privado e independentemente dos pressupostos assumidos pelos concorrentes no momento da apresentação das propostas e com a realidade projetada nas peças do concurso, o que se reconhece nos factos 25 a 40 da decisão recorrida que abaixo serão dissecados, com relevo para o apuramento do claro e ostensivo erro de julgamento perpetrado através da decisão em revista. Ou seja, a decisão recorrida admite que a remuneração da ora Recorrida não é "x", como ficou definido de acordo com o Contrato de Gestão, é, antes, "x" + "y" + "z" +"a" “+"b”, num incremento totalmente desrazoável e sem suporte na interpretação de um contrato administrativo e deste contrato administrativo de parceria em saúde em especial.

11. Não é um resultado aceitável nem tolerável. Representa milhões cujo pagamento não pode a correta administração da justiça admitir que possa vir a ser assacado ao Estado com tal alargadíssima interpretação, sem respeitar o contexto negocial, o título contratual de acordo com a fase concursal que a antecedeu e a lei. Se o Estado, no exercício da função administrativa, no contrato a celebrar, subordinou a sua atuação à lei, e a assunção dos encargos ao regime legal da sua assunção e delimitou nesses termos a sua atuação, também o Tribunal, neste caso, o Tribunal arbitral, igualmente subordinado à Constituição e à lei, quando aprecia juridicamente da interpretação de um negócio jurídico administrativo (e do alcance das «declarações negociais» que lhe são contemporâneas) celebrado pelo Estado está vinculado aos limites que a lei lhe confere e não pode, sob as vestes e com a "capa" de interpretação jurídica (tanto mais que de interpretação de um alegado negócio distinto do Contrato de Gestão), obliterar os elementos inequivocamente expressos do Contrato de Gestão e o seu espírito de acordo com o procedimento concursal que lhe antecedeu criar afinal um regime diferente para a assunção de compromissos orçamentais, económicos e financeiros, que se subtrai à necessária sindicância prévia dos requisitos da assunção de compromissos e da realização da despesa pública, com base naquilo que considera ser resultado de uma «vontade real das Partes» e que constitui, na verdade, um «contrato oculto» que nunca poderia ter a virtualidade, com as premissas erradas que culminam nesse entendimento, de se sobrepor ao princípio da legalidade e princípio da concorrência.

12. Outra expressão da elevada relevância jurídica e social que o caráter errado da decisão arbitral ostenta é a subtração ao regime de fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas, não colhendo, manifestamente, a fundamentação da decisão recorrida relativamente a este aspeto. Dada a importante incidência de controlo financeiro da despesa pública do Estado, certo é que, mau grado ter vingado um entendimento viciado em erro manifesto na aplicação das normas e princípios que eram chamadas ao juízo de procedência dos pedido formulado pela Recorrida, sempre o Contrato de Gestão, na sua versão reduzida a escrito teria de ser (como foi) sujeito a fiscalização prévia junto do Tribunal de Contas, nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 46.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas ("LOPTC"). Resolveu mal, portanto, o Tribunal Arbitral, a questão acima elencada, no sentido de se bastar, atento o quadro de direito aplicável aos contratos administrativos, através da pretensa aplicação do n.º 2 do artigo 236.º do CC (Além de todos os pressupostos com os quais o Recorrente não se pode conformar por entender juridicamente errados, designadamente: o da determinação de que o regime de interpretação dos contratos administrativos é o dos artigos 236.º a 238.º do CC, o que se afasta; o da afirmação (a página 140 do acórdão de 31.01.2022) de que é de adotar a «perspetiva civilista», o que se afasta na interpretação e execução de um contrato administrativo, sujeito a regras e princípios próprios; o de na aferição do conteúdo mínimo «o padrão legal de aferição é muito pouco exigente - bastando corresponder a "um mínimo" e "ainda que imperfeitamente expresso"» (a página 144 do acórdão de 31.01.2022), o que não é admissível considerar face à procedimentalização da contratação pública e à natureza dos fins públicos prosseguidos.), com a interpretação da declaração proferida por órgão incompetente, em fase não-competitiva, com o resultado de, à revelia do Contrato de Gestão e das demais peças do Contrato, ditar um desvio financeiro ao Contrato ilegal, injustificado e a descoberto do procedimento concursal favorável à Requerida.

13. E resolve qualificadamente mal a questão, já que, como atrás já referiu o Recorrente, perante os pedidos que brotam do processo arbitral que correu termos de forma paralela, julgou o (mesmo) Tribunal Arbitral improcedentes os pedidos formulados pela aí Demandante, do mesmo grupo societário da aqui Requerida, por ter entendido que o Contrato de Gestão (...) dita que a responsabilidade pela dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar a doentes com Hepatite C recaia por conta do Parceiro Privado, atento o esquema de remuneração nele patente e devidamente acordado na fase concursal. Os factos provados na presente ação, mau grado a interpretação que o Tribunal Arbitral fez da missiva endereçada pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 05.12.2008, ao agrupamento que viria a constituir a aqui Recorrida, impunham, não estivesse a decisão recorrida viciada de manifesto erro de julgamento, idêntica solução à que foi dada no processo n.º 28/20..., portanto, a de improcedência dos pedidos formulados pela Recorrida – cf., em particular, os factos 33., 40., 69. a 76. da decisão recorrida (Doc. ...).

14. As questões atrás elencadas quanto ao litígio da Hepatite C revelam, assim, importância jurídica e social, de caráter fundamental, razão pela qual deve o presente recurso de revista ser admitido – cf. alínea b) do n.º 3 do artigo 185.º-A do CPTA.

15. A decisão recorrida que motiva a presente revista junto desse Venerando Tribunal ad quem padece, salvo o devido respeito, de inúmeros vícios, seja no que à apreciação da prova efetivamente produzida e à decisão sobre a matéria de facto diz respeito, seja no que à aplicação das normas jurídicas, contratuais e legais, aplicáveis aos factos relevantes concerne, diante objetos processuais marcados por uma ambiência muito própria - a execução de um Contrato de Gestão na área da prestação de cuidados de saúde e na prossecução do interesse público por detrás da técnica concessória que habilita, fundamenta e enforma essa mesma execução -, ambiência essa que o Tribunal Arbitral, data venia, através da decisão recorrida tomada pela maioria que o constituiu, demonstrou ignorar.

16. A admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, na medida em que a interpretação feita pelo tribunal contraria de modo grave princípios gerais de contratação, regras basilares de realização da despesa, assunção de compromissos, enquadramento e de comportabilidade orçamental.

17. Como pode o Tribunal Arbitral afirmar que uma «declaração» exógena ao procedimento concursal e da autoria de um órgão incompetente, é suscetível de determinar novos encargos para o Parceiro Público? Ou seja, permitir que um ato estranho ao procedimento e da autoria de um órgão incompetente vincule o Parceiro Público a um quadro prestacional não alvitrado pelas peças do procedimento, ainda que esse quadro prestacional tenha sido prontamente recusado pelo órgão competente para dirigir a fase de negociação final? Pode um Tribunal Arbitral, sob as vestes de uma alegada interpretação de uma «declaração» negocial vinculante, fazer alterar todo o mecanismo de remuneração fechado no exercício da atividade administrativa, na sequência de peças procedimentais, esclarecimentos às peças concursais, preços fechados em concorrência, por uma alegada «vontade real das Partes»? Pode uma tal interpretação de uma alegada «declaração» que tenha constituído a vontade real das Partes determinar, à revelia das peças do concurso, um estatuto contratual que não encontra o mínimo de correspondência com o texto do Contrato de Gestão? A resposta é, contundentemente, que não!

18. O enquadramento legal da formação e celebração do Contrato de Gestão relativo ao Hospital ... não deixa qualquer margem de dúvida sobre a qualificação deste negócio jurídico como um contrato administrativo. De resto, o próprio Tribunal Arbitral assim o reconhece. - cf. p. 139 da decisão recorrida. Dissequemos, agora, o erro (ou os erros, na verdade) em que incorreu o percurso efetuado pelo Tribunal Arbitral.

O primeiro:

19. «A matéria de facto provada permite, ainda, concluir que a questão da aplicabilidade dos programas específicos de financiamento ao Hospital ... foi objeto de acordo entre a B... e o Secretário de Estado e da Saúde, antes da adjudicação, embora tal acordo não tenha ficado espelhado no texto do Contrato de Gestão.

Com efeito, durante a negociação da minuta do Contrato de Gestão, o Demandante transmitiu ao Demandado o entendimento de que, à luz do Contrato de Gestão, os programas de financiamento que se adequassem ao perfil assistencial do Hospital ... lhe seriam aplicáveis nos mesmos termos em que o fossem aos demais hospitais do SNS (factos n.º 56 e n.º 57). Por sua vez, o Demandado enviou uma carta ao Demandante confirmando o entendimento de que os programas específicos de financiamento eram aplicáveis ao Hospital ... "nos mesmos termos que os praticados aos demais hospitais do Serviço Nacional de Saúde, incluindo para efeitos financeiros e na Produção" (facto n.º 60)» - cf. p. 136 da decisão recorrida.

20. Conforme teve o Recorrente oportunidade de tentar esclarecer este aspeto junto do Tribunal Arbitral em sede própria (vide ponto 10 do pedido de esclarecimentos apresentado aos autos, Doc. ..., fls. 4), o Tribunal Arbitral utiliza invariavelmente na decisão recorrida as expressões «Parte» (p.138), «Demandado» (p. 147), «Governo» (p. 153) e «tutela» (p. 153) para se referir à missiva endereçada pelo então Secretário de Estado e Adjunto da Saúde. Tendo indeferido o Tribunal Arbitral tal pedido de esclarecimentos com o fundamento de que «fic[a] claro quem foi o seu autor e quem é que o seu conteúdo vincula» (cf. Ac. do Tribunal Arbitral, de 28.06.2022, Doc. ...), fica por indagar em que medida é que o Tribunal Arbitral considerou que a missiva em causa, segundo os ditames de Direito Administrativo, era apta a gerar obrigações não previstas nas peças do concurso, nem tampouco vertidas («sem nenhuma correspondência com o texto») no Contrato de Gestão. Mas mais, tinha o então Secretário de Estado e Adjunto da Saúde competências para determinar, em alegada "interpretação" do instrumento contratual, obrigações novas para a Entidade Pública Contratante?

21. Não tinha. E não tinha, desde logo, de acordo com factos que o mesmo Tribunal Arbitral deu como provados por referência à data e ao contexto em que surgiu tal declaração, já em fase de negociação final. Veja-se, a este respeito, o facto 24 «[d]e acordo com o Programa do Procedimento, cabia exclusivamente à Comissão de Avaliação das Propostas: a classificação das propostas com indicação dos concorrentes selecionados para a negociação; a realização da negociação competitiva; a elaboração de relatório fundamentado com resumo das negociações e avaliação global das propostas dos concorrentes, à luz dos critérios de selecção previstos; a hierarquização das propostas para efeitos de início de discussão da minuta de Contrato de Gestão e a realização das «sessões de negociação da minuta do Contrato de Gestão», ambas com o concorrente cuja proposta ficasse classificada em primeiro lugar» - cf. p. 21 da decisão recorrida.

22. Parte, assim, o Tribunal Arbitral, de uma comunicação emanada por um órgão incompetente ratione materiae, e conclui, de forma absolutamente errada e em atropelo aos mais basilares princípios da atividade administrativa, que uma comunicação desligada de um procedimento contratual rigoroso é apta a vincular, durante a execução de todo o Contrato de Gestão, o contraente público.

Segundo:

23. «Na presente ação, alega a Demandante que a obrigação de aplicação dos programas específicos de financiamento decorre do n.º 3 da cláusula 24.ª e/ou do n.º 8 da cláusula 28.ª.

Relativamente a esta última, resulta da matéria de facto provada que a Demandante apresentou à Comissão de Avaliação de Propostas uma proposta (cujo conteúdo não consta descrito na Ata de Sessão de Negociação n.º 15, de 3 de dezembro 2008, nem em qualquer outro meio de prova produzido nesta ação arbitral) no âmbito do n.º 8 da cláusula 28.ª, relativamente ao fornecimento de medicamentos ao abrigo de programas específicos, que foi considerada não aceitável, em 3 de dezembro de 2008 (facto n.º 54). Neste sentido, é difícil defender-se que é nesta cláusula que a interpretação do contrato espelhada na carta de 5 de dezembro de 2008 encontra o seu mínimo de correspondência, quando tal parece ter sido expressamente rejeitado dois dias antes». - cf. p. 145 da decisão recorrida.

24. Não obstante o que resulta do segmento da decisão recorrida atrás transcrito, o percurso metodológico efetuado pelo Tribunal Arbitral nele revelado ignora que, conforme deu por provado o mesmo Tribunal Arbitral no facto 47., «[a] Demandante sabia que a negociação final, nos termos do Programa do Procedimento, era uma fase não competitiva, apenas para fecho de aspetos da minuta e dos seus anexos de acordo com a BAFO classificada em primeiro lugar» (negrito nosso). Com o devido respeito, não poderia ou não o deveria ter ignorado. É que foi a Demandante, que procurou, em primeira linha, junto do órgão competente, abarcar a pretensão de se ver, ex contractu, remunerada, em adição aos mecanismos de remuneração previstos no Contrato de Gestão em conformidade com as peças concursais (cf. factos 34 a 39, 77 a 75 e 82 da decisão recorrida) pelo valor que fosse estabelecido pelo Estado para o financiamento dos Hospitais EPE no tratamento de determinadas patologias. Ao invés de o Tribunal Arbitral, num percurso que moveu na tentativa de encontrar a letra de uma determinada cláusula do Contrato de Gestão (pp. 145 e ss. da decisão recorrida) que permitisse ancorar os putativos efeitos da missiva de 05.12.2008, deveria aferir se (e por que razão) a Comissão de Avaliação das Propostas, em fase de negociação final, poderia ter aceitado a proposta do agrupamento que viria a constituir a Demandante em obter uma remuneração adicional nos termos que antecedem à luz do n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão ou de qualquer outra Cláusula.

25. A Comissão de Avaliação das Propostas, órgão competente, como vimos, para dirigir o processo de negociação final em representação do Estado Português, não podia aceitar aquela pretensão do agrupamento que viria a constituir a Demandante, pois a fase de negociação final não permitia introduzir aspetos que não fossem de «fecho da minuta e dos seus anexos de acordo com a BAFO classificada em primeiro lugar» (facto 47).

26. Ora, conforme resulta à saciedade dos factos 37 «[o]s instrumentos de concurso estabeleceram que os preços deveriam refletir os custos efetivamente imputáveis a cada área de atividade e especialidade e que os preços de referência a propor pelos concorrentes deveriam refletir a inclusão de todos os serviços que são objeto do Contrato de Gestão e que ficam a cargo da Entidade Gestora do Estabelecimento, incluindo os medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados», 38 [c]onsta do ponto 3.3.2.3. do Relatório Final da Comissão de Avaliação das Propostas, de 23 de dezembro de 2008, o seguinte: "[o] mecanismo de pagamentos da Entidade Gestora do Estabelecimento promove a eficiência, na medida em que o pagamento é efetuado por resultado, ou seja, não se pagam custos, estando o preço previamente fixado para um período de dez anos (tendo sido acordado em ambiente competitivo), para além de o pagamento ser efectuado por acto indiferenciado.

27. Com efeito, os serviços prestados são pagos com base em um preço médio, e não em preços para casos específicos, o que promove a eficiência na prestação dos cuidados; refira-se, ainda, que o facto de haver preços fixados para um período longo, limites anuais à produção e, consequentemente, à remuneração, promove um esforço de estruturação de meios, de forma a rentabilizar os mesmos o melhor possível» 39, «[n]ão previa a Minuta para efeitos da BAFO a atribuição de qualquer financiamento específico» (negritos nossos), não podia a Comissão de Avaliação de Propostas, órgão competente para dirigir a fase da negociação final, admitir a «proposta» do agrupamento que viria a constituir a Demandante. E não podia, nem à luz do n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, nem à luz de nenhuma outra, pela simples razão de que o objeto de tal «proposta» sempre constituiria um desequilíbrio económico-financeiro desviante às peças do concurso. Admitir que um órgão incompetente pode praticar um ato que um órgão competente está vedado a praticar em razão de princípios basilares de Direito Administrativo, constitui, para além de uma nefasta desconsideração pelas normas atributivas de competência que habilitam (e limitam) o agir administrativo, um grave atropelo ao esquema procedimental que encontrou fundamento, justificação e que acabou por conformar um instrumento parcerístico a 10 (dez) anos - entre outros, cf. factos 37 a 39, 72, 79, 100 a 106 da decisão recorrida.

28. Por todas estas razões, nunca a missiva do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, de 05.12.2008, poderia, de acordo com os ditames do Direito Administrativo, constituir a «vontade real das Partes» e dele extrair uma auto­ conformação do agir administrativo, a descoberto do regime da competência dos atos administrativos e à revelia do quadro procedimental gizado pelo Estado Português - cf. pp. 136 e ss. da decisão que constitui o objeto do presente recurso de revista.

29. A própria decisão recorrida, naquilo que parece constituir uma tentativa vã de fundamentação de um resultado nefasto que brota de um percurso erróneo identifica elementos que comprovam esse mesmo caráter alógico e ajurídico pelo menos no seio de um litígio emergente de um contrato administrativo. É o que sucede na associação da citação do Parecer da PGR identificado na nota de rodapé n.º1589, do qual resulta, em infirmação da tese aventada pelo Tribunal Arbitral, que «[a] Administração carece de competência para a prática de actos definitivos e executórias sobe as divergências suscitadas entre ela e os particulares no que respeita a questões sobre interpretação, validade ou execução dos contratos de empreitadas de obras públicas./Porém, se a entidade administrativa com as respetivas atribuições fixa unilateralmente os termos para a solução da controvérsia e comunica essa solução à outra parte, a Administração fica vinculada à sua posição». (negrito nosso).

30. Fica, assim, claro, que não tinham, nem a Comissão de Avaliação de Propostas, nem muito menos o então Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, este último sem competência atribuída na fase de negociação final do concurso que antecedeu a celebração do Contrato, habilitação legal para anuir na pretensão que fora apresentada pelo agrupamento concorrente que viria a constituir a Demandante. E repete-se: foi a Demandante que propôs, após se ter vinculado aos termos em que apresentou a BAFO (cf. facto 39), uma remuneração adicional, não prevista no Contrato de Gestão, em manifesta colisão com os pressupostos por aquele assumidos aquando da apresentação da respetiva BAFO.

Terceiro:

31. «O Demandado procura também afirmar que a carta de 5 de dezembro de 2008 não pode valer com o sentido que o Tribunal lhe vem atribuindo, devendo antes ser interpretada em conformidade com o contrato. Contudo, não logra o Demandado demonstrar qualquer outro sentido possível para a missiva, que é absolutamente inequívoca. Por outro lado, é a carta que visa interpretar o Contrato de Gestão e não o contrário, pelo que improcede também esta defesa» - cf. p. 143 da decisão recorrida.

32. O segmento da decisão recorrida que acaba o Recorrente de transcrever comprova, com o devido respeito, o percurso errático efetuado pelo Tribunal Arbitral, que não se pode achar como constituindo o caminho correto nas tarefas de interpretação de um contrato administrativo integrado num procedimento como aquele que antecedeu a celebração do Contrato de Gestão, dos atos que estejam a este conexos. Ressalta deste segmento, assim crê o Recorrente, que o Tribunal Arbitral entendeu, qualificada a missiva em crise enquanto «vontade real dos declarantes», que se possam retirar dessa mesma «vontade» um qualquer resultado, por muito estranho à letra do Contrato de Gestão e às peças do concurso que esse mesmo resultado possa ser de acordo com os princípios basilares de direito administrativo.

33. Da missiva em crise resulta, relativamente à aplicabilidade dos programas específicos de financiamento, o seguinte: «1. É entendimento do Ministério da Saúde que os programas específicos de financiamento do Ministério da Saúde são aplicáveis ao Hospital ... na medida em que estejam abrangidos pelo seu Perfil Assistencial, nomeadamente os respeitantes a doenças lisossomais de sobrecarga, nos mesmos termos que os praticados nos demais hospitais do Serviço Nacional de Saúde, incluindo para efeitos financeiros e na Produção». - cf. facto 84. da decisão recorrida (negrito inserido agora). Na mesma missiva, junta como Documento A-2 à PI Junta às presentes como Doc. ...0), sob um outro ponto, resulta o seguinte: «2. Será aplicável ao Hospital ..., na vigência do Contrato de Gestão, o quadro jurídico para os demais hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) no que respeita ao cálculo de Doentes Equivalentes de Internamento e Cirurgia de Ambulatório e demais ajustamentos que se revelem necessárias à Tabela de Preços do SNS, para o que, até à Data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar, será adaptada, pelo Ministério da Saúde, decisão de aplicar ao Hospital ... a fórmula de cálculo de Doentes Equivalentes de Internamento e Cirurgia do Ambulatório atualmente em vigor para a generalidade dos hospitais do SNS, não havendo lugar, no caso específico desta decisão a ser adaptada até à Data da Transmissão do Estabelecimento Hospitalar, a reposição do equilíbrio financeiro» (negrito inserido agora).

34. Do contrapólo entre os dois pontos da missiva, resulta claro que sempre teria de haver a prévia concordância, caso a caso, pela Entidade Pública Contratante. Em confirmação adicional da necessidade de concordância prévia pela Entidade Pública Contratante, veja-se que no âmbito dos procedimentos concursais que se seguiram ao procedimento que subjazeu à celebração do Contrato de Gestão do Hospital ..., veio a ser disciplinada contratualmente esta matéria e em termos que, encontrando guarida nos termos em que a «declaração» de 05.12.2008 foi reproduzida na missiva em causa, vedam a conclusão extraída pelo Tribunal Arbitral. Veja-se, a este respeito, o que dispõe o n.º 14 da Cláusula 45.ª do Contrato de Gestão do Hospital ... ("[o] programa específico de financiamento do Ministério de Saúde respeitante a doenças lisossomais de sobrecarga e outros programas específicos de financiamento que vierem a ser estabelecidos de acordo com o procedimento anual previsto na Cláusula 53.ª são aplicáveis ao Hospital ... desde que estejam abrangidos pelo seu Perfil Assistencial, e nos mesmos termos aplicáveis aos demais hospitais do Serviço Nacional de Saúde"). A remissão, nos termos da cláusula citada, para o «procedimento anual previsto na Cláusula 53.ª» dita que tal aplicabilidade depende, sempre, de um acordo entre as Partes a ocorrer no seio da execução do próprio Contrato, o que implica uma decisão de conformação da Entidade Pública Contratante dessa mesma aplicabilidade, diante um juízo global de equilíbrio financeiro do jogo contratual

35. Outra interpretação que não seja esta, de resto, confirmada também por elementos nos autos que foram dados como provados, nomeadamente, pelo Despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde n.º 38/2009, de 15 de setembro de 2008. - cf. factos 84 a 92 da decisão recorrida. O resultado que assim retira o Tribunal Arbitral da missiva em causa afigura-se como intolerável perante os princípios que norteiam a atividade administrativa, colidindo com o âmago e com a razão de ser da formação de instrumentos de gestão público­ privada, assentes na procura da eficiência e no best value for money.

Quarto:

36. «Contudo, e conforme se afirmou, conhece o tribunal a circunstância de esta aplicação dos programas de financiamento específicos corresponder à real vontade das Partes. Neste sentido, e nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 238.º do Código Civil, mesmo que se considere que não há um mínimo de correspondência entre a vontade real e a redação das cláusulas contratuais, cumpre analisar se as razões determinantes da formalidade exigida para celebração do Contrato de Gestão se opõem á aplicação da linha de financiamento criada em 2018 que, em concreto, exorbita a declaração negocial formalizada. Caso se conclua que não se opõe, será então possível ao Tribunal retirar do contrato um sentido que não coincide minimamente com a redação das suas cláusulas por corresponder à vontade real dos contraentes.

Em primeiro lugar, importa ter em conta que a missiva, datada de 5 de dezembro de 2008, datada de 5 de dezembro de 2008, envaida pelo Demandado ao Demandante, traduz o entendimento comum das Partes (um pedido de confirmação de um sentido e uma resposta confirmativa), sob a forma escrita. Assim, a maioria dos motivos apontados pela doutrina para o formalismo negocial - aqueles se relacionam com a segurança jurídica dos contraentes, com a exigência de ponderação e reflexão, bem como com a disponibilização de meios probatórios às partes estão, por esta via, assegurados.» (negrito nosso) - cf. p. 147 da decisão recorrida.

37. De acordo com a metodologia decisória exposta na decisão recorrida, tendo o Tribunal Arbitral qualificado tal troca de comunicações enquanto constituindo a «vontade real das Partes» e como fonte de obrigações para a Administração Pública, torna-se irrelevante se tais obrigações sejam tidas com desvio estranho à letra do Contrato e às peças do concurso, o que se torna inadmissível.

38. Esta inadmissível é ainda mais gravosa e intolerável quando o mesmo Tribunal Arbitral dá nota dos pressupostos que o agrupamento concorrente que viria a constituir a Demandante assumiu quando apresentou a BAFO. Repete­ se: «A BAFO não previa a atribuição de qualquer financiamento específico» (facto 39), como «[n]ão previam os instrumentos procedimentais qualquer alteração dos preços de referência em razão da alteração dos preços dos diferentes "componentes" da assistência que os instrumentos de concurso ditaram que fossem considerados para efeitos do preço» (facto 34.), como também «[n]ão previram os instrumentos procedimentais qualquer financiamento autónomo para a dispensa de medicamentos em razão da evolução de qualquer custo dos medicamentos» (facto 35).

39. A interpretação que o Tribunal Arbitral assim realizado que considera ter constituído a «vontade real das Partes», transfigura, assim, uma comunicação lateral ao procedimento, numa fase não-competitiva e da autoria de um órgão incompetente ratione materiae, sem qualquer correspondência com alguma cláusula do Contrato de Gestão e de acordo com peças concursais que não admitiam um financiamento autónomo ou específico por conta da dispensa de medicamentos em razão da evolução de qualquer custo dos mesmos, numa nova e verdadeira proposta da Demandante ao arrepio dos pressupostos que esta assumira aquando da apresentação da BAFO, desconsiderando a razão de ser e o âmago das parcerias público-privadas. Falha o Direito o Tribunal Arbitral que, no exercício da administração da justiça que lhe foi conhecido, legitima um dito "contrato oculto" que escapa (em toda a linha: competência, equilíbrio financeiro, correspondência mínima com o Contrato de Gestão) a todo o procedimento concursal.

40. Não tem a «declaração» analisada pelo Tribunal Arbitral e que encontrou real fundamento para a procedência do pedido formulado pela Demandante, a aptidão para ser qualificada de um ato administrativo concertado, muito menos o resultado alvitrado pelo Tribunal Arbitral da mesma declaração se pode achar como conferido «dentro dos parâmetros de validade orgânica, formal, procedimental e substancial do mesmo», já que irrompe com o procedimento concursal que antecedeu a celebração do Contrato de Gestão. Ao fundar, face aos factos a que resolveu atender, a decisão no artigo 236.º do Código Civil e na alegada "vontade real" atropela a necessária aplicação ao contrato administrativo em presença das regras e princípios aplicáveis aos contratos administrativos. A afirmação da celebração de um "contrato oculto" é gravemente errada e a afirmação de que um tal "contrato oculto" produziu efeitos jurídicos e gera o dever de o Estado pagar um montante autónomo distinto da remuneração estabelecida é gravemente contrário ao Direito, negando assim a sentença que assenta a sua decisão nessas duas afirmações a devida administração da justiça.

41. Mas mesmo que essa hipotética, e fabulosa, qual de "bastidores", vontade real de conceder ao concorrente numa fase não competitiva algo que seria ilegítimo de acordo com as regras do concurso, vontade existisse como real, não é por uma qualquer vontade existir e ser expressa por um qualquer declarante que a mesma produz efeitos de Direito e isso seja a ambiência pública seja privada, sejam as regras prima facie de Direito Administrativo ou de Direito Civil. Nos termos do artigo 405.º do Código Civil, a liberdade contratual, a expressão da autonomia privada, é exercida dentro dos limites da lei. No contrato administrativo, essa liberdade está desde logo delimitada pelas peças procedimentais, pela tramitação procedimental e pelos princípios que norteiam toda a contratação pública.

42. Abranger da «declaração» em causa, como tendo o Tribunal Arbitral admitido que tivesse constituído a «vontade real das Partes», «todos os programas específicos de financiamento que viessem a ser criados pelo Ministério da Saúde», independentemente de um juízo autónomo de inclusão e em acréscimo automático à remuneração do Parceiro Privado afigura-se, também insólito no «contexto negocial global», na medida em que, como se viu, as peças do concurso vedavam a pretensão do agrupamento concorrente em perceber uma qualquer remuneração adicional ao Contrato de Gestão que não estivesse contida no preço. Ora, a interpretação tinha, pois, de «discernir o sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo», o que a decisão arbitral manifestamente não fez.

43. A caricatura do resultado intensifica-se quando o Tribunal Arbitral, tentando encontrar clausulado que abarcasse e conformasse o resultado que, a final, acaba por extrair da «declaração», tropeça nos enunciados do n.º 3 da Cláusula 24.ª e do n.º 8 da Cláusula 28.ª - cf. p. 145 da decisão recorrida.

44. É que, não obstante o Tribunal Arbitral ter considerado que a sobredita «declaração» não «cabia» no sentido literal de tal clausulado, decide «resolver» a questão pela via da vontade real das Partes, por aplicação do n.º 2 do artigo 236.º do CC, sem antes ter indagado se a razão concreta dessa não impedia extrair esse mesmo resultado. O próprio Tribunal Arbitral reconhece (pp. 145 e 146 da decisão recorrida), atenta a letra do clausulado, que o Contrato de Gestão, seja pelo n.º 3 da Cláusula 24.ª, seja pelo n.º 8 da Cláusula 28.ª, vedava qualquer remuneração adicional automática, i. e., que uma pretensão do parceiro privado deste tipo fosse concedida sem que a Entidade Pública Contratante, no âmbito das suas atribuições, decidisse, caso a caso, incluir uma tal remuneração nos casos em que entendesse que o sentido global do contrato e do equilíbrio económico-financeiro não sairia sacrificado. É o que resulta dos segmentos «seria necessário considerar-se que qualquer abordagem terapêutica nova que o Demandado entendesse justificar a criação de um mecanismo de remuneração alternativo» a propósito do n.º 3 da Cláusula 24.ª; e «essa interpretação apenas admitiria (no sentido de não impedir) a aplicação de programas de financiamento, mas não criaria para o Demandado a obrigação de o fazer» a respeito do n.º 7 da Cláusula 27.ª.

Quinto e derradeiro:

45. Quando confrontado o Tribunal Arbitral com as alegações do Recorrente vertidas na Contestação sobre os pontos aqui tratados, em particular, quanto ao facto de a Comissão de Avaliação das Propostas ter negado a pretensão do agrupamento concorrente que viria a constituir a Demandante e de o Secretário de Estado não o representar à data em que foi emitida a «declaração» de 05.12.2008 (cf Doc. n.º ...0) na fase de negociação final, afirmou e decidiu do seguinte modo:

46. «Em segundo lugar, porque resulta da matéria de facto provada que foram os próprios representantes do Estado nas negociações que transmitiram à B... a mensagem de que não tinham mandato para resolver o tema dos programas de financiamento especifico e que só a tutela o poderia fazer (facto n.º 55), pelo que a invocação pelo Demandado, na presente ação, da incompetência do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde consubstancia abuso de direito, na sua modalidade de venire contra factum proprium.

A este propósito, a doutrina elenca quatro pressupostos que se devem verificar, em sistema móvel, para que se possa concluir pelo exercício abusivo de um direito, por se tratar de venire contra fac/um proprium. São estes: (i) encontrar­ se a Demandante numa situação de confiança; (ii) essa confiança ser justificada por elementos objetivos capazes de provocar uma crença plausível; (iii) a Demandante ter procedido a um investimento de confiança que tenha consistido em, nas palavras de MENEZES CORDEIRO, "ter havido um assentar efectivo de actividades jurídicas sobre a crença consubstanciada"; (iv) a imputação da situação de confiança ao Demandado. No presente caso, todos os requisitos se preenchem: a Demandante foi aconselhada pela própria Comissão de Avaliação das Propostas a dirigir-se à tutela, por ser a entidade com poderes para resolver a questão controvertida; a Demandante dirigiu-se à tutela, transmitindo que a não obtenção de um compromisso sobre a sua aplicabilidade ao Hospital ... implicaria a rutura das negociações (facto n.º 56); o Secretário de Estado da Saúde atuou de forma a assegurar a celebração do Contrato de Gestão, esclarecendo o sentido que o Ministério da Saúde atribuía ao contrato; com base neste compromisso escrito, a Demandante celebrou o Contrato de Gestão. Assim, vir agora o Demandado invocar que o Governo não representava o Estado no procedimento pré-contratual não pode deixar de se considerar um comportamento abusivo, contrário à boa-fé e, como tal, não pode deixar de se tratar de uma defesa que não pode ser procedente» - cf. pp. 152 e ss. da decisão recorrida.

47. O ponto de partida, como atrás vimos, prende-se com o facto de ter sido a própria Demandante a impulsionar a emissão da «declaração» que lhe fora endereçada numa fase não-competitiva, cujo teor da proposta de aplicabilidade dos programas de financiamento ao Hospital ... durante a vigência do Contrato de Gestão já havia sido recusado pelo órgão competente, a Comissão de Avaliação de Proposta, na medida em que o momento concursal já não o admitia, sob pena de ilegalidade:

I) o agrupamento concorrente que viria a constituir a Demandante sabia que a minuta enviada para os efeitos da BAFO não admitia a aplicação de financiamentos específicos e que a fase de negociação final somente servia para fechar aspetos da minuta do Contrato de Gestão, em ambiente não-competitivo e sem desvios às peças do concurso (cf. factos 39 e 47);

II) o órgão competente para dirigir a fase de negociação final (a Comissão de Avaliação das Propostas) expressamente negou o teor da proposta apresentada pelo agrupamento, tendo referido que era inaceitável no quadro do Contrato de Gestão de acordo com as peças do procedimento (cf. factos 24 e 54);

III) não só se presume, como resulta provado que cabia exclusivamente á Comissão de Avaliação das Propostas avaliar o mérito das propostas dos concorrentes e de dirigir a negociação final, conforme consta do Programa de Procedimento (facto 24.), como também resulta evidenciado que a adjudicação do contrato constitui um ato da competência dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde, sujeito a uma discricionariedade quase-zero (sob proposta daquela Comissão) e que deve seguir, como seguiu, a forma de Despacho Conjunto (facto 65) - sabia a Demandante que o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde era incompetente ratione materiae para vincular a Entidade Pública Contratante;

IV) os factos 56, 57 e 60 mostram que a «declaração» analisada pelo Tribunal Arbitral foi predeterminada pela atuação do agrupamento que viria a constituir a Demandante;

V) ao contrário do que entendeu o Tribunal Arbitral, e já explorado supra, a «declaração» em causa comporta outro sentido - o de que a aplicação dos programas específicos de financiamento do Ministério de Saúde (com a exceção do caso das doenças lisossomais de sobrecarga, já existentes à data e que, por isso, eram aplicáveis ao Hospital ...) dependia de uma decisão de inclusão posterior, a indagar pela Entidade Pública Contratante no âmbito do acompanhamento e fiscalização da execução do Contrato de Gestão de acordo com um juízo globalmente neutro, de um ponto de vista do equilíbrio do Contrato.

48. Por todos estes motivos, a pretensa confiança que a Demandante terá depositado naquela «declaração» não é digna de proteção forma ilimitada, injustificada e desproporcional atento o procedimento concursal que antecedeu a celebração do Contrato de Gestão, nem, muito menos, deveria a dita «declaração» ser interpretada no sentido de, com ela, fazer operar um tremendo desvio económico-financeiro ao equilíbrio do contrato, contrário ao âmago que encontrou habilitação, fundamento e limite para a escolha da contratação parcerística para a concessão de um serviço público.

49. Considerando que o Parceiro Privado é remunerado por linhas de produção (facto. 82), que o mesmo está vinculado a assistir doentes com Hepatite C (facto 70), que no âmbito dessa assistência, os cuidados de saúde que está vinculado a prestar por conta do Contrato estão classificados na Cláusula 36.ª (facto 71.), que a cada ato de produção, atos típicos de assistência hospitalar, corresponde um preço de referência previsto na Cláusula 44.ª de acordo com BAFO vencedora (factos 72 e 73) e que esses preços abrangem, nos termos da proposta, a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar considerando a alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª do Contrato de Gestão (factos 33 a 35, 37, 42 e 74), entender que o teor da «declaração» tem o objeto amplíssimo que o decisão recorrida considera, em manifesto erro, e admitir que é a confiança depositada pela Demandante que o justifica, é atropelar todo o procedimento que antecedeu o Contrato, desconsiderar regras basilares da competência dos atos administrativos e subverter a obediência da Administração Pública ao princípio da legalidade da atuação administrativa. Por todos estes motivos, errou de forma flagrante o Tribunal Arbitral.

50. O que está em causa na comunicação junta pela Demandante, assim como no Despacho n.º 38/2009, o que se visava era garantir a comparabilidade a que se refere o 5.5. do Anexo VII ao Contrato de Gestão. O n.º 5.5 do Anexo VII estabelece que «[p]or determinação do Ministério da Saúde, para efeitos de cálculo dos Doentes Equivalentes de Internamento e Cirurgia do Ambulatório e dos ajustamentos adicionais que se mostrarem necessários para garantir a comparabilidade com os outros Hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde, pode ser aplicada a fórmula de cálculo de Doentes Equivalentes de Internamento e Cirurgia do Ambulatório em vigor para a generalidade dos hospitais do SNS».

51. A comunicação e despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde apenas referem permitem a atribuição de financiamento específico quando a mesma e respetivos pressupostos não sejam incompatíveis com as regras do Contrato de Gestão. Não têm, em caso algum, aplicação quanto ao tratamento dos doentes com hepatite C. Uma vez que a prestação de tratamento a doentes com hepatite C se deve considerar remunerada pela Produção, a correspondente remuneração é regulada nos termos previstos nas Cláusulas 44.ª e seguintes do Contrato de Gestão e no correspondente Anexo VII e não através de qualquer modelo específico de financiamento, em conformidade, de resto, com o que foi estabelecido no quadro concorrencial. - cf. facto 39 da decisão recorrida.

52. A comunicação e despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Saúde interpretados em conformidade com a lei e só esta é possível, tinham subjacente o seguinte:

I) a classificação do programa em causa como um programa específico de financiamento do Ministério da Saúde, o que não se verifica no caso dos medicamentos para o tratamento dos doentes com hepatite C;

II) o acordo com a Entidade Pública Contratante,

III) que o programa específico esteja abrangido pelo Perfil Assistencial;

IV) inexistência de um mecanismo específico de pagamento no Contrato de Gestão para as prestações de saúde abrangidas pelo programa específico de financiamento, requisito este que, pelos fundamentos já expostos, não se verifica.

53. A interpretação do despacho conforme ao n.º 5.5. do Anexo VII do Contrato de Gestão que o habilita e que por seu turno integra o Contrato de Gestão impede que a definição do financiamento específico seja feita por mera declaração e que esteja na disponibilidade da Entidade Gestora do Estabelecimento, porquanto:

53.1. O Contrato disciplina as contraprestações a pagar pelo ente público ao ente privado, o que significa que qualquer pagamento tem de resultar de um ato expresso de vontade do ente público (o que, no caso, sempre significaria determinação expressa do ente público quanto à aplicabilidade de cada programa específico - programa a programa - perante um juízo do ente público de aplicabilidade àquele hospital, atento o perfil e as necessidades da população da área de influência em concreto, a par da verificação de outros possíveis requisitos fixados por lei ou regulamento administrativo do Ministério da Saúde);

53.2. As regras legais em matéria de regularidade de despesa impõem que a assunção das mesmas seja feita pelo ente público;

53.3. Não poderia, em caso algum, o ente público assumir uma despesa "aberta" de financiamentos presentes e futuros que não foram ponderados nos instrumentos de concurso, não foram considerados em concorrência, não foram tidos em conta na justificação da parceria público-privada e no comparador público e na determinação da eficiência, economia e eficácia da parceria público-privada - seria um verdadeiro "cheque em branco" incompatível com as regras de contratação pública, com as regras legais aplicáveis às parcerias público-privadas e com as regras de regularidade da despesa pública.

54. O Recorrente não entendeu na fase de negociação final outra coisa que não esta, em conformidade com as regras legais aplicáveis em matéria de contratação pública, termos em que erra o Tribunal Arbitral quando assaca à alegação do Demandado uma atuação em venire contra factum proprium.

55. O resultado interpretativo revelado na decisão do Tribunal Arbitral tomada por maioria viola frontalmente, por tudo o que antecede, as regras de concorrência, pois permite, através de uma «declaração» lateral ao procedimento concursal que antecedeu o Contrato de Gestão e dos seus efeitos pretensamente vinculantes para o contraente público sejam tidos sem qualquer juízo de conformidade com o regime remuneratório em concorrência estabelecido do Contrato de Gestão.

56. A fixação de uma remuneração anual global para as prestações de saúde e as responsabilidades da Entidade Gestora do Estabelecimento determinam, assim, que os custos em que seja necessário incorrer para realizar as prestações de saúde são da Entidade Gestora, conforme, de resto, devidamente explicitado nas peças do concurso e que, por isso, os concorrentes bem entendiam e reconheceram aquando da apresentação das respetivas propostas. - cf. factos 27 a 37 da decisão recorrida. Os custos com medicamentos estão incluídos na remuneração global anual nos casos da PPP, como resulta em coerência com o claramente expresso na alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª do Contrato de Gestão e resultou claro do procedimento concursal, constituindo um dos custos incluídos nas áreas de atividade hospitalar fixados na Cláusula 36.ª do Contrato de Gestão e remunerados com um valor anual valorizado nos termos da Cláusula 44.ª.

57. A Entidade Gestora fica adstrita a ministrar, no próprio Hospital ..., e a suportar os respetivos encargos, no âmbito da prestação de cuidados de saúde e pelos respetivos custos desta conforme estabelecidos na Cláusula 44.ª, os medicamentos que estes careçam e a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, nos termos da alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª do Contrato. E a estas prestações está a Entidade Gestora vinculada, nos termos dos n.ºs 1 e 2 da Cláusula 36.ª e do Anexo I ao Contrato de Gestão, sendo as mesmas remuneradas nos termos previstos no Contrato de Gestão. As atividades em causa estão incluídas na Produção sendo remuneradas linhas de atividade previstas contratualmente e de acordo com os preços fixados em regime concorrencial, nomeadamente, de acordo com a BAFO - cf. factos 72 e 82 da decisão recorrida.

58. Daqui decorre a obrigatoriedade para a Entidade Gestora de ministrar os medicamentos e de os dispensar através da sua farmácia hospitalar, sem que seja devido qualquer pagamento autónomo para além do contido nos preços de referência pautados em concorrência, aspeto, de resto, incontrovertido: Não previam as peças do concurso uma qualquer remuneração adicional ao Contrato de Gestão, por aplicação de programas específicos de financiamento ao Hospital .... Foi com estes pressupostos que todos (repete-se: todos) os concorrentes apresentaram as respetivas propostas e neles, claro está, também o agrupamento que viria a constituir a Demandante. - cf. factos 30, 34, 35, 37 («[o]s instrumentos de concurso estabeleceram que os preços deveriam refletir efetivamente imputáveis a cada área de atividade e especialidade e que os preços de referência a propor pelos concorrentes deveriam refletir a inclusão de todos os serviços que são objeto do Contrato de Gestão e que ficam a cargo da Entidade Gestora do Estabelecimento, incluindo os medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados»), 39, 72 («[a] cada ato de produção corresponde um preço de referência previsto na cláusula 44.ª do Contrato de Gestão e que resulta da proposta final (BAFO) apresentada pelo Agrupamento Concorrente»).

59. Fazer adulterar esse mecanismo de pagamentos, como faz a decisão arbitral ora em crise, ditando o pagamento autónomo por encargos que são contidos no mecanismo de pagamentos e modelo de remuneração estabelecido na parceria, em concorrência, é defraudar os pressupostos que justificaram a adjudicação e a celebração da parceria.

60. A equivalência das prestações que constitui pressuposto contratual era clara para os concorrentes e manteve-se assim durante toda a execução do Contrato, mau grado a interpretação que agora faz o Tribunal Arbitral de uma «declaração» lateral ao procedimento concursal em presença:

I) Ficou a Entidade Gestora do Estabelecimento a adstrita a realizar a assistência a doentes da sua Área de Influência de acordo com o Perfil Assistencial;

II) O tratamento da Hepatite C está incluso no Perfil Assistencial;

III) Nas diferentes linhas de produção, incluindo em ambulatório e em Consulta Externa;

IV) Com dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória de farmácia hospitalar;

V) De acordo com as normas de orientação clínica e as boas práticas em cada momento da execução da parceria vigentes;

VI) Sendo paga pela remuneração dos atos de produção de acordo com os preços fixados em geral para tipo de ato, fechados em concorrência;

VII) Preços esses que incluem os encargos com medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar.

61. Era este o quadro gizado pelas peças do procedimento; quadro revelado de forma igual para todos os concorrentes, tendo sido pressuposto, para todos os concorrentes, por um lado, e para a justificação da Parceria da perspetiva do contraente público, por outro; quadro este o Tribunal Arbitral decidiu ignorar, sendo marca indelével do caráter errado da decisão recorrida, que não poderá viver na ordem jurídica com um signo de validade dentro dos ditames de Direito Administrativo Geral, como atrás se viu, nem muito menos de acordo com as regras que devem orientar a contratação pública e a salvaguarda da concorrência.

62. A propósito da relevante violação das normas e princípios de contratação pública que norteiam toda a atividade administrativa e preterição de normas constitucionais e afetação do princípio do primado da União Europeia, com violação dos artigos 266.º, n.ºs 1 e 2, e 8.º da Constituição da República Portuguesa. O que a interpretação, forçada e em violação de lei, que o Tribunal Arbitral faz da «declaração» (e não do Contrato de Gestão, pois que o Tribunal Arbitral não encontrou nenhuma cláusula que desse guarida a tal interpretação, cf. p. 146) dita é a execução de um contrato diferente daquele que a ora Recorrente celebrou e que celebrou na sequência de um procedimento competitivo.

63. Ora, ao desconsiderar que o modelo de remuneração ficou fechado em concorrência e ao forçar inexplicavelmente uma interpretação do Contrato de Gestão, sem que o mesmo tenha declaradamente um qualquer reflexo no clausulado e nas peças do concurso que antecederam a celebração do mesmo, aditando, com isso, linhas de remuneração que "não foram à concorrência", não constituíram pressupostos da celebração do Contrato de Gestão e não foram ponderadas na aferição para efeitos do comparador público e justificação da parceria público-privada, viola o Tribunal Arbitral de forma clamorosa os mais basilares princípios de contratação pública, princípios estes que constituem consagração do Direito da União Europeia; estão densificados no Código dos Contratos Públicos (CCP) em transposição das Diretivas n.ºs 2004/17/CE e 2004/18/CE, e na revisão do CCP, com a transposição das Diretivas n.ºs 2014/23/UE, 2014/24/UE e 2014/25/UE, todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014 e a Diretiva n.º 2014/55/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014.

64. E temos aqui duas dimensões desta violação e do percurso errado efetuado pelo Tribunal Arbitral num devaneio interpretativo da «declaração» em causa, sem prejuízo dos vícios que já assacou o Recorrente a tal comunicação e o seu reflexo na consideração dos seus efeitos vinculantes para o contraente público. A primeira, centrada nas regras da concorrência, é revelada pela seguinte passagem da decisão recorrida, logo após a parte acima transcrita e que representa o quarto erro acima apontado pela Recorrente ao nível das regras de interpretação dos contratos administrativos:

«Contudo, é especialmente relevante a exigência legal de forma escrita por motivos de solenidade. A doutrina civilista sublinha, a este propósito, a necessidade de publicidade do contrato, para que os terceiros o possam consultar e conhecer, o que ficaria frustrado pudesse vale com um sentido que fosse inalcançável por aqueles que não são partes. No âmbito da contratação pública, à necessidade de publicidade acresce o facto de a forma escrita ser relevante por uma questão de suscetibilidade de controlo pelos concorrentes preteridos da conformidade entre o contrato levado a concurso e o contrato efetivamente celebrado, bem como da não modificação superveniente do seu sentido em termos tais que se possa concluir que os concorrentes, se tivessem conhecido aquela leitura, teriam apresentado uma proposta mais competitiva.

Ora, no presente caso, a concorrência não é afetada pela interpretação do contrato no sentido da aplicação ao Hospital ... dos programas específicos de financiamento, ao invés da mera remuneração por atos de produção, porquanto resulta da matéria de facto provada que o surgimento de tais mecanismos alternativos é superveniente à abertura do concurso (facto n.º 51), à apresentação das propostas iniciais e à apresentação das propostas finais, tendo apenas começado a surgir, no agrupamento Demandante, o tema das abordagens terapêuticas novas e respetiva necessidade de financiamento adequado, já durante a negociação da minuta do contrato de gestão (facto n.º 49), que era uma fase não competitiva, apenas para fecho de aspetos da minuta e dos seus anexos de acordo com a BAFO classificada em primeiro lugar (facto n.º 47).

Ora, sendo o aparecimento de abordagens terapêuticas novas superveniente à apresentação das propostas, conclui-se que nem o Demandante, nem os restantes concorrentes, introduziram qualquer agravamento no valor da proposta para acomodar a eventualidade do seu surgimento (factos n.º 111 e n.º 112). Consequentemente, se tal agravamento não se verificou, também não é possível afirmar que se os restantes concorrentes tivessem sido informados da aplicabilidade de programas de financiamento específico para o tratamento de certas doenças, como a hepatite C, teriam reduzido o valor da proposta, apresentando propostas comparativamente mais competitivas. Na verdade, caso os restantes concorrentes tivessem conhecido a emergência de abordagens terapêuticas novas e fossem informados de que o Estado, eventualmente, poderia vir a criar, discricionariamente, mecanismos alternativos para o seu financiamento, as propostas, no melhor cenário, ter-se-iam mantido inalteradas (mas certamente não se teriam reduzido). É, aliás, precisamente por a Demandante ter compreendido que a aplicabilidade dos programas de financiamento era necessária para que o preço que apresentou na proposta se pudesse manter, que ficou provado que tal aplicabilidade era um pressuposto essencial, sem o qual a Demandante não teria procedido à assinatura do Contrato (facto n.º 59).

Em suma, a interpretação do contrato que consta da carta enviada pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, e que coincide com a do Demandante, não distorce a concorrência, limitando-se antes a reconstituir a situação em que os concorrentes, nomeadamente a Demandante, se encontravam se nunca tivessem surgido as referidas abordagens terapêuticas novas, com as quais não contavam e que não incorporaram no seu modelo financeiro (factos n.º 111 e n.º 112). Assim, não se pode concluir que, caso os concorrentes soubessem desta interpretação do contrato, poderiam ter apresentado propostas mais competitivas, pois, pelo contrário, seria este o único sentido interpretativo que permitira que todos os concorrentes estivessem em condições de manter as suas propostas». - cf. pp. 147 e 148. da decisão recorrida (negritos nossos).

65. Este racional merece um forte repúdio do Recorrente. A violação da concorrência não se deve afastar pela via de um juízo metodológico estritamente subjetivo em função do que os concorrentes poderiam ou não contar à data da apresentação das propostas. Como dá o Tribunal Arbitral por provado, os concorrentes deveriam incluir no modelo financeiro anexo às propostas um preço por linha de atividade que englobasse o respetivo custo, sendo evidente, aliás, que o esquema contratual gizado e assim refletido nas peças do concurso não remunera o Parceiro Privado em função dos custos (e da sua evolução, nomeadamente dos custos medicamentos) associados aos atos de produção (factos 34 e 35), mas sim de acordo com um preço médio (factos 38, 103 a 105) por referência à proposta apresentada pelo Concorrente (facto 72). A remuneração do Parceiro Privado ao longo do Contrato de Gestão é, assim, ditada e conformada pela comparabilidade entre as propostas apresentadas pelos concorrentes, donde sai evidenciada que de entre os diversos agrupamentos concorrentes, vence a proposta que apresente um maior ganho para o Parceiro Público, orientado por critérios de economia e de eficiência (facto 38.).

66. O que admite o Tribunal Arbitral com o raciocínio que expediu relativamente a este aspeto, é que um concorrente que apresente uma proposta vantajosa no plano da comparabilidade seja, terminada a fase competitiva, avantajado com a possibilidade de, contra as peças do concurso, alinhar num pressuposto para a execução do contrato que não constitui um pressuposto suscetível de ser assumido por qualquer concorrente. E aqui o pressuposto insuscetível de ser assumido por qualquer concorrente não era o facto de os agrupamentos, de acordo com a sua estratégia, terem previsto ou feito refletir uma evolução positiva ao nível dos custos dos medicamentos associados ao tratamento de uma determinada patologia que os tivesse levado, por hipótese, a reverem o preço médio em alta (com este pressuposto contavam todos os concorrentes, factos 34 e 35), comportando este pressuposto a essência do lançamento do concurso - a busca do best value for money; o pressuposto realmente insuscetível de ser assumido por qualquer concorrente era o de considerar que, afinal, por uma qualquer razão, o contraente público pudesse, contra as peças do concurso, remunerar adicionalmente, fora do (e em acréscimo ao, como se verá) contexto vinculante, ou seja, de acordo com o preço médio de cada proposta que constituía o juízo de comparabilidade para determinar a ordenação das propostas.

67. A questão que o Tribunal Arbitral devia ter colocado (e não o fez, tendo optado por um método subjetivista e póstumo) era a de formular a questão no sentido inverso. Teriam os concorrentes apresentado a mesma proposta acaso soubessem que, afinal, o Parceiro Público poderia remunerar, em acréscimo aos preços médios refletidos nas propostas, cuidados de saúde por doente tratado a coberto de programas específicos de financiamento que viessem a ser aprovados? Por certo que não. A tónica, e aqui se percebe a violação da concorrência, é que o juízo efetuado pelo Tribunal Arbitral elimina um aspeto essencial de todo o mecanismo de remuneração do Parceiro Privado. Nestes casos, o Parceiro Público remunera a Entidade Gestora do Estabelecimento de acordo com as linhas de atividade previstas no Contrato de Gestão e por referência aos preços indicados nas propostas, e adicionalmente remunera o Parceiro Privado pelos mesmos atos de produção a coberto de um programa específico de pagamento por doente tratado. A remuneração do Parceiro Privado deixa de ser (x) multiplicado pelos atos de produção e passa a ser (x) multiplicado pelos atos de produção (y) mais o preço estabelecido nos programas específicos de financiamento multiplicado pelo número de doentes tratados pelo Parceiro Privado (ao qual já correspondeu a remuneração prevista no Contrato).

68. A segunda vertente do erro em que incorreu o Tribunal Arbitral parte do mesmo raciocínio agora aplicado a uma realidade não abordada na decisão recorrida, ou seja, na perspetiva do Parceiro Público. O Parceiro Público, movido como vimos pela busca do best value for money e na procura de ganhos de economia e de eficiência, entregando ao Parceiro Privado a gestão de um estabelecimento e remunerando-o nos termos estabelecidos no Contrato de Gestão, de acordo com um mecanismo fechado de acordo com os pressupostos assumidos nas peças do concurso. Não paga custos, paga um preço médio de acordo com a vantagem atribuída à proposta vencedora, depois de efetuado o sobredito juízo de comparabilidade entre as propostas. De que forma é que esta alteração de pressupostos se pode considerar como não atentatória da concorrência? Não pode.

69. Fechada a fase competitiva, aliás, com a apresentação pelo agrupamento que viria a constituir a Demandante, de uma proposta que se situava 33% abaixo do valor do Custo Público Comparável (factos 100 e 101), vê-se confrontado o Parceiro Público com uma interpretação de uma «declaração» exógena ao procedimento concursal cujo resultado implica, após a aplicação da fórmula atrás sinteticamente reproduzida, que o Parceiro Privado terá afinal direito a perceber não só o preço médio a que se vinculou por cada ato de produção por referência àquela proposta que apresentou, como também ao preço que resulta espelhado em programas específicos de financiamento ditados para os Hospitais EPE que incide, precisamente, sobre atos de produção já remunerados e inclusos no mecanismo de remuneração emergente do Contrato de Gestão (n.ºs 1 e 2 da Cláusula 36.ª e Cláusula 44.ª), mas quanto a este valor adicional tem direito a recebê-lo por inteiro, como se fosse um hospital público.

70. É dizer que o Estado, de acordo com o entendimento que vingou na decisão recorrida, paga ao Parceiro Privado o preço que o mesmo se vinculou através da proposta por si apresentada, preço esse que, em média, se situará 33% abaixo dos custos que o mesmo Hospital teria caso fosse integrado na gestão pública, e paga também, a 100%, ao mesmo Parceiro Privado e pelos atos que já foram pagos nos termos do Contrato, o valor que suporta nos Hospitais EPE a título do custo por aqueles tratamentos abrangidos por programas específicos de financiamento.

71. Nada há nada que mais comprove o manifesto erro em que incorreu o Tribunal Arbitral, pois que o Parceiro Privado está, nestes casos, a receber por estes atos um valor superior (e bastante superior) ao Custo Público Comparável, isto claro, se o Tribunal Arbitral tivesse colocado a questão anterior da forma correta; se olharmos do modo inverso a questão ganha ainda uma maior caricatura: a Entidade Gestora do Estabelecimento percebe, por inteiro, o valor indicado nos programas específicos de financiamento vertidos nos Contratos­ Programa estabelecidos para os Hospitais EPE, e depois ainda percebe, sobre os mesmos atos, o valor resultante da aplicação do mecanismo de remuneração do Contrato de Gestão, fixado em preços médios (incluindo os encargos com os medicamentos e entre estes os encargos com os medicamentos para o tratamento da Hepatite C) e por linhas de atividade: recebe duas ou mais vezes pelo mesmos atos – cf. factos 99 a 100 da decisão recorrida.

72. A dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar no tratamento em ambulatório dos doentes com Hepatite C constitui uma obrigação da Entidade Gestora do Estabelecimento e não uma obrigação da Entidade Pública Contratante. No caso, as prestações a que o contraente privado e o contraente público se obrigaram no contrato celebrado correspondem, no caso concreto, àquelas que vêm sendo realizadas por ambas as Partes, não sendo exigível ao contraente público ter de aceitar neste momento um aumento da contraprestação a seu cargo tal como pretende o contraente privado. Mais ainda quando a prestação do contraente privado (i) corresponde rigorosamente àquela que foi acordada, (ii) assumiu relevância para a escolha do contraente privado e para a decisão de celebração do contrato pelo contraente público, (iii) e resulta do clausulado do contrato que foi livremente celebrado entre as Partes.

73. A «declaração» interpretada pelo Tribunal Arbitral não pode, pois, ter o significado que lhe foi atribuído na decisão recorrida, sob pena de manifesta ilegalidade. Deveria, de contrário, ser interpretada no sentido de fazer depender a aplicabilidade de programas específicos de financiamento do juízo de compatibilidade com o mecanismo de remuneração previsto no Contrato de Gestão por a prestação em causa não estar já abrangida na contraprestação traduzida nesse mecanismo.

74. Nos contratos de gestão das PPP na área da saúde o preço compreensivo é por linha de atividade. O financiamento dos Hospitais Públicos é definido e varia anualmente, podendo existir formas de financiamento que por preço compreensivo por linha de atividade (internamento, consulta externa, urgência e sessões de hospital de dia), valores de convergências, pagamento compreensivo por doente.

75. Sendo as Metodologias e contratos-programa para os Hospitais Públicos anualmente revistas, poderá existir revisão (em baixa) do preço de alguns dos atos que as integrem, nomeadamente, para a respetiva inclusão numa linha de financiamento compreensiva por doente tratado que se harmonize com o financiamento hospitalar globalmente considerado. Diferentemente, os preços nas parcerias público-privadas em saúde PPP têm um mecanismo de pagamento estável, o qual é atualizado de acordo com a variação da inflação, de acordo com o Índice de Preços do Consumidor (IPC). As propostas apresentadas pelos concorrentes ao abrigo de procedimentos concursais para a celebração de contratos de gestão na área da saúde pressupõem um preço médio por linha de produção, indiferente ao ato que lhe dá causa e aos custos associados a atos complementares associados (como a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar) a atos que integrem as linhas de produção (como o Internamento, o Hospital de Dia ou a Consulta Externa).

76. A interpretação que o Tribunal Arbitral faz está em clara colisão com o disposto no n.º 2 do artigo 105.° da Constituição da República Portuguesa, e com o regime da assunção de compromissos, em subtração a regras de Direito da União Europeia e consequente violação do princípio do primado. A interpretação feita pelo Tribunal Arbitral é contrária ao disposto no n.° 4 do artigo 105.° da Constituição da República Portuguesa, quando dispõe que o «Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas».

77. A interpretação adotada pelo Tribunal Arbitral contende com o n.° 4 do artigo 105.° da Constituição e com o reconhecimento que desta norma fundamental resulta de que a «garantia institucional do orçamento implica que não pode haver receitas nem despesas públicas sem estarem inscritas no orçamento».

78. A aplicação do primado do Direito da União Europeia dita ainda a aplicação na ordem jurídica portuguesa do princípio do equilíbrio orçamental efetivo. A admissão pelo Tribunal Arbitral de que um qualquer plus de vontade do parceiro privado, ditando uma despesa não prevista nos instrumentos de concurso, nem contida na proposta adjudicada, nem admitida pelo Estado e incompatível com o mecanismo de remuneração contratualmente estabelecido (esse sim, que gera obrigações cujas respetivas despesas têm, e foram-no, de ser orçamentalmente previstas e dotado o orçamento de acordo com esse planeamento), constitui violação grave do referido princípio do equilíbrio orçamental efetivo.

79. A Lei de Enquadramento Orçamental obriga, assim, a fazer operar o comparador público, na justificação da parceria público-privada. Ora, como ficou provado, na justificação da economia, eficácia e eficiência da parceria público­ privada do Hospital ... não foi considerada a aplicação de financiamento autónomo, remuneração "extra", para o tratamento em ambulatório de doentes com Hepatite C; o tratamento desses doentes e os respetivos encargos do parceiro privado foram considerados como abrangidos no pagamento dos atos de produção pelos preços em concorrência fixados.

80. No articulado da Lei do Orçamento do Estado, nos termos da alínea 1) do n.º 1 do artigo 31.º da Lei de Enquadramento Orçamental, tem de ser realizada a «determinação do limite máximo de eventuais compromissos a assumir com contratos de prestação de serviços em regime de financiamento privado ou outra forma de parceria dos sectores público e privado», o que foi e verificado como pressuposto da contratação da parceria público-privada em causa, de acordo com o artigo 6.º do regime legal das parcerias público-privadas, então vigente, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, na redação que lhe havia sido dada pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, considerando, lá está, os financiamentos específicos previstos na metodologia dos contratos-programa para os hospitais do SPA e do SPE e as metodologias de pagamento prevista nos contratos-programa como não aplicáveis ao Contrato de Gestão em parceria público-privada, o que era, atentos instrumentos concursais e a tramitação concursal havida, claro para ambas as Partes (Facto n.º 39).

81. Permitir o Tribunal Arbitral dizer que o Estado assinou um "cheque em branco" passado a favor do privado para este nele incluir todos os financiamentos específicos que entenda unilateralmente aplicáveis é tão gravoso para o interesse público como profundamente ilegal, ferindo os artigos 105.º, n.º 4, e 106.º, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa e os artigos 19.º, n.° 2, 31.º, n.° 1, alínea 1), e 37.º, n.° 1, alínea c), da Lei de Enquadramento Orçamental.

82. O que a interpretação do tribunal arbitral, com a indevida valoração de um qualquer alegado «contrato oculto» é, assim, a execução de um contrato distinto do celebrado e com pressupostos distintos dos que presidiram ao comparador público, à justificação da parceria público-privada e à inscrição no mapa orçamental de programa plurianual desta parceria.

83. E não basta dizer que a ilegalidade invocada pelo então Demandado ora Recorrente seria afastada com o envio deste outro contrato para o Tribunal de Contas, pois o tal outro contrato, modificando o Contrato de Gestão ou aduzindo encargos ao Contrato de Gestão que foi remetido para visto, sempre estaria ele próprio sujeito a fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 46.º da LOPTC, e não poderia produzir quaisquer efeitos financeiros antes do visto em sede de fiscalização prévia, nos termos do n.º 1 do artigo 45.º da LOPTC na versão vigente à data da assinatura do Contrato de Gestão, e a remessa para fiscalização prévia poderia ditar a recusa de visto e esta, nos termos do n.º 2 do artigo 45.º da LOPTC então vigente, ditaria consequentemente a ineficácia jurídica do ato. A questão não pode, pois, ser singelamente resumida à falta de remessa. A comunicação do Senhor Secretário de Estado e o despacho n.º 38/2009 não foram remetidos para visto pois não geravam encargos adicionais, nem podiam gerar. Apenas a decisão em concreto de aplicar, após o juízo pelo ente público de que tal financiamento não é incompatível com o mecanismo de remuneração contratualmente fixado e que a prestação não está já neste contida, e após a contratualização nos termos da Cláusula 53.ª do Contrato de Gestão (cf.- Factos n.ºs 94 e 95), e após igualmente a verificação comportabilidade orçamental e o cumprimento das regras de assunção de compromissos e de regularidade da despesa, pode gerar assunção de encargos novos e, perante esse juízo, o envio para fiscalização prévia pelo Tribunal de Contas. Oblitera a decisão recorrida todo este procedimento.

Quanto aos subsistemas públicos:

84. A decisão do tribunal arbitral em apreço, no que ao objeto dos subsistemas públicos tange, coloca uma questão jurídica proeminente, a de saber se pode o julgador e aplicador do Direito alcançar um resultado de aplicação retroativa de um novo regime legal para o qual o legislador estabeleceu expressamente a aplicação apenas para o futuro e a data futura do início da produção dos seus efeitos. A resposta à questão jurídica assim colocada tem necessariamente de ser negativa.

85. Conforme se lê a páginas 157 do acórdão de 31.01.2022 sobre que incide o presente recurso de revista, o Tribunal Arbitral colocou o problema a decidir nos seguintes termos:

«A procedência do presente pedido depende da resposta a duas questões: primeiro, saber se os subsistemas públicos têm responsabilidade pelo pagamento dos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, dispensados pelo Hospital ..., sem associação a um ato de produção, aos seus utentes; em segundo lugar, determinar se resulta das cláusulas do Contrato de Gestão o afastamento das obrigações que o n.º 8 da cláusula 28.ª atribui às Partes, se se verificar a responsabilidade financeira dos referidos subsistemas públicos.» Mais referiu que

«A resposta à primeira questão resultará da análise das normas legais em vigor durante a execução do contrato, que terão alocado a responsabilidade financeira por esta dispensa ou ao Demandado ou aos subsistemas públicos. Caso se conclua que a responsabilidade era, nos termos da lei, do Demandado, a segunda questão ficará, desde logo, prejudicada, conforme se analisará em seguida.»

86. Na análise da primeira questão a decisão do tribunal, o acórdão arbitral de 31.01.2022 com o acórdão arbitral de 28.03.2022 que o integra, colide frontalmente com o regime legal de interpretação das normas jurídicas e com o regime legal de aplicação da lei no tempo, de forma relevante e gravosa.

87. Ainda quanto ao enunciado da primeira questão, destaca o ora Recorrente (ainda que não sufrague o exposto a páginas 160 do acórdão de 31.01.2022) que o acórdão de 31.01.2022 conclui, e nesse aspeto bem, que «[é], assim, na articulação entre o Contrato de Gestão e a lei que reside a resolução do problema sub iudice, isto é, na interpretação do regime aplicável, na determinação da conformidade ou desconformidade entre as cláusulas contratuais e as normas legais e, em caso de desconformidade, na definição das suas consequências (isto é, saber se as obrigações contratuais se devem redefinir à luz da responsabilidade definida na lei ou se é nas relações financeiras internas entre as várias entidades públicas que a lei encontrará a sua concretização)», mas então, se assim é, é grave o erro e muito relevante a questão jurídica. É que só alcança o Tribunal Arbitral que o Demandado deve responder, pagando, pois aplica a lei em sentido antagónico com o regime legal de aplicação da lei no tempo.

88. Atente-se, designadamente, no Facto provado n.º 18, a páginas 19 do acórdão de 31.01.2022, quando refere «[d]e acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013, aprovada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a ADSE foi autorizada a transferir a totalidade do montante da contribuição da entidade empregadora para o Serviço Nacional de Saúde», o que refira-se, não sucedeu («continuando a ADSE em orçamentos posteriores a receber transferências do Orçamento do Estado e a não transferir a totalidade do montante da contribuição da entidade empregadora para o Serviço Nacional de Saúde»), mas constitui assunção clara pelo Tribunal Arbitral de que a alteração financeira objeto do Memorando de Entendimento de 2010 não abrangeu todos os encargos, pois só assim se compreende que, por referência ao ano de 2013, entenda que a ADSE foi autorizada «a transferir a totalidade do montante da contribuição da entidade empregadora para o Serviço Nacional de Saúde».

89. No mesmo sentido, reconhece o Tribunal Arbitral no Facto n.º 19 que «[o] Despacho n.º 4631/2013, dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, determinou que o pagamento das comparticipações do Estado na compra de medicamentos dispensados a beneficiários pela Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas passava a ser encargo do Serviço Nacional de Saúde a partir do dia 1 de abril de 2013», o que, não deixando, reforça o ora Recorrente, de se referir apenas à comparticipação dos medicamentos adquiridos em farmácia comunitária (farmácia "de rua"), não abrangendo, pois, os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, não deixa de fazer resultar que o tribunal conhece e dá como provado que o Memorando de entendimento de 18 de janeiro de 2010 (no qual pretende a páginas 162 do acórdão de 31.01.2022, fundar a sua decisão) não abrangeu a totalidade dos encargos com beneficiários de subsistemas públicos. Verifica-se, assim, igualmente um erro ostensivo e clamoroso na interpretação feita pelo Tribunal Arbitral às sucessivas Leis de Orçamento de Estado (2010-2016) quanto à dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar e em referência à articulação e relações financeiras entre o SNS e os subsistemas públicos.

90. A decisão oblitera o regime de produção de efeitos expressamente definido no Decreto-Lei n.º 124/2018, de 14 de dezembro, que estabelece a sua entrada em vigor para o dia 1 de janeiro de 2019, e oblitera ditando a sua aplicação retroativa, violando o disposto no regime legal de interpretação das normas jurídicas e de aplicação da lei no tempo. Colide ainda, por manifesta incompatibilidade, com o regime de complementaridade dos subsistemas públicos, com o regime orçamental e de afetação da despesa pública e com o regime de transferência do risco, neste caso de cobrança, das parcerias público­ privadas.

91. O Tribunal Arbitral apenas toma a decisão ora recorrida pois desconsidera, de forma gravosa, que o Decreto-Lei n.º 124/2018, de 14 de dezembro, contém novidade no regime jurídico a adotar para a responsabilidade financeira pela dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar a beneficiários da ADSE, e assaca efeitos para o passado, o que a lei veda. Quando a lei expressamente determina que apenas dispõe para o futuro, como faz o Decreto-Lei n.º 124/2018, de 14 de dezembro, no seu artigo 3.º: «Artigo 3.º Produção de efeitos: O presente decreto-lei produz efeitos a 1 de janeiro de 2019», não revela qualquer intenção normativa de o fazer com efeitos retroativos.

92. Os medicamentos «[p]rescritos ou dispensados por estabelecimentos integrados na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, exceto se consumidos em ambiente hospitalar numa entidade que tenha convenção com a ADSE» não estavam excluídos da responsabilidade financeira da ADSE e, com a lei nova, passaram a estar.

93. O Decreto-Lei n.º 124/2018 não é uma lei interpretativa, mas antes uma lei inovadora e enquanto tal «sujeita-se ao regime de aplicação no tempo definido pelo art.º 12» e não pode o Tribunal Arbitral alvitrar um resultado como se o Decreto-Lei n.º 124/2018 fosse uma lei interpretativa. A previsão, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 124/2018, de 14 de dezembro, de que o diploma produz efeitos a partir 1 de janeiro de 2019, é, em absoluto, incompatível com a consideração da interpretação autêntica e da sua alegada eficácia retroativa, o que equivaleria à admissão de uma insanável contradição interna, que o intérprete não está autorizado a presumir, devendo, antes, presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, última parte, do Código Civil), não se verificando qualquer motivo que, sequer, permitisse admitir o afastamento de tal presunção legal.

94. O Decreto-Lei n.º 124/2018 está a inovar, alterando o Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro. Age, assim, pois, o legislador com novidade, introduzindo uma alteração no ordenamento tal qual é, não interpreta lei anterior, altera o Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, que não tinha sofrido alteração. Tendo-se por claro que apenas é interpretativa a lei que «se propõe determinar o sentido de uma lei precedente, para esta ser aplicada em conformidade» não poderia nunca ser aceite, porquanto juridicamente incorreta, a afirmação de que a norma da alínea b) do n.º 3 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 118/83, de 25 de fevereiro, constitui interpretação autêntica. Ora, o Tribunal Arbitral assaca uma consequência de Direito como se o Decreto-Lei n.º 124/2018 não dispusesses exclusivamente para o futuro.

95. No caso, não há norma precedente/interpretada, o que inviabiliza, lógica e juridicamente, a verificação da categoria lei interpretativa; esta categoria é relativa; não existe lei/norma interpretativa em termos absolutos; sem lei/norma interpretada não pode verificar-se, por ilogicidade, lei/norma interpretativa. Até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 124/2018, o legislador manteve na ADSE a responsabilidade pelos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar prescritos fora dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde.

96. O Memorando de Entendimento de 18 de janeiro de 2010 não tem nem fáctica nem juridicamente, o alcance que o Tribunal Arbitral lhe concede. O Memorando abrangeu os atos de natureza assistencial, os cuidados de saúde que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde prestassem a assistidos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde que fossem simultaneamente beneficiários da ADSE, para estabelecer que os estabelecimentos do SNS deixassem de considerar para aquela sua assistência hospitalar os subsistemas públicos de saúde como Terceiros Pagadores, e consequentemente deixassem de faturar de acordo com a acima referida Tabela de Preços, aprovada ao abrigo do artigo 25.º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, abrangeu os atos assistenciais hospitalares, o internamento, a consulta externa, o que o Contrato de Gestão trata como linhas de atividade assistenciais, realizados pelos hospitais do Serviço Nacional de Saúde a seus beneficiários e simultaneamente beneficiários dos subsistemas públicos de saúde, mas não abrangeu a dispensa em ambulatório, por regra para toma no domicílio, de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, e muito menos quanto à dispensa de medicamentos não prescritos por um estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde.

97. A prescrição, dita "fora", é feita num consultório privado ou num estabelecimento de saúde privado ou do setor social com convenção com o subsistema público de saúde ao qual o beneficiário desse subsistema acorria enquanto tal, enquanto beneficiário da ADSE, na lógica de complementaridade que os subsistemas públicos de saúde prestavam, e prestam, aos seus beneficiários, em razão das contribuições destes. Essa prescrição fora dos estabelecimentos do SNS não foi abrangida pelo Memorando, nunca esteve no espírito, nem na sua letra, e não está, pois, no seu sentido e alcance. O Memorando não abrangeu as dispensas de medicamentos associadas a atos cujo prescritor não integrava o Serviço Nacional de Saúde, pois esses prestadores-prescritos atuavam a cargo dos subsistemas públicos de saúde, na complementaridade por esta garantida aos seus beneficiários em razão do pagamento das suas contribuições.

98. A não abrangência pelo Memorando, em qualquer caso, da dispensa em ambulatório dos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar é também clara quando confrontamos a própria sistemática do Memorando de 18 de janeiro de 2010, pois:

I) o n.º 1 estabelece como «a introduzir no Orçamento do Estado para 2010: a. dotação orçamental do Ministério da Saúde será acrescida de 470M€ (...) para satisfazer despesas de saúde dos beneficiários da ADSE; (...)»;

II) ficando, nos termos do n.º 2 do Memorando, a ADSE isenta do «pagamento por conta dos serviços de saúde»;

III) conforme dita o n.º 3, as despesas com medicamentos destes beneficiários «serão monitorizadas», para quê? «com vista a estimar o reforço da transferência para o SNS». Ou seja, não oferece qualquer dúvida que, em qualquer caso, entenda-se o que se pretenda entender, o dito reforço da dotação orçamental do Ministério da Saúde não abrangeu os medicamentos.

99. Os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar não foram abrangidos pelo Memorando, nem pelo Orçamento do Estado.

100. E o Decreto-Lei n.º 124/2018 é categórico ao afirmar a sua produção de efeitos a 1 de janeiro de 2019. É ainda claro entre os requisitos da interpretação autêntica que «a nova fonte não deve ser hierarquicamente inferior à fonte interpretada».

101. A Lei do Orçamento do Estado é uma lei de valor reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da Constituição da República Portuguesa. A Lei do Orçamento do Estado, competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea g) do artigo 161.º da Constituição, «contém diretrizes materiais avulsas» «que vinculam materialmente os atos legislativos que lhes devem respeito». O Decreto-Lei n.º 124/2018 não pode ser tido como lei interpretativa de leis do Orçamento do Estado na medida em que não tem o mesmo valor que as leis do Orçamento do Estado; estas são leis de valor reforçado, «quaisquer outras normas legislativas estão adstritas a serem com elas conformes» (Cf. JORGE MIRANDA, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, FDUL, 1990, p. 297.); no «mesmo ano económico, nenhuma lei que não seja de modificação do próprio orçamento pode contrariar o orçamento».

102. Não se admite, por isso, que um decreto-lei em 2018 venha retroativamente dar um sentido interpretativo a normas constantes de Leis de Orçamento do Estado de anos anteriores. Não pode, pois, a decisão arbitral assacar das Leis de Orçamento do Estado anteriores a 2019 algo que das mesmas não resulta, arvorando como fundamento o regime aprovado, para o futuro, a partir de 1 de janeiro de 2019, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 124/2018, de 18 de dezembro.

103. Note-se que o Tribunal Arbitral refere, a páginas 159, que «o Demandado defende que, desde janeiro de 2019, a responsabilidade financeira sob análise foi transferida para o Serviço Nacional de Saúde, em virtude do artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 84/2019 de 28 de junho», quando o que o Demandado sustentou e o ora Recorrente sustenta é que a responsabilidade financeira sob análise foi transferida para o Serviço Nacional de Saúde em virtude da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 124/2018, de 14 de dezembro. O erro é notório quando a título de fundamentação da decisão o Tribunal, no acórdão de 31.01.2022, a páginas 162 reconhece que o «Memorando de entendimento, em 18 de janeiro de 2010» «determinou, no mesmo sentido, a isenção dos subsistemas públicos de "quaisquer pagamentos por conta dos serviços de saúde ou de outros benefícios prestados pelo SNS aos trabalhadores beneficiários daquelas instituições" (factos n.º 301 e n.º 302), e havia sido proferido o Despacho n.º 18419/2010, de 2 de dezembro de 2010, que determinou, em sentido oposto, que os encargos financeiros com a dispensa dos medicamentos aí identificados em farmácia hospitalar só seriam da responsabilidade do Demandado se esta não coubesse legal ou contratualmente a um subsistema de saúde» (negrito e sublinhados nossos).

104. O que o Tribunal Arbitral faz, pura e simplesmente, é referir que: «Sobre este problema pronunciou-se o Tribunal de Contas, no Relatório n.º ...15 (Processo n.º 11/2014-Audit), no sentido de que as regras, como as constantes do referido Despacho n.º 18419/2010, que continuaram a atribuir a responsabilidade por determinados encargos aos subsistemas, tais como as relativas ao financiamento de medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar, após o ano de 2010, contrariavam ilegitimamente "as Leis do Orçamento do Estado que anualmente estabelecem a assunção pelo SNS dos encargos com a prestação de cuidados em instituições e serviços do SNS" (facto n.º 317).

Para além disso, considerou o Tribunal de Contas que "[c]onsiderando que a ADSE­DG, desde 2010, não dispõe de dotação orçamental para o efeito, em resultado do primeiro Memorando de Entendimento de 2010, o princípio orçamental da especificação das despesas não lhe permite reconhecer dívidas relativas a despesas que não estão inscritas no seu orçamento.".

Também no Relatório n.º ...16 (Processo n.º 25/2015 - Audit) se debruça o Tribunal de Contas sobre esta questão, referindo-se à Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, que revogou aquele despacho e concluindo que "a aplicação destes atos à ADSE contraria não só as normas das Leis do Orçamento referenciadas, i. e. a forma, mas também a substância, o que de facto é a ADSE: um sistema de saúde complementar do Serviço Nacional de Saúde, extrínseco ao mesmo, e, atualmente, financiado pelos descontos dos quotizados" (facto n.º 318). No mesmo relatório, o Tribunal de Contas concluiu ainda que relativamente às "dívidas pela dispensa de medicamentos pelas farmácias das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde" a ADSE teria deixado, com o Memorando de entendimento de 2010, de suportar qualquer responsabilidade financeira, sob pena de a decisão que a determine "poder vir a ser considerada ilegal" (facto n.º 319)»,

105. Sem sindicar e sem atender a que, na verdade:

i. "as Leis do Orçamento do Estado que anualmente estabelecem a assunção pelo SNS dos encargos com a prestação de cuidados em instituições e serviços do SNS", de 2010 a 2018 não abrangeram os encargos com dispensa de medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar prescritos por entidades que não integram o Serviço Nacional de Saúde;

ii. a ADSE continuou a ser financiada por verbas do Orçamento do Estado;

iii. a dispensa de medicamentos a beneficiários da ADSE prescritos fora do Serviço Nacional de Saúde corresponde ao âmbito próprio da atuação da ADSE enquanto, como referido pelo Tribunal de Contas e adotado pelo tribunal arbitral, um sistema de saúde complementar do Serviço Nacional de Saúde, extrínseco ao mesmo, e que suportar a responsabilidade financeira pelos medicamentos prescritos fora do Serviço Nacional de Saúde corresponde à normal função do subsistema público para a qual este é financiado pelos descontos dos quotizados.

