Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0915/11
Data do Acordão:11/30/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
EXECUTADO
FALTA DE CITAÇÃO
NULIDADE INSANÁVEL
CONHECIMENTO OFICIOSO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
Sumário:I - A falta de citação em processo de execução fiscal constitui, nos termos do art. 165º do CPPT, nulidade insanável, quando possa prejudicar a defesa do interessado.
Não obstante essa qualificação de insanável não signifique que não seja admissível a sanação de tais nulidades, as mesmas podem ser conhecidas oficiosamente ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão final (n° 4 do mesmo art. 165° do CPPT).
II - Omitido o acto de citação do executado, com a consequente possibilidade de prejuízo para a sua defesa, em virtude de, pela falta de citação, ter ficado impossibilitado de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para esse efeito, impõe-se a declaração daquela nulidade insanável, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (nº 2 do art. 165° do CPPT).
Nº Convencional:JSTA00067286
Nº do Documento:SA2201111300915
Data de Entrada:10/14/2011
Recorrente:A......
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF FUNCHAL PER SALTUM
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:LGT98 ART22 ART65
CPPTRIB99 ART9 ART153 N1 ART165 N1 A ART276 ART35 N1 N2 ART188 N1 ART155 ART239 ART241 ART242 ART220
CPC96 ART194 N2 ART204 N2 ART203 ART202 ART228 ART715 N2 ART726 ART28 N1 ART55 ART864 ART864-A
CCIV66 ART1691 ART1724
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VII 5ED PAG108
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A………, com os demais sinais dos autos, recorre da decisão que, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, decidiu julgar improcedente a reclamação apresentada, nos termos do artigo 276º do CPPT, contra penhora efectuada em processo de execução fiscal.
1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
A) A execução sub judice fundamenta-se em liquidação oficiosa de IRS e respectivos juros compensatórios do exercício de 2003, conforme compensação nº 2007 00007256565;
B) Na referida liquidação constam como sujeitos passivos o ora recorrente, como sujeito passivo A e sua mulher B………, NIF ………, como sujeito passivo B.
C) Os referidos, recorrente e consorte, são casados no regime de comunhão geral de bens (vide doc. nº 1 junto ao requerimento inicial de reclamação).
D) Contudo, nos autos de execução fiscal apenas o ora recorrente foi citado e notificado da penhora.
E) A sua mulher, referida B………, apesar de sujeito passivo da liquidação supra identificada, cuja certidão constitui título executivo nos autos de execução fiscal, e bem assim, e sem conceder, potencial devedora originária do imposto liquidado, não foi citada nos autos, nem, aliás, notificada da penhora.
F) E aqui refira-se que a execução fiscal sub judice tem por objecto o valor global da dívida (€ 59.737,63), dívida essa comum ao casal (executado e ora recorrente e consorte).
G) Assim, atento o disposto nos artigos 22° e 65° da LGT e artigos 9°, 153°, nº 1 e 165°, nº 1, alínea a) do CPPT, verifica-se a ilegitimidade passiva na execução fiscal sub judice, por falta de citação do sujeito passivo, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação, com consequente absolvição da instância.
H) Veio o Meritíssimo Juiz a quo, na douta sentença recorrida (vide pág. 8 da sentença, ab initio), a não atender a essa argumentação, dizendo simplesmente (e pasme-se!) que o recorrente não tinha legitimidade para invocar a falta de citação da sua mulher.
I) Contudo, esquece-se o Meritíssimo Juiz a quo que a falta de citação em causa, sem prejuízo da nulidade que acarreta, conforme referido e bem no douto parecer emitido pelo Ministério Público (vide fls. 137, ponto 6), constitui um facto que, só por si, implica a verificação da ilegitimidade passiva nos autos de execução fiscal em crise.
J) Ilegitimidade essa que, como é evidente, pode, como o foi, ser arguida pelo principal interessado nos autos, como é o caso do executado e ora recorrente, directa e inegavelmente afectado pela mesma.
K) Pelo exposto, ao decidir a assim, nessa parte, o Meritíssimo Juiz a quo violou claramente o disposto nos artigos 22° e 65° da LGT e artigos 9°, 153°, nº 1 e 165°, nº 1, alínea a) do CPPT.
