Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0862/08
Data do Acordão:02/11/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:IRC
LUCRO TRIBUTÁVEL
MATÉRIA COLECTÁVEL
RELAÇÕES ESPECIAIS
MENOS VALIAS
NORMA ANTIABUSO
Sumário:I - Em regra, as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 24.º do Código do IRC.
II - O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC determina se retirem, de entre as menos-valias que concorreriam para o lucro tributável, aquelas resultantes da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes com "relações especiais".
III - O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC - ao estabelecer que não são aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital a entidades com "relações especiais", designadamente nos termos do n.º 4 do artigo 58.º - assume o carácter de uma norma específica de anti-abuso, de combate à evasão fiscal, do género daquela plasmada no artigo 38.º da Lei Geral Tributária.
IV - O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não viola, e antes respeita, o princípio de tributação das empresas fundamentalmente pelo «rendimento real», consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.
Nº Convencional:JSTA00065550
Nº do Documento:SA2200902110862
Data de Entrada:10/08/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF PENAFIEL PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:CIRC88 ART23 N1 N7 ART58 N4.
CONST97 ART104.
LGT98 ART38.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 “A…, S.A.” vem recorrer da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou improcedente a presente impugnação judicial.
1.2 Em alegação, a recorrente formula as seguintes conclusões.
1. O n.º 1 do artigo 24.º do Código do IRC, ao estabelecer que as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, refere-se às condições estabelecidas no n.º 1 do artigo 23.º.
2. O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não estabelece “condições” para que custos e perdas possam concorrer para o lucro tributável; limita-se a excluir desse concurso certas menos-valias realizadas na alienação onerosa de partes de capital, ainda que preencham as condições do n.º 1 do mesmo artigo 23.º.
3. As “condições” para que custos e perdas possam concorrer para o lucro tributável são serem comprovadamente indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.
4. O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não veio acrescentar a essas condições nenhuma outra, mas veio determinar que certas perdas “não são aceites” ainda que preencham as condições enunciadas no n.° 1.
5. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC é uma norma excepcional, pois destina-se a ressalvar, de entre as menos-valias que concorrem para o lucro tributável nas condições do n.° 1 do mesmo artigo, aquelas que resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais nos termos do n.° 4 do artigo 58.° do mesmo código.
6. Os artigos 23.° e 24.° do Código do IRC regulam componentes distintas do lucro tributável. O primeiro regula os custos e perdas que concorrem para o resultado líquido do exercício; o segundo, as variações patrimoniais negativas que não concorrem para esse resultado.
7. Sendo o n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC uma excepção ao regime dos custos e perdas que concorrem para o resultado do exercício, contido no artigo 23.°, não é lícito inferir que constitui, igualmente, uma excepção ao regime das variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado do exercício, contido no artigo 24.°.
8. Não se pode presumir ter sido vontade do legislador que a excepção introduzida pelo n.° 7 na disciplina do artigo 23.º devesse constituir igualmente uma excepção à disciplina do artigo 24.° do Código do IRC.
9. Não tendo a administração tributária questionado o preço atribuído pela ora recorrente às acções transmitidas, não pode o Tribunal a quo fazê-lo para concluir pelo comportamento abusivo desta.
10. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC não é uma norma anti-abuso: não visa contrariar qualquer abuso resultante das condições acordadas entre entidades relacionadas, uma vez que se aplica independentemente de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes.
11. Para se poder considerar que o n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC é uma “norma anti-abuso destinada a introduzir medidas de moralização” seria necessário considerar abusiva e imoral toda a transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas.
12. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC determina a não aceitação de custos e perdas realizados na transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas, ainda que:
a) as condições entre estas acordadas sejam as mesmas que seriam acordadas entre entidades independentes e que
b) os custos ou perdas sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de proveitos tributáveis ou para a manutenção da fonte produtora.
13. A disciplina do n.° 1 do artigo 23.° e do artigo 58.° do Código do IRC asseguram plenamente a tributação pelo lucro real, independentemente do n.° 7 do artigo 23.°.
14. O n.° 7 do artigo 23.° do Código do IRC constitui uma restrição desproporcional ao direito à tributação pelo lucro real, consagrado no n.° 2 do artigo 104° da Constituição da República Portuguesa, violando assim esta disposição constitucional.
15. O acto impugnado é assim, ilegal, por violação de lei, em particular do artigo 24° do Código do IRC e, em última análise, por fazer uma aplicação do n.° 7 do artigo 23° do IRC em desconformidade com o disposto no seu artigo 104º n.° 2 da Constituição da República Portuguesa.
