Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:077/21.5BALSB
Data do Acordão:01/19/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:ADRIANO CUNHA
Descritores:LEGITIMIDADE ACTIVA
INTERESSE EM AGIR
IMPUGNAÇÃO DE NORMAS
Sumário:I - Quer o artigo 73º nº 1 a) quer o artigo 55º nº 1 a) do CPTA têm como pressuposto da legitimidade a lesividade, respetivamente, da norma e do ato, sendo esse um elemento determinante do respetivo interesse em agir.
II - Essa lesividade pode ser atual ou meramente potencial, mas, neste último caso, a lesão (futura) tem que ser direta e fundadamente previsível como iminente - «(…) quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo (…)».
III - Não resultando dos autos uma lesão atual nem a fundada previsão de uma lesão “em momento próximo”, carece o Requerente de interesse em agir para impugnar as normas em questão.
Nº Convencional:JSTA00071650
Nº do Documento:SAP20230119077/21
Data de Entrada:11/11/2022
Recorrente:SINDICATO DOS PILOTOS DA AVIAÇÃO CIVIL
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CPTA ART55 N1 AL.A) ART73 N1 AL.A)
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam em conferência no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

1. O “Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC)”, inconformado, veio interpor, para o Pleno da Secção, o presente recurso do Acórdão, proferido em 14/7/2022, pela Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo (cfr. fls. 167 e segs. SITAF), o qual julgou procedente a exceção de “falta de interesse em agir” do Autor e, consequentemente, absolveu a Entidade Demanda, o “Conselho de Ministros (CM)” da instância.

2. O Recorrente “SPAC” terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 202 e segs. SITAF):

«A. O objeto da presente ação consiste na ilegalidade da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, por violação dos artigos 1.º, 2.º, 484.º, 514.º e 517.º, todos do CT, e em virtude da inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.º 353-H/77, que lhe serve de fundamento, sendo que deverá ser em relação à Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, que se deverá aferir do preenchimento do requisito da legitimidade (e da “lesividade”, para efeitos do interesse em agir), independentemente do concreto regime sucedâneo ter sido, ou não, concretamente aplicado ao Recorrente ou aos seus associados.

B. Por outro lado, em 29.12.2021, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021, a qual veio renovar a declaração da TAP - Transportes Aéreos Portugueses, S.A., da P..., S. A., e da C..., S. A., em situação económica difícil, com os efeitos estabelecidos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, de 14 de janeiro, até 31.12.2022.

C. O que corresponde materialmente à manutenção na ordem jurídica da decisão constante da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 e objeto dos presentes autos.

D. E significa que esta Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021 padece dos mesmos exatos vícios apontados pelo Autor na sua Petição Inicial à Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, que vê assim a vigência do que decidiu continuada.

E. Por este motivo, por requerimento de 07.01.2022, foi requerida a ampliação do objeto da ação à declaração de ilegalidade com força obrigatória geral das normas da Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021 ou subsidiariamente ao julgamento da respetiva invalidade, caso se considerasse que a mesma tinha a natureza de ato administrativo (página 1, ponto 5 do Acórdão recorrido).

F. Donde resulta que o Conselho de Ministros continua habilitado a regular as condições de trabalho através destes instrumentos.

G. Andou mal o douto Acórdão recorrido ao analisar a lesividade da norma regulamentar impugnada (Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021) com base nos efeitos produzidos pelos atos praticados ao seu abrigo (atos que, ao abrigo da presente acção, não se impugnam e, como tal, não se compreendem no objeto da ação).

H. O disposto no n.º 2 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 consagra uma norma jurídica regulamentar, na medida em que reúne a característica da generalidade e a característica da abstração, afetando um grupo indeterminado de trabalhadores, ou seja, todos aqueles que estejam ou venham a estar contratados pelas empresas declaradas em situação económica difícil.

I. Essa norma é imediatamente operativa, pois contunde direta e imediatamente com o direito à contratação coletiva ao habilitar a suspensão das convenções coletivas aplicáveis e estabelecer ab initio uma alternatividade entre convenções coletivas e um regime sucedâneo.