L) Devendo a douta sentença recorrida, nessa parte, ser anulada e substituída por nova decisão que reconheça a ilegitimidade passiva na execução fiscal sub judice, por falta de citação do sujeito passivo, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação, com consequente absolvição da instância, em conformidade com as supra citadas disposições legais.
SEM PRESCINDIR,
M) Por outro lado, dispõe o artigo 55°, nº 1 do C.P.C., aplicável subsidiariamente ao processo tributário por força do disposto no artigo 2°, alínea e) do CPPT, que “A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.” N) Por sua vez, dispõe o artigo 28°, nº 1 do C.P.C., igualmente aplicável subsidiariamente ao processo tributário como acima referido, que “Devem ser propostas por marido e mulher, ou por um deles com consentimento do outro, as acções de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família ”.
O) Prevendo-se, ainda, no nº 3 da mesma disposição legal que “Devem ser propostas contra o marido e a mulher as acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no número 1.”
P) Ora, conforme se disse atrás, a mulher do executado, referida B………, não foi citada na execução, nem notificada da penhora em crise, sendo certo que o bem penhorado, pensão do executado, constitui bem comum do casal (cfr. artigo 1732° do Código Civil).
Q) Assim, a falta citação da referida B………, mulher do executado e ora recorrente, consubstancia-se em nova ilegitimidade passiva na presente acção, por preterição de litisconsórcio necessário, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação e consequente absolvição da instância.
R) Contudo e uma vez mais, veio o Meritíssimo Juiz a quo, na douta sentença recorrida (vide pág. 8 da sentença, ab initio), a não atender a essa argumentação, invocando a já referida ilegitimidade do executado e ora recorrente para invocar a falta de citação da sua mulher.
S) Contudo, a falta de citação em causa, sem prejuízo da nulidade que acarreta, constitui um facto que, só por si, implica a verificação da ilegitimidade passiva nos autos de execução fiscal em crise, desta feita por violação de litisconsórcio necessário.
T) Ilegitimidade essa que, igualmente, pode, como o foi, ser arguida pelo principal interessado nos autos, como é o caso do executado e ora recorrente, afectado directa e inegavelmente pela mesma.
U) Pelo exposto, ao decidir assim, nessa parte, o Meritíssimo Juiz a quo voltou a violar a lei, desta feita os artigos 55°, nº 1 e 28°, nº 3, ambos do C.P.C. ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT.
V) Devendo a douta sentença recorrida, também por aqui, ser anulada e substituída por nova decisão que reconheça a ilegitimidade passiva na execução fiscal sub judice, por falta de citação do sujeito passivo, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação, com consequente absolvição da instância, em conformidade com as supra citadas disposições legais.
AINDA SEM PRESCINDIR
W) Dispõe o artigo 864°, nº 1 do C.P.C ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT, que “A citação do executado, do cônjuge e dos credores é efectuada nos termos gerais; mas só a do executado pode ter lugar editalmente.”
X) Por sua vez, o nº 3, alínea a) da mesma disposição do C.P.C., dispõe que o agente de execução cita “O cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou sobre bens comuns do casal, para os efeitos constantes do artigo seguinte e, sendo caso disso, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, nos termos do artigo 825º”.
Y) Citação essa exigida, nem que seja para usufruir das prerrogativas constantes do artigo 864°-A, do C.P.C., de entre ela opor-se à penhora e/ou à própria execução.
Z) Assim sendo, não tendo o cônjuge do ora executado sido citado até o presente, como se viu atrás, quer da execução, quer da penhora, nos termos e prazos previstos na lei, sempre a penhora em crise é nula, e bem assim nula a presente execução, por violação dos citados artigos 864°, nº 1 e 3, alínea a) e 864°-A, ambos do C.P.C. ex vi artigo 2°, alínea e) do CPPT e ainda artigo 165°, nº 1, alínea a) deste último diploma
AA) Ao não entender assim, viola a douta sentença recorrida o disposto nas supra citadas disposições legais, devendo a mesma, nessa parte, ser igualmente anulada e substituída por nova decisão que declare a nulidade da penhora em crise, bem como da execução, por falta de citação e/ou notificação ao cônjuge do executado e ora recorrente.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da suspensão da instância, nos termos seguintes:
«FUNDAMENTAÇÃO
1. A certidão de dívida exequenda identifica como executados o recorrente e o cônjuge B……… (doc. fls. 82).
A execução fiscal instaurada visa a cobrança coerciva de dívida comum do casal, emergente de IRS e respectivos juros compensatórios (ano 2003).