16. A douta sentença recorrida deve ser revogada por manter na ordem jurídica o acto ilegal e ainda por omissão de pronúncia quanto ao vício de inconstitucionalidade invocado pela ora recorrente.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário impugnado com todas as consequências legais.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 O Ministério Público neste Tribunal emitiu o seguinte parecer.
O julgado deve ser confirmado por nele se ter feito boa interpretação e aplicação da Lei.
O recorrente não fundamenta a desproporcionalidade das restrições ao direito à tributação pelo lucro real.
A opção constitucional pelo rendimento real (art. 104º nº 2 da CRP) exige um sistema fiável de conhecimento dos resultados das empresas, pelo que, não sendo isso possível, em muitos sectores, acaba por se tributar não os lucros efectivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados.
Foi certamente por isso que o preceito constitucional apenas exige que a tributação incida “fundamentalmente” sobre o rendimento real das empresas.
Ora, a desproporcionalidade só se for intolerável, de um ponto de vista jurídico é que viola a constituição da República, sendo certo que a recorrente não alega nem demonstra a referida intolerabilidade.
O resto está dentro dos poderes de conformação do legislador ordinário.
Termos em que sou de parecer que o recurso não merece provimento.
1.5 Tudo visto, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, em especial das conclusões 14. e 15., bem como da posição do Ministério Público, as questões que aqui se colocam são as de saber se ocorre no caso violação do artigo 24.º do Código do IRC; ou uma interpretação do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC desconforme com o disposto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
2.1 Em matéria de facto, a sentença recorrida assentou o seguinte.
a) A impugnante declarou, relativamente ao ano de 2003, uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado de exercício no valor de € 2.092.295,56, resultando tal variação da alienação de acções próprias.
b) As acções próprias, objecto de alienação, foram reconhecidas no balanço da impugnante em 31/12/2000 e por contrapartida da anulação da participação financeira de 96,60% detida pela impugnante no capital social da sociedade “B…, S.A.”, bem como pela anulação das respectivas provisões para riscos e encargos, pelo valor total de € 2.092.297,56.
c) A anulação da participação financeira no capital da B… foi ditada pelo facto da B… participarem 21,16% no capital social da impugnante.
d) As acções do capital da B…, detidas pela impugnante, passaram a ser reconhecidas no balanço desta - rubrica capitais próprios - desde o ano de 2000, como acções próprias pelo já mencionado valor de € 2.092.297,56.
e) Em 01/03/2003 a impugnante alienou todas as acções que detinha no capital da B… à sociedade “C…, S.A.”, pelo preço simbólico de 1 €.
f) Dessa alienação resultou para a impugnante uma variação patrimonial negativa de € 2.092.297,56, correspondente à diferença entre a contrapartida dessa alienação o valor anteriormente reconhecido no património da impugnante como acções próprias.
g) A sociedade adquirente das acções - “C…, S.A.” - detinha à data da aquisição das acções uma participação de 39,41%, no capital social da impugnante.
h) A Inspecção Tributária (IT) não questionou os procedimentos contabilísticos adoptados pela impugnante que determinaram o reconhecimento da detenção de acções próprias no valor de € 2.092.297,56.
i) A IT também não questionou os procedimentos contabilísticos realizados pela impugnante que conduziram ao reconhecimento da variação patrimonial negativa decorrente da alienação dessas acções próprias no valor global de € 2.092.297,56.
j) Por último a IT não questionou o preço atribuído pela impugnante às acções para efeitos de valor de realização.
k) Da liquidação impugnada foi apresentada reclamação graciosa que mereceu despacho de indeferimento (cf. doc. de fls. 14 a 20 dos autos).
2.2 Nos termos do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, tais como, nomeadamente, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços (como matérias utilizadas, mão-de-obra, energia e outros gastos gerais de fabricação, conservação e reparação); e os encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transporte, publicidade e colocação de mercadorias. Os custos ou perdas, indicados no artigo 23.º do Código do IRC, consistem em decréscimos patrimoniais comprovadamente indispensáveis para a realização dos proventos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora reflectidos no resultado líquido do exercício. A pedra de toque da noção de custo para efeitos fiscais consiste em saber se, perante uma despesa, esta é ou não indispensável para a realização dos ganhos ou proveitos sobre que recai a tributação. Cf. José Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2.ª edição refundida e aumentada, Almedina, 2003, pp. 529 a 568.
