Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01123/08.3BEALM
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
PARQUE NATURAL DA ARRÁBIDA
DEMOLIÇÃO
HABITAÇÃO
Sumário:É de admitir revista na qual se suscitam questões sobre a natureza do Decreto Regulamentar nº 23/98 e consequências derivadas dessa qualificação, mormente a de saber se o desrespeito de uma das suas normas pode determinar a nulidade do licenciamento da construção em causa nos autos, por ter inegável relevância e complexidade jurídicas, tendo uma capacidade expansiva, em situações semelhantes e que ainda estejam a ser discutidas nos tribunais administrativos.
Nº Convencional:JSTA000P28816
Nº do Documento:SA12022011301123/08
Data de Entrada:05/31/2021
Recorrente:A...............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
A……………, contra-interessado nos autos, vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo TCA Sul, em 18.02.2021, que negou provimento ao recurso por este interposto, concedendo provimento ao recurso subordinado interposto pelo Ministério Público, revogando o acórdão do TAF de Almada e, conhecendo em substituição, declarou a nulidade dos actos impugnados.
Alega que a revista deve ser admitida por a questão que coloca revestir relevância jurídica fundamental e relevância social, justificando-se que o STA tome posição sobre a mesma.

Não foram apresentadas contra-alegações.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente acção administrativa especial intentada pelo Ministério Público contra o Município de Setúbal foram impugnados os Despachos de 10.10.2003 e de 17.12.2004 proferidos pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo da Câmara Municipal de Setúbal, que deferiram o pedido de licenciamento de obras de construção de moradia, habitação de caseiro e piscina formulado pelo contra-interessado, aqui Recorrente, em 04.12.2002, e de concessão do respectivo Alvará nº 126/05, com fundamento em que tais actos enfermam de nulidade por violarem as normas que regulamentam o Parque Natural da Arrábida - PNA [art. 12º, nº 1, al. a) e 19º, nºs 2 e 5 do Decreto Regulamentar nº 23/98, de 14/10 e arts. 2º, nº 2, al. c), 3º, 101º e 103º do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial [RJIGT] - DL nº 380/99, de 22/9 -, e art. 68º, als. a) e c) do DL nº 555/99, de 16/12].
O TAF de Almada proferiu acórdão em 20.12.2013 no qual, reiterando o anteriormente decidido em singular, julgou “não declarar a nulidade dos actos impugnados” e “condicionar o decidido ao facto do Município de Setúbal requerer, em 10 dias, o Parecer ao Parque Natural da Arrábida (PNA), após o que, e perante a sua emissão, o procedimento prosseguirá os ulteriores procedimentos aplicáveis”.

Interposto recurso pelo contra-interessado, o acórdão recorrido negou provimento ao recurso por este interposto, concedeu provimento ao recurso subordinado interposto pelo Ministério Público, revogou a decisão do TAF de Almada e, conhecendo em substituição, declarou a nulidade dos actos impugnados.
Reportando-se ao acórdão proferido por este STA em 29.10.2020, Proc. nº 0312/08.5BEALM, cuja jurisprudência seguiu, e no qual estavam igualmente em causa questões referentes ao PNA e normas legais ao mesmo aplicáveis, concluiu o acórdão recorrido o seguinte: “(…) resulta inequívoco que os actos impugnados, e subsequente alvará são nulos nos termos do art. 19.º, n.º 5 do Decreto Regulamentar n.º 23/98, de 14 de Outubro (idem, o acórdão deste TCAS de 11.07.2018, proc. 1110/08.1BEALM, relatado pelo ora relator).

Na presente revista o Recorrente alega, em síntese, que o acórdão recorrido padece de erro de Direito ao fundamentar a nulidade dos actos de licenciamento na violação do plano especial de ordenamento do território, constante da Portaria nº 26-F/80, de 8/1, nos termos do art. 68º, al. a) do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação [RJUE] e do art. 103º do RJIGT, porquanto a norma alegadamente violada e que impõe o parecer prévio vinculativo do PNA consta do Decreto Regulamentar nº 23/98, e não do plano acima referido. E que a questão em causa nos autos, pese embora ter sido suscitada noutros processos em que foi admitida revista, acabou por nunca ser apreciada pelo STA que apenas se pronunciou sobre a natureza do Plano Preliminar de Ordenamento do PNA contemplado na referida Portaria nº 26-F/80, e não sobre a natureza do Decreto Regulamentar nº 23/98 [que é o diploma que sujeita a parecer vinculativo do PNA a realização de obras de construção civil – respectivo art. 12º, al. a)]. Mais alega que o Decreto Regulamentar nº 23/98 não é um instrumento de gestão territorial tipificado pelo legislador, não podendo ser considerado um plano especial de ordenamento do território, sendo que a interpretação que o sustente seria violadora do princípio da tipicidade dos instrumentos de gestão territorial previstos nos arts. 8º, 9º, 33º e 34º da Lei de Bases e nos arts. 2º, 42º, nº 3 e 154º do RJIGT.

As referidas questões justificam a admissão de revista.
Com efeito, as questões suscitadas sobre a natureza do Decreto Regulamentar nº 23/98 e consequências derivadas dessa qualificação (mormente a de saber se o desrespeito de uma das suas normas pode determinar a nulidade do licenciamento da construção em causa nos autos) tem inegável relevância e complexidade jurídicas, tendo uma capacidade expansiva, em situações semelhantes e que ainda estejam a ser discutidas nos tribunais administrativos. Ao que acresce que a ordem de demolição de uma habitação (um dos pedidos formulados nos autos), em consequência de declaração de nulidade do respectivo licenciamento e emissão de alvará é um acto de graves repercussões, constituindo a apreciação da sua legalidade questão com relevância social de importância fundamental (cfr., v.g., o ac. desta Formação de 18.12.2018, Proc. nº 01943/08.9BELSB, no qual estava em causa igualmente o licenciamento de construção na área do PNA).
Assim, importa que este STA aborde as questões suscitadas no presente recurso para uma melhor dilucidação das mesmas, justificando-se a admissão da revista.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso.