Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01502/12
Data do Acordão:02/12/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:REFORMA DE ACÓRDÃO
DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P18606
Nº do Documento:SA22015021201502
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A............ LIMITED
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA, notificada do acórdão proferido por esta Secção do STA que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença de improcedência da impugnação judicial que A………… LIMITED deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara perante actos de retenção na fonte em sede de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal nos anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.595.617,89, veio pedir a sua reforma quanto a custas, invocando o disposto nos artigos 616.º, nº 1, e 666.º, do Código de Processo Civil (CPC).

Alicerça o pedido na alegação de que, em face do valor da causa (superior a € 275.000,00), deve o Supremo Tribunal Administrativo usar da faculdade prevista na segunda parte do artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), de modo a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça em todas as instâncias, pois a recorrente adoptou um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os tribunais, sendo que a fixação de custas num valor global de € 16.218,00 (considerando ambas as instâncias), não tem tradução na complexidade do processo e viola os princípios do acesso ao direito e aos tribunais, da proporcionalidade e da correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos.

1.2 Notificada do requerimento, a Requerida nada disse.

1.3. O Exmº Magistrado do Ministério Público teve vista dos autos mas não se pronunciou sobre o mérito da pretensão, por entender que não lhe cabia pronunciar-se no incidente de reforma quanto a custas.

1.4. Com dispensa de vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, dada a simplicidade da questão, cumpre decidir.

2. Como se viu, a Fazenda Pública pretende, por via do presente pedido, que face ao valor da causa (1.595.617,89€) e taxa de justiça que se mostra devida à luz do RCP e da Tabela I anexa, este Tribunal proceda à reforma do acórdão quanto a custas por forma a dispensá-la do pagamento do remanescente da taxa de justiça, em conformidade com o disposto no nº 7 do art. 6º do RCP.

Vejamos.

Segundo o referido preceito legal, nas causas de valor superior 275.000,00 € o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.

Trata-se, pois, de uma dispensa excepcional que, à semelhança do que ocorre com o agravamento previsto no nº 7 do art. 7º, depende de uma concreta e casuística avaliação pelo juiz e deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma da decisão – cfr., neste sentido, o acórdão de 15/10/2014, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, no proc. nº 01435/12.
E como também aí se deixou explicado, «tem-se entendido que cabe a este STA apreciá-lo tão só no que respeita ao recurso (processo autónomo, na acepção do nº 2 do art. 1º do RCP) que a ele foi dirigido (…).
Por outro lado, e quanto à complexidade da causa haverá que ter em conta os parâmetros estabelecidos pelo disposto no nº 7 do art. 537º do actual CPC (art. 447º-A do CPC 1961).
De acordo com este normativo, para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as acções e os procedimentos cautelares que: (a) contenham articulados ou alegações prolixas; (b) digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou (c) impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas.
As questões de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica serão, por regra, as que envolvem intensa especificidade no âmbito da ciência jurídica e grande exigência de formação jurídica de quem tem que decidir. Já as questões jurídicas de âmbito muito diverso são as que suscitam a aplicação aos factos de normas jurídicas de institutos particularmente diferenciados (neste sentido, Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 4ª edição, 2012, pág.85).
Em síntese poderemos dizer que a dispensa do remanescente da taxa de justiça, tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.».

Em suma, como este Tribunal tem vindo reiteradamente a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional e pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No caso vertente, consideramos que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo nº 7 do art. 6º do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida.
De facto, a Fazenda Pública interpôs recurso da sentença de improcedência da impugnação judicial que A………… LIMITED deduziu contra o indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentara perante actos de retenção na fonte em sede de IRC sobre dividendos que lhe foram distribuídos por sociedades residentes em Portugal nos anos de 2005 e 2006, no montante global de € 1.595.617,89, colocando no recurso três questões:
(i) a ilegitimidade da impugnante perante a falta de nomeação de representante fiscal, em conformidade com o disposto no art. 19º nº 5 da LGT;
(ii) a intempestividade da reclamação graciosa e, por inerência, da impugnação judicial, face à natureza não obrigatória da reclamação deduzida, pelo que ela deveria ter sido apresentada no prazo geral de 90 dias previsto no art. 102º do CPPT e não, como foi, no prazo de 2 anos previsto no nº 3 do art. 131º do CPPT;
(iii) a ausência de violação da proibição da restrição à livre circulação de capitais, por entender que os arts. 90º, nº 1, al. c), 46º nº 1, 80º, nº 2, al. c), 14º, nº 3, e 89º, nº 1, do CIRC, não são incompatíveis com o princípio da livre circulação de capitais consagrado no direito comunitário, e que, à luz do disposto no art. 4º da Directiva nº 90/435/CEE do Conselho, de 23/07, é o Estado de residência da impugnante quem isenta de tributação os rendimentos ou que os tributa e permite, nesse caso, a dedução do imposto já pago, pelo que não pode ser a legislação portuguesa a infringir o direito comunitário. Razão por que advoga que a sentença incorreu em erro de julgamento, violando as disposições contidas nos artigos 90º, nº 1, alínea c), 46º, nº 1, 80º, nº 2 alínea c), 14º, nº 3 e 89º, nº 1, do CIRC, a Directiva nº 90/435/CEE, do Conselho, de 23/07, e os artigos 12º, 46º, 48º e 56º, do Tratado CE.

Todas estas questões foram examinadas e decididas no acórdão prolatado pelo STA, que negou provimento ao recurso e condenou a Fazenda Pública nas respectivas custas. E não se nos afigura que a análise jurídica de todas essas questões tivesse uma complexidade inferior à comum; pelo contrário, trata-se de questões de complexidade jurídica considerável, de grande especificidade a nível jurídico-tributário, que obrigaram a uma trabalhosa tarefa de interpretação do quadro legal vigente (tanto no direito interno português como no direito comunitário), bem como a pesquisa e leitura de doutrina e jurisprudência dos tribunais tributários nacionais e de pesquisa e exame de diversas decisões do Tribunal de Justiça da União Europeia.

Por outro lado, no que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, também não descortinamos motivo para a requerida dispensa, tendo em conta a regular e legal tramitação do recurso, que não se afastou minimamente dos parâmetros normais de tramitação processual dos recursos de revista interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo.

Por fim, e sabido que nos cabe somente apreciar a eventual dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo impulso processual do presente recurso, não nos cabendo fazê-lo relativamente à taxa de justiça devida em 1ª instância (pois só o Tribunal “a quo” pode pronunciar-se sobre essa matéria), não podemos considerar que, no caso concreto, o montante da taxa de justiça que se mostra devido pelo Estado (Autoridade Tributária, representada pela Fazenda Pública) à luz das normas contidas nos arts. 6º e 7º nº 2 do RCP e da Tabela I-B anexa, seja manifestamente desproporcionado relativamente ao serviço público que solicitou através deste recurso e que lhe foi prestado pelo órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária, não se verificando, por isso, a violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da necessidade.

Razão por que o pedido de reforma quanto a custas não pode ser deferido.

3. Face ao exposto, acorda-se em indeferir o pedido.

Custas pela Requerente.

Lisboa, 12 de Fevereiro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.