J. O n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 trata-se, igualmente, de norma jurídica regulamentar, na medida em que reúne a característica da generalidade, e a característica da abstração.

K. O n.º 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 é também imediatamente operativo, por três ordens de razão: a) na medida em que desaplica de modo imediato o critério de seleção relativo ao compromisso de “expressa vinculação ao cumprimento, nos termos legais e constitucionais, do acordo entre o Governo, sindicatos e a TAP, SGPS, S. A., bem como o respeito por todos os acordos coletivos vigentes”, b) na medida em que habilita a suspensão as convenções coletivas, nomeadamente o acordo de empresa da TAP com o Autor; e, c) na medida em que, independentemente da celebração do acordo de emergência, habilita a regulamentação unilateral das condições de trabalho nas empresas declaradas em «situação económica difícil».

L. O direito à contratação coletiva é composto por diferentes posições jurídicas merecedoras de tutela e susceptíveis de lesão gradativa sendo que a degradação do estatuto protegido da convenção coletiva constitui, por si só, uma lesão séria do direito à contratação coletiva.

M. A partir do momento em que foi aprovada a Resolução, ocorreu imediatamente uma fragilização da posição jurídica do Recorrente (i.e., os efeitos negativos da norma refletiram-se na sua esfera jurídica), pois a posição cimeira da convenção coletiva foi desde logo prejudicada, na medida em que se permitiu a um instrumento de regulamentação coletiva de trabalho não negocial, de natureza administrativa, infringir o princípio da subsidiariedade e prevalecer sobre o direito constitucional à contratação coletiva.

N. O facto de Recorrente ter celebrado um Acordo de Empresa temporário de emergência que obviou à aplicação de um regime sucedâneo não permite concluir pela sua falta de interesse em agir, pois a celebração de tal acordo ocorreu como consequência direta da deterioração da posição jurídica do Recorrente pelo que não pode ser entendido como uma forma “regular” de exercício da autonomia coletiva nos termos como esta deveria ser entendida antes da Resolução subverter o princípio da subsidiariedade dos instrumentos não negociais.

O. Por outro lado, mantém-se o interesse em agir do Recorrente, porque o facto de ter sido celebrado um Acordo de Empresa de emergência não determina a reposição das garantias que deveriam contribuir para a blindagem da negociação e contratação coletiva do Recorrente, pois a deterioração o estatuto “blindado” da autonomia coletiva foi causado pela Resolução e não pelo concreto regime sucedâneo, que apenas vem intervir ao abrigo da inversão da hierarquia entre IRCT negociais e IRCT não negociais instituída pela Resolução.

P. O interesse em agir, deste modo, materializa-se no facto de a decisão de ilegalidade do regulamento “resultar de forma direta a cessação da lesão na sua esfera jurídica”, que é o que se pede no âmbito da presente acção através da declaração, com força geral obrigatória, da ilegalidade da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021.

Q. O douto acórdão recorrido violou, assim, o princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça previsto no artigo 20.º da CRP e no artigo 268.º da CRP, na medida em que veda ao Recorrente o acesso que se revela necessário à cessação da lesão decorrente dos n.ºs 2 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 e da Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021, bem como à reposição da plenitude do direito à contratação coletiva.

R. O Recorrente tem interesse em agir na presente ação, ao abrigo do disposto no artigo 73.º, n.º 1, alínea a) e n.º 1 do artigo 9.º do CPTA, porquanto a Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021 e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 185/2021 prejudicam diretamente o seu direito à contratação coletiva.

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão a quo, substituindo-se a mesma por acórdão que decida pela existência de interesse em agir do Recorrido na presente ação.

assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

3. O Réu, ora Recorrido, “Conselho de Ministros”, apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 228 e segs. SITAF):

«I. O acórdão recorrido procedeu a uma adequada aplicação do direito ao caso concreto, ao «[…] julgar procedente a excepção de falta de interesse em agir do A. e, consequentemente, absolver a Entidade Demandada da instância».

II. Quer a doutrina quer a jurisprudência reconhecem a operatividade autónoma do pressuposto processual do interesse em agir, enquanto necessidade de verificação objetiva de um interesse real e atual na procedência da ação.

III. Como salientou, bem, o acórdão recorrido, «[…] resulta da prova junta aos autos que o Impugnante celebrou com a Entidade Demandada um Acordo de Empresa temporário de Emergência, precisamente para regular os aspectos submetidos a negociação ou contratação colectiva em decorrência da declaração das empresas em situação económica difícil, por efeito da aprovação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021. Isto significa que inexiste efectivamente in casu a produção de uma lesão, seja para o direito do A. à contratação colectiva, seja para os seus associados decorrente do alegado desrespeito daquele direito, pois estes estão abrangidos pelo acordo que foi celebrado entre o sindicato que os representa e a empresa e não por qualquer regime sucedâneo aprovado pela empresa ou pela Entidade Demandada».

IV. A situação jurídica dos associados do recorrente encontra-se regulada, de forma clara e inequívoca, sem quaisquer riscos atuais ou, mesmo, potenciais previsíveis, por um instrumento convencional subscrito pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil.

V. O Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil não sustenta a utilidade da utilização dos meios do contencioso administrativo na titularidade de um interesse direto e atual, suscetível de sofrer um prejuízo real e efetivo, mas nos efeitos necessários do regime jurídico da declaração de empresas em situação económica difícil, em conjunto com considerações valorativas subjetivas, que não permitem fundar, sequer, a ideia de prejuízo potencial.

VI. Ou seja, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil não carece de tutela judicial.

Termos em que, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente por não provado, assim se fazendo a usual Justiça».

4. O presente recurso, para o Pleno da Secção, foi admitido, na Secção, por despacho de 8/11/2022 da Sra. Juíza Conselheira Relatora (cfr. fls. 244 SITAF).

5. O Ministério Público junto deste STA, conquanto para tal notificado (cfr. fls. 249 SITAF), não emitiu parecer.

6. Após vistos, e com prévia divulgação do projeto de acórdão pelos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido a julgamento, cumprindo apreciar e decidir.

*

II - DA QUESTÃO A DECIDIR

7. A questão a decidir no presente recurso resume-se a saber se o Acórdão da Secção, recorrido, julgou corretamente ao absolver o réu da instância em consequência de ter concluído pela “falta de interesse em agir” do Autor, ora Recorrente, na presente lide, o que vem contestado por este nas suas alegações.

*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. A. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

8. O Acórdão recorrido considerou provado o seguinte:

«1. Em 29.06.2010, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil e a TAP — Transportes Aéreos Portugueses, S.A. (doravante: TAP, S.A.) celebraram um Acordo de empresa (“AE”), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, de 29.06.2010 [doc. n.º 1 junto aos autos com a P.I.];
2. O Acordo de empresa de 2010 foi objeto revisão parcial pelo Acordo de Empresa, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 24, 29.06.2018 [doc. n.º 2 junto aos autos com a P.I.];
3. Em 22.12.2020, foi aprovada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, publicada
no Diário da República, 1.ª série, n.º 9, de 14 de Janeiro de 2021, que declarou a TAP, S. A., a P..., S. A. (doravante: P……, S. A.), e a C..., S. A. (doravante: C..., S.A.), em situação económica difícil”;
4. Em 16.01.2015 foi celebrado entre o Governo e vários sindicatos representativos dos trabalhadores da TAP, S. A., e da TAP — Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S. A. um acordo que foi incluído no caderno de encargos da reprivatização aprovado em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 4 -A/2015, de 20 de Janeiro [doc. n.º 4 junto aos autos com a P.I.];
5. No dia 22.12.2020, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil enviou à TAP uma proposta de acordo colectivo de emergência para a suspensão parcial do Acordo de Empresa e redução temporária das condições de trabalho [Doc. n.º 5 junto aos autos com a P. I.];
6. Em 30.12.2020, o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil recebeu uma comunicação escrita enviada pela TAP com o seguinte teor:
“[…]
Assunto: "Negociação colectiva de emergência" (V/ Ref.ª SOO492/2020, de 28.12)
Exma. Direção,
Acusamos a receção da V/ comunicação em referência, que nos mereceu toda a atenção.
Registámos, com apreço, o esforço representado pela proposta enviada de Acordo de Emergência e Temporário, tendo por objeto a suspensão parcial e alteração parcial do Acordo de Empresa.
Contudo, infelizmente, esse esforço está aquém do exigido pelas medidas necessárias à recuperação sustentável da empresa, em situação de crise muito grave, nomeadamente por efeito da pandemia a que estamos sujeitos.
Acresce que, tendo já sido anunciada declaração da empresa em Situação Económica Difícil, o recurso ao mecanismo de suspensão de convenção prevista no art.º 502.º, n.º 2, do Código do Trabalho, se encontra, em nossa opinião, no imediato prejudicado.
Para o desenvolvimento de um processo negocial de revisão do Acordo de Empresa e demais normativos e protocolos complementares, que oportunamente tomaremos a iniciativa de suscitar ou estaremos recetivos a considerar quando a iniciativa seja do SPAC, entendemos indispensável conhecer e ter presente o exato teor do plano de reestruturação da empresa em vias de aprovação, bem como os termos do regime sucedâneo decorrente da declaração da empresa em situação económica difícil.
Pelo exposto, julgamos que não seria adequada uma tentativa de obtenção de acordo com âmbito proposto.
Não obstante, a TAP está disponível para, no imediato, iniciar um programa de reuniões a fim de analisar os principais eixos do plano de reestruturação, bem como identificar e debater possíveis medidas consensuais que minimizem os impactos sociais, em particular as necessidades de optimização do quadro de pessoal.
Para este efeito, iremos nos próximos dias propor datas possíveis para reunir.
Apresentamos os nossos melhores cumprimentos.
[…]».
[doc. n.º 6 junto aos autos com a P.I.];
7. Em 27.02.2021 foi celebrado entre a TAP e o Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil o Acordo de empresa entre a Transportes Aéreos Portugueses, SA e o SPAC - Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil - Acordo temporário de emergência, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 9 de 08.03.2021, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido [doc. n.º 7 junto aos autos com a P.I.].
*

III. B. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

9. Através da interposição da presente “ação administrativa de impugnação de normas administrativas” pretende o Sindicato Autor (“SPAC”) obter a declaração de ilegalidade com força obrigatória geral (ou a anulação/declaração de invalidade) dos nºs 2 e 3 da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021, pela qual se declarou a TAP, S.A., a P..., S.A. e a C..., S.A., em situação económica difícil nos termos dos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 353-H/77, de 29 de Agosto.

Pelo Acórdão da Secção de 14/7/2022, ora recorrido, julgou-se procedente a exceção da “falta de interesse em agir” do Autor, nos seguintes termos:

«(…) O fundamento apresentado pelo A. – aqui impugnante – é o da violação do direito fundamental à contratação coletiva, decorrente do acionamento do artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 353-H/77, uma vez que, o acionamento daquele regime legal, designadamente a aprovação de um “regime sucedâneo das relações de trabalho”, violaria não só as regras do Código do Trabalho (mais precisamente os artigos 1.º, 2.º, 484.º e 514.º do CT), como estaria privado de uma base legal habilitante válida em razão da inconstitucionalidade orgânica (e material) do Decreto-Lei n.º 353-H/77.

Na contestação que apresentou, a Entidade Demandada suscitou duas exceções: i) a do erro na forma de processo, por considerar que em causa estava apenas um ato (administrativo) de declaração daquelas três empresas em situação económica difícil e não um qualquer regime de natureza normativa e regulamentar; ii) e da ilegitimidade ativa por falta de interesse em agir, uma vez que o Impugnante celebrou com a TAP um acordo temporário de emergência (um documento convencional e negociado) (v. ponto 8 da matéria de facto assente), pelo que o seu direito à negociação coletiva nunca foi afetado no caso dos autos, nem os seus associados foram afetados pela aplicação de qualquer regime que violasse aquele direito fundamental, nem nunca foi aplicado a estes um regime sucedâneo que não resultasse de negociação coletiva.

Em resposta a estas exceções, o A. pugnou pela natureza normativa da Resolução do Conselho de Ministros impugnada nos autos, bem como pela conversão do processo em impugnação de atos, se assim não se entendesse, e sustentou a sua legitimidade processual para impugnar a dita RCM, quer esta se consubstanciasse como uma norma ou como um ato, mas não afastou o pressuposto aventado pela Entidade Demandada da inexistência de lesividade do qual decorre a alegada ilegitimidade por falta de interesse em agir, seja no âmbito de um pedido de impugnação de normas, seja no âmbito de um pedido de impugnação de atos.

É que, quer o artigo 73.º, n.º 1, al. a), quer o artigo 55.º, n.º 1, al. a) do CPTA têm como pressuposto da legitimidade a lesividade, respetivamente, da norma e do ato para o Impugnante, sendo esse (a lesividade) um elemento determinante do respetivo interesse em agir, pois a legitimidade não é, nestes casos, determinada em termos puramente objetivistas, assentes na defesa da legalidade, mas antes na dependência de um efeito útil direto que o Impugnante retira da decisão que repõe a legalidade, seja pela declaração de nulidade da norma, seja pela anulação ou declaração de nulidade do ato, i. e., a circunstância de, para ele (o Impugnante), dessa decisão resultar de forma direta a cessação da lesão na sua esfera jurídica.

Ora, resulta da prova junta aos autos que o Impugnante celebrou com a Entidade Demandada um Acordo de Empresa temporário de Emergência, precisamente para regular os aspetos submetidos a negociação ou contratação coletiva em decorrência da declaração das empresas em situação económica difícil, por efeito da aprovação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 3/2021. Isto significa que inexiste efetivamente in casu a produção de uma lesão, seja para o direito do A. à contratação coletiva, seja para os seus associados, decorrente do alegado desrespeito daquele direito, pois estes estão abrangidos pelo acordo que foi celebrado entre o sindicato que os representa e a empresa e não por qualquer regime sucedâneo aprovado pela empresa ou pela Entidade Demandada.

Mesmo a doutrina que trata este pressuposto processual do interesse em agir como um complemento da legitimidade ativa que nos pedidos impugnatórios tem uma função residual – é o caso de Vieira de Andrade que o autonomiza sob a denominação de “necessidade de tutela judicial” (in Justiça Administrativa, 19.ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pp. 295ss) – reconhece que é necessário identificar o interesse do impugnante no resultado da ação, “impondo a atualidade ou a probabilidade (e não a mera eventualidade) do interesse na anulação do ato ou na declaração de ilegalidade da norma”. Um interesse, portanto, que tem de ter uma refração ou consequência para a sua esfera jurídica (a do impugnante) e que não pode esgotar-se na mera defesa da legalidade. Ora, neste caso, o Impugnante não foi capaz de identificar um interesse diferenciado resultante da anulação da Resolução do Conselho de Ministros para o restabelecimento da alegada lesão ao direito de contratação coletiva face à circunstância de o ter exercido através da celebração do acordo de emergência.

Acresce que também não tem qualquer significado a alegação do A. de que o dito regime sucedâneo chegou a ser aprovado pelo Conselho de Administração da TAP, pois como o mesmo também sublinha, aquele nunca chegou a entrar em vigor por ter, entretanto, sobrevindo a celebração do já mencionado acordo de emergência.

No mais, cumpre também destacar, que o A. não alega qualquer vício que afete a validade deste acordo.

Assim, tem razão a Entidade Demandada quando suscita a exceção da ilegitimidade por falta de interesse em agir, sendo evidente a procedência desta exceção, comum à impugnação de normas e atos, o que torna até inútil a análise da natureza jurídica da Resolução do Conselho de Ministros».

10. O Sindicato Autor, aqui Recorrente, alega que o Acórdão recorrido ajuizou erradamente os efeitos das normas em questão ao afirmar que, nas circunstâncias fácticas verificadas, não resultaria das mesmas uma lesividade, para o Sindicato, ou para os seus associados, que fundamentasse um seu interesse em agir na respetiva impugnação contenciosa.

O Recorrente defende que, pelo contrário, a Resolução do CM nº 3/2021 - e, do mesmo modo, a subsequente Resolução do CM nº 185/2021 -, prejudicam diretamente o seu direito à contratação coletiva (cfr. conclusão R das alegações), o que é suficiente para basear o seu interesse em agir na presente ação.

E sustenta que esta lesividade se verifica “independentemente do concreto regime sucedâneo ter sido, ou não, concretamente aplicado ao Recorrente ou aos seus associados” (cfr. conclusão A das alegações), pois que o CM ficou habilitado (pela Resolução nº 3/21) e continua habilitado (pela Resolução nº 185/21) a regular as condições de trabalho dos seus associados através destes instrumentos (cfr. conclusão F das alegações).

Assim, argumenta que o Acórdão errou ao aferir a lesividade com base nos efeitos produzidos pelos atos praticados ao abrigo das Resoluções (atos que não são postos em causa na presente ação), em vez de a ter aferido, como cumpria, relativamente às próprias Resoluções e na habilitação que as mesmas conferem ao CM para atuar (cfr. conclusões A e G das alegações).

Insiste que a lesividade vem da circunstância de as normas em questão contenderem com o direito à contratação coletiva, suspendendo o primado das convenções coletivas, estabelecendo uma alternatividade entre convenções coletivas e um regime sucedâneo (cfr. conclusão I das alegações).

Desta forma, a seu ver, a degradação do estatuto protegido da convenção coletiva constitui, só por si, uma lesão séria do direito à contratação coletiva (cfr. conclusão L das alegações), concretizada numa fragilização da posição jurídica do Recorrente, no momento, designadamente, da celebração do Acordo de Empresa temporário de emergência, para obviar à aplicação de um regime sucedâneo (cfr. M a P das alegações).

11. Mas, tal como foi entendido pelo Acórdão recorrido, das normas impugnadas das Resolução do CM em causa – seja da nº 3/21, seja da nº 185/21 – não decorre, para o Sindicato Autor/Recorrente, ou para os seus associados, um direto interesse em agir. E esta conclusão flui das próprias alegações do Recorrente a que aludimos no ponto antecedente.

É certo, como refere o Recorrente, que as normas em causa habilitam o CM a regular de um modo unilateral – através de um regime sucedâneo - as condições de trabalho dos trabalhadores em questão. Porém habilitar não significa regular. E essa habilitação não foi utilizada, no sentido de que nenhuma regulação foi efetivada por essa via unilateral, pois que se privilegiou a via convencional – via de “acordo” (aliás, com a adesão do Recorrente).

Por isso, não se pode considerar, contrariamente ao afirmado pelo Recorrente, que resultou diretamente prejudicado o seu direito à contratação coletiva, quando a via convencional não foi afastada e a via de regulação unilateral não foi efetivada.

Assim, a suspensão do primado das convenções coletivas, através do estabelecimento de uma alternatividade entre convenções coletivas e um regime sucedâneo, não redundou, “in casu”, num prejuízo direto e imediato para o Recorrente, ou associados, precisamente porque a via (meramente possível) do regime sucedâneo, isto é, da regulação unilateral, não foi prosseguida, tendo-se mantido a via negocial (com a adesão, repete-se, do Recorrente).

E tendo o Recorrente aderido à via negocial, não vemos como possam relevar, para a questão aqui em causa, os “constrangimentos” aludidos como por si subjetivamente sentidos nessa regulação convencional.

12. Como ressalta bem do artigo 55º do CPTA, o interesse em agir tem de ser, além de pessoal, “direto”, ou seja, é necessário que o Autor retire, de uma decisão que lhe for favorável, uma vantagem ou utilidade “atual e efetiva”, não bastando um interesse meramente reflexo, indireto, mediato, eventual ou hipotético.

Ora, argumentando o aqui Recorrente que as normas que pretende impugnar prejudicam o seu direito à via convencional da regulação das condições de trabalho relativamente a uma via impositiva unilateral (sucedânea), a circunstância de, no caso, se ter mantido aquela via convencional e se ter, consequentemente, afastado a via da regulação unilateral, significa que o ganho de causa nenhuma utilidade ou vantagem prática, concreta, direta e efetiva, lhe traria. O mero afastamento da via unilateral não seria aqui uma vantagem prática, direta e efetiva, já que esse afastamento já ocorre.

13. Não se descarta que o prejuízo relevante, permissivo de um interesse em agir, pode não ser um prejuízo imediato mas um prejuízo que se preveja em momento próximo. Tem, porém que ser, sempre, um prejuízo direto e, como tal, fundadamente previsível.

Aliás, pretendendo o Recorrente a declaração de ilegalidade, com força obrigatória geral, de normas que indica como sendo imediatamente operativas, é este o regime especificamente aplicável, constante do nº 1 do art. 73º do CPTA: pode ser pedida essa declaração «por quem seja diretamente prejudicado pela vigência da norma ou possa vir previsivelmente a sê-lo em momento próximo (…)».

Sucede, porém, que não obstante as normas das Resoluções do CM em questão habilitem a uma regulação unilateral das condições de trabalho, não só esta solução não foi seguida – já que se manteve a via convencional (inexistência, pois, de um prejuízo direto, atual e imediato) – como não se perspetiva que tal solução venha a ser seguida “em momento próximo” – já que os elementos constantes dos autos não o indicam (inexistência, pois, de um prejuízo direto, “previsível em momento próximo”).

Efetivamente, nem o Recorrente alega que tal solução venha efetivamente a ser previsivelmente seguida em momento próximo, nem os elementos recolhidos nos autos apontam nesse sentido. Bem pelo contrário, verifica-se que, no seguimento da Resolução do CM nº 3/2021, de 14/1, e ao seu abrigo, foi emitido o Despacho nº 818-A/2021, DR II Série de 19/1/2021, que, entre o mais, no seu nº 6, veio determinar que, nos termos do nº 7 daquela Resolução do CM, se dê início ao processo negocial em alternativa ao regime sucedâneo de fixação de condições de trabalho.

E, no seguimento da posterior Resolução do CM nº 185/2021, de 29/12, e ao seu abrigo, foi emitido o Despacho nº 651/2022, DR II Série de 17/1/2022, que, entre o mais, no seu nº 4, veio igualmente determinar que, nos termos do nº 3 daquela Resolução do CM, se prossiga na via negocial, com salvaguarda dos prazos de vigência dos acordos de emergência temporários celebrados.

Desta forma, é de concluir que não se vislumbra, no caso, um prejuízo direto, atual e imediato, nem sequer um prejuízo direto previsivelmente a ocorrer em momento próximo que, nos termos previstos na alínea a) do nº 1 do art. 73º do CPTA, autorize o Sindicato Recorrente, nas circunstâncias dadas, a exercer a sua pretensão petitória de declaração de ilegalidade das normas em causa com força obrigatória geral.

E o direito à tutela jurisdicional efetiva pressupõe uma situação de necessidade dessa tutela, o que no caso não se demonstra verificar-se.

Pelo que se entende ser de confirmar o Acórdão recorrido.

*

IV – DECISÃO

Nestes termos, e por tudo o exposto, acordam em conferência os juízes que compõem o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:

- Negar provimento ao recurso jurisdicional “sub specie” deduzido pelo Autor/Recorrente “Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil (SPAC)”, mantendo-se o Acórdão recorrido.

Custas pelo Recorrente.

D.N.

Lisboa, 19 de janeiro de 2023 - Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa – José Augusto Araújo Veloso – José Francisco Fonseca da Paz – Maria do Céu Dias Rosa das Neves - Cláudio Ramos Monteiro.