A falta de citação do executado constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando possa prejudicar a defesa do interessado (art. 165° n° 1 al. a) CPPT).
A nulidade consistente na falta de citação do executado pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (art. 194° al. a) e 204° n° 2 CPC).
A anulação do acto tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (art. 165° n° 3 CPPT).
A executada apenas foi informada da realização de diligências tendentes à determinação de bens penhoráveis, sem que a penhora em bens próprios tenha sido concretizada (doc. fls. 91, cujo teor diverge do facto inscrito no probatório al. P).
A executada arguiu a sua falta de citação mediante requerimento apresentado em 26.03.2009, sem apreciação e decisão pelo órgão da execução fiscal (probatório al. Q), doc. fls. 92; PEF apenso fls. 59/60); eventual decisão de indeferimento é passível de reclamação para o tribunal tributário (art. 276° CPPT).
2. Neste contexto impõe-se:
a) a devolução do PEF ao SF Santa Cruz (Madeira) para apreciação da arguição da nulidade.
b) a suspensão da instância na presente reclamação, enquanto causa dependente da solução da questão da nulidade por falta de citação da executada B………, até à formação de caso decidido ou ao trânsito em julgado de decisão final a proferir em eventual reclamação de decisão desfavorável (art. 279° n° 1 CPC).
CONCLUSÃO
A instância de recurso deverá ser suspensa até decisão da questão prejudicial (nos termos enunciados na fundamentação).»
1.5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
A) A……… (doravante apenas reclamante) é casado com B……… (Assento de casamento de fls. 34, dos autos);
B) A……… e B……… têm residência na Estrada ……, Edifício “……, Piso ……, letra “……”, ……;
C) No ano de 2003 o reclamante e mulher alienaram 1/6 de um prédio rústico e urbano, inscrito na matriz predial, a parte urbana sob o artº 276 e a parte rústica inscrita sob o artº 59, secção MM, da freguesia de Santa Cruz (processo instrutor);
D) Na declaração de rendimentos relativa a esse ano de 2003, só foram declarados rendimentos da Categoria A (processo de execução fiscal);
E) Foi elaborado relatório de inspecção de onde resultou a liquidação nº 20075004627358, com imposto a pagar de IRS de € 55.902,27 e prazo de pagamento voluntário até 06/02/2008 (processo de execução fiscal e certidão de dívida de fls. 82, dos autos);
G) Em 06-05-2008, pelo reclamante e mulher, foi interposta reclamação graciosa pedindo a declaração de ilegalidade da liquidação a qual veio a ser indeferida (autos de reclamação graciosa apenso);
H) Não tendo sido pago o valor de IRS liquidado, foi extraída a certidão de dívida de fls. 82, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais em nome de A……… e B………;
I) Com base na certidão de dívida de fls. 82, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais, foi instaurado o processo de execução fiscal nº 2887200801006320, para cobrança do valor total de € 59.737,63 (fls. 4, dos autos);
J) Com data de 06-09-2008 foi enviada, ao reclamante, notificação da penhora que incide sobre pensões auferidas através da Caixa Geral de Aposentações, conforme fls. 57, dos autos;
K) Por requerimento de 15-12-2008 B……… requereu que fosse informada da data da sua citação (fls. 83, dos autos);
L) Por ofício de 08-01-2009 foi a requerente B……… notificada que a citação pessoal foi efectuada ao contribuinte A (fls. 85, dos autos);
M) No processo de execução fiscal em 17-03-2009 foi enviada por carta registada com A/R a citação a A……… (fls. 68, dos autos);
N) Com registo de correio RP578860641PT foi o ora reclamante notificado da penhora efectuada sobre a sua pensão (fls. 57, dos autos);
O) A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças de Santa Cruz em 06-10-2008 (carimbo aposto no rosto de fls. 5, dos autos);
P) Com data de 04-03-2009 foi enviada a notificação da penhora a B……… (fls. 91, dos autos);
Q) Em 26-03-2009 B……… arguiu a sua falta de citação junto do Serviço de Finanças (fls. 92, dos autos).
3.1. Tendo considerado que a não subida imediata e o não conhecimento imediato da reclamação resultaria na perda da utilidade da mesma, a sentença recorrida dela conheceu, julgando-a improcedente com fundamento em que:
─ invocando o reclamante a falta de citação/notificação do seu cônjuge B……… (designadamente a falta de citação na execução fiscal e a falta de notificação da penhora), o meio utilizado é impróprio, para além de também se verificar a ilegitimidade do reclamante para invocar a falta de citação do cônjuge.
E também não é de conhecer a invocada nulidade da penhora por falta de notificação do cônjuge para a execução, dado que a reclamação foi proposta apenas pelo reclamante.
Pelo que, assim sendo, não cabe nesta reclamação o conhecimento destes vícios alegados pelo reclamante.
─ Não se verifica a nulidade da penhora por falta de indicação do valor mensal penhorado;
─ E também não estão verificados os pressupostos que permitem inferir que a AT tenha agido com a invocada má fé processual.
3.2. De acordo com as alegações e Conclusões do presente recurso, o recorrente apenas questiona o decidido na parte em que se julgou ser ele parte ilegítima para invocar a falta de citação do seu cônjuge, e, consequentemente, também não apreciou a alegada ilegitimidade passiva do reclamante nem a preterição de litisconsórcio necessário passivo.
O objecto do recurso está, pois, limitado a esta questão de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento por ter julgado o recorrente parte ilegítima para arguir tal falta de citação.
3.3. E nesta matéria, a fundamentação da sentença é, em síntese, a seguinte:
O reclamante invoca a sua ilegitimidade passiva na execução fiscal por ter ocorrido a falta de citação do também sujeito passivo, seu cônjuge, e preterição de litisconsórcio necessário passivo, o que envolve a nulidade de todo o processado.
Mas, com este fundamento o meio utilizado é impróprio e, além disso, o ora reclamante também carece de legitimidade para invocar a falta de citação do seu cônjuge.
Este arguiu, aliás, em 26/3/2009, junto do Serviço de Finanças, a falta da sua citação. E seria do despacho que recairia sobre este requerimento, ou da falta dele, que B……… deveria ter reagido, carecendo ao seu cônjuge legitimidade para, através desta acção, reagir a tal acto, fundamentando essa reacção na “nulidade do processo de execução fiscal por falta de citação/notificação em relação à sua esposa”.
Tendo sido arguida a falta de citação (no referido requerimento de 26/3/2009), deveria a AT ter respondido ao mesmo e, caberia a B……… reclamar da resposta enviada por ofício datado de 8/1/2009 (al. L do Probatório).
E também não é de conhecer a invocada nulidade da penhora por falta de notificação do cônjuge para a execução até porque, a acção foi proposta apenas pelo reclamante.
Não cabe pois, nesta reclamação o conhecimento destes vícios imputados pelo reclamante.
3.4. Em discordância com o assim decidido o recorrente alega que:
a) ─ Atendendo ao disposto nos arts. 22° e 65° da LGT e 9°, 153°, nº 1 e 165°, nº 1, al. a) do CPPT, se verifica ilegitimidade passiva na execução fiscal, por falta de citação do sujeito passivo, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação, com consequente absolvição da instância, pois que a falta de citação em causa, sem prejuízo da nulidade que acarreta, constitui um facto que, só por si, implica a verificação de tal ilegitimidade passiva na execução fiscal, ilegitimidade essa que pode, como o foi, ser arguida pelo principal interessado nos autos, como é o caso do executado e ora recorrente, directa e inegavelmente afectado pela mesma (cfr. Conclusões A a L).
b) ─ O nº 1 do art. 55º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo tributário, dispõe que a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor. Por sua vez, o nº 3 do art. 28° do mesmo CPC, dispõe que “Devem ser propostas contra o marido e a mulher as acções emergentes de facto praticado por ambos os cônjuges, as acções emergentes de facto praticado por um deles, mas em que pretenda obter-se decisão susceptível de ser executada sobre bens próprios do outro, e ainda as acções compreendidas no número 1.”
Ora a mulher do executado – B……… - não foi citada na execução, nem notificada da penhora em crise, sendo certo que o bem penhorado, pensão do executado, constitui bem comum do casal (art. 1732° do CCivil).
Assim, a falta citação da referida B……… e ora recorrente, consubstancia-se em nova ilegitimidade passiva na presente acção, por preterição de litisconsórcio necessário, com consequente nulidade de tudo o processado, incluindo a penhora ora em crise, após a 1ª citação e consequente absolvição da instância (cfr. Conclusões M a V).
c) ─ Nos termos do nº 1 do art. 864° do CPC a citação do executado, do cônjuge e dos credores é efectuada nos termos gerais e nos termos da al. a) do seu nº 3 o cônjuge do executado é citado quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou sobre bens comuns do casal, para os efeitos constantes do artigo seguinte e, sendo caso disso, para declarar se aceita a comunicabilidade da dívida, nos termos do artigo 825º.
Citação essa exigida, nem que seja para usufruir das prerrogativas constantes do artigo 864°-A, do CPC, de entre ela opor-se à penhora e/ou à própria execução.
Assim, não tendo o cônjuge do ora executado sido citado até ao presente, quer da execução, quer da penhora, nos termos e prazos previstos na lei, sempre a penhora em crise é nula, e bem assim nula a presente execução, por violação dos citados normativos, bem como da al. a) do nº 1 do art. 165° do CPPT (cfr. Conclusões W a AA).
3.5. As questões a decidir no presente recurso resumem-se, portanto, às de saber se o recorrente/executado tem legitimidade para arguir a falta de citação do cônjuge co-executado e para arguir a nulidade do acto de penhora, por falta de tal citação e, em caso afirmativo, se tal alegada falta de citação determina a ilegitimidade do reclamante para a execução e/ou a nulidade da penhora efectuada.
Vejamos.
4.1. Como decorre do Probatório, instaurada que foi execução fiscal contra o recorrente A……… e o respectivo cônjuge – B……… – por dívida proveniente de IRS do ano de 2003, aquele foi citado por carta registada com aviso de recepção (assinado em 12/3/2008 por pessoa que se identificou como C………), sendo que a carta registada com a A/R a que se refere a alínea M) do Probatório [onde se especifica que «No processo de execução fiscal em 17-03-2009 foi enviada por carta regista com A/R a citação a A……… (fls. 68, dos autos)]», é a carta registada que se reporta à informação e à ali apelidada “2ª via”, enviadas à co-executada B……… depois de esta ter requerido, em 15/12/2008 (a fls. 32 do processo de execução apenso) ao chefe do Serviço de Finanças de Santa Cruz, informação sobre «em que data, e mediante que ofício, foi a exponente citada para a dita execução ou notificada para quaisquer termos da mesma» - cfr., fls. 67 e 68, 70, 74, 85 e 86 destes autos de reclamação).
Em 6/9/2008 foi enviada ao recorrente notificação da penhora de parte da pensão que aufere da Caixa Geral de Aposentações, tendo então o cônjuge B……… requerido (pelo supra mencionado requerimento de 15/12/2008) que lhe fosse informada a data da sua citação, ao que os Serviços informaram (ofício de 8/1/2009) que a citação pessoal foi efectuada ao contribuinte A (o ora recorrente).
Entretanto, por carta de 6/9/2008 o ora recorrente foi notificado da penhora efectuada sobre a sua pensão e por carta de 4/3/2009 o cônjuge B……… foi também notificado da penhora, tendo, por requerimento de 26/3/2009 arguido a falta da sua citação.
Tal requerimento não obteve ainda, contudo, qualquer apreciação.