106. Quando o Tribunal Arbitral conclui, a páginas 166 do acórdão de 31.01.2022, que:

i. «As Leis do Orçamento de Estado para o período contemplado pelo presente pedido (de 2016 a 2019) alocaram a responsabilidade financeira pela dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, não associada a um ato de produção, de medicamentos a utentes de subsistemas públicos, ao Demandado;

ii. A Demandante não se conformou com qualquer alteração dos procedimentos de pagamento dos referidos medicamentos, relativamente ao estipulado no n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão», erra em termos tais que ditam que a admissão do presente recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, pois as Leis do Orçamento do Estado não assim estabelecem com relevância para a matéria em análise, não alocam até 1 de janeiro de 2019 ao Serviço Nacional de Saúde a responsabilidade com os encargos relativos à dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar a utentes beneficiários dos subsistemas públicos prescritos fora dos estabelecimentos que integram o Serviço Nacional de Saúde - sendo esta a única situação que está em causa: medicamentos prescritos fora do Serviço Nacional de Saúde a beneficiários dos subsistemas e dispensados no Hospital ....

107. Errou, de forma clara, o Tribunal Arbitral quando entendeu que também quanto aos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar prescritos fora a utentes beneficiários dos subsistemas públicos, prescritos por entidades contratadas pelos próprios subsistemas públicos, havia sido transferida a responsabilidade financeira para o Serviço Nacional de Saúde, quando o que resulta do regime legal aplicável é que quanto a esses, os subsistemas públicos continuavam a ser financeiramente responsáveis, pois essa prescrição fora dos estabelecimentos integrados no Serviço Nacional de Saúde correspondia aquilo que é a atuação em complementaridade dos subsistemas públicos. Erra consequentemente e de forma flagrante, quando desaplica contratualmente a Cláusula 49.ª do Contrato, quando, na verdade, o pagamento não é devido pela Entidade Pública Contratante e o esforço de cobrança das receitas devidas por Terceiros Pagadores cabe à Entidade Gestora do Estabelecimento.

108. Erra o Tribunal Arbitral, sem tomar verdadeiramente uma posição no real desfecho do litígio, quando chama acríticamente para o litígio o trilho do Tribunal de Contas quando salienta, no Relatório n.º ...15 (Processo n.º 11/2014 - Audit) do Tribunal de Contas, «Considerando que as unidades de saúde do SNS são financiadas para prestar cuidados aos utentes do SNS, que incluem os quotizados da ADSE, que em primeira instância são utentes do SNS, os cuidados faturados à ADSE-DG já foram suportados pelo orçamento do SNS, através de contratos programa, no caso dos hospitais, dos centros hospitalares e das unidades locais de saúde, ou de transferências do orçamento, no caso das restantes instituições», pois desatende, de forma indevida e clamorosa, que, no caso dos autos, a prescrição e a prestação de cuidados no âmbito do qual essa prescrição ocorre não tem lugar num estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde, não é realizada atenta a qualidade de beneficiário do Serviço Nacional de saúde mas antes atenta exclusivamente a qualidade de beneficiário de um subsistema público que beneficia da assistência de um prestador privado através da atuação complementar do subsistema público.

109. Não administra o Tribunal Arbitral corretamente a Justiça que era devida no caso vertente, missão que lhe fora atribuída pelas Partes, quando desconsidera, o que não podia desconsiderar, que:

a) Em 2010 não foi retirado o financiamento público à ADSE e aos demais subsistemas públicos,

b) Os medicamentos prescritos fora de um estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde nunca podem ser considerados como despesa no âmbito do Serviço Nacional de Saúde;

c) E, em qualquer caso, não ficou a ADSE e os demais subsistemas públicos isentos de quaisquer pagamentos;

d) Se foi previsto um acréscimo da dotação orçamental do Serviço Nacional de Saúde esta não abrangeu por certo a totalidade dos encargos do SNS com beneficiários da ADSE;

e) As alterações não abrangeram as prestações no quadro da ADSE enquanto regime complementar e, mesmo às prestações no quadro do SNS, as alterações foram paulatinas no tempo.

110. O Orçamento do Estado de 2010 continuou a financiar orçamentalmente a ADSE, assim como os Orçamentos do Estado subsequentes, nos termos das respetivas Leis do Orçamento do Estado, de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 continuaram a financiar a ADSE, o que o próprio regime legal da ADSE continuou a reconhecer. Veja-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do Decreto Regulamentar n.º 44/2012 de 20 de junho, aprovado em consonância com a orgânica do Ministério das Finanças, e, portanto, em data posterior ao referido Memorando de 18 de janeiro de 2010: Artigo 7.º Receitas 1 -A ADSE dispõe das receitas provenientes das dotações que lhe forem atribuídas no Orçamento do Estado.

111. A própria ADSE, no referido Memorando, reconhecia a manutenção da «responsabilização financeira da ADSE» e apontava que para maior assunção de encargos pelo SNS e pelos Serviços Regionais de Saúde (SRS) teria «o Ministério das Finanças de proceder às respetivas transferências orçamentais para os orçamentos do SNS e dos SRS», o que propôs, aclarando que a lógica foi sempre paulatina, com medidas ainda parciais como a realizar no Orçamento de Estado do ano de 2016 (cf. Documento n.º ...2).

112. Erra de forma grave o Tribunal Arbitral quando assaca indevidamente à conduta da Entidade Pública Contratual «responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, no período entre 1 de julho e 31 de agosto de 2019» (cf. páginas 167 do acórdão de 31.01.2022), quando quanto aos medicamentos prescritos fora dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde até 31.12.2018 os subsistemas públicos mantinham a qualidade de Terceiros Pagadores e «a Entidade Pública Contratante apenas responde nos casos abrangidos pelo n.º 8 da Cláusula 28.ª quando não exista um Terceiro Pagador, financeiramente responsável pelos encargos dessa dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar» (cf. Facto n.º 313).

113. A decisão arbitral recorrida padece, igualmente, de erro grosseiro na interpretação e aplicação do Direito, que carece de ser corrigido e definitivamente esclarecido e estabilizado já que a mesma questão de Direito se coloca num indeterminável conjunto de casos futuros.

114. Com efeito, conforme já se aludiu, o Tribunal Arbitral «[c]onden[ou] o Demandado a pagar à Demandante o valor de €563.327,67, (quinhentos e sessenta e três mil, trezentos e vinte e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa de 8%, até efetivo e integral pagamento, a título de responsabilidade contratual pela violação do n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, relativo ao período de 1 de julho de 2016 até 31 de agosto de 2019. Considerando a data de citação do Demandado para a presente ação (7 de agosto de 2020), tais juros computam-se em 66.920,24 €, até à data de 31 de janeiro de 2022» (cf. parágrafo ii. do ponto 11 Decisão).

115. Omite, porém, e não atende o Tribunal Arbitral na decisão arbitral recorrida ao regime legal e regulamentar aplicável à atividade de dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória por farmácia hospitalar e às condições legais e regulamentares cuja verificação é exigida para que tal dispensa seja tida como elegível para efeitos de pagamento pela entidade concretamente responsável. E note-se que o Tribunal Arbitral, ainda que tenha entendido, no Acórdão Arbitral recorrido, que o n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, que entendeu violado pelo Demandado, «não é ambíguo e que ambas as Partes o interpretaram da mesma forma até junho de 2016» (cf. p. 160) e que é esse o dispositivo contratual aplicável ao caso e que foi incumprido pelo Demandado (cf., v.g., p. 167), e que tenha dado como provado que «[a] partir de 1 de janeiro de 2010, a Demandante faturou todos os actos de produção realizados a beneficiários de subsistemas públicos de saúde diretamente à Entidade Pública Contratante, que sempre pagou ao Hospital ... os montantes em causa» (cf. Facto 264.), que, para esse efeito, a ARSN validou previamente as faturas mediante a observação do procedimento descrito sob o Facto 266, para aferição da elegibilidade da dispensa de medicamentos para efeitos de pagamento, e validou o conjunto de elementos indicados sob o Facto 267, incluindo validou sobre se estavam verificadas as condições legais e regulamentares aplicáveis à dispensa em concreto, do que sempre foi feito depender o pagamento (cf. Facto 268, e também Factos 274 a 276), veio a desconsiderar, por completo, para efeitos da determinação do montante em cujo pagamento julgou condenar o Demandado, tal regime legal e regulamentar aplicável à dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, tendo condenado o Demandado pelo valor integral que ficou provado a Demandante haver suportado, sem contudo sujeitar o pagamento de tal valor à verificação das condições legais e regulamentares aplicáveis e que as Partes, conforme deu o Tribunal Arbitral por provado, sempre observaram e de que fizeram depender o pagamento de quaisquer importâncias a esse título.

116. O montante da condenação proferida pelo Tribunal Arbitral, de €563.327,67 (quinhentos e sessenta e três mil euros, trezentos e vinte e sete euros e sessenta e sete cêntimos), correspondendo ao montante que, nos termos do Acórdão Arbitral, foi dado como provado corresponder ao encargo financeiro global havido pela Demandante com os medicamentos, não associados a um ato de produção, dispensados pelo Hospital ..., entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2019, a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde (cf. Facto 300), tão só poderia ser julgado pelo Tribunal Arbitral como o montante máximo que poderia vir a constituir a responsabilidade do Demandado no caso de se verificarem reunidas, quanto ao universo das dispensas de medicamentos através da farmácia hospitalar do Hospital ... objeto do pedido formulado pela Demandante, as condições de elegibilidade e faturação legal e/ou regulamentarmente previstas.

117. Na falta de qualquer demonstração de que as condições de elegibilidade legal e regulamentarmente aplicáveis à dispensa de medicamentos concretamente objeto de faturação pela Demandante se verificavam no caso, aliás como bem demonstra o acervo de factos dados como provados, que não incluem qualquer facto quanto a tal verificação no caso dos medicamentos, não associados a um ato de produção, dispensados pelo Hospital ..., entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2019, a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, jamais poderia, sequer, o Tribunal Arbitral, haver condenado o Demandado ao pagamento do encargo financeiro global havido pela Demandante com a referida dispensa de medicamentos. A esse respeito, a Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, aprovada ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho, que procede à criação do Sistema Nacional de Avaliação de Tecnologias de Saúde, dispositivo legal aquele que habilita o Governo a criar regimes excecionais de comparticipação do Estado no acesso pelos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde a determinados medicamentos, estabelece as condições de que depende o acesso ao benefício de comparticipação sem custos para o doente e a assunção dos respetivos encargos pela entidade financeiramente responsável, consoante o caso (cf. artigo 6.º); ora tais condições são as seguintes:

i. A prescrição médica ter tido lugar em consultas especializadas no diagnóstico e tratamento da artrite reumatóide, espondilite anquilosante, artrite psoriática, artrite idiopática juvenil poliarticular e psoríase em placas (cf. artigo 3.º, n.º 1) que disponham dos meios técnicos e humanos adequados ao acompanhamento do doente desde o início do tratamento e especialmente em caso de reacção adversa ao medicamento, devendo funcionar diariamente, de forma organizada, com horário definido, e dispor de uma equipa médica com, pelo menos, dois médicos, um dos quais coordena (cf. artigo 3.º, n.º 2), registadas junto da Direção-Geral da Saúde (DGS) como centro prescritor (cf. artigo 5.º, n.º 3, alínea a));

ii. O médico prescritor ter feito menção expressa do despacho na receita médica (cf. artigo 3.º, n.º 1);

iii. O ato da prescrição de medicamentos ter sido especificamente registado na ficha do doente com indicação expressa da situação clínica (cf. artigo 4.º);

iv. A dispensa do medicamento esteja registada em base de dados específica para este efeito (cf. artigo 5.º, n.º 3, alínea b) e tenham sido registados pelos serviços farmacêuticos do Hospital, no mínimo, até à entrada em funcionamento do registo nacional dos doentes criado pela DGS, os dados identificados no Anexo II à Portaria (cf. artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, que correspondem aos n.ºs 4 e 5 na redação da Portaria resultante da alteração introduzida pela Portaria n.º 282/2017, de 25 de setembro, que alterou, igualmente, o Anexo II à Portaria).

118. Apenas mediante a verificação de tais condições poderia e poderá ser aferida e concluída, independentemente da entidade financeira responsável, pela elegibilidade da faturação dos encargos com a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar que sejam abrangidos pela Portaria n.º 48/2016, de 22 de março.

119. A Demandante não fez, porém, qualquer prova que permitisse considerar que, quanto a cada fatura apresentada, subjaz uma concreta situação de dispensa que cumpriu com todos os requisitos e pressupostos de que é feita depender a elegibilidade da dispensa de medicamentos para efeitos de acesso ao regime de comparticipação excecional e o Acórdão do Tribunal Arbitral, naturalmente, também não deu tal facto como provado.

120. Nesses termos, ao haver condenado o Demandado ao pagamento à Demandante do encargo financeiro global que ficou provado, no entendimento do Tribunal Arbitral, haver a Demandante suportado com os medicamentos dispensados aos beneficiários de subsistemas públicos, sem, porém, sindicar ou ter ficado provada a verificação das condições legais e regulamentares de que depende a elegibilidade da dispensa de medicamentos para efeitos de pagamento pela entidade financeira responsável, o Acórdão Arbitral padece de um ostensivo erro e que carece de ser corrigido, sob pena de flagrante violação da ordem jurídica. A decisão arbitral deve ser corrigida pois é ostensiva a desconsideração e omissão pelo Tribunal Arbitral do regime legal e regulamentar aplicável em matéria de comparticipação do Estado no acesso aos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar.

121. E, nessa conformidade, concluindo, conforme é devido, que a imputação de responsabilidade financeira pela entidade à qual a mesma competir quanto aos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar que beneficiam de regime excecional de comparticipação, designadamente em face do disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 97/2015, de 1 de junho, e da Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, e a respetiva condenação ao pagamento dos encargos com essa dispensa se encontra dependente da verificação das condições legais e regulamentares concretamente previstas para efeitos de acesso a tal benefício do regime excecional de comparticipação que seja aplicável aos medicamentos em causa, sempre deverá esse Venerando Tribunal julgar não provados os pressupostos de que sempre dependeria o cumprimento pelo Demandado da obrigação de pagamento dos encargos com tais dispensas de medicamentos e, portanto, de que sempre dependeria a condenação no pagamento, e a condenação no pagamento de importância líquida, dos encargos com a dispensa de tais medicamentos e julgar improcedente, por não provado, o pedido formulado pela Demandante quanto ao segundo dos litígios.

122. Em caso algum, contudo, demonstrou a Demandante ter cumprido com o segundo grau de controlo atrás identificado (condições de dispensa), como aliás não resulta do acórdão arbitral qualquer facto provado no sentido de que, para cada ato de dispensa de medicamentos aos beneficiários de subsistemas de saúde no Hospital ..., no período objeto do litígio e objeto de reclamação de pagamento pela Demandante, se verificam as condições de elegibilidade (faturação) das quais dependem a constituição do direito de crédito que a Demandante alegou ser titular e, bem assim, para a procedência do pedido por si formulado.

123. Não estão, pois, verificadas as condições legais e regulamentares aplicáveis para o Tribunal Arbitral haver condenado o Demandado ao pagamento do valor global do encargo financeiro que ficou provado ter sido assumido pela Demandante com a dispensa de medicamentos a beneficiários de subsistemas públicos. E o Tribunal Arbitral, ao ter condenado por esse valor líquido omitiu a aplicação as regras legais e regulamentares aplicáveis, como se a ordem jurídica não as compreendesse e, aliás, em contradição com o que as próprias Partes no Contrato de Gestão adotaram na execução do Contrato de Gestão durante o período em que a Entidade Pública Contratante pagou à Demandante os encargos com a atividade de dispensa de medicamentos, de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, a utentes beneficiários de subsistemas públicos que foi apurada como elegível, que o Tribunal deu como provado.

124. Não tendo sido trazidos pela Demandante elementos que permitam concluir pela verificação daquelas condições de faturação (elegibilidade) relativamente à dispensa dos medicamentos pela farmácia do Hospital ..., como aliás não resultou provada, deveria o Tribunal Arbitral ter julgado, em qualquer caso, a improcedência da pretensão da Demandante, absolvendo o Demandado, ao invés de o haver condenado no pagamento do valor global dos encargos financeiros dados como provados terem sido suportados pela Demandante.

125. Não tendo sido trazidos pela Demandante elementos que permitam concluir pela verificação daquelas condições de faturação (elegibilidade) relativamente à dispensa dos medicamentos pela farmácia do Hospital ..., como aliás não resultou provada, deveria o Tribunal Arbitral ter julgado, em qualquer caso, a improcedência da pretensão da Demandante, absolvendo o Demandado, ao invés de o haver condenado no pagamento do valor global dos encargos financeiros dados como provados terem sido suportados pela Demandante. Ainda que assim não se entendesse, e não estando reunidos elementos para ajuizar da verificação em cada situação de dispensa dos requisitos de elegibilidade para efeitos de pagamento, o julgado condenatório sempre deveria ser feito condicionar a um juízo administrativo posterior de verificação positiva desses requisitos, emergindo enquanto procedimento necessário tendente à liquidação do crédito de que a Demandante, por hipótese, fosse titular, a ocorrer em execução de sentença e, se necessário, com o auxílio e cooperação administrativa das entidades administrativas cujas competências sejam necessárias para o efeito.

Quanto aos juros de mora:

126. Conforme decorre do ponto 11 Decisão da decisão arbitral, em alinhamento com o disposto na alínea d) do ponto 7 e da alínea d) do ponto 9, também, da mesma decisão, a condenação do Demandado em juros de mora, a acrescer aos valores da condenação proferida quanto a cada um dos litígios, foi fixada pelo tribunal Arbitral pela taxa de 8%. Esclareceu o Tribunal Arbitral, no Acórdão de 28.03.2022, que «a taxa de juro aplicada pelo Tribunal corresponde à taxa de juros comerciais» (cf. páginas 6 e 7).

127. Em primeiro lugar, cumpre chamar à atenção para a existência de uma norma do Contrato de Gestão que fixa a taxa de juro aplicável em caso de mora. Com efeito, estabelece a Cláusula 47.ª, n.º 10, que «A Entidade Publica Contratante obriga-se a pagar o pagamento mensal por conta até ao último dia útil do mês a que respeita, bem como o pagamento de reconciliação até ao último dia do prazo definido na alínea b) do n.º 1, períodos após os quais, sem necessidade de qualquer outra interpelação, incorrera em juros de mora a taxa Euribor a seis meses acrescida de 2 p.p., não podendo em qualquer caso esta taxa ser superior a taxa legal aplicável.».

128. O erro em que laborou o Tribunal Arbitral é, pois, também quanto à taxa de juro aplicável, flagrante, impondo a melhor aplicação do Direito, no âmbito de contratos de parceria público-privada, que seja tornado claro que na presença de norma contratual com previsão da taxa de juro de mora aplicável não é a taxa de juros comerciais a que deve ser considerada mas sim a taxa de juro convencionada.

129. Na eventualidade de assim não se entender, relativamente ao que não se transige, a eventual taxa de juro aplicável sempre deveria ser a correspondente aos juros de mora civis por força da Lei n.º 3/2010, de 2 de abril, a qual estabelece no seu n.º 1 que:

«Artigo 1.º Juros de mora

1- O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.

2 - Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica -se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.

3 - O disposto no presente artigo não é aplicável à administração fiscal, no contexto das relações tributárias, que se regem por legislação própria.».

130. Da norma resulta que as taxas de juro de mora a aplicar a atrasos no pagamento de obrigações pecuniárias pelo Estado e outras pessoas coletivas é a correspondente aos juros civis previstos no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil ou seja, 4% conforme resulta do disposto na Portaria n.º 291/03, de 8 de abril.

131. É igualmente este o entendimento da jurisprudência. "Os juros de mora devidos são os juros de mora civis à luz do disposto na Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, que veio estabelecer a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, obrigando o Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte (apenas excluindo do seu âmbito a administração fiscal, no contexto das relações tributárias, que se haverão de reger por legislação própria), havendo que aplicar-se, nos termos do disposto no artigo 1° nº 2 daquela Lei nº 3/2010 a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil (na ausência de disposição legal a determinar a aplicação de taxa diversa), isto é, a fixada "em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano" nos termos do disposto no artigo 559.° n.º 1 do Código Civil." Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 03-11-2016 Proc. n.º 08456/12 (Helena Canelas). No mesmo sentido o Acórdão de 20 de novembro de 2014 do Tribunal Central Administrativo Sul proc. n.º 11448/14 (Cristina Santos).

132. Termos em que a decisão arbitral deve ser revertida e, ainda que se entendesse de manter o sentido decisório condenatório, relativamente ao que não se transige, sempre deveria o Acórdão proferido ser revisto no que respeita à taxa de juros de mora aplicável, o que se requer.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. mui doutamente irão suprir, requer o Recorrente que seja admitido o presente recurso de revista e, em consequência:

I) Que seja revogada a decisão recorrida, por ser manifesta e ostensivamente errada;

II) Que seja proferida decisão substitutiva, que

dite:

a) a improcedência dos pedidos formulados pela Recorrida, com as devidas e legais consequências;

b) a procedência do pedido reconvencional formulado pelo Recorrente, condenando-se a Recorrida ao respetivo pagamento;

E, caso assim não se entenda, sempre,

III) Que seja revisto o Acórdão Arbitral quanto aos aspetos e nos termos enunciados no presente recurso.

[…]».


5 – A Entidade Demandante e aqui Recorrida contra-alegou, concluindo da seguinte forma:

«[…]

A) O Como se demonstrou nestas contra-alegações, o recurso interposto pelo Estado é inadmissível, em relação a todas as questões suscitadas, devendo assim ser negada a sua admissão por este Alto Tribunal.

B) Quanto ao litígio relativo ao financiamento dos medicamentos para o tratamento da Hepatite C, como se viu, o recurso é inadmissível, desde logo, porque o Recorrente não indicou, nem nas alegações, nem nas conclusões, as normas alegadamente violadas pelo Acórdão Recorrido, como claramente impõem os artigos 144.º/2 e 150.º/2 do CPTA [aplicáveis ex vi da alínea b) do artigo 185.º-A/3 do CPTA].

C) Pelo contrário, os erros de julgamento indicados nas alegações de recurso limitam-se à utilização de fórmulas vagas e genéricas, sem um grau mínimo de concretização, não permitindo assim compreender, em termos minimamente cabais, as questões que o Recorrente pretende ver resolvidas por este Alto Tribunal.

D) Como se viu acima, pretender que o STA responda a questões que não estão minimamente sustentadas em concretos erros de julgamento (por referência à violação de concretas normas jurídicas), equivale chamá-lo a pronunciar-se enquanto instância consultiva, o que este Tribunal manifestamente não é.

E) Como também se demonstrou supra, as questões colocadas pelo Recorrente a propósito do litígio relativo ao financiamento dos medicamentos para o tratamento da Hepatite C, não são minimamente idóneas, no sentido em que não têm qualquer adesão à decisão constante do Acórdão Arbitral, aos termos em que este enquadrou e decidiu o litígio - o que, face à jurisprudência pacífica do STA acima citada, se impunha, para que a revista pudesse ser admitida.

F) Em concreto, as questões suscitadas pelo Recorrente a este respeito assentam no pressuposto - inteiramente falso - de que o Tribunal Arbitral teria decidido que a aplicabilidade dos programas específicos de financiamento ao Hospital ... não cabe no próprio Contrato, antes tendo sido uma obrigação assumida pelo Estado para lá desse contrato, no que constituiria um "contrato oculto" ou uma modificação do Contrato de Gestão.

G) O que o Tribunal Arbitral decidiu foi que o próprio Contrato - interpretado de acordo com a vontade real das Partes, nos termos do artigo 236.º/2 do Código Civil - obrigava o Estado à aplicação desses programas de financiamento específico no caso do Hospital ....

H) Por último, ficou ainda demonstrado que o recurso do Recorrente nesta parte é também inadmissível por não estarem preenchidos os pressupostos de que depende a sua admissibilidade, nos termos da alínea b) do artigo 185.º-A/3 do CPTA, não se estando perante uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica ou social, nem perante uma clara necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

I) Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, as questões colocadas circunscrevem-se claramente - e apenas - ao caso concreto, sem qualquer potencialidade de expensão ou repetição da controvérsia, sendo a jurisprudência do STA clara no sentido da inadmissibilidade do recurso de revista quando assim é.

J) Na verdade, está-se perante um problema de interpretação de um concreto contrato, que já nem sequer está em vigor, e a interpretação constante do Acórdão recorrido não é replicável a outros contratos, designadamente de objeto semelhante ao dos autos, desde logo porque os principais fatores que levaram à conclusão tirada pelo Tribunal Arbitral se prendem com declarações do Estado sobre (e apensas sobre) o Contrato em apreço e sobre concretos atos de execução do mesmo contrato.

K) Por outro lado, o Recorrente também não coloca qualquer questão no seu recurso que demande claramente a intervenção do STA para melhor aplicação do direito, não tendo, nomeadamente, demonstrado a existência de um erro jurídico (muito menos grosseiro), que o sentido decisório do Tribunal Arbitral colida com jurisprudência estável ou que incide sobre matérias em que existam divergências fundamentais.

L) Aliás, como se viu, o Tribunal Arbitral decidiu, no Acórdão sob recurso, um problema de interpretação de um contrato administrativo com recurso às regras de interpretação do Código Civil sobre a matéria (artigos 236.º e ss.), sendo consensual a sua aplicação na jurisprudência e na doutrina. Além disso, o Tribunal Arbitral tomou em consideração e tratou de forma fundamentada a necessidade de compatibilização dessas regras com as exigências e limites decorrentes dos princípios e regras gerais de direito administrativo.

M) Ou seja, a solução jurídica acolhida pelo Acórdão recorrido não é juridicamente insustentável nem descabidamente ilógica, pelo contrário, seguindo os preceitos do Código Civil em matéria de interpretação da declaração negocial que a jurisprudência e doutrina administrativas reiteradamente vêm afirmando serem aplicáveis em sede de interpretação do contrato administrativo, não assentando, claramente, a sua decisão num erro grosseiro ou manifesto - o que, de resto, o Recorrente deixou por demonstrar.

N) Também quanto ao litígio relativo à responsabilidade financeira pelos medicamentos dispensados na farmácia hospitalar a beneficiários de subsistemas públicos deve ser negada a admissão da revista, desde logo, porque o Estado incumpriu o ónus processual (que se encontrava a seu cargo) de demonstrar, de forma concreta e específica, o preenchimento dos requisitos de admissibilidade da revista, como a jurisprudência pacífica deste Alto Tribunal reiteradamente exige para que se possa admitir o recurso.

O) Por outro lado, as questões que o Estado pretender submeter à apreciação deste Alto Tribunal são fruto da imaginação do Recorrente, não foram apreciadas pelo Tribunal Arbitral (nem isso lhe foi solicitado) e não têm qualquer respaldo no Acórdão Arbitral.

P) Quanto à suposta aplicação retroativa do Decreto-Lei n.º 124/2018 (ou a sua qualificação como lei interpretativa), a decisão do Tribunal Arbitral não assenta, direta ou indiretamente, no regime daquele diploma legal (não existindo sequer uma única referência, na fundamentação jurídica aduzida no Acórdão Arbitral, ao Decreto-Lei n.º 124/2018).

Q) O mesmo sucede quanto à segunda questão que o Estado pretende submeter à apreciação do STA: ao longo do processo arbitral, não foram invocados (nem provados) factos relativos à suposta necessidade de cumprimento de "condições legais e regulamentares cuja verificação é exigida para que tal dispensa seja tida por elegível para efeitos de pagamento" (cf. conclusão 115 do recurso do Estado)- e, tratando-se alegadamente de factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pela B..., era do Estado o ónus de os alegar e provar, nos termos do artigo 342.º/1 do Código Civil.

R) A leitura do Acórdão Arbitral evidencia que também esta questão que o Estado pretende ver apreciada em sede de revista não tem qualquer adesão ao que foi decidido pelo Tribunal Arbitral - e trata-se, de resto, de uma questão que nem sequer foi submetida à apreciação desse Tribunal Arbitral - e a falta dessa adesão impede, de acordo com a jurisprudência pacífica deste Alto Tribunal, a admissão da revista.

S) Também na parte relativa à aplicação, no Acórdão Arbitral, da taxa de juros comerciais, o recurso interposto pelo Estado não deve ser admitido, por três razões essenciais:

(i) o Estado não alega, de forma concreta e especificada, de que modo estariam preenchidos os requisitos de admissibilidade da revista, sendo que o Tribunal Arbitral não incorreu em qualquer erro (e muito menos um erro flagrante carente da intervenção corretiva deste Alto Tribunal);

(ii) é manifesta a não aplicação, aos litígios em questão, da taxa de juro definida (exclusivamente para os pagamentos mensais por conta e para os pagamentos anuais de reconciliação) no n.º 10 da cláusula 47.ª do Contrato de Gestão;

(vi) a aplicação dos juros comerciais, por força do Decreto-Lei n.º 32/2003, é a conclusão juridicamente acertada, existindo jurisprudência dos tribunais administrativos nesse mesmo sentido, conforme os vários Acórdãos que, sobre essa matéria, acima se citaram.

T) Sem prejuízo da inadmissibilidade transversal do recurso interposto pelo Estado, concluiu-se também acima que, em qualquer caso, os erros de julgamento imputados ao Acórdão recorrido são totalmente improcedentes e por isso, mesmo que, contrariamente ao que se espera, a revista seja admitida, o recurso deve ser julgado totalmente improcedente.

U) No que respeita ao litígio relativo ao financiamento dos medicamentos para a Hepatite C, como se viu, o Acórdão do Tribunal Arbitral não merece qualquer censura.

V) À interpretação do Contrato de Gestão aplica-se o artigo 186.º/2 do CPA de 1991, que previa claramente a aplicação, no domínio dos contratos administrativos, das regras gerais dos contratos bilaterais previstas no Código Civil (artigos 236.º e ss) - proposição que, de resto, é pacificamente aceite pela jurisprudência e doutrina administrativas.

W) Ficou provado que a vontade real do Estado, quando celebrou o Contrato de Gestão, foi a transmitida na sua comunicação de 05.12.2008, que confirmou a aplicabilidade ao Hospital ..., nos termos desse contrato, dos programas de financiamento específico criados ou a criar pelo Ministério da Saúde, nos mesmos termos aplicáveis aos demais hospitais do SNS (cf. factos assentes n.ºs 58 a 60 e 86).

X) Assim, nos termos do artigo 236.º/2 do Código Civil, é de acordo com essa vontade declarada, conhecida e aceite por ambas as Partes que o Contrato vale, como bem decidiu o Tribunal Arbitral.

Y) Os sentidos alternativos da inequívoca comunicação do Estado de 05.12.2008, que o Recorrente aponta nas suas alegações de recurso, não têm, como se demonstrou, o menor respaldo nos factos dados como provados, constituindo factos novos (ou juízos conclusivos sobre factos novos), que não podem ser atendidos por este Alto Tribunal, atentos os seus poderes de cognição, que se limitam a questões de direito, nos termos dos artigos 150.º/3 e 4 do CPTA.

Z) Não tendo o Recorrente, além disso, alegado a violação de qualquer disposição legal que exigisse determinada espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova.

AA) Acresce que, como também ficou provado (cf. factos assentes 92 a 94), ao longo da maior parte dos anos em que o Contrato de Gestão vigorou, o Estado executou-o de acordo com a referida interpretação, aplicando ao Hospital ... varadíssimos programas específicos de financiamento, incluindo no que respeita aos medicamentos para a Hepatite C, o que também não pode deixar de ser considerado na interpretação e aplicação das regras contratuais, sob pena de violação do princípio da boa fé, e confirma que o Tribunal Arbitral identificou corretamente qual era a vontade real das Partes a este respeito.

BB) Por outro lado, como se viu, a confirmação pelo Estado da aplicabilidade dos mecanismos de financiamento específico ao Hospital ... na fase final da negociação da proposta final da B..., no momento imediatamente anterior à celebração do Contrato de Gestão, não corresponde à assunção de uma obrigação nova, não prevista no Caderno de Encargos e não admitida pelas regras do procedimento.

CC) Antes se tratou, pura e simplesmente, da emissão de um ato interpretativo do Contrato, que não lhe introduz qualquer modificação, reconduzindo-se inequivocamente ao aplicável artigo 186.º/1 de 1991 e não havendo, no caso, qualquer impedimento aos respetivos efeitos, uma vez que ele foi aceite pelo co-contratante.

DD) Precisamente por se estar perante um ato de interpretação do Contrato, o facto de ele ter tido lugar ainda antes da respetiva assinatura não o torna inadmissível: quem tem competência para interpretar o contrato é o Estado, enquanto contraparte nesse contrato.

EE) E, se dúvidas pudesse haver a esse respeito, a verdade é que o Estado voltou, já depois de celebrado o Contrato de Gestão, a confirmar essa mesma interpretação (cf. facto n.º 85).

FF) Assim, tendo-se tratado apenas e só da interpretação das cláusulas contratuais, não houve qualquer ingerência nas competências da Comissão de Avaliação de Propostas no quadro do procedimento pré-contratual: como se viu, não se está perante um ato de avaliação ou de classificação das propostas, nomeadamente da proposta da Recorrida, que já havia sido apresentada, avaliada e selecionada.

GG) Além disso, a própria Comissão de Avaliação das Propostas remeteu expressamente para o Estado a questão da interpretação das cláusulas contratuais sobre a aplicabilidade dos programas de programas específicos de financiamento ao Hospital ... (cf. factos assente n.º 56), pelo que a invocação pelo Recorrente da incompetência do Estado para interpretar o (seu) Contrato de Gestão constitui, como bem decidiu o Tribunal Arbitral, abuso de direito, na modalidade de venire contra foctum proprium.

HH) A interpretação do Contrato de Gestão, nos termos confirmados pelo Estado, e conforme acolhida pelo Tribunal Arbitral, não contraria, como se viu, as regras do procedimento, nem o caderno de encargos, pelo facto não se ter previsto expressamente nesses documentos (nem, nas propostas da B...) a aplicabilidade de outras linhas específicas de financiamento para além da remuneração pelos atos de produção (consultas, cirurgias, internamentos, etc.).

II) Como resulta dos factos provados, nunca poderiam as peças do procedimento (e as propostas) ter previsto expressamente essa hipótese, porque à data do lançamento do concurso e da apresentação das propostas não existiam abordagens terapêuticas inovadoras que reclamassem a criação de programas específicos de financiamento diferentes da remuneração típica do ato de produção (cf. factos assentes n.ºs 45, 48, 49, 50, 51, 53, 54 e 57).

JJ) Assim, quando tais modalidades alternativas de financiamentos - concebidas para responder, no quadro do SNS, a abordagens terapêuticas inovadoras e disruptivas -, em plenas negociações finais da minuta do Contrato, o Estado olhou para o Contrato de Gestão e, interpretando-o, entendeu que ele acomodava essa evolução; porventura não expressamente na sua letra, o que nem seria possível, mas certamente na sua lógica e espírito.

KK) O Contrato de Gestão traduzia uma parceira a 10 anos - que o Estado não quis que ficasse alheada da evolução do setor hospitalar, sobretudo face à evolução dos próprios hospitais do SNS, já que, embora sob gestão privada, o Hospital ... estava integrado no SNS, como expressamente previsto na cláusula 28.ª/1 do Contrato.

LL) Por outro lado, esta leitura do Contrato de Gestão não contraria os pressupostos da parceria público-privada, da busca do best value for money, não tendo qualquer impacto no Custo Público Comparável, porque, à data do lançamento do concurso, este não contemplou a criação de mecanismos específicos de financiamento e, portanto, a aplicação transversal destes aos hospitais do SNS (sob gestão pública e sob gestão privada) é neutra para esse efeito, não alterando em nada as conclusões financeiras sobre as vantagens da parceria.

MM) Acresce que esta leitura do Contrato de Gestão também não desvirtua o equilíbrio económico-financeiro do Contrato, nem confere ao co-contratante uma duplicação de remuneração.

NN) Como resultou demonstrado, a aplicação dos programas específicos de financiamento ao Hospital ... não implica, nem implicou em concreto, uma remuneração diferente pelos mesmos atos, mas uma remuneração diferente por atos novos que, rompendo com a lógica vigente no momento do lançamento do concurso, assentam, clínica e financeiramente, muito mais sobre a componente terapêutica (farmacológica) do que sobre a assistência em meio hospitalar através da prática de atos de produção típicos.

OO) Aliás, como também ficou demonstrado (factos assentes n.ºs 219 e 220), o programa específico de financiamento da hepatite C apenas respeita ao custo dos medicamentos e não aos atos de produção hospitalar que o acompanhamento dos doentes possa implicar.

PP) Por outro lado ainda, ficou igualmente demonstrado que, conforme concluiu o Tribunal de Contas, cerca 90% da remuneração da B... no quadro do Contrato de Gestão teve efetivamente lugar no quadro do pagamento de atos de produção, o que confirma que não se verificou qualquer desvirtuamento das prestações que foram colocadas a concurso (cf. facto assente n.º 93).

QQ) Pelo contrário, a leitura (correta) do Contrato de Gestão que o Estado fez na comunicação de 05.12.2008 e ao longo de anos da sua execução- confirmada agora como a que deve prevalecer pelo Tribunal Arbitral - é a única que garante o equilíbrio das prestações, tal como traçado no procedimento pré-contratual e no caderno de encargos.

RR) Como se viu, embora reconhecendo a abertura textual da cláusula 24ª/3 do Contrato de Gestão (cf. última frase da p. 146 do Acórdão recorrido), o Tribunal Arbitral acabou por concluir que a leitura da obrigação do Estado de aplicação dos mecanismos específicos de financiamento, concretamente o dos medicamentos para a Hepatite C, não tinha correspondência literal no texto do Contrato.

SS) Mas considerou também que, embora se esteja perante um negócio formal, nos termos do artigo 238.º do Código Civil, o sentido da vontade real das partes, conforme ficou provada, pode ainda assim valer, porque as razões determinantes da forma do negócio não se opõem a essa validade, especialmente as exigências decorrentes do princípio da concorrência (matéria à qual o Recorrente limita as suas críticas).

TT) O que, como se viu nestas contra-alegações, é uma conclusão inteiramente correta do ponto de vista jurídico, não pondo a interpretação do Contrato de Gestão sustentada pelo Tribunal Arbitral minimamente em causa o princípio e regras da concorrência.

UU) Desde logo, porque no momento em que o Estado confirmou que o Contrato de Gestão acomodava, nos termos das suas cláusulas, a aplicação dos mecanismos específicos de financiamento, já as propostas dos concorrentes tinham sido avaliadas, classificadas e selecionadas, sem que tenha por isso havido qualquer entorse na sua efetiva comparabilidade, nem a atribuição de qualquer vantagem ou benefício à Recorrida.

VV) Por outro lado, como também se demonstrou, se tal confirmação tivesse podido ter lugar em momento anterior do procedimento, não é minimamente plausível que as condições das propostas tivessem sido (ou pudessem ter sido) diferentes. Nem, de resto, o Recorrente conseguiu demonstrá-lo minimamente no seu recurso, como se viu.

WW) Em conclusão: a decisão do Tribunal a quo que interpretou o Contrato de Gestão de acordo com a vontade real das partes, nos termos dos artigos 236.º/2 e 238.º/2 do Código Civil, não contraria quaisquer regras aplicáveis à interpretação dos contratos administrativos, nem os princípios e regras gerais de contratação pública, designadamente o princípio da concorrência.

XX) Finalmente, a decisão sob recurso também não contraria os artigos 105.º/4 e 106.º/1 da Constituição, nem viola os artigos 19.º, 31.º e 37.º da Lei de Enquadramento Orçamental, como, de forma impercetível, o Recorrente alega no recurso.

YY) A alegação do Recorrente a este respeito parece assentar no pressuposto de que o Contrato de Gestão teria sofrido uma modificação ou que teria havido um "contrato oculto" "chancelado" pelo Tribunal Arbitral, o que, como se viu, é manifestamente errado, do ponto de vista dos factos e do direito.

ZZ) Não se vê como pudesse o Acórdão recorrido ser violador das referidas normas, se ele não as aplicou sequer e se elas não têm qualquer relação com os presentes autos.

AAA) Em qualquer caso, sempre se sublinhará, que a falta de orçamentação (ao abrigo de que regras forem) de uma quantia que é devida, por decisão de um tribunal, a título de responsabilidade por incumprimento contratual não obsta obviamente à obrigatoriedade do respetivo pagamento, nem, muito menos, à admissibilidade da condenação em si mesma.

BBB) Também no que respeita ao litígio relativo ao financiamento dos medicamentos para a Hepatite C, o Acórdão do Tribunal Arbitral é inteiramente correto, não merecendo qualquer censura.

CCC) Tudo quanto vem invocado nas alegações de recurso a respeito de uma suposta aplicação retroativa do Decreto-Lei n.º 124/2018 e da qualificação desse diploma como lei interpretativa é absolutamente irrelevante: como se demonstrou nestas contra-alegações, nem na parte dispositiva do Acórdão Arbitral, nem na respetiva fundamentação Jurídica, se faz sequer menção a tal Decreto-Lei, sendo o mesmo totalmente alheio ao juízo do Tribunal Arbitral, às conclusões a que ele chegou e ao caminho trilhado para aí chegar.

DDD) O Tribunal Arbitral interpretou e aplicou corretamente o n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão: atento o elemento literal de interpretação, não restam dúvidas de que essa regra do contrato atribui sempre e exclusivamente ao Estado a responsabilidade financeira pelos medicamentos dispensados pela farmácia do Hospital ... a todos os utentes, incluindo os beneficiários de subsistemas públicos.

EEE) O mesmo resulta do elemento sistemático de interpretação ou, nas palavras empregues no Acórdão Arbitral, "a análise sistemática do Contrato de Gestão conduz a conclusão inversa à propugnada pelo Demandado" (cf. p. 172).

FFF) Na verdade, "o n.º 1 da cláusula 49.ª (tal como o n.º 3 da cláusula 28.ª) refere-se a todas as prestações de saúde, ao passo que os n.ºs 7 e 8 da cláusula 28.ª se referem apenas a medicamentos. Verifica-se, assim, que as estipulações especificas relativas aos medicamentos constituem normas especiais, que afastam as regras gerais. (...) Ora, em termos de interpretação sistemática do contrato, a leitura mais coerente é no sentido de considerar que ambos os números da mesma cláusula que dizem respeito a medicamentos (n.ºs 7 e 8) constituem regimes excecionais à responsabilidade do Terceiro Pagador no domínio da relação contratual (que resulta quer do n.º 1 da cláusula 49.ª, quer do n.º 3 da cláusula 28.ª)" (cf. pp. 172 e 173 do Acórdão Arbitral).

GGG) Acresce que, ao longo de vários anos da execução contratual - desde 2009 até junho de 2016 - as duas Partes partilharam a mesma interpretação do n.º 8 da cláusula 28.ª e deram execução a essa regra num determinado sentido (cf. facto assente n.º 12 e factos provados n.ºs 265 e 278), pelo que esta realidade verificada na execução do Contrato de Gestão, sendo consensual e partilhada pelas duas partes, não pode deixar de ser considerada na interpretação e aplicação das regras contratuais (ver, neste sentido, a opinião de Paulo Otero, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado Matos e Pedro Pais de Vasconcelos, citada nestas contra-alegações).

HHH) Nas palavras empregues no Acórdão Arbitral, "a tudo isto acresce o comportamento concludente do Demandado que sempre pagou ao Hospital ... os montantes em causa (facto n.º 264 e n.º 278) e que, de acordo com a prova produzida, sabia que estava a assumir a responsabilidade financeira relativa aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, embora à data considerasse que estes não eram Terceiros Pagadores (facto n.º 280}. (...) Não se pode, por isso, sequer afirmar que existia, durante o período temporal relevante, uma divergência entre as Partes quanto à forma de articulação das cláusulas contratuais em jogo. Pelo contrário, sempre existiu, até junho de 2016, consenso entre as Partes quanto à aplicabilidade do n.º 8 da cláusula 28.ª e à não aplicabilidade do n.º 1 da cláusula 49.ª (cf. p. 173).

III) Assim, não merece qualquer censura a conclusão a que chegou o Tribunal Arbitral no sentido de considerar que, à luz do n.º 8 da cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, é do Estado a responsabilidade financeira pelos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos, desde o primeiro até ao último dia da execução contratual.

JJJ) Nos termos do MoU de 2010 e de sucessivas leis do Orçamento do Estado, os subsistemas públicos de saúde passaram a estar isentos de quaisquer pagamentos por conta dos serviços de saúde ou outros benefícios prestados pelo SNS aos seus beneficiários - incluindo-se aí, como resulta expressamente das auditorias realizadas em 2015 e 2016 pelo Tribunal de Contas, a (cessação da) responsabilidade financeira dos subsistemas públicos quanto aos medicamentos dispensados em farmácia hospitalar aos seus beneficiários -, sendo ilegais, como esclarecido pelo Tribunal de Contas, eventuais atos ou regulamentação que contemplassem regras distintas (e contrárias às leis orçamentais que estabelecem a assunção pelo SNS dos encargos em apreço).

KKK) Como bem decidiu o Tribunal Arbitral, quanto ao pedido principal deduzido pela B..., "as Leis do Orçamento do Estado para o período contemplado pelo presente pedido (de 2016 a 2019) alocaram a responsabilidade financeira pela dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, não associada a um ato de produção, de medicamentos a utentes de subsistemas públicos, ao Demandado" (cf. pp. 166 e 167 do Acórdão Arbitral).

LLL) Não merece igualmente censura a decisão do Tribunal Arbitral de julgar improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo Estado, na medida em que (i) "as normas aplicáveis determinam que, entre 2010 e 2016, a responsabilidade financeira pela dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar a utentes beneficiários de subsistemas públicos era, tal como considerado pelo Tribunal de Contas, do Demandado", (ii) "a responsabilidade contratual, perante a Demandante, de pagamento dos referidos medicamentos, é do Demandado, por o n.º 8 da cláusula 28.º se tratar de norma especial", e (iii) "o n.º 8 da cláusula 28.º não é contrário à lei, mesmo quando esta determina, como no que diz respeito ao ano de 2009, a responsabilidade financeira dos subsistemas públicos, pois o cumprimento da lei não tem de se efetuar ao nível das relações contratuais entre o Estado e o contraente privado, sendo legítimo que o Demandado assuma perante a Demandante a obrigação de pagar os medicamentos, fazendo depois valer o seu direito ao reembolso dos valores expendidos ao responsável financeiro último pelo encargo, nos termos da lei - a saber, os subsistemas públicos" (cf. pp. 174 e 175 do Acórdão Arbitral).

MMM) Não há qualquer erro de julgamento no que respeita à suposta necessidade de verificação de condições de elegibilidade dos medicamentos dispensados ao abrigo da cláusula 28.ª/8 do Contrato de Gestão a beneficiários de subsistemas públicos de saúde.

NNN) Por um lado, essa questão — a da suposta existência de factos impeditivos, condicionantes ou extintivos do direito da B... a ser compensada pela violação, pelo Estado, das regras do Contrato de Gestão — não foi expressamente suscitada perante o Tribunal Arbitral, não existindo qualquer referência, na fundamentação jurídica aduzida no Acórdão Arbitral, a essa matéria.

OOO) Por outro lado, nos termos do n.º 2 do artigo 342.º do Código Civil, era ao Estado que competia alegar e provar eventuais factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela ora Recorrida — como seria o caso dos factos (e respetivo enquadramento jurídico) relativos à suposta necessidade de cumprir condições de elegibilidade dos medicamentos dispensados na farmácia hospitalar a beneficiários de subsistemas públicos desde 1 de junho de 2016 até 31 de agosto de 2019.

PPP) Tratando-se de questão que não foi colocada ao Tribunal a quo (e era ónus do Estado fazê-lo), não pode a mesma ser suscitada ex novo em sede de recurso de revista: "não podem conhecer­se em sede de revista questões que não foram colocadas às instâncias e sobre as quais estas não se pronunciaram, como também não pode admitir-se a revista relativamente a questões que não se colocaram nos autos nos termos e com a configuração com que o recorrente as apresenta" (Acórdão do STA de 09.03.2022, proc. 0291/11.lBEALM).

QQQ) Demonstrou-se também, nestas contra-alegações, existirem dois fundamentos adicionais que sempre determinariam a improcedência do pedido reconvencional deduzido pelo Estado (de condenação da B... na devolução dos montantes pagos entre 2009 e junho de 2016 relativos aos medicamentos dispensados, ao abrigo da cláusula 28.ª/8 do Contrato de Gestão, a beneficiários de subsistemas públicos).

RRR) Em primeiro lugar, atendendo ao comportamento pacífico e reiterado do Estado (desde 2009 até 30 de junho de 2016), a sua posterior mudança da posição - em frontal rutura com a interpretação e aplicação que o mesmo Estado vinha fazendo das mesmas regras e com o comportamento que vinha adotando no que respeita à responsabilidade pelo pagamento de todos os medicamentos dispensados a todos os utentes, nos termos da cláusula 28.ª/8 do Contrato de Gestão, é violadora do princípio da tutela da confiança, também na vertente da proibição do venire contra factum proprium (artigo 334.º do Código Civil).

SSS) Neste sentido, o princípio da boa-fé, a necessidade de tutela da confiança e a proibição do venire contra factum proprium impõem que o direito do Estado (caso existisse, e não existe) a exigir à B... a reposição dos montantes inerentes aos medicamentos dispensados entre 2009 e junho de 2016, ao abrigo da cláusula 28.ª/8 do Contrato de Gestão, a utentes beneficiários de subsistemas públicos, seja paralisado por força do artigo 6.º-A do CPA 1991 (ou do artigo 10.º do atual CPA) e do artigo 334.º do Código Civil.

TTT) Em segundo lugar, esse suposto direito do Estado a reclamar a reposição dos montantes em apreço - direito esse que foi exercido, pela primeira vez, no dia 25 de setembro de 2020 (data da apresentação da contestação no processo arbitral) - sempre estaria totalmente prescrito, por força do artigo 482.º do Código Civil ou, se porventura assim não se entendesse, sempre que concluiria que tal direito estaria parcialmente prescrito, nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92.

UUU) Por último, o recurso interposto pelo Estado é também improcedente no que respeita à decisão do Tribunal Arbitral sobre os juros de mora.

VVV) A regra posta na cláusula 47.º/10 do Contrato de Gestão, que determina a aplicação de uma taxa de juro específica, tem um âmbito de aplicação bem delimitado: ela aplica-se, exclusivamente, como consagrado de forma expressa nessa norma contratual, ao "pagamento mensal por conta" e ao "pagamento de reconciliação" - e em nenhum dos litígios decididos no Acórdão Arbitral estão em causa pagamentos desses.

WWW) Na falta de regra fixada no Contrato de gestão, aplica-se a norma legal.

XXX) A norma legal que deve aplicar-se à taxa de juro é a contida no n.º 1 do artigo 4.º do Decreto­ Lei n.º 32/2003, nos termos do qual "os juros aplicáveis aos atrasos de pagamento das transações previstas no presente diploma são os estabelecidos no Código Comercial" – não sendo aplicável a regra supletiva posta na segunda parte do n.º 2 do artigo 1.º da Lei nº2 3/2010, porquanto existe disposição legal específica (o citado artigo 4.º/1 do Decreto-Lei n.º 32/2003) a determinar a aplicação dos juros estabelecidos no Código Comercial.

YYY) Com efeito, e na esteira da jurisprudência claramente maioritária dos tribunais administrativos, já referida, o Contrato de Gestão configura uma transação comercial e a condenação do Estado (no pagamento de determinados montantes à B...) assenta na sua responsabilidade contratual, justamente por violação das suas obrigações contratuais - estando assim em causa "pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais" [cf. artigo 2.º/1, alínea do artigo 3.º e artigo 4.º/1, todos do Decreto-Lei n.º 32/2003].

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas.:

i) Não deve ser admitido o recurso de revista, por falta de verificação dos respetivos pressupostos,

ii) Subsidiariamente, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se o Acórdão recorrido.

[…]».



6 – Notificado para emitir pronúncia nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, o representante do MP junto deste STA não se pronunciou.


Cumpre apreciar e decidir.




II – FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto
A decisão arbitral recorrida deu como provados os seguintes factos:

«[…]

1. Em 9 de fevereiro de 2009, a Demandante e o Demandado celebraram o Contrato de Gestão que tinha por escopo a conceção, construção, organização e funcionamento do Hospital ....

2. A Entidade Gestora do Estabelecimento vinculou-se à realização dos atos de produção previstos e discriminados nas Cláusulas 24.ª e 36.ª do Contrato de Gestão.

3. Ao abrigo da Cláusula 24.ª, n.º 3 do Contrato de Gestão, à Entidade Gestora do Estabelecimento cumpria realizar todos os atos clínicos adicionais de acordo com o Perfil Assistencial que lhe fossem solicitados pela Entidade Pública Contratante, nos termos que viessem a ser acordados e em razão da sua integração no Serviço Nacional de Saúde.

4. Ao abrigo da Cláusula 28.ª, n.º 7 do Contrato de Gestão, à Entidade Gestora do Estabelecimento cumpria, quanto a todos os Utentes que assistisse no âmbito da Produção, ministrar, no próprio Hospital ..., no âmbito da prestação de cuidados de saúde, os medicamentos de que estes carecessem e a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar.

5. Ao abrigo da Cláusula 28.ª, n.º 8 do Contrato de Gestão, a Entidade Gestora do Estabelecimento obrigou-se a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar não compreendidos no n.º 7 da mesma Cláusula.

6. O valor dos medicamentos abrangidos pela Cláusula 28.ª, n.º 8 do Contrato de Gestão era, ao abrigo dessa Cláusula, suportado pelo Estado.

7. A Entidade Gestora do Estabelecimento era anualmente remunerada nos termos da Cláusula 44.ª do Contrato de Gestão.

8. O modelo de financiamento dos medicamentos dispensados para o tratamento de doentes que padecem de hepatite C foi alterado por sucessivos diplomas legais (Portaria n.º 1522/2003, de 13 de novembro, Portaria n.º 194/2012, de 18 de abril, Portaria n.º 158/2014, de 13 de fevereiro, Portaria n.º 114-A/2015, de 18 de fevereiro, Despacho n.º 1824-B/2015, de 18 de fevereiro, Portaria n.º 35/2018, de 12 de janeiro), destes resultando modificações na alocação de custos atinentes à sua dispensa.

9. Entre 2015 e 2017, o custo dos medicamentos dispensados para o tratamento de doentes que padecem de hepatite C foi suportado pelo Estado.

10. Em 31 de julho de 2018, a ARSN comunica não ser aplicável ao Hospital ... o regime de financiamento autónomo previsto para os hospitais EPE, sendo a remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento pela realização de prestações de saúde aos doentes com hepatite C processada de acordo com o preço estabelecido, no Contrato de Gestão, para os atos de produção.

11. Em 27 de agosto de 2018, a B... notificou a ARSN de que a cessação do financiamento do tratamento de pessoas com Hepatite C podia configurar facto constitutivo do direito ao reequilíbrio financeiro do Contrato de Gestão.

12. Entre 2009 e o final do primeiro semestre de 2016 foram pagos pela Entidade Pública Contratante à Demandante medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, dispensados no Hospital ... a beneficiários de subsistemas públicos.

13. Desde 1 de janeiro de 2010 e na sequência de Memorando de Entendimento, celebrado entre o Ministério das Finanças e da Administração Pública, da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde e datado de 18 de janeiro de 2010, foi determinada a suspensão da faturação pelos serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde aos subsistemas públicos de saúde, até à definição do novo regime.

14. A Lei do Orçamento de Estado para 2011, aprovada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro dispunha, no artigo 160.º que os encargos com as prestações de saúde realizadas por estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde aos beneficiários de subsistemas públicos eram suportados pelo Orçamento do Serviço Nacional de Saúde.

15. Em 15 de julho de 2013, a Administração Central do Sistema de Saúde informou a ARS LVT, através do ofício com a referência n.º ..., S. 11174/2013/ACSS de que os medicamentos dispensados em farmácia hospitalar aos utentes beneficiários de subsistemas deviam ser faturados pelos Hospitais aos subsistemas, mas não à Administração Regional de Saúde, uma vez que estes encargos não se deviam considerar abrangidos pelo novo modelo de relacionamento financeiro entre o SNS e os subsistemas públicos.

16. Mais informou a Administração Central do Sistema de Saúde a ARS LVT, através do ofício com a referência n.° ..., S. 11174/2013/ACSS que "(...) relativamente aos Hospitais em regime de PPP o entendimento aqui expresso [se] refere a medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar que não estejam associados a actos de Produção. Se à cedência de um qualquer medicamento está associado um acto médico, então o pagamento por esse acto inclui o pagamento do medicamento".

17. Em 26 de julho de 2013, o entendimento da Administração Central do Sistema de Saúde foi transmitido à Entidade Gestora do Hospital ....

18. De acordo com o n.º 4 do artigo 11.º da Lei do Orçamento de Estado para 2013, aprovada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, a ADSE foi autorizada a transferir a totalidade do montante da contribuição da entidade empregadora para o Serviço Nacional de Saúde.

19. O Despacho n.º 4631/2013, dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, determinou que o pagamento das comparticipações do Estado na compra de medicamentos dispensados a beneficiários pela Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas passava a ser encargo do Serviço Nacional de Saúde a partir do dia 1 de abril de 2013.

20. A ARS LVT comunicou à ADSE, em 7 de maio de 2014, o seu entendimento de que aquela transferência não incluía os medicamentos dispensados em farmácia hospitalar.

21. O Decreto-Lei n.º 124/2018, de 28 de dezembro, dispôs que não são objecto de comparticipação pela ADSE os medicamentos e dispositivos médicos prescritos ou dispensados por estabelecimentos integrados na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, excepto se consumidos em ambiente hospitalar numa entidade que tenha convenção com a ADSE.

22. O artigo 67.º do Decreto-Lei n.º 84/2019 de 28 de junho, que estabelece as normas de execução do Orçamento do Estado para 2019, e que, nos termos do seu artigo 210.º, produz efeitos à data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado, a 1 de janeiro de 2019, veio determinar que o SNS é financeiramente responsável pelas prestações de saúde realizadas aos beneficiários de subsistemas públicos, desde que os mesmos tenham direito a essas prestações pela sua condição de beneficiários do SNS.

Relativamente ao litígio referente ao tratamento do vírus da hepatite C, o Tribunal considerou provados os seguintes factos:

Antecedentes contratuais e matriz remuneratória do Contrato de Gestão

23. O concurso público tendente à celebração do Contrato de Gestão do Hospital ... foi lançado em janeiro de 2005, mediante anúncios publicados no Diário da República de 20 de janeiro de 2005 e no Jornal Oficial da União Europeia de 13 de janeiro de 2005.
(Prova documental: documento ...5).

24. De acordo com o Programa do Procedimento, cabia exclusivamente à Comissão de Avaliação das Propostas: a classificação das propostas com indicação dos concorrentes selecionados para a negociação; a realização da negociação competitiva; a elaboração de relatório fundamentado com resumo das negociações e avaliação global das propostas dos concorrentes, à luz dos critérios de selecção previstos; a hierarquização das propostas para efeitos de inicio de discussão da minuta de Contrato de Gestão e a realização das «sessões de negociação da minuta do Contrato de Gestão», ambas com o concorrente cuja proposta ficasse classificada em primeiro lugar.
(Prova documental: documento ...4 (artigos 35.º, 36.º, 38.º, 41.0 e 42.º - fls. 39 a 45)).

25. Estabeleceu a Componente 53 - Projecções económico-financeiras do Modelo da Proposta, Anexo I ao Programa de Procedimento, que os concorrentes deveriam apresentar projecções económico financeiras da actividade a desenvolver por cada uma das Entidades Gestoras durante os períodos do Contrato de Gestão, designadamente quanto à procura e aos custos de exploração por custo das existências vendidas e consumidas, fornecimentos e serviços externos e custos com pessoal.
(Prova documental: documento ...6).

26. Em sede de pedidos de esclarecimentos, o interessado Hospitais Privados de Portugal/... solicitou, a propósito da componente 40 do Modelo da Proposta, esclarecimento quanto ao que se devia entender por «cenários de sensibilidade adversos», tendo o mesmo sido objeto de pedido de esclarecimento pelo agrupamento concorrente liderado pela C..., ao que a entidade adjudicante respondeu no sentido de que "[o]s cenários de sensibilidade adversos sustentáveis a ser testados para cada uma das Entidades Gestoras devem ser desenvolvidos pelos próprios concorrentes", sem prejuízo de recomendar a análise de alguns aspetos como a redução da Produção Prevista anual ou o aumento dos custos de exploração anuais, tendo os competentes esclarecimentos sido publicitados e comunicados aos interessados.
(Prova documental: documentos ...7, ...-42, R-48 e ... a ...).

27. O n.º 3.4. do Anexo 7 do Caderno de Encargos do procedimento concursal tendente à celebração do Contrato de Gestão do Hospital ... determinou que:
"3.4 Os preços de referência a propor pelos concorrentes deverão reflectir a inclusão de todos os serviços que são objecto do Contrato de Gestão e que ficam a cargo da Entidade Gestora do Estabelecimento:
a) O preço do Episódio de Internamento compreende todos os serviços prestados no internamento, quer em regime de enfermaria, quer em unidades de internamento especiais, incluindo todos os cuidados médicos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, serviços de hotelaria e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados;
b) O preço da Intervenção de Cirurgia de Ambulatório compreende todos os serviços prestados durante o dia da intervenção, incluindo todos os cuidados médicos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica, serviços de hotelaria e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados;
c) O preço do Atendimento em Urgência inclui os cuidados médicos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados;
d) O preço da Consulta Externa inclui os cuidados médicos e os meios complementares de diagnóstico e terapêutica e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados;
e) O preço da Sessão de Hospital de Dia Médico inclui os cuidados médicos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados;
f) Os preços de referência por área de actividade deverão ainda reflectir os custos associados às actividades de ensino médico pré-graduado."
(Prova documental: documento ...9 (n.º 3.4.).

28. O Anexo 7 do Caderno de Encargos estabeleceu, nos termos do seu n.º 3.5., que apenas os custos com os medicamentos dispensados em farmácia comunitária, farmácia "de rua", ou a respetiva comparticipação pública não devem ser incluídos nos preços, estabelecendo-se que:
"3.5. Os preços de referência não deverão incluir: a) os preços dos medicamentos prescritos pelos médicos do Estabelecimento e adquiridos pelos Utentes nas farmácias comunitárias ou a respectiva comparticipação pública;".
(Prova documental: documento ...9 /n.º 3.5.).

29. Em sede de pedidos de esclarecimentos aos instrumentos do procedimento concursal tendente à celebração do Contrato de Gestão do Hospital ... foi solicitado por um dos interessados o seguinte esclarecimento:
"Parece resultar do previsto no ponto 3.5, alínea a), do Anexo 7 que o custo com a comparticipação pública dos medicamentos prescritos no Estabelecimento e adquiridos por utentes nas farmácias comunitárias não constituem um encargo para a Entidade Gestora do Estabelecimento, ressalvado o ajustamento pela prescrição prevista no n.º 12 do mesmo Anexo; confirma-se a correcção deste entendimento?", tendo a Comissão de Avaliação de Propostas respondido «Confirma-se o entendimento do interessado subjacente à sua questão»".
(Prova documental: documento ...1).

30. Os preços em concurso para as diferentes linhas de produção nos termos do n.º 3.2. do Anexo VII foram apresentados, como determina o n.º 3.1. do mesmo anexo, para cada uma das unidades de cálculo da remuneração descrita no n.º 3.1, com inclusão de todos os serviços, como estabelece o n.º 3.2., cabendo ao concorrente ter tais custos presentes como custos de exploração, para efeitos de apresentação das propostas, nos termos da componente 54 do modelo da proposta.
(Prova documental: documentos ...9 (n.º 3.1. e 3.2.) e R-46).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de AA).

31. Estabeleceu a componente 54 do Modelo da Proposta, Anexo I ao Programa de Procedimento tendente à celebração do Contrato de Gestão do Hospital ..., que deveriam os concorrentes considerar, em matéria de «Custos das Existências Vendidas e Consumidas», os produtos farmacêuticos e a sua evolução, cabendo ao concorrente, como aí referido, assegurar "a coerência entre as soluções construtivas, os meios e recursos utilizados e as despesas de investimento e custos de exploração em ambas as Entidades Gestoras ".
(Prova documental: documento ...6 (fls.114 e ss.)).

32. Foi explicitado no Apêndice 2 ao Anexo 2 do Caderno de Encargos que:
"O presente Apêndice apresenta projecções da actividade do Hospital ... baseadas na utilização hospitalar histórica e em projecções demográficas. Estes dados são meramente indicativos e não constituem a Entidade Pública Contratante em qualquer tipo de obrigação de assegurar os níveis de procura correspondentes.
(Prova documental: documentos ...9 e ...-50).

33. Na minuta do Contrato de Gestão, remetida com o regulamento de negociação competitiva, na Cláusula 36.ª, em conformidade com o referido n.º 3.4. do Anexo 7 ao Caderno de Encargos, foi estabelecido que:
"A Produção é discriminada por Episódios de Internamento, Intervenções em Cirurgia do Ambulatório, Atendimentos em Urgência, Consultas Externas, Sessões em Hospital de Dia Médico, a qual compreende as seguintes actividades:
a) As prestações de saúde, incluindo os actos complementares de diagnóstico e terapêutica executados, ou não, no Estabelecimento Hospitalar;
b) Os Serviços de Apoio, directos e indirectos;
c) A dispensa de medicamentos pela farmácia hospitalar;
d) Os transportes de doentes requisitados pelo Estabelecimento Hospitalar.
(Prova documental: documentos ...9, ...-43 e R-44).

34. Não previram os instrumentos procedimentais qualquer alteração dos preços de referência em razão da alteração dos preços dos diferentes "componentes" da assistência que os instrumentos de concurso ditaram que fossem considerados para efeitos do preço.
(Prova documental: documentos ...9, ...-43 e R-44).

35. Não previram os instrumentos procedimentais qualquer financiamento autónomo para a dispensa de medicamentos em razão da evolução de qualquer custo dos medicamentos.
(Prova documental: documento A-1);
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de BB).

36. Nos termos do n.º 3.10 do Anexo 7 ao Caderno de Encargos - que redunda no n.º 7 da Cláusula 45.º do Contrato -, resultou estabelecido que:
"Da aplicação do novo sistema de remuneração da actividade em ambulatório à Produção Efectiva verificada no ano em que o novo sistema é proposto não poderá resultar qualquer acréscimo relativamente à remuneração que seria devida pela aplicação do mecanismo antigo".
(Prova documental: documento ...9).

37. Os instrumentos de concurso estabeleceram que os preços deveriam refletir os custos efetivamente imputáveis a cada área de atividade e especialidade e que os preços de referência a propor pelos concorrentes deveriam refletir a inclusão de todos os serviços que são objeto do Contrato de Gestão e que ficam a cargo da Entidade Gestora do Estabelecimento, incluindo os medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados.
(Prova documental: documentos ...9 (n.º 3.4.) e R 97 (p. 140)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 10 do depoimento escrito de CC; resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB e minutos 00:39:24 a 00:39:40 dos respetivos esclarecimentos).

38. Consta do ponto 3.3.2.3. do Relatório Final da Comissão de Avaliação das Propostas, de 23 de dezembro de 2008, o seguinte:
"[o] mecanismo de pagamentos da Entidade Gestora do Estabelecimento promove a eficiência, na medida em que o pagamento é efetuado por resultado, ou seja, não se pagam custos, estando o preço previamente fixado para um período de dez anos (tendo sido acordado em ambiente competitivo), para além de o pagamento ser efectuado por acto indiferenciado. Com efeito, os serviços prestados são pagos com base em um preço médio, e não em preços para casos específicos, o que promove a eficiência na prestação dos cuidados; refira-se, ainda, que o facto de haver preços fixados para um período longo, limites anuais à produção e, consequentemente, à remuneração, promove um esforço de estruturação de meios, de forma a rentabilizar os mesmos o melhor possível".
(Prova documental: documento ...5 /fls. 33).

39. Não previa a Minuta para efeitos da BAFO a atribuição de qualquer financiamento específico.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de CC).

40. A Demandante estava, como resulta da alínea a) do referido n.º 7 do Anexo X ao Contrato de Gestão e Anexo 3 ao Caderno de Encargos e no Anexo X ao Contrato de Gestão remetido para efeitos da BAFO, vinculada contratualmente a observar as «Normas de orientação clínica» que em cada momento estivessem em vigor.
(Prova documental: documentos ...3, ...-64 e R-65).

41. Desde 2003 (Portaria n.º 1522/2003, de 13 de novembro) que os medicamentos para o tratamento da Hepatite C eram de dispensa obrigatória a cargo do estabelecimento de saúde prescritor integrado no SNS, tendo tal sucedido até 2015 (Portaria n.º 114-A/2015, de 17 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 216-A/2015, de 14 de abril).
(Prova documental: documentos R-2, R-4 e R-23).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de DD; resposta à questão 2 do depoimento escrito de EE; e resposta às questões 1 e 2 do depoimento escrito de FF).

42. Estes medicamentos tinham um custo relevante para o hospital em parceria público-privada, que o concorrente tinha de considerar e que a Entidade Gestora do Estabelecimento estava adstrita a suportar.
(Prova documental: documentos ...9 (n.º 3.4.), R-18 (artigo 23.º), R-46 (componente 54), R-44 (alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª) e A-1 (alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª).
(Prova testemunhal): resposta à questão 2 do depoimento escrito de AA).

43. O agrupamento concorrente liderado pela C... - e que viria a dar lugar à B... - apresentou a sua proposta inicial em setembro de 2005.
(Prova documental: documento ...5).

44. O agrupamento concorrente liderado pela C..., juntamente com outro, foi selecionado para apresentar proposta final (BAFO).
(Prova documental: documento ...5).

45. A proposta final (BAFO) do agrupamento concorrente liderado pela C... foi apresentada em 14 de maio de 2007.
(Prova documental: documento ...6).

46. Na sequência da avaliação das propostas BAFO, o agrupamento concorrente liderado pela C..., tendo ficado classificado em primeiro lugar, foi selecionado para a fase de negociação da minuta do Contrato de Gestão.
(Prova documental: documento ...6).

47. A Demandante sabia que a negociação final, nos termos do Programa do Procedimento, era uma fase não competitiva, apenas para fecho de aspetos da minuta e dos seus anexos de acordo com a BAFO classificada em primeiro lugar.
(Prova documental: documento ...4 (artigos 42.0 e 38.0)).

48. A fase de negociação da minuta do Contrato de Gestão decorreu de março de 2008 a dezembro de 2008.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de CC).

49. Ainda no âmbito do concurso, já durante a negociação da minuta do contrato de gestão, começou a surgir, no agrupamento concorrente liderado pela C..., o tema das abordagens terapêuticas novas (e da necessidade de financiamento adequado) relativamente a algumas doenças, nomeadamente lisossomais (já se ouvindo falar de outras, de programas experimentais ou piloto).
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de CC).

50. As primeiras metodologias alternativas de remuneração dos hospitais do SNS através de programas específicos de financiamento surgiram, de forma residual, a partir de 2007.
(Prova testemunhal: resposta às questões 3 e 4 do depoimento escrito de CC; resposta à questão 1 do depoimento escrito de GG; minutos 00:05:11 e 00:06:07 a 00:06:28 dos esclarecimentos orais de HH).

51. Quando o concurso público que antecedeu a celebração do Contrato de Gestão do Hospital ... foi lançado, em 2005, estas modalidades alternativas de financiamento específico não existiam.
(Prova documental: documentos ...8 e ...-19).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de CC; resposta à questão 1 do depoimento escrito de BB e minuto 00:04:28 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 2 do depoimento escrito de GG).

52. A partir de 2011/ 2012, deu-se um alargamento desta metodologia alternativa de financiamento dos hospitais do SNS a outras áreas e patologias.
(Prova testemunhal: minuto 00:05:22 dos esclarecimentos orais de HH).

53. Com o surgimento dos primeiros programas de financiamento específico dos hospitais do SNS com contrato-programa (nomeadamente, o programa de financiamento de doenças lisossomais de sobrecarga e programas experimentais de novas abordagens terapêuticas de determinadas doenças, como o HIV) durante a negociação da minuta do Contrato de gestão, o Agrupamento Concorrente procurou clarificar junto do Estado que, à luz do Contrato de Gestão, os programas de financiamento que existissem ou viessem a existir e se adequassem ao perfil assistencial do Hospital ... seriam aplicáveis nos termos dos demais hospitais do SNS.
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de CC).

54. Considerou a delegação da Comissão de Avaliação de Propostas, assim descrito na Ata da Sessão de Negociação n.º ...5, de 03.12.2008, que a proposta apresentada pelo concorrente B..., no âmbito da Cláusula 28.ª, n.º 8, (acesso às prestações de saúde), relativamente ao fornecimento de medicamentos ao abrigo de programas específicos, não era aceitável.
(Prova documental: documento ...3).

55. Os representantes do Estado nas negociações transmitiram à B... que não tinham mandato para resolver o tema dos programas de financiamento específico e que só a tutela o poderia fazer.
(Prova testemunhal: resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de CC e minuto 00:17:26 dos respetivos esclarecimentos orais).

56. A B... procurou uma clarificação da questão dos programas de financiamento específico ao nível governamental, tendo transmitido que a não obtenção de um compromisso sobre a sua aplicabilidade ao Hospital ... implicaria a rutura das negociações.
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de CC e minutos 00:17:26, 00:18:13, 01:04:40 e 01:05:12 esclarecimentos orais; resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de II).

57. O Agrupamento Concorrente entendia que o Contrato de Gestão, então sob negociação, consagrava mecanismos que, uma vez acionados, permitiam a aplicação ao Hospital ... de programas específicos de financiamento.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do Depoimento escrito de II; resposta às questões 3 e 5 do depoimento escrito de CC).

58. O Estado tinha pleno conhecimento do entendimento do Agrupamento Concorrente sobre a previsão contratual de mecanismos cujo acionamento permitia a aplicabilidade dos programas específicos de financiamento instituídos no âmbito do SNS.
(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de CC).

59. A aplicabilidade dos programas específicos de financiamento previstos no âmbito do SNS ao Hospital ..., nos termos do Contrato de Gestão, designadamente quando as abordagens terapêuticas que viessem a ser determinadas não se enquadrassem na remuneração dos atos de produção, era um pressuposto essencial para o Agrupamento Concorrente, sem o qual não teria procedido à assinatura do Contrato.
(Prova testemunhal: resposta às questões 2 e 3 do depoimento escrito de II; resposta às questões 5 e 6 do depoimento escrito de CC).

60. Em 5 de dezembro de 2008, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração da C..., SGPS, S.A., na qualidade de representante do Agrupamento Concorrente, uma carta a confirmar a aplicabilidade dos programas específicos de financiamento do Hospital ....
(Prova documental: documento A-2).

61. No Relatório de 23 de dezembro de 2008, entendeu a Comissão, não obstante o procedimento concursal ter tido início antes da entrada em vigor da alteração do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de abril, operada pelo Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de julho, proceder igualmente "à demonstração e justificação dos pressupostos dos quais depende a constituição de uma parceria público-privada, nos termos da redação actual do Decreto-Lei n.º 86/2003".
(Prova documental: documento ...5 /fls. 9)).

62. A negociação final da minuta do Contrato de Gestão, conduzida pela Comissão de Avaliação das Propostas, "foi concluída a 5 de Dezembro ".
(Prova documental: documento ...5 (fls. 8)).

63. O Relatório Final da Comissão de 23 de dezembro de 2008 expressou que a "formalização das declarações negociais produzidas" ficou feita pelo Estado "através das posições assumidas, em concreto o caderno de encargos e a minuta do contrato apresentada para efeitos de apresentação da última e definitiva proposta ", e pelo "agrupamento concorrente com as suas propostas".
(Prova documental: documento ...5 (fls. 9 e 10)).

64. Concluída a fase de negociação final, foi aprovado o Relatório Final da Comissão de Avaliação das Propostas que propôs, nos termos do programa de procedimento, e em conformidade com o artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 86/2003, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 141/2007, a adjudicação ao concorrente B....
(Prova documental: documento ...5 (fls. 46)).

65. Foi sobre a proposta e a ata n.º ...5, que integrou o Relatório Final da Comissão de Avaliação, que recaiu o Despacho Conjuntos dos Ministros de Estado e das Finanças e da Saúde de adjudicação.
(Prova documental: documentos ...3, ...-15 e R-16).

66. Os hospitais públicos geridos em regime de PPP estão integrados no âmbito jurídico e funcional do Serviço Nacional de Saúde e obedecem aos princípios constitucionais que se impõem ao SNS, ficando o parceiro privado encarregado da satisfação de necessidades coletivas.
(Prova documental: documento A-1 (cláusulas 28.ª/1 e 128.ª/4)).

67. Para os utentes, os hospitais geridos ao abrigo de uma PPP são um hospital do SNS como qualquer outro.
(Prova testemunhal: resposta à questão 10 do depoimento escrito de JJ; resposta às questões 8 e 10 do depoimento escrito de GG).

68. Nos termos da sua cláusula 24.ª/1, o Contrato de Gestão assenta, a título principal, na obrigação de realização, por parte da Demandante, "das prestações de saúde que constituem a Produção Prevista para cada ano de duração do Contrato, de acordo com o perfil assistencial do Estabelecimento Hospitalar".
(Prova documental: documento A-1).

69. Nos termos da cláusula 24.º/3 do Contrato de Gestão, a "Entidade Gestora do Estabelecimento deve realizar todos os actos clínicos adicionais de acordo com o Perfil Assistencial que lhe sejam solicitados pela Entidade Pública Contratante, nos termos que vierem a ser acordados, e para os quais detenha meios humanos e materiais disponíveis, não sendo contabilizados os actos realizados ao abrigo desta cláusula para efeitos da aplicação do disposto nos n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 10 e 12 da Cláusula 38.ª".
(Prova documental: documento A-1).

70. O Anexo I ao Contrato de Gestão estabelece que:
"1.1. O perfil assistencial é constituído por uma descrição das áreas de actividade e das valências e especialidades que serão obrigatoriamente disponibilizadas pelo Estabelecimento Hospitalar, desde o início da produção de efeitos do Contrato de Gestão, antes e após a Conclusão da Transferência para o Novo Edifício Hospitalar.
1.2. A Entidade Gestora do Estabelecimento obriga-se a disponibilizar à População da Área de Influência do Hospital ..., de forma ininterrupta, os serviços correspondentes às actividades incluídas no perfil assistencial."
(Prova documental: documento ...2).

71. Os cuidados de saúde a que a Entidade Gestora do Estabelecimento está contratualmente obrigada são classificados através de unidades definidas na cláusula 36.ª/2 do Contrato de Gestão e exprimem-se nos seguintes atos de produção:
a) no Internamento, em número de episódios de internamento;
b) na Cirurgia de Ambulatório, em número de intervenções de cirurgia de Ambulatório, sendo discriminada por Grandes Categorias Diagnósticas dos Grupos de Diagnóstico Homogéneo;
c) no internamento de Utentes Elegíveis para a Rede de Cuidados Continuados Integrados, em dias de internamento;
d) na Urgência, em número de atendimentos em Urgência;
e) na Consulta Externa, em número de consultas (primeira consulta e consulta subsequente e de acordo com as especialidades médicas);
f) no Hospital de Dia Médico, em número de sessões, de acordo com as várias áreas.
(Prova documental: documento A-1).

72. A cada ato de produção corresponde um preço de referência previsto na cláusula 44.ª do Contrato de Gestão e que resulta da proposta final (BAFO) apresentada pelo Agrupamento Concorrente.
(Prova documental: documento A-1).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB).

73. Os atos de produção do Contrato de Gestão são atos típicos de assistência hospitalar.
(Prova documental: documento A-1).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB; resposta à questão 2 do depoimento escrito de JJ; resposta à questão 2 do depoimento escrito de GG).

74. De acordo com o disposto na cláusula 36.ª/1 do Contrato de Gestão, os atos de produção incluem as seguintes atividades:
a) as prestações de saúde, incluindo os atos complementares de diagnóstico e terapêutica executados, ou não, no Estabelecimento Hospitalar;
b) os serviços de apoio;
c) a dispensa de medicamentos pela farmácia hospitalar;
d) o transporte de doentes requisitados pelo Estabelecimento Hospitalar;
e) o ensino pré-graduado.
(Prova documental: documento A-1).

75. As atividades identificadas no n.º 1 da cláusula 36.ª estão compreendidas na "Produção".
(Prova documental: documento A-1).

76. Nos termos do n.º 4 da Cláusula 128.ª do Contrato de Gestão, estava a Entidade Gestora do Estabelecimento adstrita "a cumprir as directivas emanadas pela Entidade Pública Contratante, nos termos do Contrato, bem como as disposições de natureza regulamentar, emanadas do Ministro da Saúde ou dos órgãos do Ministério da Saúde, relacionadas com a garantia de realização de prestações de saúde aos Utentes no âmbito do Serviço Público de Saúde".
(Prova documental: documento A-1).