4.2. Como se disse, o recorrente invoca o disposto nos arts. 22° e 65° da LGT e 9°, 153°, nº 1 e 165°, nº 1, al. a) do CPPT, para sustentar a sua legitimidade para arguir a falta de citação do seu cônjuge co-executado e a alegada e dali decorrente sua ilegitimidade passiva para a execução (com fundamento nessa falta de citação do cônjuge B………).
E na verdade a presente execução foi instaurada contra o recorrente e contra o seu cônjuge B………, ambos constando no título executivo como devedores da respectiva quantia exequenda, que se substancia em dívida de emergente de IRS e respectivos juros compensatórios (ano 2003), ou seja, em dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges.
Porém, apenas o executado recorrente foi citado, em 12/3/2008, para a execução.
Ora, como bem nota o MP, a falta de citação do executado constitui nulidade insanável em processo de execução fiscal, quando possa prejudicar a defesa do interessado (al. a) do nº 1 do art. 165° do CPPT), a qual pode ser arguida em qualquer estado do processo, enquanto não deva considerar-se sanada (cfr, al. a) do art. 194° e nº 2 do art. 204°, ambos do CPC).
Diz a sentença recorrida que, atendendo aos fundamentos aduzidos (ilegitimidade passiva na execução fiscal por ter ocorrido a falta de citação do também sujeito passivo, seu cônjuge, e preterição de litisconsórcio necessário passivo, o que envolve a nulidade de todo o processado), o meio utilizado pelo recorrente é inadequado e, além disso, ele também carece de legitimidade para invocar a falta de citação do cônjuge.
Mas, salvo o devido respeito, não é assim.
Em princípio, a falta de citação apenas está legalmente configurada como nulidade insanável no processo de execução (art. 165º do CPPT) em relação à pessoa a que respeita essa falta de citação, e caso tal falta possa prejudicar a defesa dos interesses dessa pessoa a que respeita a falta de citação e não os de outrem.
Aliás, de acordo com o disposto no art. 203º do CPC, também só a parte interessada na observância da formalidade preterida, na prática ou repetição do acto ou na sua eliminação, pode invocar a nulidade, quer constitua parte principal, quer seja parte acessória.
Porém, também não pode esquecer-se que, nos termos do disposto no art. 202º do mesmo CPC, o tribunal pode conhecer oficiosamente das nulidades ali previstas, entre as quais se conta a falta de citação. Daí que como salientam Lebre de Freitas et al. (in Código de Processo Civil, Anotado, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2008, anotação 2 ao art. 203º, p. 376) o interessado possa «reclamar, quer no caso de alguma das nulidades previstas na 1ª parte do art. 202º, quer no de outra qualquer, a que se refere a 2ª parte do mesmo artigo: a infeliz expressão “fora dos casos previstos no artigo anterior” significa “fora dos casos em que o juiz tenha a iniciativa oficiosa que o artigo anterior lhe consente”. Não deixa, de qualquer modo, de parcialmente se sobrepor o âmbito de previsão da 2ª parte do art. 202º ao do art. 203º-1.»
E de todo o modo, embora nos termos do citado art. 165º do CPPT, a falta de citação em processo de execução fiscal constitua, igualmente, nulidade insanável, quando possa prejudicar a defesa do interessado e não obstante essa qualificação de insanável não signifique que não seja admissível a sanação de tais nulidades, se ela for possível, mas apenas que elas não ficam sanadas ou supridas pelo mero decurso do tempo sem arguição, também é certo que tais nulidades podem «ser conhecidas oficiosamente ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão final (n° 4 deste art. 165°)» (neste sentido, cfr. o Cons. Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 5ª ed., 2007, anotação 3 ao art. 165º, p. 108).
Ora, retornando ao caso dos autos, não se vê que, ao invés do decidido na sentença recorrida, o reclamante/recorrente careça de legitimidade para suscitar esta nulidade decorrente da falta de citação do co-executado, já que, como se referiu, ela pode até ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal.
E, neste contexto, também não se vislumbra que não seja este o meio processual adequado para tal arguição: com efeito, tal arguição devia, como foi, ser suscitada perante o órgão de execução fiscal respectivo, cabendo, da decisão deste, reclamação nos termos do disposto no art. 276º do CPPT.
4.3. E nem se diga que a tal obsta o facto se ter julgado provado que, com data de 4/3/2009, foi enviada a notificação da penhora a B……… e esta ter, em 26/3/2009, arguido a falta da sua citação junto do Serviço de Finanças (cfr. als. P e Q do Probatório).
Por um lado, a executada B……… apenas foi informada da realização de diligências tendentes à determinação de bens penhoráveis, sem que a penhora em bens próprios tenha sido concretizada (note-se que, como refere o MP, o teor do documento de fls. 91 diverge do facto inscrito na al. P do Probatório, naquele suportado).
Por outro lado, mesmo que viesse a ocorrer a citação da executada (enquanto cônjuge do também executado recorrente) após a penhora de bens, não ficaria sanada a nulidade decorrente da falta da sua citação (na qualidade de executada, que não na qualidade de cônjuge do executado).
Com efeito, a citação é o acto destinado a dar conhecimento ao executado de que foi proposta contra ele determinada execução (desta forma assumindo o citado a qualidade de executado ou co-executado) ou a chamar a esta, pela primeira vez, pessoa interessada (cfr. os nºs. 1 e 2 do art. 35º do CPPT; cfr. igualmente, o art. 228º do CPC), sendo que, relativamente aos processos judiciais tributários regulados no CPPT, a citação apenas está prevista no processo de execução fiscal: para chamamento à execução do executado (nº 2 do art. 35º e n° 1 do art. 188°), de responsáveis subsidiários (nº 3 do art. 9°), dos herdeiros (art. 155°), do liquidatário judicial (art. 156º), de credores preferentes e cônjuge do executado (art. 239°), dos credores desconhecidos e sucessores dos preferentes para reclamar créditos (arts. 241° e 242°).
Ora, no caso, a B……… é executada e consta do título executivo como devedora da quantia exequenda. Pelo que, nem poderia a sua não citação para a execução ser suprida pela eventual citação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239° do CPPT [que só impõe a obrigatoriedade da citação do cônjuge do executado, para intervir no processo de execução fiscal (ficando o mesmo, desde então, na posição de co-executado e podendo usar todos os meios de defesa que a lei lhe confere nessa qualidade) quando e sempre que a penhora recaia sobre bens imóveis ou móveis sujeitos a registo] ou, ainda, pela eventual citação nos termos e para os efeitos do disposto no art. 220º do CPPT [que impõe a citação do cônjuge do executado (mas aqui apenas para que possa requerer a separação de bens) nos casos em que a penhora recaia sobre bens móveis não sujeitos a registo, desde que a dívida exequenda respeite a coima fiscal ou tenha por base responsabilidade tributária exclusiva do outro cônjuge] – cfr. Lopes de Sousa, loc. cit. anotações 3 e 4 ao art. 239º, pp. 490/491).
4.4. Do exposto se conclui, portanto, que a sentença recorrida enferma do erro de julgamento que o recorrente lhe imputa, carecendo, nessa medida, de ser revogada.
E, assim sendo, impõe-se conhecer, em substituição (cfr. arts. 715º, nº 2 e 726º, ambos do CPC), das questões suscitadas na presente reclamação, dado que a sentença delas não conheceu, por implicitamente as ter como prejudicadas face à decisão de impropriedade do meio e de ilegitimidade do reclamante para as suscitar.
Vejamos, pois.
5. Na reclamação apresentada contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal o recorrente alegou:
- que é parte ilegítima na execução fiscal, quer atendendo ao disposto nos arts. 22° e 65° da LGT e 9°, 153°, nº 1 e 165°, nº 1, al. a) do CPPT, porque se verifica falta de citação do outro sujeito passivo co-executado, quer porque, atendendo ao preceituado nos nºs. 1 e 3 do art. 28º e no nº 1 do art. 55º, ambos do CPC, se verifica preterição de litisconsórcio necessário passivo na execução.
- que não tendo a executada B……… sido citada até ao presente, quer para os termos da execução, quer da penhora, nos termos e prazos previstos na lei, sempre a penhora em crise é nula, e bem assim nula a presente execução, por violação dos arts. 864º e 864º-A do CPC, bem como da al. a) do nº 1 do art. 165° do CPPT.
5.1. Quanto à questão da ilegitimidade passiva, dir-se-á que o reclamante não tem razão legal, já que, independentemente da questão atinente à comunicabilidade de tal dívida (aliás o reclamante aceita - cfr. art. 6º das alegações do recurso - que a dívida exequenda é dívida comum ao casal, ou seja, que se trata de dívida da responsabilidade de ambos os cônjuges - cfr. art. 1691º do CCivil), a invocada falta de citação de um dos executados não determina ilegitimidade passiva dos restantes.
E daí que não estamos, igualmente, perante a alegada preterição de litisconsórcio necessário passivo, desde logo porque ambos os cônjuges figuram no título executivo como devedores da dívida, ou seja, porque a execução foi instaurada contra ambos. E, assim, mesmo a aceitar-se que haveria lugar a tal litisconsórcio, o mesmo não se verificaria, não se verificando, consequentemente, por esse motivo, a invocada ilegitimidade passiva do recorrente para a execução.
5.2. Quanto à questão da nulidade da penhora por falta de citação da executada B………:
Vimos que, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do art. 165º do CPPT, a falta de citação em processo de execução fiscal constitui nulidade insanável, quando possa prejudicar a defesa do interessado, podendo ser conhecida oficiosamente ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão final.
Ora, no caso, como decorre do Probatório, verifica-se a ocorrência de tal nulidade, já que o acto de citação da executada B……… foi omitido, com a consequente possibilidade de prejuízo para a sua defesa, pois, em virtude da falta de citação, ela ficou impossibilitada de utilizar os meios de defesa que a lei prevê para esse efeito.
Por outro lado, a declaração de tal nulidade insanável tem como consequência a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente (nº 2 do art. 165° do CPPT), sendo que, de todo o modo, a penhora do bem a que se procedeu (pensão auferida pelo executado recorrente – bem comum, atento o disposto no art. 1724º do CCivil, já que é de equiparar ao salário ali mencionado), sempre padeceria de ilegalidade por ter sido efectuada sem ter sido citada a referida executada B……….
É certo que, como refere o MP e consta do Probatório, a executada arguiu, em 26/3/2009, a sua falta de citação junto do Serviço de Finanças (cfr. al. Q do Probatório), mas tal requerimento não foi apreciado ou decidido pelo órgão da execução fiscal. Daí que o MP promova a devolução do PEF ao órgão de execução fiscal respectivo para apreciação da arguição daquela nulidade e a suspensão da instância na presente reclamação, enquanto causa dependente da solução daquela questão, até à formação de caso decidido ou ao trânsito em julgado de decisão final a proferir em eventual reclamação de decisão desfavorável (art. 279° n° 1 do CPC).
Todavia, crê-se que a decisão que, eventualmente, possa ainda vir a ser proferida a esse respeito, não se configura como questão prejudicial da presente decisão, uma vez que, nos termos expostos e perante a factualidade dos autos, se entendeu poder-se conhecer oficiosamente da nulidade em causa.
6. Em suma:
- o recurso procede com a presente fundamentação;
- e julgando em substituição, declara-se a nulidade insanável do processo de execução, por falta de citação da executada B………, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependem absolutamente (nº 2 do art. 165° do CPPT), incluindo a penhora efectuada nos autos.
DECISÃO
Nestes termos e com estes fundamentos, acorda-se em julgar procedente o recurso, com a presente fundamentação e, julgando em substituição, em declarar a nulidade insanável do processo de execução, por falta de citação da executada B………, com a consequente anulação dos termos subsequentes do processo que dele dependem absolutamente, incluindo a penhora efectuada nos autos.
Custas pela reclamada Fazenda Pública, mas apenas na 1ª instância.
Lisboa, 30 de Novembro de 2011. – Casimiro Gonçalves (relator) – Ascensão LopesPedro Delgado.