77. A Entidade Gestora do Estabelecimento estava vinculada à Norma n.º 028/2017, de 28 de dezembro de 2017, da Direção-Geral da Saúde, quanto ao Tratamento do Hepatite C Crónica no Adulto, e antes desta à Norma n.º 011/2012, de 16 de dezembro de 2012, também da Direção-Geral da Saúde, atualizada em 30 de abril de.2015.
(Prova documental: documentos ...6 e ...-67).

78. O n.º 11 da Circular Informativa Conjunta da ACSS e do INFARMED tem o seguinte teor: "no âmbito da validação referida no número anterior, deve cada hospital no HEPC, através de médico assistente, assegurar a informação de monitorização de cada pedido de acesso do doente a medicamentos para o tratamento da Hepatite C, nomeadamente data de início e data de fim de tratamento, duração do tratamento e confirmação de resposta virológica mantida".
(Prova documental: Doc. A-15).

79. A propósito do caso especifico da dispensa de medicamentos pela farmácia hospitalar, a cláusula 28.ª/7 do Contrato de Gestão prevê que, "em conformidade com a alínea c) do n.º 1 da Cláusula 36.ª, a Entidade Gestora do Estabelecimento obriga-se quanto a todos os Utentes que assista no âmbito da Produção (...) a ministrar, no próprio Hospital ..., no âmbito da prestação de cuidados de saúde, os medicamentos que estes careçam e a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar".
(Prova documental: documento A-1).

80. O n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão prevê que "fora das situações consideradas no número anterior, a Entidade Gestora do Estabelecimento obriga-se a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar e a apresentar as correspondentes facturas à Entidade Pública Contratante, devendo esta proceder ao respectivo pagamento até ao final do mês seguinte ao da sua apresentação".
(Prova documental: documento A-1).

81. O n.º 1 da Cláusula 127.ª do Contrato de Gestão contém o elenco taxativo dos factos suscetíveis de poder vir a fundamentar um pedido de reposição do equilíbrio financeiro.
(Prova documental: documento A-1).

82. O modelo de remuneração do Contrato de Gestão é estruturado em linhas de produção.
(Prova documental: documento A-1).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 2, 9 e 11 do depoimento escrito de GG; resposta à questão 13 do depoimento escrito de JJ; resposta à questão 4 do depoimento escrito de KK e minutos 00:05:11 e 00:06:14 dos respetivos esclarecimentos orais; minutos 00:14:08 e 00:14:50 dos esclarecimentos orais de HH).

83. O modelo de remuneração dos Hospitais com Contrato Programa é estruturado em linhas de produção e admite programas de financiamento por doente.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 2 e 11 do depoimento escrito de GG; resposta à questão 13 do depoimento escrito de JJ; minutos 00:14:08 e 00:14:50 dos esclarecimentos orais de HH; minutos 00:13:42 a 00:14:32 dos esclarecimentos orais de LL; resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de KK e minutos 00:02:46 a 00:05:22; 00:06:14 a 00:08:53 dos respetivos esclarecimentos orais.).

84. Em concretização da comunicação de 5 de dezembro de 2008, o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde emitiu o Despacho n.º 38/2009, de 15 de setembro de 2009, onde vem confirmada a aplicabilidade ao Hospital ... dos programas específicos de financiamento, nos seguintes termos: "é aplicável ao Hospital ... o programa específico de financiamento relativo a doenças lisossomais de sobrecarga e outros programas, a determinar caso a caso, na medida em que estejam abrangidos pelo seu perfil assistencial, e nos mesmos termos que os praticados para os demais hospitais do SNS, incluindo para efeitos financeiros e na produção".
(Prova documental: documento A-3).

85. O Despacho n.º 38/2009 foi posteriormente reformulado, tendo o Secretário de Estado Adjunto e da Saúde emitido novo despacho, em 23 de outubro de 2009, onde se estabelece que "Os programas específicos de financiamento do Ministério da Saúde são aplicáveis ao Hospital ... nos mesmos termos que os praticados nos demais hospitais do SNS, incluindo para efeitos financeiros e na Produção, desde que estejam abrangidos no seu perfil assistencial, sendo a decisão de inclusão nos programas de mera declaração e não condicionante do princípio de aplicação dos referidos programas nos termos previstos para os hospitais que integram o SNS".
(Prova documental: documento A-4 (considerando C da Informação ...10).

86. O Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARSN), questionou, em 4 de novembro de 2009, o entendimento do n.º 3 do Despacho n.º 38/2009 e do sentido do Despacho, de 23 de outubro de 2009.
(Prova documental: documentos A-3 e R-8).

87. Dúvida que o Conselho Diretivo da ARSN expôs junto do Gabinete de Sua Excelência a Ministra da Saúde através do ofício n.º ...79, de 23 de novembro de 2009.
(Prova documental: documento R-9).

88. Em 6 de Fevereiro de 2010 foi emitida a Informação n.º 2/2010, do Gabinete do Secretário de Estado da Saúde, na qual se concluiu no sentido de que o (novo) Secretário de Estado da Saúde deveria "confirmar o entendimento expresso em 23.10.2009 pelo anterior Secretário de Estado Adjunto e da Saúde" e se referiu que, "na conclusão da fase de negociações do Contrato de Gestão no âmbito do concurso público, o Ministério da Saúde comunicou ao representante comum do Agrupamento B... que os programas específicos de financiamento do Ministério da Saúde são aplicáveis ao Hospital ... na medida em que estejam abrangidos pelo seu perfil assistencial, nomeadamente, os respeitantes a doenças lisossomais de sobrecarga, nos mesmos termos que os praticados nos demais hospitais do SNS, incluindo para efeitos financeiros e na produção".
(Prova documental: documento A-4).

89. Em 9 de fevereiro de 2010 foi emitido um novo despacho pelo (novo) Secretário de Estado da Saúde, confirmando "o entendimento do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde expresso em 23.10.2009 nos termos do qual os programas específicos de financiamento do Ministério da Saúde são aplicáveis ao Hospital ... nos mesmos termos que os praticados nos demais hospitais do SNS, incluindo para efeitos financeiros e na produção, desde que estejam abrangidos no seu perfil assistencial, sendo a decisão de inclusão nos programas de mera declaração e não condicionantes do princípio de aplicação dos referidos programas nos termos previstos para os hospitais que integram o SNS".
(Prova documental: documento A-4).

90. Prevê-se no n.º 1 do Despacho do Senhor Secretário de Estado da Saúde, de 28 de agosto de 2012 que: "[n]os termos do previsto no Despacho n.º ...09, a aplicação ao Hospital ... de outros programas específicos, é determinada caso a caso, ou seja, exigindo, sempre, um ato de reconhecimento individualizado pela Entidade Pública Contratante da elegibilidade do Hospital ... para cada financiamento específico e despacho da tutela que determina a aplicação do programa específico."
(Prova documental: documento ...0).

91. Prevê-se no n.º 2 do Despacho do Secretário de Estado de Saúde, de 28 de agosto de 2012 que: "[n]o que se refere ao pagamento autónomo de medicamentos de dispensa hospitalar, e uma vez que nos termos do disposto no n.ª 7 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, a Entidade Gestora se obriga, relativamente a todos os doentes que assista no âmbito da Produção, a ministrar, no próprio Hospital ..., os medicamentos que estes careçam, estando o pagamento desse medicamento incluído no pagamento do ato médico, temos que apenas poderão ser pagos autonomamente medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar que não estejam associados a atos de produção e desde que os seus custos não tenham sido considerados para definição dos preços das restantes linhas de atividade."
(Prova documental: documento ...0).

92. Ao longo da execução do Contrato de Gestão do Hospital ..., as Partes acordaram, em diferentes situações, soluções alternativas de financiamento, com recurso a programas específicos de financiamento instituídos no SNS, quando o regime geral de remuneração da cláusula 44.ª não constituía remuneração adequada.
(Prova documental: documentos A-1 (cláusulas 24.ª/3 e 28.ª/8) e A-21).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de BB; resposta à questão 11 do depoimento escrito de CC; resposta às questões 3 e 13 do depoimento escrito de JJ; resposta à questão 3 do depoimento escrito de GG; minuto 00:21:28 dos esclarecimentos orais de KK).

93. O valor das remunerações adicionais - isto é, a remuneração que não resulta da realização de atos de produção, conforme o modelo geral de remuneração - chegou a representar, até 2016, cerca de 11% do total dos pagamentos feitos pelo Estado à B....
(Prova documental: documento ...1 (p. 33)).

94. Ao longo da execução do Contrato de Gestão, aplicaram-se ao Hospital ... os seguintes programas específicos de financiamento / remunerações adicionais, conforme atestado pelo Tribunal de Contas no Relatório de Auditoria n.º 24/2016:

[IMAGEM]

(Prova documental: documento ...1 (p. 33)).

95. Ao longo da execução do Contrato de Gestão, aplicou-se ainda ao Hospital ... o programa específico de financiamento / remuneração adicional relativas ao programa de rastreio do cancro do cólon e reto.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de GG).

96. No contexto da auditoria que deu origem ao Relatório n.º ...16, o Tribunal de Contas analisou o protocolo para a realização de prestações de saúde a doentes com VIH/Sida do Hospital ... e o protocolo para a prestação de cuidados de saúde a doentes com esclerosa múltipla, aos quais foi atribuído visto em sede de fiscalização prévia.
(Prova documental: documento ...1).

97. No sobremencionado Relatório, o Tribunal de Contas não suscitou dúvidas quanto à legalidade e regularidade das remunerações atribuídas ao Hospital ... pela prestação de cuidados de saúde a doentes com VIH/Sida e a doentes com esclerosa múltipla.
(Prova documental: documento ...1 / Relatório do Tribunal de Contas)
(Prova testemunhal: minuto 00:25:36 dos esclarecimentos orais de CC; minutos 00:11:05 e 00:34:49 dos esclarecimentos orais de BB).

98. No Relatório n.º ...16 do Tribunal de Contas, não é feita referência ao tratamento de doentes com hepatite C, nem dele consta que lhe haja sido submetida a carta do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde de 5 de dezembro de 2008.
(Prova documental: documento ...1).

Pressupostos da proposta da B...: em especial, quanto ao tratamento da hepatite C

99. O Estado reservou-se o direito de extinguir o procedimento ou de não adjudicar o Contrato de Gestão, caso o valor global atual líquido dos pagamentos anuais a efetuar pelo Estado no âmbito da melhor proposta viesse a ser superior ao valor do Custo Público Comparável, naquele momento avaliado em 1.186 milhões de euros, a preços de janeiro de 2006.
(Prova documental: documento ...4 (artigo 44.º/3)).

100. O Custo Público Comparável corresponde ao custo que o mesmo projeto representaria para o Estado, caso fosse desenvolvido pela via tradicional, ou seja, diretamente pelo setor público, sendo um instrumento utilizado para aferir a existência, ou não, de value for money para o erário público na contratação de uma parceria e funcionando como benchmark no processo de avaliação das propostas dos potenciais parceiros privados.
(Prova documental: documento ...1 /p. 7)).
(Prova testemunhal: minuto 00:05:24 dos esclarecimentos orais de BB).

101. A proposta final (BAFO) da B... ficou 33% abaixo do valor do Custo Público Comparável identificado pelo Estado.
(Prova documental: documentos ...1 /p. 9 do Vol. II) e A-73 /p. 10)).

102. No âmbito do concurso, o Estado identificou, nas peças do procedimento, a população da área de influência e o perfil assistencial do Hospital ..., estimando uma procura para os 10 anos de vigência do Contrato de cada tipologia de atos de produção (isto é, internamentos, cirurgias, consultas, sessões de hospital de dia e atendimentos em urgência).
(Prova documental: documento ...9, ...-50 e ... a R-S0G).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB).

103. Com base nos dados disponibilizados pelo Estado, expressamente indicados como "meramente indicativos" e como "não constítu[indo] a Entidade Pública Contratante em qualquer tipo de obrigação de assegurar os níveis de procura correspondentes", o Agrupamento Concorrente calculou e propôs um preço médio associado a cada tipo de ato de produção.
(Prova documental: documentos ...9 e ...-50).

104. No cálculo do preço médio proposto para cada tipo de ato de produção, o Agrupamento Concorrente procurou um equilíbrio financeiro em cada uma das áreas de produção hospitalar a contratar, de forma a cobrir os custos estimados com os recursos necessários, segundo as projeções feitas pelo Demandante (pessoas, materiais, medicamentos, energia, etc.), e a incluir uma margem necessária para pagar custos gerais de estrutura e de risco de negócio.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB e minuto 00:04:52 dos seus esclarecimentos orais).

105. De acordo com as regras definidas no Caderno de Encargos, os preços de referência a propor pelos concorrentes deveriam refletir, designadamente, o seguinte: "o preço da Consulta Externa inclui os cuidados médicos, meios complementares de diagnóstico e terapêutica e medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar inerentes aos cuidados prestados".
(Prova documental: documento ...9 (n.º 3.4.)

106. Nos termos do Contrato de Gestão, o preço da consulta externa é um preço compreensivo que integra os meios complementares de diagnóstico e terapêutico e aquilo que estiver diretamente associado à prestação do ato médico da consulta, incluindo medicamentos cedidos em meio hospitalar.
(Prova documental: documento A-4).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de KK).

107. Os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar que eram associados a cuidados clínicos efectuados no Hospital, de acordo com a perspectiva terapêutica aplicável à data, foram incorporados na proposta da B....
(Prova testemunhal: minutos 00:06:22 a 00:06:41 dos esclarecimentos orais de BB).

108. Relativamente ao tratamento de doentes com hepatite C, a proposta da B... foi conformada considerando o estado da arte e modelo de assistência hospitalar então vigente, que se caracterizava essencialmente por um acompanhamento hospitalar dos doentes em situação aguda, através da prática de atos clínicos.
(Prova testemunhal: resposta à questão 9 do depoimento escrito de CC e minutos 00:26:52 a 00:28:05 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB e minutos 00:21:51 a 00:22:34 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de JJ e minutos 00:10:48 e 00:41:50 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de GG; minuto 00:18:33 dos esclarecimentos orais de GG).

109. A componente medicamentosa do acompanhamento de doentes de hepatite C era pouco onerosa, sendo prescrita a uma parte residual dos doentes (15% a 20% do universo total) e sendo o seu custo acomodado pela remuneração obtida com a produção de atos clínicos hospitalares ao universo global de doentes com hepatite C.
(Prova testemunhal: resposta à questão 9 do depoimento escrito de CC e minutos 00:26:52 a 00:28:05 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB e minutos 00:21:51 a 00:22:34 e 00:25:56 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de JJ e minutos 00:10:48 e 00:41:50 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de GG e minutos 00:12:01 a 00:12:10 e 00:18:33 dos respetivos esclarecimentos orais).

110. A B... considerou na sua proposta financeira um custo com medicamentos para a hepatite C de cerca de 100.000,00 € por ano, embora se tratasse de uma proposta global sem alocação de custos a uma determinada receita.
(Prova testemunhal: minuto 00:07:16 dos esclarecimentos orais de BB).

111. O custo associado às abordagens terapêuticas aplicáveis, a partir de 2015, no tratamento da hepatite C não estava refletido no Custo Público Comparável considerado no concurso.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB e minutos 00:08:20 e 00:09:09 dos respetivos esclarecimentos orais).

112. A proposta da B... (ou de qualquer outro concorrente) não incorporou no modelo financeiro as terapêuticas da hepatite C aplicáveis a partir de 2015.
(Prova testemunhal: minutos 00:08:20 a 00:09:51 e 00:12:49 a 00:13:03 dos esclarecimentos orais de BB).

O tratamento da hepatite C à época do concurso e da celebração do Contrato de Gestão

113. À data do lançamento do concurso (2005) e da celebração do Contrato de Gestão (2009), encontrava-se aprovada e disponível em Portugal, para o tratamento da hepatite C, a seguinte terapêutica: peginterferão alfa 2a ou peginterferão alfa 2b em associação com ribavirina.
(Prova documental: documento ...3).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN).

114. O acesso a esta terapêutica era regulado pela Portaria n.º 1522/2003, de 13 de novembro, que previa a comparticipação a 100% dos medicamentos contendo peginterferão e ribavirina como substância ativa, de dispensa exclusiva em farmácia hospitalar, sendo o encargo associado à dispensa da responsabilidade do hospital em que a prescrição tivesse lugar.
(Prova documental: documento ...3).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF).

115. Do universo total de doentes diagnosticados com hepatite C em Portugal, 30 % a 40% não estavam indicados para tratamento, por já terem sido submetidos anteriormente ao tratamento com a terapêutica disponível (peginterferão e ribavirina) e terem ficado curados ou serem não respondedores.
(Prova documental: documento ...7 (p. 49)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:05:47 a 00:06:35 dos respetivos esclarecimentos orais; minuto 00:36:26 dos esclarecimentos orais OO).

116. Quanto aos 60% a 70% dos doentes diagnosticados sem tratamento prévio, atendendo às contraindicações da terapêutica, aos efeitos secundários adversos e à análise de custo-benefício clinicamente aplicável pelos médicos, apenas cerca de 50% eram efetivamente elegíveis para tratamento, o que corresponde a 30% a 35% do universo total de doentes diagnosticados com hepatite C.
(Prova documental: documento ...7 (p. 49)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:07:45 dos respetivos esclarecimentos orais de NN; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM e minuto 00:09:39 dos respetivos esclarecimentos orais; minuto 00:39:44 dos esclarecimentos orais de OO).

117. As principais contraindicações do tratamento com peginterferão eram: (i) doença hepática descompensada, com ascite ou encefalopatia hepática; (ii) disfunção hepática; (iii) presença de citopénias; (iv) depressão major não controlada; (v) transplante de órgão sólido; (vi) hepatite autoimune ou outra condição autoimune que pudesse ser exacerbada pelo tratamento; (vii) doença da tiroideia não tratada; (viii) gravidez ou recusa de contraceção adequada; (ix) doença médica concomitante grave / comorbilidades (por exemplo, hipertensão arterial grave, insuficiência cardíaca, doença coronária, diabetes, doença pulmonar obstrutiva crónica, doença renal crónica).
(Prova documental: Doc. ...6).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 1 do depoimento escrito de EE).

118. A prevalência de comorbilidades nos doentes com hepatite C é muito elevada, potenciando, assim, um incremento do número de doentes abrangidos por contraindicações para o tratamento e, portanto, inelegíveis. Em particular, há estudos que demonstram (i) uma prevalência de 41,3% de condições comórbidas com impacto negativo na sobrevida de um ano nos doentes com hepatite C; (ii) que as comorbilidades psiquiátricas apresentam uma prevalência de 65,8% (4,5 vezes superior à da população em geral); (iii) que a prevalência de diabetes é 2 vezes superior em relação à população em geral; (iv) que a doença pulmonar crónica tem uma prevalência 2,5 superior em doentes com hepatite C; (v) que a prevalência de insuficiência cardíaca congestiva e enfarte de miocárdio, doença cerebro-vascular e doença renal crónica em doentes com hepatite C é cerca de 2 vezes superior à população em geral.
(Prova documental: documento ...0).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN).

119. Mesmo em caso de ausência de contraindicações, a terapêutica tinha associados efeitos secundários agressivos e graves, alguns dos quais incapacitantes e que colocavam em risco os doentes submetidos à terapêutica, nomeadamente, fadiga severa, anemia, depressão, distúrbios do sono, reações cutâneas, náuseas, dores de cabeça, febre, dispneia, alterações hepatológicas, alterações da tiróide e infeções.
(Prova documental: documentos ...5 e ...-77).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM e minuto 00:08:54 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; p. 16 do depoimento escrito de PP e minuto 00:05:11 dos respetivos esclarecimentos orais; minuto 00:41:25 dos esclarecimentos orais de OO).

120. Tendo em conta os efeitos adversos associados à terapêutica e a taxa de resposta, os critérios clínicos adotados na seleção de doentes para tratamento eram muito judiciosos, tendo-se em consideração a progressão lenta da doença e só se considerando elegíveis para tratamento os doentes que já tivessem a doença suficientemente avançada, com grau de fibrose avançada e com risco real a curto prazo de morbi-mortalidade.
(Prova documental: documentos ...3, ...-54 e A-55).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 1 do depoimento de MM).

121. Dos 30% a 35% do universo total de doentes elegíveis para tratamento, apenas 2/3 a metade aceitavam iniciar tratamento para a hepatite C, sendo as principais razões para a recusa de tratamento a ausência de sintomas da hepatite C e os efeitos secundários induzidos pelo tratamento.
(Prova documental: documentos ...7, ...-42 e A-43).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:08:17 a 00:09:29 dos respetivos esclarecimentos; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM e minuto 00:10:19 dos respetivos esclarecimentos orais).

122. Dos 30 a 35% dos doentes elegíveis para tratamento, restava apenas uma percentagem final de 15% a 20% de doentes que seriam efetivamente submetidos à terapêutica com pegínterferão e ribavirina.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:08:17 a 00:09:29 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM e minutos 00:10:19 a 00:11:13 dos respetivos esclarecimentos orais).

123. A duração do tratamento era de 48 semanas para os doentes infetados pelos genótipos 1 ou 4 (com uma prevalência em Portugal de 56,6% e de 12,9%, respetivamente) e de 24 semanas para os genótipos 2 e 3 (com uma prevalência em Portugal de 1,4% e de 27,5%, respetivamente), pelo que a duração média do tratamento era de 36 semanas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 1 do depoimento escrito de EE).

124. O acompanhamento standard em ambiente hospitalar dos doentes durante o tratamento era intenso, caracterizando-se nomeadamente por: (i) monitorização mensal nos primeiros 3 meses e, posteriormente, a cada 8 a 12 semanas até ao fim do tratamento; (ti) avaliação analítica com hemograma, aminotransferases, creatinina e virémia nas semanas 4, 12 e 24 e, posteriormente, mensal ou trimestralmente até ao final do tratamento; (iii) monitorização trimestral da função tiroideia; (iv) reavaliação 24 semanas após o termo do tratamento.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minutos 00:18:06 a 00:18:55 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM).

125. Doentes com factores de risco acrescido, como os que tivessem comorbilidades significativas (cirrose hepática, doença renal crónica, hemoglobinopatias ou doença psiquiátrica (até 40% dos doentes com hepatite C apresentavam comorbilidades significativas), necessitavam de uma monitorização mais intensa durante a terapêutica.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN).

126. O tratamento combinado com peginterferão e ribavirina apresentava uma taxa de cura global de cerca de 50% a 60%, dependendo dos genótipos em causa.
(Prova documental: documento ...7 (p. 48)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:10:38 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 3 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 1 do depoimento escrito; de EE; minuto 00:35:40 dos esclarecimentos orais de OO).

127. Considerando a taxa de cura associada ao tratamento com peginterferão e ribavirina e a percentagem de doentes de cerca de 15% a 20% do universo total de doentes submetidos ao mesmo, esta terapêutica permitia atingir a cura de 7,5% a 10% de todos os doentes diagnosticados.
(Prova documental: Documentos ...7, ...-76, A-37, A-42 e A-43).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN e minuto 00:13:23 dos respetivos esclarecimentos orais; minutos 00:11:29 a 00:12:35 dos esclarecimentos orais de MM).

128. Os doentes não submetidos à terapêutica ou não curados eram mantidos em seguimento no hospital, dependendo da intensidade do acompanhamento hospitalar do estádio da doença.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; minutos 00:16:47 a 00:17:12 dos esclarecimentos orais de MM).

129. Na era do peginterferão e ribavirina, estimavam-se em Portugal gastos anuais relacionados com a hepatite C na ordem dos 71 milhões de euros.
(Prova documental: documento ...7 (p. 51)).

130. 83% do valor anual de 71 milhões de euros era imputável às comorbilidades e complicações associadas à doença, nomeadamente cirrose hepática, carcinoma hepatocelular e transplante hepático.
(Prova documental: documento ...7 (p. 52)).

131. As comorbilidades e complicações associadas à hepatite C eram tratadas em ambiente hospitalar, através de atos de produção (consultas, internamentos, cirurgias, etc.).
(Prova testemunhal: resposta à questão16 do depoimento escrito de JJ).

132. Do valor anual de 71 milhões de euros, o custo associado à medicação com peginterferão e ribavirina representa cerca de 12,7 milhões de euros e o custo associado à monitorização dos doentes submetidos à terapêutica representa cerca de 5 milhões de euros.
(Prova documental: documento ...7 (p. 50)).

133. Em 2011 surgiu a possibilidade de associar fármacos de acção direta - telaprevir ou boceprevir - à terapêutica com peginterferão e ribavirina (terapêutica tripla).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN).

134. A terapêutica tripla com telaprevir / boceprevir permitiu melhorar as taxas de resposta face à terapêutica dupla, mas foi pouco utilizado, uma vez que a terapêutica tripla não prescindia dos anteriores medicamentos, nem limitava os efeitos secundários do tratamento com peginterferão e ribavirina.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 1 do depoimento escrito de PP e minutos 00:15:11 e 00:15:18 dos respetivos esclarecimentos orais; minutos 00:23:17 a 00:23:55 dos esclarecimentos orais de NN).

135. O tratamento com a combinação de peginterferão e ribavirina manteve-se como o pilar no tratamento da hepatite C até ao início de 2015.
(Prova documental: documentos ...1 (figura 1, p. 139) e A-53 a A-56).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de PP).

O tratamento de doentes com hepatite C no Hospital ... até 2014

136. Entre janeiro de 2012 e dezembro de 2014 (36 meses), o Hospital ... prescreveu os medicamentos então disponíveis para o tratamento da hepatite C a um total de 69 doentes.
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de JJ).

137. O custo total suportado pela B... com a dispensa de medicamentos aos 69 doentes entre 2012 e 2014 foi de 302.510,51 €, dos quais 86.572,85 € em 2012, 130.458,74 € em 2013 e 85.478,92 € em 2014.
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de JJ).

138. O custo médio da medicação por cada doente neste período, no Hospital ..., foi de 4.384,21 €.
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de JJ; não obstante o depoimento escrito de FF, que apenas se pronuncia sobre o custo médio do tratamento nos hospitais públicos).

139. Durante este período, o tratamento de doentes com hepatite C foi remunerado através do pagamento dos atos de produção realizados, cujo valor acomodava/suportava os custos com medicamentos suportados pela B....
(Prova testemunhal: resposta às questões 5 e 16 do depoimento escrito de JJ).

140. A remuneração recebida e os custos suportados neste período com doentes de hepatite C está em linha com a proposta e as projeções financeiras que lhe subjazem.
(Prova testemunhal: minutos 00:09:51 e 00:10:48 dos esclarecimentos orais de JJ).

O surgimento dos medicamentos antivirais de ação direta e as decisões adotadas pelo Estado Português nesse contexto

141. Em 2014, a empresa D..., produtora do medicamento e detentora dos respetivos direitos de exclusivo, exigiu preços extremamente elevados, tentando rentabilizar o seu investimento em I&D (investigação e desenvolvimento).
(Prova testemunhal: resposta à questão1 do depoimento escrito de QQ).

142. Os preços apresentados pela D... comparavam com as terapêuticas em prática, para o genótipo do tipo1: boceprevir (associado ao peginterferão e ribavirina), em cápsulas a 200 mg, na embalagem existente; para os genótipos do tipo 3 e 4: peginterferão associado à ribavirina, como foi feito em Portugal no relatório de avaliação, mas também com a terapêutica dita gold standard para os doentes já com cirrose hepática, que era o transplante de fígado.
(Prova documental: documento ...9 e ...-61).
(Prova testemunhal: resposta à questão1 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:03:55 a 00:05:10 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão única do depoimento escrito de RR e minutos 00:05:42 a 00:08:16, 00:10:08 a 00:11:18 e 00:12:13 a 00:12:53] dos respetivos esclarecimentos orais).

143. Durante vários meses (entre 2014 e 2015) e na sequência de uma estratégia de implantação no mercado, a D... não aceitou negociar com as autoridades portuguesas preços mais baixos do que os inicialmente pretendidos.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:06:51 a 00:08:04 dos respetivos esclarecimentos orais).

144. A D..., no caso do Sofosbuvir, procurou entrar primeiro nos países com maior poder económico e onde se praticam preços mais elevados, de modo a evitar que, por referenciação internacional, fossem obrigados a praticar preços mais baixos.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:06:51 a 00:08:04 dos respetivos esclarecimentos orais).

145. Em janeiro e novembro de 2014, respetivamente, o INFARMED emitiu as autorizações de introdução no mercado português dos medicamentos antivirais de acção direta ("AAD") Sovaldi (sofosbuvir) e Harvoni (sofosbuvir e ledispavir).
Facto admitido por acordo (artigos 62.º da petição e 282.0 da contestação).

146. A taxa de cura associada ao tratamento com os AAD é superior a 95%.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 11 do depoimento escrito de PP / p. 9; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF).

147. O tratamento com os AAD não tem contraindicações, nem efeitos secundários relevantes.
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de PP; resposta à questão 1 do depoimento escrito de MM; resposta às questões 2 e 3 do depoimento escrito de NN e minuto 00:23:55 dos respetivos esclarecimentos orais).

148. A ausência de contraindicações e de efeitos secundários relevantes torna clinicamente elegíveis para o tratamento com AAD praticamente todos os doentes com hepatite C, independentemente do estádio da doença e da existência ou não de comorbilidades associadas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 2 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 4 do depoimento escrito de PP).

149. A duração do tratamento com os AAD variava inicialmente entre 12 e as 24 semanas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF).

150. Pelas suas características - em termos de taxa de cura, elegibilidade quase universal dos doentes e duração do tratamento - os AAD representaram uma alteração no paradigma do tratamento da hepatite C.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM / p. 5; resposta à questão 3 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 11 do depoimento escrito de PP; resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF).

151. Tendo em conta o valor avultado da comercialização dos AAD pela farmacêutica produtora (D...), o Governo Português encetou, ao longo de 2014, negociações com vista à diminuição do seu custo de aquisição.
(Prova testemunhal: minuto 00:17:44 dos esclarecimentos orais de PP).

152. Enquanto decorriam as negociações com a D..., foi aplicado o regime de Autorização de Utilização Excecional (AUE) por parte do lnfarmed, tendo a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica definido que apenas os casos mais graves teriam acesso à AUE, nomeadamente, doentes que não pudessem ser submetidos à terapêutica com peginterferão e ribavirina (por contraindicações ou falta de resposta) e tivessem cirrose hepática, descompensação da função hepática ou tivessem sido sujeitos a um transplante hepático no contexto de infeção pelo vírus da hepatite C.
(Prova documental: documento A-5).

153. Em fevereiro de 2015, o Estado Português chegou a um acordo com a D.... (Prova documental: documento A-6).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento de NN; resposta à questão 1 do depoimento de QQ).

154. Para efeitos de início do programa centralizado em 2015 estavam identificados mais de 13.000 doentes.
(Prova documental: https:/ /w.sns.gov.pt/noticias/2016/07/28/ dia-mundial-da­ hepatite/L
(Prova testemunhal: minutos 00:05:55 e 00:08:03 dos esclarecimentos orais de OO).

155. Como resulta dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, de modo a não prejudicar a referenciação internacional noutros países, a empresa apenas terá aceitado no nosso país um contrato que passou pela definição de um preço "facial" para o medicamento, que poderia ser reduzido em função de patamares de quantidades de doentes tratados até ao total de 13.000 tratamentos.
(Prova documental: documentos ...7 e ...-41).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:11:19 a 00:11:56 dos respetivos esclarecimentos).

156. Os medicamentos Harvoni, contendo a substância Ledispavir + sofosbuvir e Sovaldi, contendo a substância sofosbuvir, e objeto do Contrato de Comparticipação celebrado com a D..., para cujas negociações se terá partido de um preço de 48.000 euros, correspondiam, pois, à quase totalidade dos tratamentos de doentes com hepatite C que iniciaram tratamento em 2015.
(Prova documental: documento ...0).
(Prova testemunhal: resposta à questão 10 do depoimento escrito de FF e minutos 00:12:52 a 00:14:54 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 5 do depoimento escrito de DD; resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ e respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão única do depoimento de RR e minutos 00:10:32 a 00:10:36 dos respetivos esclarecimentos orais).

157. O preço a considerar para referenciação internacional seria o preço "facial"; contudo, o Serviço Nacional de Saúde pagaria menos em função das quantidades adquiridas, mediante "critérios de desconto expressivos adequados à especificidade da situação em causa, designadamente um sistema de preços regressivos e planos de pagamento a realizar até ao termo do Contrato de Comparticipação", os quais foram materializados através de notas de crédito.
(Prova documental: documentos ...7 e ...-41).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ; resposta à questão única do depoimento de RR e minutos 00:11:18 a 00:11:38 dos respetivos esclarecimentos orais).

158. Se cada hospital atuasse isoladamente, nomeadamente os hospitais em PPP, nunca alcançaria um desconto semelhante em função da quantidade.
(Prova documental: documentos ...7 e ...-41).
(Prova testemunhal: minutos 00:11:45 a 00:11:55 dos esclarecimentos orais de QQ; resposta à questão 5 do depoimento escrito de EE).

159. Por referência ao ano de 2015, os preços unitários dos medicamentos sob as marcas comerciais Harvoni (que corresponde ao medicamento contendo a substância ativa Ledispavir + sofosbuvir) e Solvadi (que corresponde ao medicamento contendo a substância ativa Sofosbuvir) da D..., que a Entidade Gestora do Estabelecimento terá considerado, são muito superiores ao valor faturado pela D....
(Prova documental: documentos ...7 e ...-16).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ).

160. Para garantir o cumprimento das condições de aquisição obtidas pelo Estado e do acordo de confidencialidade quanto aos preços, junto da empresa D..., com exclusividade na comercialização das substâncias activas assim introduzidas, foi emergente proceder "à definição de um procedimento comum de submissão de pedido de acesso aos medicamentos para o tratamento da Hepatite C e definição dos respetivos prazos".
(Prova documental: n.º 2 do Despacho n.º1824-B/2015, de 18 de fevereiro).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de QQ; resposta à questão 3 do depoimento escrito de DD; resposta à questão 3 do depoimento escrito de FF).

161. Em 2015 foi criado o HEPC - Portal da Hepatite C, para submissão centralizada dos pedidos.
(Prova documental: alínea a) do n.º 2 do Despacho n.º 1824-B/2015, de 18 de fevereiro).
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de FF).

162. Na sequência do acordo alcançado entre o Estado Português e a D..., foi publicada a Portaria n.º 114-A/2015, de 18 de fevereiro, que atualizou o anexo de medicamentos comparticipados constante da Portaria n.º 158/2014, de 13 de fevereiro, aditando-lhe os medicamentos contendo as substâncias ativas sofosbuvir e ledispavir + sofosbuvir.
(Prova documental: documento ...2).

163. No dia seguinte, foi publicado o Despacho n.º 1824-B/2015, de 18 de fevereiro, do Secretário de Estado da Saúde, revelando a decisão de "garantir o acesso universal dos doentes aos medicamentos", independentemente do estado da doença.
(Prova documental: Despacho n.º 1824-B/2015, de 18 de fevereiro).

164. O Estado Português assumiu, logo em 2015, o objetivo político, no âmbito da Política de Saúde Pública, de garantir o acesso universal de todos os doentes ao tratamento com os AAD, independentemente do estado da doença ou de outros critérios clínicos relevantes, definindo uma estratégia nacional para, de forma pioneira a nível mundial, erradicar o vírus da hepatite C em Portugal.
(Prova documental: documento A-6, A-7 e A-11; Despacho n.º 6401/2016, de 11 de maio, do Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, publicamente disponível no site do Diário da República).
(Prova testemunhal: resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de MM; resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 5 do depoimento escrito de GG / p. 6 e 7; resposta à questão 4 do depoimento escrito de PP).

165. Em comunicado datado de 18 de fevereiro de 2015, o INFARMED refere-se ao objetivo de "desencadear o dispositivo nacional para o tratamento imediato da hepatite C", à "estratégia nacional para o tratamento da doença", às "guidelines que ajudarão no tratamento e progressiva eliminação da mesma" e à" mudança de paradigma no tratamento da hepatite C em Portugal".
(Prova documental: documento A-6).

166. As guidelines europeias de 2015 continham um plano para selecionar quais os doentes que deveriam ter prioridade para iniciar tratamento, identificando-se os doentes mais graves, com a doença mais avançada, ou em situação de maior risco.
(Prova documental: documento ...6).
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito de NN).

167. Vários outros países, incluindo o Reino Unido, não adotaram a mesma decisão política, estabelecendo critérios de elegibilidade dos doentes para o tratamento diferentes.
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de MM; resposta à questão 6 do depoimento escrito de GG).

168. Já existiam, antes da celebração do Contrato de Gestão do Hospital ... e antes da data de apresentação da proposta pelo agrupamento que viria dar lugar à Entidade Gestora, diversos artigos publicados no sentido do desenvolvimento de novas terapias para o tratamento do virus da Hepatite C, nomeadamente cf RAFFAELE DE FRANCESCO / CHARLES M. RICE, "New therapies on the horizon for hepatitis C: are we dose?", in Clinic Liver Disease 7 (2003)i, pp. 211 - 242; M. DEUTSCH AND S.J. HADZIYANNIS, "Old and emerging therapies in chronic hepatitis C: an update", in Journal of Viral Hepatitis, 2008, 15, pp. 2-11.
(Prova documental: documentos ...8 a ...-31).

169. Os artigos publicados no sentido do desenvolvimento de novas terapias para o tratamento do vírus da Hepatite C aventavam «possibilidades» - nomeadamente "possibilidade de encontrar inibidores específicos da enzima que bloqueiem a replicação do VHC com toxicidade associada insignificante" - e "alvos de terapia promissores".
(Prova documental: documentos ...8 a ...-31).

170. Quando o concurso foi lançado (2005), quando a proposta BAFO foi apresentada pela B... (2007) ou quando o Contrato de Gestão foi celebrado (2009), era imprevisível a descoberta, em 2014/2015, de medicamentos com as características dos AAD, isto é, não associados ao peginterferão (ou seja, isentos de efeitos secundários) e suscetíveis de erradicar o vírus da hepatite C.
(Prova documental: documento ...5, ...-29 e A-40).
(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de NN e minutos 00:28:16 e 00:32:24 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de MM e minuto 00:30:05 dos respetivos esclarecimentos orais).

171. Pelo menos até 2009, a comunidade científica estava ainda focada em optimizar os esquemas com peguinterferão e ribavirina, tendo-se então como assente que o sucesso de medicamentos antivirais de acção direta seria limitado e que o interferão permaneceria como o pilar (o "backbone") do tratamento da hepatite C nos anos seguintes.
(Prova documental: documento ...9 e ...-40 (pp. 14 e 15)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de NN e minuto 00:28:49 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de MM; minutos 00:53:23, 00:53:29 e 00:55:05 dos esclarecimentos orais de PP).

172. Em junho de 2010, houve uma reunião em Lisboa, com cerca de 10 pessoas, em que é revelado estar em investigação medicação oral para a hepatite C, tratando­ se de "informação privilegiada".
(Prova documental: resposta à questão 1 do depoimento escrito de PP e minutos 00:35:14, 00:50:11 e 00:50:40 dos respetivos esclarecimentos orais).

173. Entre 2011 e 2013, surgiram novos fármacos orais, em associação com os já existentes injetáveis, com múltiplos efeitos secundários, incluindo risco de morte em 1-2% e que só serviam para um grupo muito particular de pessoas com doença já muito avançada.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de PP e minutos 00:15:18 e 00:36:53 dos respetivos esclarecimentos orais).

174. Em março de 2014, é publicado um artigo (de novembro de 2013) intitulado "O impacto da hepatite C em Portugal", no Jornal Português de Gastrenterologia, de que é co-autor o Professor Doutor PP, no qual não é feita qualquer referência à expectativa do surgimento de uma nova terapêutica para a hepatite C e onde se estima que "na ausência de tratamento, as complicações decorrentes do VHC venham a aumentar nos próximos anos".
(Prova documental: documento ...7 (p. 45)).

175. Em 2013, não era iminente a entrada no mercado de medicamentos com as características dos AAD.
(Prova documental: documento ...8).
(Prova testemunhal: minutos 00:39:08 a 00:39:13 dos esclarecimentos orais de PP).

O financiamento público do tratamento com os novos antivirais de ação direta

176. Na sequência da publicação e entrada em vigor do Despacho n.º 1824-B/2015 e da Portaria n.º 114-A/2015, o Secretário de Estado da Saúde ordenou, em 16 de março de 2015, que fosse comunicado à ARS Norte, na qualidade de representante do Estado na execução do Contrato de Gestão do Hospital ..., o seguinte:

"O Ministério da Saúde encontra-se a analisar o enquadramento contratual previsto nos Contratos de gestão para a situação específica do mecanismo de financiamento dos novos medicamentos da Hepatite C, tendo em conta as regras estabelecidas para os restantes Hospitais do SNS".

(Prova documental: documento ...2).

177. No dia 14 de abril de 2015, foi publicada a Portaria n.º 216-A/2015, que alterou a Portaria n.º 158/2014, passando a prever-se que, ao contrário do que resulta prescrito para os demais medicamentos pela Portaria n.º 158/2014, de 13 de fevereiro, alterada pela Portaria n.º 114-A/2015, de 18 de fevereiro, os encargos com a comparticipação dos medicamentos identificados nas alíneas e) e f) do número 1 do anexo, contendo sofosbuvir e ledispavir + sofosbuvir, não são suportados pelo Hospital onde o medicamento é prescrito.
(Prova documental: documento R-4).

178. O "mecanismo de financiamento" dos novos medicamentos para o tratamento do vírus da Hepatite C, constitui um "programa de financiamento centralizado" e foi adotado, entre outras, pelas seguintes razões:
i) necessidade de aquisição centralizada;
ii) necessidade de o Estado controlar os preços junto da farmacêutica, que operava em regime de exclusividade;
iii) preços, mesmo após a negociação, expressivos em reflexo da falta de regime concorrencial;
iv) alargamento súbito do universo dos doentes que poderiam aceder aos medicamentos.
(Prova testemunhal: resposta às questões 1 e 2 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:02:53 a 00:09:57 e 00:12:10 a 00:14:47 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de HH; resposta à questão 3 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 3 do depoimento escrito de EE).

179. O Sofosbuvir era - à época - um medicamento «life saving» sem alternativa, na medida em que o transplante hepático não era sequer uma alternativa comparável, o que motivou, face à exclusividade da farmacêutica D..., a aquisição centralizada pelo Estado.
(Prova testemunhal: resposta à questão1 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:03:53 a 00:05:10 dos respetivos esclarecimentos orais).

180. Com a entrada dos fármacos antivirais de ação direta no mercado nacional e com o mecanismo de aquisição e financiamento centralizado no ano de 2015, assistiu­se, de imediato, a um "boom" de doentes registados no portal da Hepatite C e, consequentemente, ao seu tratamento.
(Prova testemunhal: resposta à questão 13 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 13 do depoimento escrito de EE; resposta à questão 2 do depoimento escrito de SS e minutos 00:01:51 a 00:08:36 e 00:11:18 a 00:13:10 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de PP e minutos 00:22:19 a 00:23:28 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 8 do depoimento escrito do DD e minutos 00:07:50 a 00:10:16 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de AA).

181. Com base no Relatório do Programa Nacional para as hepatites, datado de 2017, conclui-se que "[r]elativamente à hepatite C, e desde a implementação do Portal da Hepatite C da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED), mais de 17.000 pessoas já foram assinaladas como vivendo com infeção crónica".
(Prova documental: documento A-7 (fls. 5)).

182. Entre a data da criação do Portal da Hepatite C, a 10 de novembro de 2014, e 30 de junho de 2015, foram emitidas 5.042 autorizações de tratamento para a infeção por VHC em Portugal.
(Prova documental: documento A-8 (fls. 2)).

183. No balanço dos dois anos, em Comunicado de Imprensa, de 3 de fevereiro de 2017, foi dada nota de já terem sido a essa data "autorizados mais de 15 mil tratamentos, ultrapassando-se as previsões iniciais de 13 mil para dois anos".
(Prova documental: documento A-9 (fls. 1)).

184. Dado o impacto que suportar os custos dos novos AAD representaria para a B..., e perante a ausência de uma posição clara do Estado sobre o modelo de financiamento a adotar nos hospitais em regime de PPP, a B... notificou o Estado, em 15 de abril de 2015, da ocorrência de facto susceptível de dar lugar à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de Gestão, nos termos da respetiva cláusula 127.ª/9, alínea a).
(Prova documental: documento ...3).

185. Em 30 de abril de 2015, a ARSN respondeu à notificação que lhe havia sido dirigida pela B... em 15 de abril de 2015, remetendo em Anexo um Ofício da ACSS da mesma data e declarando que, tendo em conta o referido Ofício, os factos invocados para a realização da notificação estavam ultrapassados.
(Prova documental: documento ...4).

186. O referido Ofício da ACSS clarificava (i) que a alteração introduzida pela Portaria n.º 216-A/2015 na Portaria n.º 158/2014 possibilitou o financiamento centralizado dos medicamentos para a hepatite C, (ii) que foi criado pelo Ministério da Saúde um mecanismo de financiamento centralizado para os medicamentos da hepatite C, no orçamento do SNS, gerido pela ACSS, (iii) que esse mecanismo de financiamento era aplicável aos Hospitais em regime de PPP.
(Prova documental: documento ...4).

187. O procedimento a adotar pelos hospitais no âmbito do mecanismo de financiamento centralizado dos medicamentos AAD constava da Circular Informativa conjunta da ACSS e do Infarmed n.º 01/INFARMED/ ACSS/2015, de 20 de fevereiro de 2015 (posteriormente atualizada pelas Circulares n.ºs 01/INFARMED/ ACSS/2017 e 02/INFARMED/ ACSS/2017, em função da entrada no mercado de novos medicamentos AAD).
(Prova documental: documentos ...5, ...-16 e A-17).

188. De acordo com o procedimento definido, (i) os hospitais faziam a encomenda diretamente à farmacêutica, constando um valor fictício da nota de encomenda, (ii) a farmacêutica fornecia o medicamento e enviava uma fatura ao hospital com um valor distinto do da nota de encomenda, (iii) a ARSN enviava ao hospital um número de compromisso e o hospital emitia fatura à ARSN com o valor indicado na fatura da farmacêutica, (iv) a ARSN transferia para o hospital o montante em causa, que o utilizava para pagar à farmacêutica; (v) a farmacêutica emitia depois notas de crédito.
(Prova documental: documento ...5, ...-16 e A-17).

189. O procedimento aplicável não permitia ao Hospital ... saber qual o preço real dos medicamentos.
(Prova testemunhal: resposta às questões 6 e 7 do depoimento escrito de JJ; minuto 00:12:22 dos esclarecimentos orais de JJ).

190. Independentemente do número de atos médicos associados à nova prática, é sempre um ato médico que determina o acesso dos doentes ao tratamento e, consequentemente, à medicação, bem como são igualmente atos médicos que permitem acompanhar e gerir a evolução clínica do doente ao longo do seu tratamento.
(Prova documental: documentos ...6 e ...-67).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento de SS e minutos 00:21:16 a 00:21:51 dos respetivos esclarecimentos orais).

191. O ato de prescrição é apenas um dos aspetos decorrentes de uma avaliação clínica complementada por uma observação clínica e por exames complementares de diagnóstico.
(Prova documental: documento ...6).
(Prova testemunhal: minutos 00:21:16 a 00:22:00 dos esclarecimentos orais de SS).

192. A prescrição é sempre individualizada e deve ser discutida com o doente.
(Prova documental: documento ...6).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de SS e respetivos esclarecimentos orais; minuto 00:25:28 dos esclarecimentos orais de PP).

193. Nos termos do n.º 6 da Norma nº 028/2017, de 28.12.2017, da Direção-Geral da Saúde:
"6. O tratamento do VHC deve permitir a obtenção de uma resposta virológica sustentada (RVS), que se traduz por ARN-VHC (ácido ribonucleico do vírus da hepatite C) indetetável ou inferior a 15 UI/mi, 12 ou 24 semanas após o termo do tratamento (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1".
(Prova documental: documento ...6 (fls. 2)).

194. Apesar das elevadas taxas de eficácia dos medicamentos antivirais de ação direta, os doentes tratados mantiveram e mantêm indicação para acompanhamento pós­ terapia antivirai, geradores de atos de produção, principalmente aqueles com lesões hepáticas (fibrose hepática, carcinoma hepatocelular), comorbidades (hipertensão portal, insuficiência renal), ou com manutenção de comportamentos de risco.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de SS e minutos 00:21:16 a 00:21:51 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de OO e respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 10 do depoimento escrito de PP e minutos 00:26:32 a 00:26:49 dos respetivos esclarecimentos orais).

195. Mesmo depois da eliminação do vírus, vários doentes têm de ser seguidos para toda a vida, com consultas, ecografia, análises.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de SS e minutos 00:21:42 a 00:22:00 dos respetivos esclarecimentos orais; minutos 00:43:23 a 00:43:48 dos esclarecimentos orais de MM: resposta à questão 6 do depoimento escrito de OO; resposta à questão 10 do depoimento escrito de PP e minutos 00:25:28 e 00:26:02 dos respetivos esclarecimentos orais).

196. Alguns doentes continuam a necessitar de tratamento para o carcinoma hepatocelular e outros necessitam de transplante hepático.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de MM e minutos 00:43:23 a 00:43:48 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 10 do depoimento escrito de OO e minutos 00:14:17 a 00:15:03 dos respetivos esclarecimentos orais).

197. De acordo com a Norma da DGS n.º 028/2017, de 28.12.2017, "[n]as pessoas com infeção crónica por VHC, insuficiência renal grave (TFGe<30 ml/min/1,73m2) e/ou em diálise e/ou com cirrose descompensada, o tratamento, monitorização e seguimento devem ser efetuados em unidade de saúde com equipa de tratamento multidisciplinar especializado (Nível de Evidência B, Grau de Recomendação 1)."
(Prova documental: documento ...6 /n.º 21 da Norma n.º 028/2017, de 28.12.2017, p. 23).

198. Nos termos da Norma da DGS n.º 028/2017, de 28.12.2017, "a monitorização e controlo clínico durante o tratamento deve ser realizada e incluir (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação I): a) Avaliação clínica inicial entre a 2." e 4." semana e no final do tratamento, no mínimo; b) Avaliação de ARN-VHC antes do tratamento, à 4." semana e no final do tratamento."
(Prova documental: documento ...6 (n.º 22 da Norma n.º 028/2017, de 28.12.2017, p. 23).

199. Ao contrário do que sucedia à data da celebração do Contrato de Gestão, as Normas de orientação clínica prescrevem que todos os doentes com F3 e F4 têm indicação para serem observados com caracter semestral. Ainda de acordo com a Norma n.º 028/2017, de 28.12.2017 (n.º 24), "[a)pós o tratamento, o seguimento deve incluir (Nível de Evidência A, Grau de Recomendação 1): (... ); b) Quando indicado, a implementação de medidas para o manejo da hipertensão portal e varizes esofágicas; c) Na pessoa com estádio de fibrose não avançada (F0-F2) e com RVS um ano após o término do tratamento e que tem outras causas potenciais para doença hepátíca, designadamente, entre outros, consumo excessivo de álcool, diabetes, síndrome metabólica, doença hepática esteatósica ou sobrecarga de ferro, deve ser efetuada avaliação de progressão de fibrose hepática com periodicidade definida de acordo com a situação clínica e contexto individual; d) Na pessoa com manutenção de comportamento de risco para a infeção por VHC deve ser prescrita determinação do ARN-VHC, no mínimo, anualmente."
(Prova documental: documento ...6 (p. 24).

200. A percentagem de doentes com hepatite C em tratamento farmacológico (antivirais de ação direta) com fibrose em estádio avançado (F3 e F4) é elevada: 65% Julho de 2015); 57,3% (dezembro de 2015) e 45,5% Julho de 2018).
(Prova documental: documentos A-8 (fls. 2) e A-11 (fls. 2).

201. O número de tratamentos iniciados e o número de processos submetidos no Portal da Hepatite C pela Entidade Gestora do Estabelecimento, entre 2015 e 2017, são que constam da tabela seguinte:

[IMAGEM]

(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de AA).

202. Durante o período de vigência do mecanismo de financiamento centralizado (2015-2017), a B... não suportou qualquer custo com os medicamentos para a hepatite C, tendo sido remunerada, como até então, pelos atos de produção realizados aos doentes com hepatite C.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de JJ).

A cessação do financiamento público dos medicamentos antivirais de ação direta ao Hospital ... (e restantes hospitais PPP)

203. A progressiva abertura à concorrência apenas se concretiza, pela sua abrangência a todos os genótipos, pelo preço muito competitivo e pela duração de tratamento mais curto, com o medicamento com a substância «l) Glecaprevir + Pibrentasvir», que obteve autorização de introdução no mercado já no segundo semestre de 2017 e início de comercialização no início de 2018.
(Prova documental: documento R-2).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ; resposta àquestão1 do depoimento escrito de TT; resposta à questão 1 do depoimento escrito de EE; resposta à questão 1 do depoimento escrito de HH; respostas às questões 4 e 5 do depoimento escrito de DD e minutos 00:07:02 a 00:07:45 dos respetivos esclarecimentos orais).

204. A Portaria n.º 35/2018, de 9 de janeiro aditou ao anexo dos medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação de novos medicamentos, um deles, o medicamento Glecaprevir + Pibrentasvir, com uma grande abrangência quanto aos genótipos da doença com eficácia de tratamento e com preços especialmente competitivos.
(Prova documental: documento R-2).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ; resposta à questão1 do depoimento escrito de TT; resposta à questão 1 do depoimento escrito da FF; resposta à questão 1 do depoimento escrito de EE; resposta à questão 1 do depoimento escrito de HH; respostas às questões 1, 4 e 5 do depoimento escrito de DD e minutos 00:07:02 a 00:07:45 dos respetivos esclarecimentos orais).

205. A Portaria n.º 35/2018, de 12 janeiro, revogou a regra, constante da Portaria 216-A/2015, de que os encargos com a comparticipação dos medicamentos AAD não eram suportados pelos hospitais.
(Prova documental: documento R-2).

206. O fundamento indicado na própria Portaria para a revogação da referida norma foi o de que, "a partir [de] 2018, o financiamento para o tratamento para doentes com Hepatite C passar[ia] a integrar a actividade nos contratos-programa hospitalares" dos hospitais EPE.
(Prova documental: documento R-2).

207. A evolução do custo médio do tratamento da Hepatite C nos hospitais públicos foi a seguinte:

[IMAGEM]

(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de FF; reposta à questão 5 do depoimento escrito de EE).

208. A integração no regime de comparticipação em 2018, nos termos da Portaria n.º 35/2018, de 9 de janeiro, de medicamentos contendo a substância ativa Glecaprevir + Pibrentasvir no regime de comparticipação teve como reflexo uma descida do custo médio do tratamento dos doentes com Hepatite C.
(Prova documental: documento R-2).
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de DD).

209. A partir do final de 2017, o preço por doente tratado/ ano no tratamento ambulatório de pessoas portadoras de infeção pelo vírus Hepatite C, fixado nos Termos de Referência para contratualização de cuidados de saúde no SNS para 2018 (6.922 €), é inferior mesmo ao preço fixado na metodologia de 2013 (9.442 €).
(Prova documental: documentos ...8 e ...-74).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de HH).

210. Os dados portugueses encontram-se em linha com referências internacionais que evidenciam uma descida transversal dos preços dos medicamentos no ano de 2018:

[IMAGEM]

(Prova documental: .... (p. 25,

fig. 3)).

211. O número de tratamentos para Hepatite C iniciados entre 2015, 2016 e 2017 é substancialmente superior ao número de tratamentos iniciados em 2018, 2019 e 2020 (com os dados relativos até 1 de setembro de 2020), sintetizando-se no seguinte quadro:

[IMAGEM]

(Prova testemunhal: resposta à questão 13 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 13 do depoimento escrito de EE).

212. A evolução dos dados quanto ao número de doentes que iniciaram tratamento em cada um dos anos desde 2015 até 2019 retrata que, após um crescimento para o triplo, em 2016, verificou-se uma redução de um quinto para 2017 e de cerca de um 27% para 2018 (relativamente a 2017), verificando-se posteriormente uma subida de 13% a respeito dos processos submetidos pela B....
(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de AA).

213. Os custos médios com medicamentos são, em 2018 e nos anos seguintes, inferiores aos custos médios verificados até ao final de 2014.
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de FF; reposta à questão 5 do depoimento escrito de EE; resposta à questão 2 do depoimento escrito de HH; respostas às questões 5, 6 e 7 do depoimento escrito de DD).

214. Os custos médios por doente em 2018 e 2019 são inferiores aos custos médios do tratamento da hepatite C no ano de 2009, ano da celebração do Contrato de Gestão do Hospital ....
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de FF; reposta à questão 5 do depoimento escrito de EE).

215. O tratamento prevalente, em 2009, respeitante a uma duração terapêutica de 48 semanas, apresenta um custo mais elevado do que o custo compreensivo da Metodologia dos contratos-programa de 2018.
(Prova testemunhal: resposta à questão 16 do depoimento escrito de FF e minutos 00:20:24 a 00:27:11 dos respetivos esclarecimentos orais).

216. A cessação, em 2018, do "programa de financiamento centralizado" relativo aos novos medicamentos antivirais de ação direta para o tratamento do vírus da Hepatite C, teve por base a atenuação das condições que conduziram ao mesmo, designadamente, entre outras:
i) a cessação da exclusividade da D... com a entrada de novos fármacos no mercado;
ii) o alargamento do elenco dos medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação, nos termos regulamentares;
iii) a queda dos preços dos medicamentos, induzida pela concorrência.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de SS e minutos 00:01:51 a 00:08:36 e 00:11:18 a 00:13:10 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 6 do depoimento escrito de PP e minutos 00:20:33 a 00:23:28 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 2 do depoimento escrito de OO e minutos 00:07:51 a 00:09:13 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 8 do depoimento escrito de DD e minutos 00:07:50 a 00:10:16 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 13 do depoimento escrito de FF; resposta à questão 13 do depoimento escrito de EE; resposta à questão 2 do depoimento escrito de QQ e minutos 00:15:15 a 00:16:29 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 1 do depoimento escrito de HH e minutos 00:09:44 a 00:10:10 dos respetivos esclarecimentos orais).

217. Nos Termos de Referência para contratualização de cuidados de saúde no SNS para 2018, da ACSS, foi introduzido um "Programa de Tratamento Ambulatório de Pessoas Portadoras de Infeção pelo Vírus Hepatite C", beneficiando de uma linha de financiamento específico de 6.922,00 € por doente.
(Prova documental: documento ...8 (n.º 4.4.3.2., p. 17))

218. A fundamentação da introdução nos contratos-programa hospitalares de um novo Programa de saúde e respetiva linha de financiamento específico que consta dos referidos Termos de Referência prende-se com os "custos elevados" dos medicamentos.
(Prova documental: documento ...8 /n.º 4.4.3.2., p. 17)).

219. Esta linha de financiamento abrange apenas a componente terapêutica ou medicamentosa e não os atos de produção associados ao tratamento de doentes com hepatite C, cujo preço não sofreu ajustamentos em baixa.
(Prova documental: documento ...8 (n.º 4.4.3.2., p. 17)).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de FF; minuto 00:16:00 dos esclarecimentos orais de HH; resposta à questão 14 do depoimento de JJ).

220. A linha específica de financiamento do tratamento da hepatite C e o valor de 6.922 € por doente - apenas para a componente terapêutica do tratamento - manteve-se nos contratos-programa dos anos de 2019, 2020 e 2021.
(Prova documental: documentos ...2, ...-33 e A-34).

221. Na sequência da entrada em vigor da Portaria n.º 35/2018, em 31 de julho a ARS Norte dirigiu à B... uma comunicação, na qual informa que "não tem(...) por aplicável ao Hospital ... (...) a modalidade de financiamento estabelecida pela ACSS como a observar no ano de 2018 no âmbito dos contratos-programa celebrados com os demais hospitais do Serviço Nacional de Saúde quanto ao tratamento de doentes com infeção Hepatite C" e declara que "a remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento pela realização de prestações de saúde aos doentes com infeção Hepatite C é processada de acordo com a disciplina prevista no Contrato de Gestão, ou seja, pelo preço estabelecido para os actos de produção".
(Prova documental: documento ...9).

222. Nessa mesma comunicação, a ARS Norte justifica ainda a revogação da regra do financiamento público dos medicamentos pela Portaria n.º 35/2018 com a "acentuada descida dos preços da medicação para tratamento da Hepatite C";
(Prova documental: documento ...9).

223. O elevado custo destes medicamentos foi o fundamento para a inclusão de uma linha específica de financiamento nos contratos-programa hospitalares dos hospitais EPE a partir de 2018.
(Prova documental: documento ...9 e ...-18).

224. A posição tomada pelo Estado na sua comunicação de 31 de Julho de 2018 ilustra uma mudança relevante de entendimento: entre 2015 e 2017, após análise do enquadramento contratual do Hospital ..., o Estado concluiu que o pagamento dos atos de produção não era adequado para remunerar a B... no tratamento farmacológico de doentes com hepatite C; a partir de 2018, o Estado passou a entender o contrário.
(Prova documental: documentos ...2, ...-14 e A-19).

225. Na sequência da receção da comunicação da ARS Norte de 31 de julho de 2018 e com fundamento na posição aí manifestada, a B... notificou o Estado, em 27 de agosto de 2018, da ocorrência de facto suscetível de dar lugar à reposição do equilíbrio financeiro do Contrato de Gestão, nos termos da respetiva cláusula 127.ª/9, alínea a).
(Prova documental: documento R-5).

226. Em 18 de março de 2019, a B... notificou o Estado nos termos e para os efeitos da cláusula 127.ª/9, alínea b), do Contrato de Gestão, identificando um acréscimo de encargos estimado de 1.079.832 € até 31.08.2019, associado ao evento gerador de reposição do equilíbrio financeiro (cessação do financiamento pelo Estado dos medicamentos AAD).
(Prova documental: documento ...0).

227. Nos cálculos efetuados nessa notificação, a B... considerou como referência, para os doentes com hepatite C então já em tratamento ou previstos tratar, o valor de 6.922,00 € previsto no contrato-programa hospitalar, por considerar que, na visão do próprio Estado, tal valor correspondia ao custo médio dos medicamentos utilizados para o tratamento da hepatite C, sendo que, naquele momento, estariam sempre em causa meras estimativas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 17 do depoimento escrito de JJ).

228. Nos cálculos efetuados nessa notificação, a B... não teve em consideração nem deduziu a remuneração pelos atos de produção a doentes com hepatite C, uma vez que tanto o mecanismo de financiamento vigente entre 2015-2017, como o mecanismo de financiamento vigente a partir de 2018 (só para os hospitais EPE) apenas abrangiam os medicamentos, sem terem qualquer efeito no preço e remuneração dos atos de produção.
(Prova testemunhal: Depoimento escrito de JJ / p. 11 e 12, resposta à questão 17).

229. As propostas apresentadas pelos concorrentes ao abrigo de procedimentos concursais para a celebração de contratos de gestão na área da saúde pressupõem um preço médio por linha de produção, indiferente ao ato que lhe dá causa e aos custos inerentes a atos complementares associados (como a dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar) e a atos que integrem as linhas de produção (como o Internamento, o Hospital de Dia ou a Consulta Externa).
(Prova documental: documento ...5 (fls. 33).
(Prova testemunhal: resposta à questão 4 do depoimento escrito prestado por KK e minutos 00:04:29 e 00:11:33 a 00:11:43 dos respetivos esclarecimentos orais).

230. As Metodologias e contratos-programa para os Hospitais Públicos são anualmente revistas e poderá existir revisão (em baixa) do preço de alguns dos atos que as integrem, nomeadamente para a respetiva inclusão numa linha de financiamento compreensiva por doente tratado que se harmonize com o financiamento hospitalar globalmente considerado.
(Prova testemunhal: minutos 00:06:36 a 00:07:02 dos esclarecimentos orais de HH).

231. Nos contratos-programa, os preços das consultas externas têm variações em diferentes anos e a introdução de um programa de tratamento ou de pagamento por doente tratado ou de um financiamento específico pode ser acompanhada da redução dos preços da consulta externas.
(Prova testemunhal: minutos 00:06:36 a 00:07:02 dos esclarecimentos orais prestados por HH).

232. Por ofício com a referência ...56, a ARS Norte comunicou à B..., nos termos e para os efeitos da alínea c) da cláusula 127.ª/9 do Contrato de Gestão, não reconhecer indícios suficientes à abertura de um processo de avaliação do desequilíbrio financeiro do Contrato e à suscetibilidade de haver reposição do equilíbrio financeiro.
(Prova documental: documento R-6).

233. A ARSN salientou, no ofício com a referência ...96, de 31 de julho de 2018, a não aplicação dos Termos de Referência para contratualização de cuidados de saúde no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para 2018, publicados pela Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., em novembro de 2017, aos hospitais geridos em regime de parceria público-privada, como é o caso do Hospital ..., e que a remuneração da Entidade Gestora deveria ser efetuada nos termos previstos no Contrato de Gestão, cujo mecanismo inclui as prestações de saúde devidas aos doentes com Hepatite C.
(Prova documental: documento ...9).

234. A B... não demonstrou, na sobredita comunicação, os custos em que efetivamente incorreu pelo tratamento de doentes com Hepatite C após o facto que considera como evento gerador do direito à reposição, nem o acréscimo de encargos dai adveniente.
(Prova documental: documento ...0).

235. Os cálculos dos custos feitos pela Demandante correspondem à remuneração que o Estado definiu para o tratamento por doente compreensivo para os hospitais públicos (Metodologias de 2018 e ss.) e não ao custo incorrido pelo Hospital ....
(Prova testemunhal: resposta à questão 8 do depoimento escrito de JJ e minutos 00:53:49 a 00:55:20 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 17 do depoimento escrito de JJ e minutos 01:00:34 a 01:04:19 dos respetivos esclarecimentos orais).

236. As poupanças, geradas pelos tratamentos introduzidos em Portugal em 2015, em custos de tratamento de outras patologias decorrentes, como o carcinoma hepatocelular, são também poupanças para a Demandante em assistência medicamentosa associada, dado que esta está contratualmente a tratar os doentes com patologia oncológica nos termos do Perfil Assistencial do Hospital ....
(Prova documental: documentos ...5 a ...).

237. A onerosidade do tratamento do carcinoma hepatocelular é expressiva.
(Prova documental: documento ...1).

238. A cirrose é uma entidade altamente oncogénica, com uma evolução para carcinoma hepatocelular.
(Prova documental: documento ...1).
(Prova testemunhal: resposta às questões 1 e 6 do depoimento escrito de PP e minutos 00:25:28 a 00:26:02 dos respetivos esclarecimentos).

239. Com a terapêutica dos AAD, o risco de incidência de carcinoma hepatocelular. reduz-se a 1% por ano.
(Prova documental: documento ...1).
(Prova testemunhal: resposta às questões 7 e 8 do depoimento escrito de PP e minutos 00:24:32 a 00:24:35 dos respetivos esclarecimentos orais).

240. A ARSN comunicou, por ofício com a referência n.º ...56... APPP/2019, de 12 de abril de 2019, que a Entidade Gestora não deu cumprimento à demonstração exigida pelo regime de reposição do equilíbrio financeiro previsto no Contrato de Gestão (al. b) do n.º 9 da Cláusula 127.ª).
(Prova documental: documento R-6 (pp. 3 e pp. 4)).

241. Nessa sequência, a B... notificou a ARS Norte para mediação, nos termos das cláusulas 136.ª e 137.ª/3 e 4 do Contrato de Gestão, no âmbito da qual não foi alcançado qualquer acordo pelas Partes.
(Prova documental: documento R-7).

A execução do Contrato de Gestão entre 2018 e 31 de agosto de 2019: o tratamento de doentes e o impacto da cessação do financiamento pelo Estado dos medicamentos antivirais de ação direta

242. Durante o ano de 2018 e até 31 de agosto de 2019 (20 meses), o número de tratamentos iniciados e o número de processos submetidos no Portal da Hepatite C pela Entidade Gestora do Estabelecimento, são os que constam da tabela seguinte:

[IMAGEM]

(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de AA).

243. O custo total suportado pela B... com a dispensa de medicamentos aos 121 doentes entre 1 de janeiro de 2018 e 31 de agosto de 2019 foi de 837.562,00 €.
(Prova testemunhal: resposta à questão 8 do depoimento escrito de JJ).

244. O valor médio do custo da medicação por cada doente neste período foi de 7.467,88€.
(Prova testemunhal: resposta à questão 8 do depoimento escrito de JJ).

245. A média anual de doentes a quem foi administrada a terapêutica neste período é de 72,6, ou seja, um valor 300% superior à média anual de doentes a quem foi administrada, entre 2012 e 2014, a terapêutica com peginterferão e ribavirina.
(Prova testemunhal: resposta às questões 4 e 6 do depoimento escrito de JJ).

246. Quanto à variação do custo suportado com a medicação, no período de 2018-2019 a B... despendeu um valor mais de 500% superior (cerca de 542.000 € por ano) ao que despendeu no período de 2012-2014, com a terapêutica com peginterferão e ribavirina (cerca de 100.000 € por ano).
(Prova testemunhal: resposta às questões 4 e 8 do depoimento escrito de JJ e minuto 00:27:13 dos respetivos esclarecimentos orais).

247. Durante este período, o tratamento de doentes com hepatite C foi remunerado apenas através do pagamento dos atos de produção.
(Prova documental: documento ...9).
(Prova testemunhal: resposta à questão 8 do depoimento escrito de JJ).

248. O número de atos de produção realizados a doentes com hepatite C diminuiu face aos atos de produção que eram realizados a doentes com hepatite C antes do aparecimento dos AAD, até 2014.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de GG; resposta à questão 11 do depoimento escrito de JJ e minutos 00:29:44 a 00:30:21 dos respetivos esclarecimentos orais).

249. A diminuição do número de atos de produção deve-se, desde logo, ao facto de os medicamentos AAD curarem a quase totalidade dos doentes, que têm alta, evitando assim a evolução da doença e diminuindo drasticamente as complicações e comorbilidades a ela associadas.
(Prova documental: documento A-7 (p.10)).
(Prova testemunhal: minutos 00:17:51 e 00:17:54 dos esclarecimentos orais de MM; resposta às questões 4, 7, 8 e 9 do depoimento escrito de PP e minutos 00:27:25 e 00:27:36 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 9 do depoimento escrito de OO; resposta à questão 1 do depoimento escrito de RR; minuto 00:30:21 dos esclarecimentos orais de JJ; minuto 00:33:55 dos esclarecimentos orais de CC).

250. Por outro lado, a monitorização do tratamento com os AAD é muito menos intensa do que o era com a terapêutica com peginterferão e ribavirina, recomendando as guidelines europeias de 2018 a avaliação da carga viral antes do tratamento e 12 ou 24 semanas após completar o tratamento, por forma a confirmar resposta virológica mantida / cura.
(Prova documental: documento ...8).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de NN; resposta à questão 2 do depoimento escrito de MM; minuto 00:19:51 dos esclarecimentos orais de JJ).

A situação financeira da B... no termo do Contrato de Gestão

251. A gestão do Hospital ... foi pautada por uma elevada eficiência na utilização dos seus recursos, tendo o custo operacional por doente padrão sido, em 2015, o mais baixo entre todos os hospitais do SNS (2.158 €) e tendo o financiamento atribuído pelo Estado ao Hospital ..., por doente padrão, sido, nesse mesmo ano, o mais baixo entre os hospitais de gestão pública seleccionados para comparação (2.084 €).
(Prova documental: documento ...1 (p.3)).
(Prova testemunhal: minuto 00:30:34 dos esclarecimentos orais de JJ).

252. No Relatório de Auditoria 24/2016, o Tribunal de Contas referiu que a B... "depende fortemente de capitais alheios e tem recorrido à injeção de capital pelos acionistas para cobrir os défices anuais de tesouraria. Opera, desde 2011, numa situação de falência técnica que, segundo as previsões, se manterá até ao final do Contrato de Gestão. Não se prevê que a sociedade gestora do estabelecimento venha a ser remunerada até ao terminus do atual contrato".
(Prova documental: documento ...1).

253. No termo do Contrato de Gestão, a 31 de agosto de 2019, a B... tinha capitais próprios negativos de cerca de 30 milhões de euros.
(Prova testemunhal: minuto 00:35:26 dos esclarecimentos orais de JJ).

Relativamente ao litígio referente aos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, dispensados a utentes beneficiários de subsistemas de saúde, o Tribunal considerou provados os seguintes factos:

254. Nos termos do Contrato de Gestão, cabia à Demandante, enquanto Entidade Gestora do Estabelecimento do Hospital ..., "identificar e determinar a entidade responsável pelo pagamento dos serviços prestados a cada Utente, designadamente os Terceiros Pagadores, em todas as situações em que estes sejam suscetíveis de ser responsabilizados".
(Prova documental: documento A-1 (n.º 2 da Cláusula 31.ª).

255. Constitui uma obrigação da Entidade Gestora do Estabelecimento proceder à cobrança a Terceiros Pagadores, nos termos da Cláusula 49.ª, n.º 1, alínea c) do Contrato de Gestão: "A cobrança da receita devida por Terceiros Pagadores compete, em exclusivo, à Entidade Gestora do Estabelecimento".
(Prova documental: documento A-1, R-17 n.º 17.2.).
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 5 do depoimento escrito de UU).

256. Para efeitos do Contrato de Gestão, «Terceiros Pagadores» são "todos aqueles, que não a Entidade Pública Contratante, no âmbito do Contrato que sejam responsáveis, directa ou indirectamente, legal ou contratualmente, pelo pagamento dos serviços prestados aos Utentes no âmbito do Estabelecimento Hospitalar".
(Prova documental: documento A-1 Cláusula 1.ª)

257. A remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento integra:
a) um valor correspondente à parcela a cargo do Serviço Nacional de Saúde, que compreende a remuneração devida, de acordo com os preços de referência contratualmente estabelecidos no Contrato de Gestão;
b) um valor correspondente aos encargos de Terceiros Pagadores, entre os quais se encontram os subsistemas de saúde.
(Prova documental: documento A-1 alínea a) do n.º 1 da Cláusula 46.ª e R-17 n.º 17.2).

258. A fatura apresentada pela B... era mensal e global, não discriminando se os utentes eram do SNS ou beneficiários de subsistemas públicos (ADSE, IASFA, SAD GNR e SAD PSP).
(Prova documental: resposta à questão 11 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 7 do depoimento escrito de UU).

259. "A receita devida por Terceiros Pagadores corresponde à soma dos preços devidos pelas prestações de saúde realizadas a favor de Utentes beneficiários de Terceiros Pagadores" e "são pagas por estes:
a) Aos preços acordados entre o Hospital ... e a entidade Terceira Pagadora, nos casos em que a prestação de serviços a Utentes beneficiários de Terceiro Pagador seja objecto de contrato específico;
b) Aos preços constantes da Tabela de Preços do SNS, nos restantes casos".
(Prova documental: documento ...7 (16.2.).

260. Para efeitos do cálculo da parcela a cargo do Serviço Nacional de Saúde, em cada ano, ao valor da Remuneração anual da Entidade Gestora do Estabelecimento no ano t é deduzido o valor da Parcela a cargo de Terceiros Pagadores (determinada nos termos do n.º 15 do Anexo VII ao Contrato de Gestão), de acordo com a fórmula constante do n.º 20.1. do Anexo VII ao Contrato de Gestão.
(Prova documental: documento ...7 (n.º 20.1.).

261. "A parte da remuneração anual da Entidade Gestora do Estabelecimento correspondente à parcela a cargo de Terceiros Pagadores é obtida através da cobrança da receita devida por Terceiros Pagadores".
(Prova documental: documento ...7 (n.º 17.1.).

262. Tanto o Caderno de Encargos como o Contrato de Gestão definiram «Beneficiário de subsistema» como "Aquele que goza dos direitos resultantes dos serviços prestados por entidades públicas que, nos termos legais, assegurem directamente a prestação de cuidados de saúde e/ ou comparticipem nos encargos decorrentes dessa prestação ou prestados por entidades privadas que acordem com o Serviço Nacional de Saúde a prestação de cuidados de saúde ou sejam responsáveis pelo pagamento dos seus encargos".
(Prova documental: documento A-1 (Cláusula l.ª) e R-18).

263. No âmbito do Contrato de Gestão, os atos de produção devem ser faturados pela Demandante à Entidade Pública Contratante / Demandado ou, em alternativa, ao terceiro pagador (no caso de utentes não beneficiários do SNS, de existir seguradora responsável ou um subsistema privado, por exemplo).
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de BB).

264. A partir de 1 de janeiro de 2010, a Demandante faturou todos os actos de produção realizados a beneficiários de subsistemas públicos de saúde diretamente à Entidade Pública Contratante, que sempre pagou ao Hospital ... os montantes em causa.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de BB; minuto 00:26:03 dos esclarecimentos orais AA).

265. A Entidade Pública Contratante pagou à B... o montante de €655.816,00, relativo aos cuidados de saúde prestados pelo Hospital ... a utentes beneficiários da ADSE, no período de 1 de setembro a 31 de dezembro de 2009.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB).

266. O procedimento observado pela ARSN para efeitos de validação das faturas relativas a encargos com medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar dispensados no Hospital ... apresentadas pela B... consistia no seguinte:
a) A EGEST enviava por mensagem de correio eletrónico, um ficheiro excel com informação relativa aos medicamentos cedidos num determinado mês que era guardado na pasta partilhada. Posteriormente, o motorista do ... entregava PMP um dossier com a documentação relativa a este ficheiro Excel necessária para validação;
b) O secretariado, efetuava uma primeira validação com base no Procedimento de Validação de medicamentos descrito no número seguinte;
c) A Equipa de Gestão do Contrato (EGC) solicita esclarecimentos ao Hospital ... (...);
d) O ... envia os esclarecimentos solicitados;
e) A EGC valida a informação;
d) A EGC elabora um Relatório de Conferência de medicamentos;
e) A EGC solicita número de compromisso da ARSN à Unidade de Gestão Financeira (UGF);
f) A UGF indica à EGC o número de compromisso (CM);
g) A EGC dá indicação do número de compromisso à EGEST, solicita emissão de fatura e anexa o relatório de conferência;
h) Aquando da receção da fatura, a EGC elabora uma informação/Memo ao Conselho Diretivo (CD) a solicitar autorização de pagamento da fatura, anexando o relatório de conferência de medicamentos;
i) No momento que a informação/ Memo segue para o CD para aprovação de pagamento, apenas a fatura é enviada digitalmente à UGF;
j) Após aprovação pelo CD, é enviado pela EGC à UGF, cópia da informação/ Memo, original da fatura e cópia do relatório de conferência dos medicamentos;
l) Mais tarde é combinado que se procederá à devolução dos dossiers que contêm a documentação das cedências.
(Prova testemunhal: resposta à questão 12 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 8 do depoimento escrito de UU; depoimento escrito de VV).

267. Para todas as cedências, a ARS validava o conjunto de elementos, a seguir indicados, verificando a sua coincidência na declaração médica, receita médica, cedência farmacêutica e ficheiro Excel enviado pela Entidade Gestora:
A) Declaração médica:
1. Nome e n.º beneficiário do utente;
2. Diagnóstico;
3. Data de diagnóstico;
4. Data de início de terapêutica atual;
5. Terapêutica prescrita;
6. Quantidade dispensada (número de unidades, dosagem/ concentração, posologia);
7. Data do fim da terapêutica;
8. Vinheta médica ou n.º ordem médico, conjuntamente com assinatura do médico;
9. No caso em que o doente apresentasse diagnóstico de Hidradenite Supurativa, o médico dermatologista (único a efetuar prescrição para este diagnóstico) deveria fazer referência à Portaria n.º 38/2017 (na declaração médica e/ ou na receita médica).
B) Receita médica:
Todos os elementos anteriores e constantes na receita médica deverão coincidir;
1. Despacho/Portaria n.º 48/2016 terá de obrigatoriamente constar na receita (em momento prévio à Portaria n.º 48/2016, o Despacho a indicar era o Despacho n....10 e antes desse o Despacho n.º ...08, que foram sendo sucessivamente substituídos);
2. Validade da receita;
3. Especialidade ou Prescrição no âmbito de consulta de especialidade (Reumatologia ou Dermatologia). Nos casos de Medicina Interna, a Instituição a que pertence deverá estar aprovada pela DGS.
C) Cedência farmacêutica:
Todos os elementos anteriores constantes na declaração e receita médica deverão coincidir;
1. Data de dispensa;
2. Assinatura pelo utente e farmacêutico;
3. Declaração assinada pelo utente de conhecimento quanto ao manuseamento e conservação do medicamento;
D) Ficheiro em Excel do Hospital ...:
Todos os elementos anteriores constantes na declaração, receita médica e cedência farmacêutica deverão coincidir;
a) N.º beneficiário (poderá constar na declaração médica e no ficheiro Excel. Caso apresente algum n.º de subsistema diferente do SNS, efetua-se a verificação no ficheiro Monitorização de Subsistemas, para verificar a qual subsistema pertence. Caso pertença a um subsistema que não o SNS, a cedência do medicamento não é validada para faturação (após julho de 2016);
b) N.º SNS;
c) N.º Processo;
d) Iniciais do nome;
e) Género;
f) Data de nascimento (poderá ser confirmada na declaração médica ou na aplicação Gestão Hospitalar do Hospital ...);
g) Data de cedência (corresponde à cedência farmacêutica e que poderá ser a mesma do campo Data de prescrição);
h) Descrição do medicamento;
i) Quantidade (Por vezes, a quantidade prescrita difere da cedida por motivos de stock. Há que se verificar com os ficheiros dos meses anteriores. Contudo, a quantidade da cedência nunca poderá ultrapassar a prescrita);
j) Preço unitário;
k) Suporte legal com referência à Portaria n.º 48/2016 (em momento prévio a referência em causa era ao Despacho n.º ...10 e, antes desse, ao Despacho n.º ...08);
l) Ocorrência de reações adversas notificável ao sistema nacional de farmacovigilância;
m) Data de notificação da ocorrência de reações adversas, no caso de existirem;
n) Anotação no campo observações do ficheiro, das cedências de medicamentos para os quais se desconhece o preço praticado pelos SPMS. Para estes, é necessário solicitar fatura ao ... e quando da receção da mesma atualizar o ficheiro PREÇOS Faturas e confirmar o preço praticado;
o) Após verificação, dar conhecimento à Entidade Gestora dos medicamentos dispensados faturáveis e solicitar emissão da respetiva fatura.
(Prova testemunhal: resposta à questão 12 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 8 do depoimento escrito de UU; depoimento escrito de VV).

268. O pagamento depende sempre da análise da prescrição de modo a sindicar se a mesma é elegível para efeitos de pagamento. Na aferição da elegibilidade das dispensas de medicamentos através da farmácia hospitalar do Hospital ..., para efeitos de faturação, a ARSN procedeu à verificação sobre se estavam cumpridas as condições específicas regularmente exigidas, designadamente, a respetiva prescrição ter lugar em consulta de especialidade certificada, nos termos da Portaria n.º 48/2016, de 7 de março, relativa à dispensa dos medicamentos para o tratamento da artrite reumatóide, da espondilite anquilosante, da artrite psoriática, da artrite idiopática juvenil poliarticular e da psoríase em placas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 13 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 9 do depoimento escrito de UU).

269. O procedimento de validação dos medicamentos de dispensa hospitalar obrigatória, com o envio mensal de um ficheiro de reporte e entrega de documentação de suporte nas instalações da ARS Norte, manteve-se sempre o mesmo até ao final do Contrato de Gestão.
(Prova testemunhal: resposta às questões 5 e 9 do depoimento escrito de BB).

270. Durante o período compreendido entre 2009 e junho de 2016, os valores pagos pela ARSN à B..., correspondentes a encargos com medicamentos dispensados em farmácia hospitalar, ao abrigo do n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, aos beneficiários dos subsistemas públicos, são os discriminados no quadro seguinte, que integram os montantes totais das faturas emitidas pela B...:

[IMAGEM]

(Prova documental: documentos ...6 a ...-92L e R-103-A a R-172).
(Prova testemunhal: resposta às questões 9,10 e14 do depoimento escrito de AA e minutos 00:12:04 e ss. dos respetivos esclarecimentos orais).

271. No ficheiro enviado mensalmente para a Entidade Pública Contratante existe uma coluna "Cód. Efr", sendo os códigos da Entidade Financeira Responsável do conhecimento da Entidade Pública Contratante, pois constam nos vários documentos partilhados. A título de exemplo:

[IMAGEM]

(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de VV).

272. O dossier entregue nas instalações da ARS Norte continha informação detalhada sobre todos os medicamentos cedidos, incluindo informação sobre a Entidade Financeira Responsável, conforme exigido pela Entidade Pública Contratante.
(Prova documental: documento ...2).
(Prova testemunhal: resposta às questões 1 e 3 do depoimento escrito de VV).

273. A Entidade Pública Contratante tinha toda a informação necessária e conhecia sempre todos os dados relativos aos medicamentos que pagava, incluindo se o paciente era ou não beneficiário de subsistemas públicos de saúde.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de BB; minuto 00:09:47 dos esclarecimentos orais de AA).

274. De acordo com o procedimento instituído, a Entidade Pública Contratante analisava a informação e documentação remetida pela B..., solicitando os esclarecimentos necessários e, após prestação dos mesmos, a Entidade Pública Contratante procedia à validação da informação.
(Prova testemunhal: resposta à questão 3 do depoimento escrito de VV; resposta à questão 8 do depoimento escrito de UU).

275. Após a validação da informação remetida pela Demandante, a Entidade Pública Contratante obtinha o número de compromisso junto da Unidade de Gestão Financeira e informava a B..., solicitando a emissão das respetivas faturas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 3 e 5 do depoimento escrito de VV).

276. De acordo com o procedimento instituído, a faturação pela B... só poderia ser efetuada por solicitação da Entidade Pública Contratante, após validação da informação enviada pelo Hospital ... e apenas quando houvesse confirmação de cabimento com indicação do número de compromisso respetivo.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de VV).

277. A Entidade Pública Contratante não aceitava qualquer fatura que não tivesse a indicação do número de compromisso previamente atribuído pela E....
(Prova testemunhal: resposta às questões 4 e 5 do depoimento escrito de VV).

278. Todos os medicamentos de dispensa hospitalar obrigatória dispensados até junho de 2016 (inclusive) a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde foram faturados diretamente à Entidade Pública Contratante (ARS Norte), que pagou sempre ao Hospital ... os montantes em causa.
(Prova testemunhal: resposta às questões 1, 2 e 3 do depoimento escrito de BB; resposta à questão 1 do depoimento escrito de VV; resposta à questão 8 do depoimento escrito de AA).

279. Até ao final do ano de 2016, a B... e a Entidade Pública Contratante, incluindo os serviços da ARS Norte, nunca manifestaram dúvidas quanto à responsabilidade financeira relativa aos encargos com os medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde pela farmácia do Hospital ....
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB).

280. A ARS Norte sabia que estava a assumir a responsabilidade financeira relativa aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, embora à data considerasse que os beneficiários de subsistemas não eram Terceiros Pagadores.
(Prova testemunhal: minutos 00:09:47 a 00:10:06 dos esclarecimentos orais de AA).

281. No dia 26 de janeiro de 2017, a B... recebeu um email com a indicação da validação dos medicamentos dispensados no mês de junho de 2016 (que incluía subsistemas) e indicação do número de compromisso para a emissão das respetivas faturas.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de VV).

282. A fatura relativa aos medicamentos de dispensa hospitalar obrigatória dispensados no mês de junho de 2016 foi paga pela Entidade Pública Contratante no dia 15 de agosto de 2017.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB).

283. A partir de julho de 2016, a Entidade Pública Contratante deixou de pagar à B... os medicamentos de dispensa hospitalar obrigatória dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, invocando que a responsabilidade financeira por esses encargos seria dos referidos subsistemas, por serem Terceiros Pagadores.
(Prova testemunhal: resposta às questões 1, 2, 3 e 4 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 1 e 2 do depoimento escrito de VV; resposta à questão 16 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 6 do depoimento escrito de UU).

284. A partir de julho de 2016 (inclusive), e no que toca aos medicamentos dispensados ao abrigo da cláusula 28.ª/8 do Contrato de Gestão, a Entidade Pública Contratante passou a aceitar apenas para faturação aqueles que foram dispensados a utentes beneficiários do SNS.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de BB; resposta à questão 6 do depoimento escrito de VV; resposta à questão 6 do depoimento escrito de UU).

285. Em julho de 2016, a F... alertou a Equipa de Gestão do Contrato de que a responsabilidade pelos encargos referentes à aquisição dos medicamentos dispensados seria, no caso dos beneficiários de subsistemas públicos, dos próprios subsistemas, conforme previa o n.º 6 da Portaria n.º 48/2016, de 7 de março, e, antes dessa, o n.º 10 do Despacho n.º 18419/2010 e antes desse, o n.º 6 do Despacho 20510/2008, e o n.º 5 da Portaria n.º 38/2017, de 26 de janeiro, quanto à faturação dos medicamentos dispensados para as patologias: Artrite reumatóide; Espondilite anquilosante; Artrite psoriática; Artrite idiopática juvenil poliarticular e Psoríase em placas (medicamentos biológicos); o Despacho n.º ...09, de 19/03, quanto à faturação dos medicamentos dispensados para a patologia: Esclerose Lateral Amiotrófica; e o Despacho n.º ...9, de 26 de maio, quanto à faturação dos medicamentos dispensados para a síndroma de Lennox-Gastaut.
(Prova testemunhal: resposta à questão 13 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 6 do depoimento Escrito de UU).

286. A partir de julho de 2016 (inclusive), a Entidade Pública Contratante deixou de emitir número de compromisso relativamente aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, o que impedia a B... de emitir a correspondente fatura.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 4 e 6 do depoimento escrito de VV).

287. Após julho de 2016, o entendimento do Demandado foi o de que sempre que a despesa constituía encargo de Terceiro Pagador não poderia a mesma ser remunerada pela Entidade Pública Contratante, dado que Entidade Pública Contratante e Terceiro Pagador são entidades financeiras responsáveis distintas para efeitos do Contrato de Gestão.
(Prova documental: documento A-1 (Cláusula 1.ª).
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de AA e 00:13:26 dos respetivos esclarecimentos orais; resposta à questão 5 do depoimento escrito de UU).

288. Por email de 6 de dezembro de 2016, a ARS Norte deu conhecimento das diligências promovidas internamente e solicitou à B... "que a faturação, do mês de junho (inclusive) e seguintes, de medicamentos cedidos em farmácia hospitalar, a realizar pelo Hospital ..., já seja feita nos moldes em vigor na ARS Norte".
(Prova documental: documento ...5).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de VV).

289. No entendimento da ARS Norte, constante de um email interno de 5 de dezembro de 2016, "a legislação de suporte para a dispensa destes medicamentos, remete a responsabilidade financeira, nas situações acima descritas à ARS, mas, salvo se a responsabilidade pelo encargo couber a qualquer subsistema de saúde. Pelo exposto a ARS Norte não reconhece a responsabilidade pelos encargos resultantes da dispensa a utentes de subsistemas, porque os Despachos que regulam esta dispensa não foram alterados e continuam a remeter a responsabilidade para os subsistemas que não deixaram de existir".
(Prova documental: documento ...5).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de VV; resposta à questão 7 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 11 do depoimento escrito de UU).

290. Por email de 20 de dezembro de 2016, a B... transmitiu à Entidade Pública contratante que, de acordo com o n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão: "Fora das situações consideradas no número anterior, a Entidade Gestora do Estabelecimento obriga-se a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar e a apresentar as correspondentes facturas à Entidade Pública Contratante, devendo esta proceder ao respectivo pagamento até ao final do mês seguinte ao da sua apresentação." Pelo acima exposto, conclui-se que se encontra contratualmente definido que o Hospital ... tem de apresentar as respetivas faturas à ..., como tem sido cumprido pelo Hospital".
(Prova documental: documento ...5).
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de VV).

291. Por email de 20 de fevereiro de 2017, a Entidade Pública Contratante transmitiu à B... o seu entendimento sobre a questão da responsabilidade financeira pelos encargos relativos aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde, referindo nomeadamente que "a responsabilidade do Terceiro Pagador quanto aos encargos financeiros com a dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória pela farmácia hospitalar exclui a responsabilidade da Entidade Pública Contratante, não se revelando, assim, admissível a faturação e cobrança".
(Prova documental: documento ...8).

292. Por comunicação de 14 de março de 2017, a B... manifestou que, no seu entender, a responsabilidade financeira pelos encargos relativos aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde era da Entidade Pública Contratante, solicitando-lhe que revisse a sua posição, "agindo em conformidade com o entendimento supra e mantendo a prática firmada ao longo da execução do Contrato".
(Prova documental: documento ...6).

293. Por comunicação de 17 de maio de 2017, através da qual a B... enviou à Entidade Pública Contratante as faturas referentes a medicamentos cedidos nos meses de julho, agosto e setembro de 2016 /que não incluíam os montantes relativos aos medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde nesses meses, a Demandante transmitiu que "as facturas ora enviadas têm em consideração a informação já validada pela Equipa de Gestão de Contrato relativa à cedência de medicamentos dos meses supramencionados, excluindo os medicamentos cedidos a utentes beneficiários de subsistemas – tema que se encontra em análise pela Entidade Pública Contratante e sobre o qual aguardamos informação".
(Prova testemunhal: resposta à questão 6 do depoimento escrito de VV).

294. Por email de 17 de outubro de 2017, a Entidade Pública Contratante solicitou à B... "emissão de fatura no valor de €655.816,00, com número de compromisso da ARSN 36708, relativamente aos cuidados de saúde prestados a beneficiários da ADSE, no período de 01 de setembro a 31 de dezembro de 2009".
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB).

295. Por comunicação datada de 19 de outubro de 2017, a B... enviou à ARS Norte a fatura n.º ...27, de 18.10.2017, no valor de €655.816,00, relativa aos cuidados de saúde prestados pelo Hospital ... a beneficiários da ADSE, no período de 01 de setembro a 31 de dezembro de 2009”.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de BB).

296. Por comunicação de 7 de dezembro de 2018, a B... transmitiu à Entidade Pública Contratante o seguinte:
"Desde o início do ano de 2017 que a Entidade Gestora do Estabelecimento se vê confrontada com a falta de pagamento dos medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, prescritos fora do Hospital ... e cedidos a partir de julho de 2016, a utentes beneficiários de subsistemas públicos.
Tal é motivado por uma mudança de interpretação e de comportamento por parte da ARS Norte - em absoluta contradição com aquele que tinha sido o seu anterior entendimento
(...).
A Entidade Gestora do Estabelecimento não se pode conformar com essa alteração de comportamento, uma vez que, muito respeitosamente, não se vislumbra fundamento para tal - quer à luz do Contrato de Gestão (concretamente, em face do previsto na cláusula 28.ª/8), quer à luz das alterações legislativas operadas no âmbito dos subsistemas públicos".
(Prova documental: documento ...0).

297. A B... não se conformou com a mudança de opinião da Entidade Pública Contratante, deixando sempre claro junto da ARS Norte e do Gestor do Contrato que não concordava com a nova posição assumida pela Entidade Pública Contratante.
(Prova testemunhal: resposta às questões 6 e 8 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 4 e 6 do depoimento escrito de VV).

298. Após a mudança de posição da Entidade Pública Contratante, a B... continuou a reportar à ARS Norte todas as cedências de medicamentos mensalmente realizadas, incluindo as cedências realizadas a utentes da ADSE e dos outros subsistemas públicos de saúde.
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 4 e 6 do depoimento escrito de VV).

299. Após a mudança de posição da Entidade Pública Contratante, o ficheiro mensal de reporte e a documentação entregue nas instalações da ARS Norte continuaram a incluir todos os dados relativos a medicamentos dispensados a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde.
(Prova testemunhal: resposta à questão 5 do depoimento escrito de BB; resposta às questões 4 e 6 do depoimento escrito de VV).

300. Os medicamentos, não associados a um ato de produção, dispensados pelo Hospital ..., entre 1 de julho de 2016 e 31 de agosto de 2019, a utentes beneficiários de subsistemas públicos de saúde representam um encargo financeiro global de €563.327,67.
(Prova documental: documento ...3 e ...-71).
(Prova testemunhal: resposta à questão 9 do depoimento escrito de BB; resposta à questão 7 do depoimento escrito de VV).

O Memorando de Entendimento de diversos entes públicos sobre esta problemática

301. No dia 18 de janeiro de 2010, os Ministérios da Saúde, das Finanças e da Administração Pública, da Defesa Nacional e da Administração Interna celebraram um "memorando de entendimento sobre as relações financeiras entre o SNS e a ADSE, o IASFA e o SAD da GNR e da PSP".
(Prova documental: documento ...01).

302. No memorando de entendimento de 18 de janeiro de 2010, foi acordado o seguinte:
(i) introdução, "no Orçamento do Estado para 2010", de acréscimos na dotação orçamental do Ministério da Saúde, nos seguintes termos: (a) 470 milhões de euros "para satisfazer despesas de saúde dos beneficiários da ADSE", (b) 50 milhões de euros "para satisfazer despesas de saúde dos beneficiários de sistemas de assistência na doença das forças de segurança", e (c) 28,7 milhões de euros "para satisfazer despesas de saúde dos beneficiários do sistema de assistência na doença dos militares";
(ii) abatimento das dotações orçamentais dos Ministérios das Finanças e da Administração Pública, da Defesa Nacional e da Administração Interna em, respetivamente, 470 milhões de euros, 28,7 milhões de euros e 50 milhões de euros;
(iii) estipulação de que "doravante a ADSE, o IASFA e o SAD da GNR e da PSP ficam isentos de quaisquer pagamentos por conta dos serviços de saúde ou outros benefícios prestados pelo SNS aos trabalhadores beneficiários daquelas instituições";
(iv) "criação de um grupo de trabalho constituído por representantes do MFAP, MDN, MAI e MS, com o mandato de, até ao final de fevereiro, apurar os montantes em dívida ao SNS e fazer propostas para a sua regularização".
(Prova documental: documento ...01).

303. No entendimento da ACSS, os efeitos do memorando de entendimento de 18.01.2010 abrangeram as prestações de cuidados de saúde realizadas diretamente pelos estabelecimentos e serviços do SNS.
(Prova testemunhal: resposta à questão 1 do depoimento escrito de WW).

304. No entendimento da ACSS, a alteração da entidade pagadora (que passou a ser o SNS) verificou-se apenas quanto às prestações de saúde, entendendo-se como tal os atos médicos de consulta, internamento, hospital de dia ou outros realizados nos próprios estabelecimentos e serviços do SNS.
(Prova testemunhal: resposta à questão 2 do depoimento escrito de WW).

305. Da Circular Informativa n.º 15/2010 da ACSS, de 12 de outubro de 2010, consta o seguinte:
"1.º As alterações das relações financeiras entre o SNS e os subsistemas públicos de saúde da ADSE (...), da SAD da GNR e da PSP(...) e da ADM das Forças Armadas (...) apenas abrangem a prestação própria dos estabelecimentos e serviços do SNS que dava origem a facturação entre estes e aqueles;
2.º Para efeito das prestações de saúde realizadas pelos estabelecimentos e serviços integrados no SNS os beneficiários dos subsistemas passaram a ser considerados beneficiários do SNS, sendo os respetivos encargos suportados pelo Orçamento do Estado de acordo com as regras de pagamento aplicáveis aos restantes beneficiários do SNS.
3.º Na ausência de norma legal, os subsistemas públicos de saúde referidos não perderam a qualidade de subsistemas e, como tal, de entidades responsáveis perante terceiros pelas prestações de saúde realizadas aos seus beneficiários, maxime no âmbito da Rede nacional de Cuidados Continuados Integrados".
(Prova documental: documento ...4).

306. A ACSS clarificou que, no seu entender, se trata de "considerar que os beneficiários dos subsistemas públicos têm um estatuto equivalente aos beneficiários do SNS, mas apenas quanto às prestações realizadas por meio da titularidade do Serviço Nacional de Saúde enquanto conjunto de estabelecimentos prestadores, nos quais se incluem os estabelecimentos de saúde sob gestão indirecta como acontece com os hospitais em regime de parceria público privada com contrato de gestão. Os subsistemas públicos mantêm essa qualidade e em consequência a responsabilidade pelo pagamento das prestações de saúde realizadas por terceiros aos seus beneficiários, tenham ou não acesso a elas enquanto beneficiários de subsistemas ou do SNS. Estão nomeadamente em causa o transporte de doentes, as prestações de saúde realizadas por entidades convencionadas com o SNS e igualmente os cuidados de saúde continuados." (n.ºs 7 e 8 da referida Circular Informativa).
(Prova documental: documento ...1).

307. O Despacho n.º 4631/2013, dos Secretários de Estado do Orçamento e da Saúde, de 22 de março, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 65, de 3 de abril de 2013, veio determinar: "[a]o abrigo dos n.ºs 4 e 6 do artigo 11.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro o seguinte:
O pagamento das comparticipações do Estado na compra de medicamentos dispensados a beneficiários pela Direção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas (ADSE) passa a ser encargo do Serviço Nacional de Saúde (SNS) a partir do dia 1 de abril de 2013.
Exclui-se do previsto no número anterior os medicamentos dispensados nas farmácias localizadas nas Regiões Autónomas, ainda que receitados por médicos do SNS.
Durante o ano 2013, a contrapartida financeira a pagar pela ADSE é transferida para a Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS, IP), nos montantes e prazos especificados no quadro anexo, o qual faz parte integrante do presente despacho.
A responsabilidade pelo pagamento de dívidas contraídas antes da data referida no n.º 1 do presente despacho é da ADSE.
Os beneficiários dos subsistemas são obrigatoriamente identificados no ato da dispensa dos medicamentos mediante apresentação de cartão válido de beneficiário da ADSE.
Em novembro de 2013, a contrapartida financeira a que se refere o n.° 3 é reavaliada e corrigida em função da despesa efetiva em que o SNS incorreu no âmbito do presente despacho.
Até julho de 2013 devem a ADSE e a ACSS, IP prosseguir os trabalhos necessários à transferência para o SNS dos restantes encargos, com o limite financeiro previsto no n.° 4 do artigo 11.º da Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro» e anexa quadro com as transferências".
(Prova documental: documento ...4).

308. Na comunicação da ACSS de 15 de julho de 2013 pode ler-se o seguinte:
"(...) as alterações financeiras entre o SNS e os subsistemas públicos de saúde ADSE, SAD da GNR e PSP e ADM das Forças Armadas apenas abrangem a prestação própria dos estabelecimentos e serviços do SNS que dava origem a faturação entre estes e aqueles (...). No que se refere em concreto aos encargos decorrentes da dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar ao abrigo do despacho n.º 18419/2010, de 2 de dezembro de 2010 (...) a utentes beneficiários de subsistemas, devem os mesmos ser faturados pelos Hospitais, no caso pelas Entidades Gestoras dos Hospitais de ..., de …. e de ..., aos respetivos subsistemas e não à administração regional de saúde. Isto porque estes encargos não se encontram abrangidos pelo novo relacionamento financeiro entre o SNS e os subsistemas públicos que, na ausência de norma legal, não perderam a qualidade de subsistemas e como tal de entidades responsáveis perante terceiros pelas prestações de saúde realizadas aos seus beneficiários. Esclarece-se por último que relativamente aos Hospitais em regime de PPP o entendimento aqui expresso refere-se a medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar que não estejam associados a atos de Produção. Se à cedência de um qualquer medicamento está associado um ato médico, então o pagamento por esse ato inclui o pagamento do medicamento»."
(Prova documental: documentos ...5 e ...-82)

309. Este entendimento foi transmitido à Entidade Gestora do Estabelecimento do Hospital ..., que integra o mesmo agrupamento da B..., S.A. (ofício n.º ...40.../ 2013, de 26 de julho de 2013).
(Prova documental: documento ...3).

310. Na comunicação da ADSE de 13 de dezembro de 2013 pode ler-se o seguinte:
"(...) o Memorando de Entendimento, de 18 de janeiro de 2010, entre o Ministério das Finanças e da Administração Pública, da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde, dispõe no seu n.º 2 que, doravante a ADSE fica isenta de quaisquer pagamentos por conta dos serviços de saúde ou outros benefícios prestados pelo SNS aos trabalhadores seus beneficiários.
Decorrente do exposto, a ADSE deixou de processar e pagar a facturação relativa à prestação de cuidados de saúde, efetuadas pelo Serviço Nacional de Saúde. Esta tramitação resulta da introdução do financiamento direto do SNS, refletido na Lei do Orçamento do Estado de 2010 (vd. Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril).
Será ainda de referir que a ADSE apenas detém autonomia administrativa, pelo que quaisquer pagamentos a realizar seriam sempre por conta da dotação orçamental que acresceu ao Ministério da Saúde ao abrigo daquele Memorando".
(Prova documental: documento ...6)

311. Da comunicação da ARS LVT de 7 de maio de 2014 consta o seguinte:
"[do memorando de entendimento de 18.01.2010] resulta claro que a transferência da responsabilidade pelo processamento e pagamento que passou da ADSE para o SNS se limitava às prestações próprias dos serviços e estabelecimentos do SNS, essa sim, a única prestação de cuidados de saúde cujos encargos o SNS passou a assumir, aí não se incluindo os medicamentos dispensados em farmácia hospitalar.
Aliás, em matéria de responsabilidade pelo pagamento de encargos com a dispensa de medicamentos, resulta da última circular referenciada que apenas os medicamentos dispensados em farmácia comunitária ficaram abrangidos pela transferência de responsabilidades, não se aplicando essa regra aos medicamentos dispensados em farmácia hospitalar.
(...)
Este entendimento veio a ser reforçado quer pela Lei n.° 66-B,12012, de 31 de Dezembro, quer pelo Despacho n.º 4631/2013, de 22/03/2013, do Secretário de Estado do Orçamento e do Secretário de Estado da Saúde. Em especial, o n.º 1 do Despacho n.º ...31, ...13, de 22 de março de 2013, do Secretário de Estado do Orçamento e do Secretário de Estado da Saúde, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 65, de 3 de abril de 2013, é claro nesta matéria ao afirmar que "o pagamento das comparticipações do Estado na compra de medicamentos dispensados a beneficiários pela Direcção-Geral de Proteção Social aos Trabalhadores em Funções Públicas (ADSE) passa a ser encargo do Serviço Nacional de Saúde (SNS)», sendo certo que o regime de comparticipações não se aplica a medicamentos de dispensa obrigatória dispensados em farmácia hospitalar, termos em que deve ser de concluir que estes últimos não estão abrangidos pelo novo relacionamento financeiro entre o SNS e os subsistemas públicos e não integram o âmbito de aplicação do referido despacho n.° ...13 e da disposição da lei de orçamento Estado a que o despacho se refere.
(...)
É nosso entendimento que essa Direção-Geral [ADSE] mantém a responsabilidade financeira relativamente aos encargos, objeto da faturação em apreço pela Escala, com a dispensa dos medicamentos aos respetivos beneficiários pela farmácia hospitalar do Hospital ..., quando não prescritos neste Hospital e não associados a atos de produção, ou seja, a prestação de cuidados de saúde pelo próprio Hospital no quadro do SNS".
(Prova documental: documento ...5).

312. Da comunicação da ARS Norte de 20 de fevereiro de 2017 consta o seguinte:
"Na remuneração da Entidade Gestora do Estabelecimento pela atividade de dispensa de medicamentos em regime ambulatório de dispensa obrigatória por farmácia hospitalar, previsto nos n.ºs 7 e 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão, carecem de ser consideradas as regras aplicáveis à faturação e cobrança de encargos a Terceiros Pagadores, que, remetendo para a Tabela de Preços do SNS, determinam o pagamento adicional, ao preço de custo, dos medicamentos de dispensa obrigatória por farmácia hospitalar que a Entidade Gestora do Estabelecimento tenha dispensado aos doentes em regime de ambulatório relativamente aos quais exista Terceiro Pagador independentemente da dispensa recair na previsão contratual constante do n.º 7 ou do n.º 8, ambas, da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão.
(...)
A responsabilidade do Terceiro Pagador quanto aos encargos financeiros com a dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória pela farmácia hospitalar exclui a responsabilidade da Entidade Pública Contratante, não se revelando, assim, admissível a faturação e cobrança dos referidos encargos à Entidade Pública Contratante, nomeadamente, ao abrigo do disposto no n.º 8 da Cláusula 28.ª do Contrato de Gestão nos casos em que a dispensa não esteja associada à realização de atos de Produção".
(Prova documental: documento ...8).

313. No entender do Demandado, nos termos do Contrato de Gestão e do seu Anexo VII, a Entidade Pública Contratante apenas responde nos casos abrangidos pelo n.º 8 da Cláusula 28.ª quando não exista um Terceiro Pagador, financeiramente responsável pelos encargos dessa dispensa de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar.
(Prova testemunhal: resposta à questão 7 do depoimento escrito de AA; resposta à questão 5 do depoimento escrito de UU).

314. No entender do Demandado, a partir de 1 de Janeiro de 2019- data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 124/2018, de 28 de Dezembro, é o Serviço Nacional de Saúde (e consequentemente a Entidade Pública Contratante do Contrato de Gestão em parceria público-privada) o responsável pelo pagamento dos medicamentos não prescritos no Hospital mas de dispensa exclusiva em farmácia hospitalar dispensado em estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde, quando até 1 de janeiro de 2019 apenas constituíam encargo do Serviço Nacional de Saúde os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar dispensados em estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde e prescritos em estabelecimento do Serviço Nacional de Saúde e os medicamentos dispensados em farmácia comunitária.
(Prova testemunhal: resposta às questões 11 e 12 do depoimento escrito de XX).

315. Na comunicação da ADSE de 11 de junho de 2019 pode ler-se o seguinte:
"(...) informa-se V. Exa. que o Memorando de Entendimento, de 18 de janeiro de 2010, entre o Ministério das Finanças e da Administração Pública, da Defesa Nacional, da Administração Interna e da Saúde, dispõe no seu nº 2 que, doravante a ADSE fica isenta de quaisquer pagamentos por conta dos serviços de saúde ou outros benefícios prestados pelo SNS aos trabalhadores seus beneficiários.
Decorrente do exposto, a ADSE deixou de processar e pagar a faturação emitida pelo Serviço Nacional de Saúde relativa à prestação de cuidados de saúde. Esta tramitação resulta da introdução do financiamento direto do SNS, refletido na Lei do Orçamento do Estado de 2010".
(Prova documental: documento ...9).

316. Da comunicação da GNR de 3 de outubro de 2017 consta o seguinte:
"O Tribunal de Contas na auditoria à ADSE (extensível aos demais subsistemas) (...) determinou, ao Ministro da Saúde, que sejam emitidas orientações às unidades prestadoras de cuidados de saúde do Serviço Nacional de Saúde no sentido de clarificar que o financiamento da prestação de cuidados de saúde, a partir de 1 de janeiro de 2010, a quotizados da ADSE (e por extensão aos demais subsistemas de saúde), passou a estar integrado nos instrumentos de financiamento das entidades do Serviço Nacional de Saúde (...), determinando a anulação da faturação emitida à ADSE-DG (e por extensão aos demais subsistemas de saúde) (...) consideramos não constituir encargos deste SAD as despesas apresentadas na fatura em referência.
Junto se devolve a fatura em referência, de harmonia com as recomendações e conclusões do Tribunal de Contas e Leis do Orçamento de Estado".
(Prova documental: documento ...8).

317. No Relatório n.º ...15 (Processo n.º 11/2014 - Audit) do Tribunal de Contas, pode ler-se o seguinte:
"Após 1 de janeiro de 2010, as instituições e serviços do SNS continuaram a faturar à ADSE-DG, sem que esta reconheça essa dívida: (. . .)
Prestações, cuja regulamentação continua a atribuir a responsabilidade pelos encargos aos subsistemas.
Estão nesta situação alguns medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar, como os que são objeto do Despacho n.º 18419/2010, de 2 de dezembro, do Secretário de Estado da Saúde.
(...)
Considerando que a ADSE-DG, desde 2010, não dispõe de dotação orçamental para o efeito, em resultado do primeiro Memorando de Entendimento de 2010, o princípio orçamental da especificação das despesas não lhe permite reconhecer dívidas relativas a despesas que não estão inscritas no seu orçamento.
(...)
Considerando que as unidades de saúde do SNS são financiadas para prestar cuidados aos utentes do SNS, que incluem os quotizados da ADSE, que em primeira instância são utentes do SNS, os cuidados faturados à ADSE-DG já foram suportados pelo orçamento do SNS, através de contratos programa, no caso dos hospitais, dos centros hospitalares e das unidades locais de saúde, ou de transferências do orçamento, no caso das restantes instituições.
Caso a ADSE-DG viesse a pagar estes cuidados, aquelas unidades estariam a ser duplamente financiadas.
O mesmo entendimento é extensível às situações em que a regulamentação de alguns cuidados continua a atribuir a responsabilidade pelos encargos aos subsistemas, como seja o caso do financiamento de medicamentos de dispensa em farmácia hospitalar.
Ainda que essa regulamentação seja posterior aos Memorandos de 2010, como o Despacho n.º 18419/2010, do Secretário de Estado da Saúde, a mesma não pode contrariar as Leis do Orçamento do Estado que anualmente estabelecem a assunção pelo SNS dos encargos com a prestação de cuidados em instituições e serviços do SNS".
(Prova documental: documento ...3 / pp. 126 a 128 do ficheiro em formato pdf).

318. No Relatório n.º ...16 (Processo n.º 25/2015 - Audit) do Tribunal de Contas, pode ler-se o seguinte:
"Refira-se que, mesmo em atos recentes, o Governo continua a prever a responsabilidade dos subsistemas de saúde no pagamento de cuidados que, no caso da ADSE, são da responsabilidade do Serviço Nacional de Saúde. Um exemplo de um ato recente é a Portaria n.º 48/2016, de 22 de março, que revogou o Despacho n.º 18419/2010, atrás referido. Note­ se que a aplicação destes atos à ADSE contraria não as normas das Leis do Orçamento referenciadas, i. e., a forma, mas também a substância, o que de facto é a ADSE: um sistema de saúde complementar do Serviço Nacional de Saúde, extrínseco ao mesmo, e, atualmente, financiado pelos descontos dos quotizados".
(Prova documental: documento ...4 (p. 139 do ficheiro em formato pdf).

319. Do Relatório n.º ...16 (Processo n.º 25/2015 - Audit) do Tribunal de Contas consta o seguinte:
"A propósito das dívidas que as instituições e serviços do Serviço Nacional de Saúde têm indevidamente contabilizado como sendo da ADSE-DG, recorde-se:
(…) dívidas pela dispensa de medicamentos pelas farmácias das unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde.
(...)
Considerando que com os Memorandos de 2010, a ADSE, conforme justificado no Relatório de Auditoria n.° 12/2015 2.ª Secção e no ponto 11.6.1-E supra, a ADSE deixou de ter qualquer responsabilidade sobre o pagamento daquelas dívidas, a decisão a tomar não pode responsabilizar a ADSE pelo pagamento das mesmas sob pena de poder vir a ser considerada ilegal.
(...)
Ora, no âmbito do Relatório de Auditoria n.º 12/2015 2.ª Secção verificou-se que a faturação emitida pelas entidades do Serviço Nacional de Saúde do continente, após 1 de janeiro de 2010, era respeitante a este tipo de cuidados ou serviços, com base em orientações emanadas pela própria Administração Central do Sistema de Saúde, nas Circulares Informativas n.º 15/2010, de 12 de outubro, e n.º 23/2011, de 20 de junho, e no Despacho n.º 18419/2010, do Secretário de Estado da Saúde, concluindo-se, no Relatório, que as mesmas contrariam as Leis do Orçamento do Estado que anualmente estabelecem a assunção pelo Serviço Nacional de Saúde dos encargos com a prestação de cuidados em instituições e serviços que o compõem.
(...)
Refira-se que as normas das Leis do Orçamento do Estado, citadas em 11.6.1-D e reproduzidas em Anexo 8 são claras quanto à assunção dos encargos pelo Serviço Nacional de Saúde".
(Prova documental: documento ...4 (pp. 179 e 180 do ficheiro em formato pdf).

[…]».

2. De Direito

2.1. Da responsabilidade financeira decorrente da prestação de cuidados de saúde no Hospital ... a doentes com Hepatite C no período entre 01.01.2018 e 31.08.2019 (data do termo do contrato de gestão)

2.1.1. A decisão arbitral recorrida julgou procedente o pedido da Demandante e condenou o aqui Recorrente no pagamento de €837.562,00 (oitocentos e trinta e sete mil e quinhentos e sessenta e dois euros), acrescido de juros à taxa de 8%, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento. A referida decisão fundamentou a condenação do agora Recorrente na violação por este da obrigação de assegurar à Demandante (e aqui Recorrida), no período em causa, uma remuneração adequada pelo tratamento dos doentes com Hepatite C. E sustentou a existência daquela obrigação no teor de uma comunicação remetida pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde em 05.12.2008, na conclusão da fase de negociações do contrato, fase integrada no procedimento do Concurso Público para a concessão do Contrato de Gestão do Hospital ....

A decisão arbitral sustentou que: i) o contrato de gestão do Hospital ... “vale com o sentido que corresponde à vontade real das Partes”, por efeito do disposto no artigo 236.º, n.º 2 do C. Civ. “ainda que sem apoio literal, pois as razões determinantes da formalidade do negócio a isso não se opõem”; por essa razão ii) “a linha de financiamento específico implementado pelo Ministério da Saúde, a partir de 01.01.2018, e aplicado aos hospitais EPE – o Programa de Tratamento Ambulatório de Pessoas Portadoras de Infecção pelo Vírus Hepatite C, que fixou um preço compreensivo por doente de €6.992,00 –, estando abrangido pelo Perfil Assistencial do Hospital ..., deveria ter-lhe sido aplicado”, por ser esse “o sentido juridicamente relevante do Contrato de Gestão”.

2.1.2. O Recorrente aponta os seguintes erros de julgamento a esta parte da decisão arbitral:

i) deu como apto a gerar a alegada obrigação financeira do Recorrente um documento subscrito por um órgão incompetente para o efeito segundo as regras e os princípios da organização administrativa;

ii) qualificou aquela obrigação como uma “decorrência interpretativa” do teor do contrato fixado na fase pré-contratual, quando um tal conteúdo contratual tinha sido expressamente infirmado pela Comissão de Avaliação das Propostas, alegando a sua incompetência para modificar o conteúdo financeiro da BAFO e quando, de qualquer forma, a interpretação dos contratos administrativos não integra a função administrativa, tendo de ser determinada por via de resolução de litígio, seja arbitral seja judicial;

iii) atribuiu um teor ao documento subscrito pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde que não era sequer aquele que a decisão recorrida lhe atribuiu (pressupunha sempre a necessidade de uma decisão casuística), como ficou claro do disposto nas minutas contratuais elaboradas posteriormente, nas quais esta questão é expressamente disciplinada;

iv) convoca o artigo 236.º do C. Civ. para solucionar a questão em manifesto desrespeito pelas regras e princípios do direito administrativo, maxime do regime jurídico dos contratos administrativos e da sua formalidade;

v) considera que pode haver confiança legítima fundada num documento emitido por uma entidade sem competência para decidir o peticionado e que se pronúncia em sentido expresso divergente do que anteriormente resultara de pronúncia expressa emitida pela entidade com competência para se pronunciar sobre a questão;

vi) professa um entendimento violador das regras e princípios nacionais e europeus em matéria de contratação pública, incluindo a concorrência e a solenidade dos contratos públicos;

vii) chega a um resultado irrazoável no plano financeiro ao considerar que os actos de tratamento farmacológicos dos doentes com hepatite C são remunerados em montante superior àquele que é atribuído aos hospitais EPE (ao valor devido segundo as regras gerais do contrato para a remuneração dos actos de produção, segundo o valor fixado para a correspondente linha de produção, acresce o valor do programa financeiro especial), o que não só subverte o critério de eficiência que sustenta a essência da realização do contrato de gestão aqui sob interpretação, como ainda redunda num quase duplo financiamento da entidade gestora por um mesmo acto de produção;

viii) chega a um resultado violador das regras orçamentais, de controlo da legalidade financeira e de validade das parcerias público-privadas, por considerar que foram assumidas despesas financeiras não submetidas ao controlo prévio (visto) do Tribunal de Contas.

2.1.3. A Recorrida rejeita a existência daqueles erros de julgamento, alegando, em síntese que:

i) estamos perante uma mera interpretação do contrato segundo a vontade real das partes;

ii) que o programa específico respeitante à hepatite C não é diferente de outros programas específicos que também foram estendidos ao Hospital ..., o que comprova que a existência destes programas é (e sempre foi) compatível com o clausulado do contrato e que, por isso, os argumentos de violação da concorrência ou das regras em matéria de despesa pública são improcedentes;

iii) como improcedente é o argumento da falta de competência do Secretário de Estado para vincular o Concedente no âmbito da interpretação do contrato na fase pré-negocial, sobre um aspecto que contendia com a execução do mesmo e não com a análise e interpretação da proposta.

Cumpre decidir

2.1.4. Em termos substanciais, a primeira questão que se coloca neste litígio é a de saber se com a cessação do “programa de financiamento centralizado” relativo aos novos medicamentos antivirais de acção directa para o tratamento do vírus da Hepatite C (ponto 218 da “matéria de facto”) o encargo com aqueles medicamentos — fornecidos através da farmácia hospitalar, no âmbito da actividade assistencial no Hospital ... — deve ser suportado pela Entidade Gestora (aqui Recorrida) ou se deve continuar a ser suportado pelo Recorrente. Tal implica saber se o tratamento daqueles doentes se deve ou não considerar incluindo numa linha de produção do contrato ou se após a cessação do programa de financiamento centralizado para a nova terapêutica medicamentosa (com antivirais de acção directa – ponto 145 da “matéria de facto”) se deve considerar que o tratamento não estaria abrangido pelo contrato e, portanto, aquele “custo” se deveria continuar a imputar ao Estado (SNS).

Caso se conclua que a dita alteração terapêutica consubstancia uma mera situação de agravamento de custos de uma terapêutica já abrangida pela actividade de produção contemplada no contrato de gestão, cabe depois verificar se o documento emitido pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde é apto a constituir uma “obrigação nova” para o concedente – seja por via interpretativa, seja por via complementar ao teor do contrato.

É este o roteiro metodológico a seguir na busca da solução para o diferendo, cabendo a este Supremo Tribunal conhecer das questões que vêm suscitadas no recurso segundo esta sequência lógica.

Para o efeito, importa destacar, a título de pressuposto prévio, as inúmeras deficiências registadas na elaboração da matéria de facto da decisão arbitral recorrida – que mistura factos, factos conclusivos, enunciados normativos, ilações de facto, ilações de direito e opiniões. Assim atenta a circunstância de este Tribunal apenas conhecer de questões de direito (artigo 12.º, n.º 4 do ETAF e 150.º, n.º 2 do CPTA), cumpre no âmbito desta tarefa metodológica respigar do arrazoado da denominada listagem da “matéria de facto assente”, aquilo que efectivamente reveste a natureza de factos assentes e que é relevante para o julgamento dos alegados erros de julgamento. Esclarece-se, portanto, que o Tribunal ad quem não está vinculado (não pode estar) pelo teor de elementos integrados na denominada matéria de facto e que não revestem a natureza de factos.

2.1.5. Da decisão arbitral cabe respigar, com interesse para a decisão que temos de tomar a respeito dos alegados erros de julgamento sobre a obrigação de o Estado suportar os custos com os medicamentos antivirais de acção directa para tratamento da Hepatite C — no período entre 01.01.2018 e o termo do contrato de gestão com o Hospital ... — o seguinte:

i) Até à emissão, em 2014, das autorizações de introdução no mercado português dos medicamentos antivirais de acção directa destinados a uma nova terapêutica da hepatite C (ponto 145), o Hospital ... prescrevia para aquela patologia os medicamentos então disponíveis, cujo custo médio por cada doente era de €4.384,21 (pontos 136 e 138);

ii) Atento o valor elevado dos medicamentos antivirais de acção directa, o Estado português encetou um conjunto de diligências tendo em vista a sua aquisição a um custo mais baixo (ponto 151);

iii) Durante esse período foi aplicado, pelo INFARMED, o regime de Autorização de Utilização Excepcional (AUE), em que apenas os casos mais graves tinham acesso à AUE (ponto 152);

iv) Em Fevereiro de 2015, o Estado Português celebrou um acordo com as farmacêuticas, por força do qual o desconto na aquisição dos medicamentos dependia das quantidades adquiridas (pontos 153 e 157);

v) Em Portugal foi instituído um procedimento para gestão centralizada dos pedidos destes medicamentos, que passaram a ser de uso generalizado (pontos 160, 161 e 165);

vi) Em 2015, o Hospital ... foi “incluído” no âmbito do programa de compra centralizada dos medicamentos antivirais de acção directa, segundo o qual os custos dessa aquisição eram suportados pelo Estado (pontos 186 e 202);

vii) A partir de 2018, os encargos com a comparticipação dos medicamentos antivirais de acção directa deixaram de estar subordinados ao regime de compra centralizada com custos suportados pelo Estado (pontos 221 e 224).

2.1.6. No plano jurídico, os factos antes referidos enquadram-se na seguinte cadeia normativa:

i) a Portaria n.º 1522/2003, de 13 de Novembro, previa que a hepatite C era não só uma “doença transmissível de declaração obrigatória”, de acordo com o estipulado na Portaria n.º 1071/98, de 31 de Dezembro (posteriormente modificada pela Portaria n.º 103/2005, de 25 de Janeiro)”, como ainda que os doentes infectados com aquela patologia estavam abrangidos por um regime especial de dispensa dos medicamentos indicados para a terapia farmacológica (dispensa exclusivamente através dos serviços farmacêuticos dos hospitais com serviços ou consultas especializados naquele tratamento – artigo 5.º) e por um regime igualmente especial em matéria de encargos ou custos da terapêutica (a dispensa era gratuita para o doente, sendo o respectivo encargo da responsabilidade do hospital que o prescrevesse, sem prejuízo de eventuais regras especiais, legais ou contratuais, que previssem a transferência do encargo para qualquer subsistema de saúde, empresa seguradora ou outra entidade pública ou privada – artigo 6.º). A Portaria fixava ainda o preço dos medicamentos utilizados naquela terapêutica para efeitos de fornecimento aos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, calculado sob a forma de uma percentagem do respectivo preço de venda ao público, sem prejuízo do que pudesse vir a resultar dos procedimentos públicos de aquisição no âmbito do Serviço Nacional de Saúde (artigos 7.º, 8.º e 9.º);

ii) a Portaria n.º 194/2012, de 18 de Abril, revogou a Portaria n.º 1522/2003, de modo conciliar o regime especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C com o regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio e complementado pela Portaria n.º 267-A/2011, de 15 de Setembro.

Segundo aquele novo enquadramento jurídico, e para o que aqui interessa, cumpre destacar as seguintes regras: i) a comparticipação do Estado no preço de medicamentos utilizados no tratamento de determinadas patologias ou por grupos especiais de utentes é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde e, assim, diferentemente graduada em função das entidades que o prescrevem ou dispensam (artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48-A/2010); ii) a comparticipação do Estado no preço dos medicamentos que venham a ser incluídos em sistemas de gestão integrada de doenças é objecto de regime especial a estabelecer em legislação própria (artigo 20.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 48-A/2010); iii) qualquer novo medicamento, quer se trate de medicamento utilizado no tratamento de determinada patologia ou destinado a certo grupo especial de utentes, só pode integrar certo regime especial de comparticipação desde que seja objecto de decisão de inclusão na lista de medicamentos comparticipados, a proferir nos termos do regime geral das comparticipações do Estado no preço de medicamentos (artigo 1.º da Portaria n.º 267-A/2011, de 15 de Setembro); iv) foi aprovado um regime especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da hepatite C expressamente indicados nesse regime especial (Portaria n.º 194/2012 e respectivo anexo); vi) manteve-se o regime de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar dos medicamentos destinados ao tratamento da hepatite C (artigo 5.º, al. e) da Portaria n.º 194/2012); vii) a dispensa deste medicamentos manteve-se também gratuita para os utentes, embora o novo enquadramento jurídico considerasse aquela dispensa como um regime especial de comparticipação a 100 % (artigo 4.º da Portaria n.º 194/2012); viii) o encargo com os custos da dispensa daqueles medicamentos continuou a ser do hospital onde o mesmo era prescrito, sem prejuízo de essa responsabilidade poder, por efeito da lei ou de contrato, corresponder a qualquer subsistema de saúde, empresa seguradora ou outra entidade pública ou privada (artigo 4.º da Portaria n.º 194/2012); ix) quer o regime legal e regulamentar em matéria de comparticipação nos medicamentos (artigo 20.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48-A/2010 e Portaria n.º 267-A/2011), quer, sobretudo, o artigo 8.º da Portaria n.º 194/2012, de 18 de Abril, determinavam expressamente que o regime de comparticipação no preço dos medicamentos era uma matéria dinâmica, sujeita a modificação por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde.

iii) O regime especial de comparticipação dos medicamentos destinados ao tratamento da hepatite C foi novamente revisto e modificado com a aprovação da Portaria n.º 158/2014, de 13 de Fevereiro, que manteve os traços essenciais do regime da Portaria anterior em matéria de comparticipação (dispensa gratuita e encargo para os hospitais), acrescentando novas condicionantes para a aplicação do regime quando em terapêutica tripla, que passou a fazer depender o início daquela terapêutica de validação prévia pela Comissão de Farmácia e Terapêutica (CFT) do hospital e pela Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica (CNFT), no âmbito do INFARMED, IP, de acordo com as regras do Formulário Nacional do Medicamento. Foi também organizado um registo central para aquelas propostas terapêuticas (Portal da Hepatite C) e a monitorização do regime especial de dispensa e comparticipação desta terapêutica.

iv) Com a aprovação e entrada em vigor da Portaria n.º 114-A/2015, de 17 de Fevereiro, alargou-se a lista de medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014, de 13 de Fevereiro.

v) Com a aprovação e entrada em vigor da Portaria n.º 216-A/2015, de 14 de Abril, e o aditamento de um n.º 2 ao respectivo anexo, dois dos medicamentos integrados na lista daqueles que estavam abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014, de 13 de Fevereiro – o sofosbuvir e o ledispavir – ficaram excepcionados da regra de que o respectivo custo (encargo com a comparticipação) seria suportado pelo Hospital onde o medicamento era prescrito, passando, por isso, a constituir um encargo directo do Estado.

vi) Com a aprovação e entrada em vigor da Portaria n.º 146-B/2016, de 12 de Maio, foram acrescentados dois medicamentos à lista de medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014, de 13 de Fevereiro, os quais não foram abrangidos pela excepção de que os custos da sua disponibilização ficavam a cargo do Estado;

vii) Com a aprovação e entrada em vigor da Portaria n.º 181-A/2016, de 21 de Junho, foi também estendida aos medicamentos acrescentados à lista da Portaria n.º 158/2014 pela Portaria n.º 146-B/2016 a excepção de que ficaria a cargo do Estado os custos com a sua disponibilização;

viii) A Portaria n.º 28/2017, de 26 de Janeiro, aditou mais dois fármacos - Elbasvir e Grazoprevir - à lista de medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014 e determinou que também os encargos com a sua comparticipação não recaiam sobre o hospital onde os mesmos fossem prescritos;

ix) A Portaria n.º 211/2017, de 15 de Maio, aditou um novo fármaco - Sofosbuvir + Velpatasvir – à lista de medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014 e determinou que também os encargos com a sua comparticipação não recaiam sobre o hospital onde o mesmo fosse prescrito;

x) A Portaria n.º 35/2018, de 12 de Janeiro, actualizou a lista dos medicamentos abrangidos pelo regime especial de comparticipação aprovado pela Portaria n.º 158/2014 e revogou as Portarias n.ºs 114-A/2015, 216-A/2015, 146-B/2015, 181-A/2016, 28/2017 e 111/2017.

Esta Portaria revogou também a norma aprovada pela Portaria n.º 216-A/2015, que previa a excepção ao artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014, e que determinava que o custo dos medicamentos ali indicados não recaia sobre o Hospital que os prescrevia, mas antes sobre o Estado. Na prática, por efeito desta revogação, a regra do artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014 passou a aplicar-se a todos os medicamentos prescritos para a terapêutica da hepatite C, ou seja, todos os hospitais que prescrevessem aqueles medicamentos passavam a arcar com os respectivos custos.

No preâmbulo da Portaria n.º 35/2018 pode ainda ler-se, com interesse sobre esta questão, que: “atendendo a que a partir deste ano de 2018, o financiamento para o tratamento para doentes com hepatite C passa a integrar a atividade nos contratos-programa hospitalares e que é necessário atualizar o elenco dos medicamentos que beneficiam do regime especial de comparticipação abrangidos pela Portaria acima identificada, é necessário alterar a referida Portaria”.

2.1.7. Da conjugação do quadro factual com o quadro normativo resulta evidente para a resolução do litígio em apreço o seguinte:

i) que a terapêutica farmacológica da hepatite C – quer durante o prazo de vigência do contrato aqui em crise, quer já na fase pré-contratual – sempre constituiu um regime especial, quer em termos da forma de disponibilização dos medicamentos (em farmácia hospitalar e não em farmácia comunitária), quer quanto aos custos para o utente submetido a esta terapêutica (sem custos para o utente), quer ainda no que contende com o “regime do financiamento público” dos custos daquela prescrição/terapia;

ii) que com a aprovação do regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos (Decreto-Lei n.º 48-A/2010, de 13 de Maio) e a respectiva regulamentação pela Portaria n.º 267-A/2011, de 15 de Setembro, ficou legalmente determinado que a criação de regimes especiais de comparticipação de medicamentos estava subordinada a regras e procedimentos especiais (a comparticipação de novos medicamentos dependia da decisão da respectiva inclusão na lista de medicamentos comparticipados, segundo procedimento legalmente previsto para o efeito) e que esta matéria era dinâmica, sendo a comparticipação do Estado definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde, no qual se podiam apor condicionantes à prescrição daqueles fármacos (artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 48-A/2010).

iii) que o regime especial de comparticipação para medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C instituído pela Portaria n.º 158/2014 estipulava como regra geral que os encargos com os medicamentos comparticipados ao abrigo do regime nela fixado eram suportados pelo hospital onde o medicamento era prescrito;

iv) que, em razão de circunstâncias peculiares [preços elevados (pontos 141 e 143) e opção de política pública de saúde (pontos 164, 165 e 180)], o Governo decidiu instituir regras especiais dentro do regime especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C, segundo as quais (ponto 2 do anexo à Portaria n.º 158/2014, nas redacções dadas pela Portaria n.º 216-A/2015 e pela Portaria n.º 181-A/2016, assim como as regras constantes das Portarias n.ºs 28/2017 e 211/2017), alguns dos “novos medicamentos” aditados à lista dos medicamentos sujeitos àquele regime especial teriam os respectivos custos suportados pelo Estado e não pelos hospitais que os prescrevessem;

v) quer o regime (regra) especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C (constante do artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014), segundo o qual cabia aos hospitais que prescrevessem a terapêutica farmacológica para a hepatite C arcar com os custos da respectiva comparticipação, quer o regime especial instituído durante um certo tempo dentro daquele regime, segundo o qual seria o Estado a suportar os referidos custos de comparticipação daqueles medicamentos, abrangeram a actividade de produção do Hospital ... (pontos 221 e 224);

vi) a partir da entrada em vigor da Portaria n.º 35/2018, o Hospital ... passou a suportar os encargos da comparticipação dos medicamentos prescritos ao abrigo do regime especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C.

2.1.8. É precisamente com esta última solução jurídica que o Hospital ... não se conformou, alegando que deveria ser o Estado a continuar a suportar aqueles encargos. Foi essa interpretação julgada procedente pela decisão arbitral aqui recorrida com o fundamento de que a mesma resultava de uma interpretação contratual correspondente à “vontade real das partes” segundo a regra do 236.º, n.º 2 do Código Civil, em decorrência do teor de uma comunicação remetida em 5 de Dezembro de 2008, pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, na fase de negociação da minuta do contrato.

Ora, a solução alcançada na decisão arbitral não se pode manter e enferma, efectivamente, de erros de julgamento que lhe vêm assacados no presente recurso de revista.

Vejamos.

2.1.8.1. Não está aqui em causa um problema de interpretação contratual, tal como o entendeu e configurou a decisão arbitral, no sentido de apurar se um regime financeiro específico para o tratamento dos doentes com hepatite C no âmbito dos hospitais EPE do SNS deve ou não ser também aplicado ao Hospital ... à luz das regras estipuladas no Contrato de Gestão, interpretadas segundo a alegada vontade real das partes expressa a partir da comunicação enviada pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde, em 05.12.2008, na fase de negociação da minuta do contrato. E a questão assim formulada consubstancia um erro porque:

2.1.8.1.1. Primeiro não existe um programa financeiro especial para os doentes com hepatite C tratados nos hospitais do SNS do qual tenha sido excluído o Hospital ....

A decisão recorrida confunde as regras do financiamento dos hospitais EPE através de contratos programa, no âmbito das quais se inscreve a fixação do valor de €6.922,00/doente para o Programa de Tratamento Ambulatório de Pessoas Portadoras de Infeção pelo Vírus Hepatite C, com a criação de um “novo programa específico de financiamento” de doentes com esta patologia. O “programa específico de financiamento” para o tratamento da hepatite C é o que consta da Portaria n.º 35/2018, segundo o qual, tal como sempre constou do artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014, os encargos decorrentes da prescrição e disponibilização na farmácia hospitalar da medicação para o tratamento da hepatite C recaem sobre o hospital que os prescreve, seja o Hospital ..., seja um Hospital do SNS.

O que sucede é que a “remuneração” do Estado a esses hospitais pela “produção desse acto” segue regras distintas em razão do diferente quadro normativo-financeiro a que obedece cada uma das relações jurídicas e jurídico-financeiras, a saber: i) no caso dos hospitais do SNS, aplicar-se-ão as regras respeitantes à contratualização de cuidados de saúde no âmbito do contrato-programa celebrado entre o respectivo hospital, a Administração Central do Sistema de Saúde, I. P. e a Administração Regional de Saúde respectiva, I. P., de acordo com as normas vigentes à data, ou seja, o disposto na Base XXXIII da Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90 e modificada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, e o artigo 25.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de Fevereiro; ii) já no caso do Hospital ..., tratando-se de uma PPP, aplicam-se as regras respeitantes ao financiamento das actividades contratualizadas, que no caso eram as regras do Contrato de Gestão (cláusulas 24.ª, n.º 1, 28.ª, n.º 7, 36.ª, n.º 1, 44.ª e Anexo VII), tal como definido no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto.

2.1.8.1.2. Segundo, ao estarmos perante um regime jurídico – o dos encargos decorrentes do regime especial de comparticipação de medicamentos destinados ao tratamento da doença de hepatite C, aprovado pelo artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014 – que acompanhou quase toda a vigência do contrato e que não suscitou dúvidas de interpretação e execução até 2018, resulta evidente que a questão que motiva o litígio se prende exclusivamente com o acréscimo de custos decorrentes dos “novos medicamentos” (medicamentos antivirais de acção directa para o tratamento do vírus da Hepatite C) e com o problema de saber se este acréscimo de custos consubstancia um risco próprio do contraente privado (“risco” inerente à actividade de produção, ou seja, um risco próprio do contrato) ou se, pelo contrário, deve constituir um risco do contraente público. E ainda com o problema de saber se, a concluir-se que se trata de um risco próprio da actividade contratada, o impacto do mesmo assume as características que permitam accionar, tal como resulta do pedido subsidiário, cujo conhecimento a decisão arbitral recorrida deu como prejudicado (ponto 8, página 156), o disposto na cláusula 127.ª para efeitos da reposição do equilíbrio financeiro do contrato.

2.1.8.1.3. Ora, da conjugação do disposto nas cláusulas 24.ª, n.º 1, 28.ª, n.º 7, 36.ª, n.º 1, 44.ª e Anexo VII do Contrato de Gestão resulta evidente que o aumento dos custos com a terapêutica farmacológica associada a uma determinada patologia que integra a actividade de produção consubstancia, em princípio, in rerum natura, um risco próprio do contrato, ou seja, um risco operacional da actividade contratada. E nada do disposto nos artigos 18.º e 19.º do Decreto-Lei n.º 185/2002 permite concluir o contrário.

Não se ignora que o carácter especial das parcerias público privadas na saúde (em que, diferentemente do que sucede em áreas como a exploração de infra-estruturas ou de serviços económicos “de mercado”, a “actualização tecnológica”, no caso terapêutica, não pode deixar de se aplicar em linha com o dever de protecção da saúde dos utentes e com a igualdade no acesso a cuidados de saúde, enquanto dimensão da dignidade humana), aliado ao princípio global de financiamento pelo SNS, matizam parcialmente os termos da titularidade privada do risco operacional (no qual se incluiu o aumento significativo de preços de tratamento farmacológicos) quando estejamos perante situações em que o mencionado risco se revele um ónus desproporcionado.

E foi, aliás, o que sucedeu neste caso, em que perante a “obrigatoriedade” de introdução terapêutica dos “novos medicamentos” para o tratamento da hepatite C e o elevado custo que os mesmos representavam, o Estado aprovou um “regime especial” em que assumiu os custos com essa disponibilização, excepcionando a regra de que aquele encargo cabia às instituições hospitalares, o que aqui significou a assunção do risco operacional do Hospital ....

Mas, como se infere da sucessão normativa antes enunciada, a partir de 2018, o Estado considerou que o preço daqueles fármacos tinha atingido um preço normal de mercado e, por isso, pôs fim ao dito regime excepcional, repondo a regra de que o custo das terapêuticas medicamentosas associadas a actos de produção é suportado pelas unidades hospitalares.

Em termos jurídicos, no caso concreto, isto significa que terá cessado a situação de desproporcionalidade do risco operacional do parceiro privado e, nessa medida, a partir da referida data, a assunção dos custos com aquela terapêutica da hepatite C pelo o Hospital ... não é de molde a configurar (ou melhor, a manter) a necessidade de uma excepção à regra da repartição do risco previsto no respectivo contrato de gestão, pelo que tudo “regressa” à regra geral do contrato, segundo a qual cabe ao co-contratante assumir esse encargo, ainda que ele seja mais elevado do que o existente no momento da celebração do contrato.

Assim, a haver um problema em matéria de resultados da gestão financeira do contrato emergente dos custos com a nova terapêutica da hepatite C, ele só poderá colocar-se em sede de reposição do equilíbrio financeiro, à luz do disposto na cláusula 127.º do Contrato de Gestão.

O resultado interpretativo a que chegou a decisão arbitral recorrida não é, por tudo quanto se expendeu, correcto se conjugarmos as cláusulas contratuais com as normas legais e regulamentares em vigor.

2.1.8.1.4. Terceiro, a decisão recorrida sustenta, contudo, que da comunicação enviada pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde em 05.12.2008, na qual se “informou” que era “entendimento do Ministério da Saúde que os programas específicos de financiamento do Ministério da Saúde eram aplicáveis ao Hospital ... na medida em que estivessem abrangidos pelo seu Perfil Assistencial, nomeadamente os respeitantes a doenças lisossomais de sobrecarga, nos mesmos termos que os praticados nos demais hospitais do SNS, incluindo para efeitos financeiros e na Produção” se pode retirar uma “vontade real” do Estado em assumir custos como os que resultariam do acréscimo de encargos com os “novos medicamentos” para a hepatite C a partir de 2018, ou seja, que da comunicação antes mencionada resultaria uma fonte obrigacional da qual se extrairia a regra imposta pelo artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014. Trata-se, uma vez mais, de uma interpretação que não pode manter-se à luz dos princípios e das regras jurídicas.

Com efeito, não é possível no domínio do direito administrativo, ainda que esteja em causa a interpretação de um contrato administrativo, pretender fundamentar a existência de uma vinculação jurídica de direito público emergente de uma promessa escrita derrogadora de uma norma administrativa expressa e validamente aprovada. Aliás, para o efeito é irrelevante o emissor da promessa, pois as normas administrativas apenas podem ser revogadas (ou o seu conteúdo derrogado) por outras normas administrativas ou por normas legislativas e não por actos individuais, sejam formais ou informais. É que o que a decisão arbitral recorrida conclui, na prática, é que a “promessa escrita do membro do Governo” derroga o regime normativo administrativo imposto pelo artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014, qualificando essa promessa como uma obrigação contratual não formal. Trata-se, pois, de uma solução juridicamente inadmissível à luz das mais elementares regras e princípios do direito público.

É que nenhuma cláusula do contrato permite excluir da responsabilidade da Entidade Gestora a terapêutica medicamentosa associada a actos de produção na patologia da hepatite C, nem nada permite dizer que se houver um aumento significativo dos custos desta actividade ela fica excluída. Pelo contrário, ela integra a obrigação financeira da Entidade Gestora e o aumento dos respectivos custos faz parte do risco contratual. A Entidade Gestora beneficiou do regime legal e regulamentar aprovado para o caso específico desta terapêutica, que durante algum tempo levou à assunção dos custos pelo Estado, pelo que, reposta pelo mesmo quadro normativo, a solução jurídico-financeira anterior ao regime excepcional não se compreende o fundamento jurídico que poderia estar subjacente à excepção de que o Hospital ... pretende beneficiar.

O artigo 6.º da Portaria n.º 158/2014 dita que é o Hospital (incluindo o ...) a suportar os encargos decorrentes da regime financeiro especial do tratamento dos doentes com hepatite C, incluindo àqueles aos quais são administrados, nos termos previstos naquele regime especial, os “novos medicamentos”, vigorando uma excepção àquela regra até 2018, cuja racionalidade foi já explicitada (o custo desproporcionado devido a uma falha de mercado, que é depois neutralizada quando essa falha de mercado é corrigida), e nenhuma cláusula contratual permite excepcionar a operativadade daquele regime jurídico por efeito da existência do contrato de gestão.

2.1.8.1.5. Quarto, a decisão arbitral parece sustentar ainda (embora não de modo totalmente claro) a interpretação (já por nós reiteradamente dito que inadmissível) de que a partir de 2018 os custos com a terapêutica farmacológica dos doentes com hepatite C tratados no Hospital ... devem ser suportados pelo Estado em razão de uma obrigação expressamente assumida por este nesse sentido, através da comunicação escrita remetida pelo Secretário de Estado Adjunto e da Saúde em 05.12.2008. Tratar-se-ia de uma solução ditada pela operatividade do princípio da protecção da confiança legítima, leia-se da circunstância de que o terminus do regime especial que havia sido instituído pelo n.º 2 do anexo da Portaria n.º 158/2014, aditado pela Portaria n.º 216-A/2015 (e mantido e ampliado pelas Portarias n.ºs 181-A/2016, 28/2017 e 211/2017) consubstanciava uma violação daquele princípio fundamental e, como tal, não poderia juridicamente produzir os seus efeitos.

Mas também este argumento tem de improceder, desde logo por não se poderem considerar verificados, no caso concreto, os pressupostos do referido princípio constitucional. Vejamos.

O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de sistematizar os pressupostos normativos em que repousa a violação do princípio da protecção da confiança legítima, que é também aplicável no âmbito da sucessão de regimes legais, logo, por maioria de razão, no âmbito da sucessão de regimes normativos administrativos, afirmando o seguinte: “(…) Para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento» estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º 128/2009) (…)”v., por todos, acórdão do TC n.º 3/2010.

Ora, o caso dos autos falha logo perante o teste da criação de expectativas legítimas, pois: i) primeiro, não é possível estabelecer entre a comunicação escrita emanada pelo Secretário de Estado em 05.12.2008 e a aprovação da Portaria n.º 35/2018 qualquer nexo de causalidade ou intencionalidade que permita logicamente inferir que dez anos antes o Governo se tinha comprometido a, em 2018, não repor em vigor um regime de imputação de encargos que havia estabelecido em 2014; ii) segundo, a conseguir estabelecer-se algum nexo de intencionalidade na actuação do Governo nesta matéria, sempre seria entre a comunicação de 2008 e o regime da Portaria n.º 158/2014, que imputava à Demandante e aqui Recorrida o encargo com os custos daquele tratamento farmacológico (ex vi da respectiva norma do artigo 6.º) e que a mesma não “refutou”, nem interpelou o Estado ou a Entidade Contratante a respeito do seu teor durante os 4 anos em que o mesmo esteve em vigor; iii) derradeiramente, a querer dizer-se que daquela comunicação resultava uma “promessa” de que o Hospital ... seria “abrangido” por programas específicos de financiamento em condições equivalentes à das Entidades do SNS, parece que a conclusão lógica é a de que essa promessa foi cumprida quando o Hospital ... foi abrangido pelo regime especial aprovado pelo n.º 2 do Anexo à Portaria n.º 158/2014 durante o período da respectiva vigência.

E falha também, em nossa opinião, o teste da violação das expectativas legítimas, uma vez que não pode dizer-se que o Hospital ... confiava em que nunca mais seria onerado com os custos da terapêutica farmacológica da hepatite C, pois a técnica legislativa utilizada na Portaria n.º 158/2014 não era de molde a criar essa expectativa, desde logo ao manter em vigor a regra do artigo 6.º (que, de resto era aplicada aos medicamentos não abrangidos pela excepção do ponto 2 do anexo durante o período em que aquela excepção esteve em vigor). E durante este período não existiu sequer (não resulta da matéria de facto assente, nem o Demandante o alega) qualquer comunicação por parte do Estado ou da Entidade Pública Contratante que permitisse fundar essa expectativa.

Assim, improcede também o argumento da violação do princípio das expectativas legítimas.

Improcedendo a tese da operatividade deste princípio, fica prejudicado o conhecimento das questões respeitantes à competência ou não do Secretário de Estado para “impor” a confiança numa determinada solução jurídica diversa da que resulta do quadro normativo e contratual, bem como as questões sobre a eventual violação do direito da concorrência.

Com efeito, não procede nenhum argumento que permita sustentar a tese de que decorria da interpretação das cláusulas contratuais a não assunção pelo Hospital ... dos custos decorrentes da nova terapêutica medicamentosa da hepatite C associada aos actos de produção ali praticados.

Em face de tudo o que se expôs cabe revogar a decisão arbitral recorrida na parte em que condenou o Demandado a pagar à Demandante o valor de €837.562,00, acrescido de juros de mora à taxa de 8% e ordenar a remessa dos autos ao Tribunal para que aí seja conhecido a este respeito o que se considerou então prejudicado.

2.2. Da responsabilidade financeira decorrente do fornecimento aos utentes de medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar, prescritos fora do Hospital ... a beneficiários de subsistemas públicos (que não o SNS) no período entre 01.07.2016 e 31.08.2019 (termo do contrato de gestão)

2.2.1. Nesta parte a questão julgada na decisão arbitral recorrida e cujo acerto agora vem questionado no âmbito deste recurso prende-se com um alegado erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto na cláusula 28.ª, n.º 8 do contrato de gestão a respeito da imputação do pagamento dos medicamentos dispensados pela farmácia hospitalar da Recorrida, quando essa dispensa não está associada a um acto de produção do Hospital ... e é efectuada a utentes de subsistemas públicos de saúde, no período compreendido entre 01.07.2016 e 31.08.2019.

2.2.2. A decisão arbitral recorrida começa por enunciar as questões que subjazem à resolução do litígio da seguinte forma:

- primeiro, esclarecer se os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar e não associados a um acto de produção, prescritos a beneficiários de subsistemas públicos de saúde constituíam responsabilidade financeira daqueles à luz das regras gerais sobre o novo modo de relacionamento entre o SNS e os ditos subsistemas ou não;

caso se entendesse que este tipo de responsabilidade financeira tinha deixado de pertencer aos ditos subsistemas públicos de saúde por efeito do mencionado novo modelo de relacionamento financeiro e tinha passado para o SNS, ficaria esclarecido que seria sempre a Entidade Demandada a suportar a despesa;

- segundo, caso se concluísse que a responsabilidade financeira por aqueles actos médicos, não obstante o dito novo modelo de relacionamento financeiro, continuava a caber em geral aos subsistemas públicos de saúde, cumpria determinar se, à luz do disposto na cláusula 28.ª, n.º 8 do contrato de gestão, essa responsabilidade financeira se devia sempre ter neste caso por imputável ex vi da relação contratual, à Entidade Pública Contratante.

2.2.3. A solução alcançada na decisão recorrida não é, porém, tão linear e correcta quanto a enunciação que dela se fez no início da mesma. Vejamos.

A decisão recorrida dá por demonstrado que a responsabilidade financeira é sempre, neste caso, da Entidade Pública Demandada, considerando que o enunciado da cláusula 28.ª, n.º 8 do contrato de gestão assim o impõe de modo expresso e claro.

Apesar disso, e sem que se perceba então a utilidade da argumentação subsequente, opta por responder depois à primeira questão que tinha enunciado, para concluir, com base no teor dos Relatórios do Tribunal de Contas n.ºs 12/2025 e 8/2016, que a responsabilidade por aqueles pagamentos cabia inequivocamente, em geral, ao Estado, o que significa que essa era a solução desde 2010, por força da regra consagrada anualmente nas diversas leis que aprovaram os orçamentos de Estado desde 2011 a 2019 [artigo 160.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (LOE/2011), artigo 106.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (LOE/2016), 137.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (LOE/2017), 193.º da Lei n.º 114/207, de 29 de Dezembro (LOE/2018) e 222.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro (LOE/2019)].

E culmina a fundamentação da decisão sustentando que a interpretação proposta pela Entidade Demandada, de reconduzir a exigência daquelas quantias a partir de Julho de 2016 a Dezembro de 2018 ao disposto na cláusula 49.ª do contrato de gestão (cobrança pela Entidade Gestora a Terceiros Pagadores), não tinha sido aceite pela Demandante, pelo que não havia lugar a uma alteração tácita do conteúdo do contrato.

E, com este roteiro argumentativo, concluiu pela condenação da Entidade Demandada no pagamento €563.327,67, acrescida de juros mora, à taxa legal de 8%.

2.2.4. Importa começar por destacar que também quanto a esta questão a decisão arbitral recorrida enferma de erro de julgamento e segue um excurso fundamentador alheado da metodologia correcta. Vejamos.

Com efeito, cabia, primeiramente – como de resto tinha sido enunciado de forma correcta –, apurar a imputação da responsabilidade financeira dos custos referentes à dispensa de medicamentos em farmácia hospitalar (e não prescritos no âmbito da prestação de cuidados de saúde pelo hospital) no quadro das relações entre os hospitais integrados no SNS e os subsistemas públicos de saúde.

O apuramento destes factos era essencial para determinar a correcta interpretação das cláusulas contratuais, uma vez que o respectivo enunciado – e contrariamente ao que se afirma na decisão arbitral recorrida – admite as duas interpretações. Senão vejamos.

A cláusula 28.ª, n.º 8 do contrato dispõe o seguinte:

“[…] Fora das situações consideradas no número anterior [dispensa de medicamentos no âmbito de actos de produção], a Entidade Gestora do Estabelecimento obriga-se a dispensar os medicamentos de dispensa obrigatória em farmácia hospitalar e a apresentar as correspondentes facturas à Entidade Publica Contratante, devendo esta proceder ao respectivo pagamento até ao final do mês seguinte ao da sua apresentação […]”.

Mas esta cláusula tem de ser interpretada em conjunto com o disposto nas restantes cláusulas do contrato (Cláusula 2.º), relevando para o efeito

· o disposto na Cláusula 46.ª, n.º 1 “[…] A remuneração anual da Entidade Gestora do Estabelecimento, a que se refere o n.º 3 da Cláusula 44.º ao Contrato, é paga de acordo com o estabelecido no Anexo VII ao Contrato: a) Por Terceiros Pagadores, na parcela correspondente ao montante da parcela a cargo de Terceiros Pagadores; b) Pelo Utentes, na parte correspondente às taxas moderadoras; c) Pela Entidade Pública Contratante, na parcela correspondente ao montante da parcela a cargo do Serviço Nacional de Saúde […];

· o disposto na Cláusula 49.ª, n.º 1 “[…] A Entidade Gestora do Estabelecimento deve proceder à cobrança a Terceiros Pagadores das seguintes receitas: a) Preços devidos pela realização das prestações de saúde pelos quais os Terceiros Pagadores sejam responsáveis, legal ou contratualmente, de acordo com a Tabela de Preços do Serviço Nacional de Saúde ou para o Estabelecimento Hospitalar em concreto (…)”;

e

· o disposto no Anexo VII do contrato, em especial o ponto 16, onde se pode ler: “16.1. A receita devida por Terceiros Pagadores corresponde à soma dos preços devidos pelas prestações de saúde realizadas a favor de Utentes beneficiários de Terceiros Pagadores, a cobrar de acordo com o disposto no n.º 17 deste anexo (…) 16.2 As prestações de saúde realizadas a favor de Utentes beneficiários de Terceiros Pagadores são pagas por estes: (…) b) Aos preços constantes da Tabela de Preços do SNS, aprovada pela Portaria n.º 567/2006, de 12 de Junho, com a redacção introduzida pela Portaria n.º 110-A/2007, de 23 de Janeiro, e alterada pela Portaria n.º 781-A/2007, de 16 de Julho, ou de outra que a venha a substituir, nos casos restantes (…)”.

Da conjugação das diferentes cláusulas, em especial as que antes transcrevemos, tanto pode resultar que a responsabilidade financeira pelo custo dos medicamentos dispensados em farmácia hospitalar e não incluídos em actos de produção cabe ao subsistema de saúde pública e é a ele que a Demandante teria de exigir o pagamento, como pode resultar que a responsabilidade financeira por aqueles custos cabe ao subsistema de saúde pública, mas a Entidade Demandada teve a intenção de assumir esse custo e proceder depois a um acerto de contas com o subsistema de saúde, como ainda que a responsabilidade financeira é da Entidade Demandada desde 2010. Aliás, a solução “regra” parece ser, à luz do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de agosto, a de que essa cobrança se faça aos subsistemas públicos de saúde.

A mera leitura do clausulado do contrato não é suficiente para esclarecer a questão.

Para se apurar a correcta interpretação das cláusulas era essencial saber como se processava esta responsabilidade financeira no âmbito dos hospitais integrados no SNS, uma vez que era importante saber qual era a regra ali, para depois perceber se existe algum “desvio” neste contrato em relação a essa regra ou se neste âmbito se seguiu a “regra geral” do SNS. Contudo, a decisão recorrida não produziu prova sobre este ponto, limitou-se a estribar a sua fundamentação em ilações jurídicas retiradas dos Relatórios das Auditorias do Tribunal de Contas (pontos 317, 318 e 319 da “matéria de facto”) e na transcrição de opiniões e interpretações dadas pelas testemunhas (pontos 303, 304, 313 e 314 da matéria de facto). O que resulta dos documentos juntos aos autos é a existência de um litígio e de uma divergência entre os serviços da Administração da Saúde responsável pelo SNS (pontos 305, 307, 310, 311 e 312 da “matéria de facto”), não tendo sido produzida prova quanto à questão de conhecer a prática adoptada quanto a esta responsabilidade financeira no âmbito dos estabelecimentos do SNS. Da documentação junta ao processo resulta evidente que a administração de saúde e a ADSE adoptaram interpretações diferentes do quadro legal e regulamentar, mas não foi feita prova quanto à prática efectivamente seguida no âmbito daqueles estabelecimentos de saúde.

Ora, o esclarecimento da questão antes enunciada é essencial para a correcta interpretação das cláusulas contratuais em presença (28.ª, n.º 8, 46.º, n.º 1 e 49.ª, n.º 1, conjugadas com o ponto 16 do anexo VII).

Acresce que o esclarecimento da referida prática é também relevante para o juízo que se tem de fazer sobre o comportamento da Entidade Demandada no período entre 2010 e Julho de 2016 e a sua alteração a partir daquela data e até 2019, sobretudo para valorar juridicamente o quadro factual à luz do princípio da protecção da confiança legítima, ou seja, para aferir dos pressupostos em que se poderia ter ou não por fundada a confiança da Demandante quanto aos pressupostos normativos em que assentava o pagamento daqueles valores até Julho de 2016 e a expectativa de que esse comportamento perdurasse, pois este é sempre um juízo de base normativa e objectiva, como impõe o contexto da relação jurídica de direito público e não meramente subjectivo.

Há, assim, que revogar a decisão arbitral recorrida também nesta parte e ordenar a baixa dos autos para que seja produzida prova adequada para apurar quem assumiu a responsabilidade financeira (o Estado ou os subsistemas públicos de saúde) com os encargos decorrentes da disponibilização nas farmácias hospitalares dos estabelecimentos do SNS de medicamentos prescritos fora dessas instituições a utentes abrangidos por subsistemas públicos de saúde, no período de 2010 a 2019 e, em especial, de Julho de 2016 a Dezembro de 2018.

Os autos têm de baixar ao Tribunal Arbitral para que ali seja produzida a referida prova, antes de ser produzida nova decisão, uma vez que este STA, em sede de recurso de revista, apenas conhece de matéria de direito (artigo 12.º, n.º 4 do ETAF e 150.º, n.º e do CPTA).

2.2.5. Por esta razão, fica prejudicado o conhecimento, quer do erro de julgamento da alegada falta de especificação e fundamentação de facto por parte da Demandante dos elementos de prova respeitantes aos montantes em dívida que a decisão condenatória deu como assentes, quer o pedido reconvencional.

2.2.6. E fica igualmente prejudicada, por inútil, a decisão relativa ao erro de julgamento quanto à determinação da taxa de juro aplicável.

Porém, cumpre desde já esclarecer que a decisão arbitral Recorrida considerou aplicável a taxa de juros comerciais de 8% às quantias que julgou serem devidas pela Entidade Demandada por considerar que o contrato em questão se qualifica como uma “transacção comercial”, nos termos e para os efeitos do disposto na al. a) do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.

Ora, uma tal qualificação (como “transacção comercial”) do contrato de gestão aqui em apreço não se afigura correcta nem juridicamente defensável. Com efeito, tratando-se de um contrato enquadrável numa parceria público-privada (cláusula 4.ª e artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 86/2003, de 26 de Abril), ao qual se aplicam as regras e os princípios dos contratos administrativos (maxime, o poder da modificação unilateral do contrato imposta pelo parceiro público – artigo 14.º-C do Decreto-Lei n.º 86/2003), fica excluída a qualificação como “comercial” desta relação jurídica, ou seja, como mero fornecimento de um serviço contra uma remuneração, pois ela consubstancia uma relação jurídica contratual regulada pelo direito administrativo.

Assim, tal como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado de modo constante, caso não exista uma regra especial que determine a taxa de juro, a legislação aplicável às dívidas do Estado é a Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, e juros de mora aplicáveis no âmbito destas relações jurídicas são os juros legais, tal como previstos no referido art. 806.º, n.º 2 e 559.º, ambos do Código Civil e não os juros comerciais, pelo que sempre seria esta a regra supletiva face ao acordado pela partes.

Também nesta parte a decisão arbitral não poderia subsistir, o que desde já se deixa consignado.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão arbitral recorrida e ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto e prolação de nova decisão.
Custas pela Recorrida no âmbito do presente recurso.

Lisboa, 11 de maio de 2023. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – José Augusto Araújo Veloso – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.