Como sucedia com a norma do artigo 23.º do Código da Contribuição Industrial (quanto à expressa menção a certos e determinados factos qualificáveis como proveitos ou ganhos), e com o artigo 26.º do mesmo Código (quanto à enumeração que faz de certos factos havidos como custos ou perdas), também as normas do artigo 20.º do Código do IRC (quanto a proveitos ou ganhos que indica), e do artigo 23.º deste mesmo Código do IRC (quanto a custos ou perdas) são meramente exemplificativas ou explicativas na enumeração que fazem de certos factos havidos, quer como proveitos ou ganhos, quer como custos ou perdas. Essas normas estabelecem exemplos de tipos de factos tributários positivos, que constituem os componentes igualmente positivos de lucro fiscal; e estabelecem também uma tipologia não exaustiva dos factos tributários negativos. Tal como sucede com os proveitos ou ganhos, também a lei não define o sentido absoluto de nenhum dos conceitos de custos ou perdas que emprega indistintamente em sentido comum. De onde resulta que deverão considerar-se como custos ou perdas todos os gastos ou depreciações de valor que seja indispensável suportar para a realização dos proveitos, ou para a manutenção da respectiva fonte produtora. A dedutibilidade fiscal do custo deve depender apenas de uma relação justificada com a actividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade justifica-se sempre que, por funcionamento da teoria da especialidade das pessoas colectivas, as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção ao respectivo escopo societário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção de lucro ainda que de forma indirecta ou mediata, como as despesas com publicidade e ofertas, por exemplo. Cf. António Moura Portugal, A Dedutibilidade dos Custos na Jurisprudência Fiscal Portuguesa,Coimbra Editora, 2004, especialmente pp. 108 a 127.
Sob a epígrafe “Variações patrimoniais negativas”, o artigo 24.º do Código do IRC apresenta a seguinte redacção.
1. Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:
a) As que consistam em liberalidades ou não estejam relacionadas com a actividade do contribuinte sujeita a IRC;
b) As menos-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade;
c) As saídas, em dinheiro ou espécie, em favor dos titulares do capital, a título de remuneração ou de redução do mesmo, ou de partilha do património;
d) As prestações do associante ao associado, no âmbito da associação em participação.
2. As variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros de órgãos sociais e trabalhadores da empresa, a título de participação nos resultados, concorrem para a formação do lucro tributável do exercício a que respeita o resultado em que participam, desde que as respectivas importâncias sejam pagas ou colocadas à disposição dos beneficiários até ao fim do exercício seguinte.
3. Não obstante o disposto no número anterior, não concorrem para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas relativas a gratificações e outras remunerações do trabalho de membros do órgão de administração da sociedade, a título de participação nos resultados, quando os beneficiários sejam titulares, directa ou indirectamente, de partes representativas de, pelo menos, 1% do capital social e as referidas importâncias ultrapassem o dobro da remuneração mensal auferida no exercício a que respeita o resultado em que participam, sendo a parte excedentária assimilada, para efeitos de tributação, a lucros distribuídos. (Redacção da Lei n.º 3-B/2000, 4/4).
4. Para efeitos da verificação da percentagem fixada no número anterior, considera-se que o beneficiário detém indirectamente as partes do capital da sociedade quando as mesmas sejam da titularidade do cônjuge, respectivos ascendentes ou descendentes até ao 2º grau, sendo igualmente aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras sobre a equiparação da titularidade estabelecidas no Código das Sociedades Comerciais. (Redacção da Lei n.º 3-B/2000, 4/4).
5. No caso de não se verificar o requisito enunciado no n.º 2, ao valor do IRC liquidado relativamente ao exercício seguinte adiciona-se o IRC que deixou de ser liquidado em resultado da dedução das gratificações que não tiverem sido pagas ou colocadas à disposição dos interessados no prazo indicado, acrescido dos juros compensatórios correspondentes. (Redacção da Lei n.º 3-B/2000, 4/4).
Por sua vez, e sob a epígrafe de “Custos ou perdas”, o artigo 23.º do Código do IRC, no seu n.º 7, estabelece que «Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º, ou a entidades com domicílio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação» (Redacção da Lei 32-B/2002 de 30 de Dezembro).
Por vezes, as normas fiscais desconsideram custos (em função da sua impertinência empresarial), e consideram preços diferentes dos que foram acordados pelas partes. Estas normas são genericamente consideradas como normas anti-abuso. Tais normas, apontando o tipo específico de abuso que querem prevenir, condicionam a liberdade de conformação dos negócios. A cláusula geral anti-abuso é uma inovação recente no Direito Fiscal Português e está prevista no artigo 38.º da Lei Geral Tributária. Esta disposição, colocando-se sob a perspectiva da ineficácia do acto em que se procura tornear a lei fiscal, estabelece a ineficácia “no âmbito tributário” dos “actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso de formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem a utilização desses meios, efectuando-se e não se produzindo as vantagens fiscais referidas” (redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30-G/2000 de 29-12).
O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC reveste claramente a natureza de uma norma anti-abuso de tipo específico. O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC visa introduzir moralização no âmbito da dedução de certos “prejuízos”. É uma norma teleologicamente direccionada a contrariar o aproveitamento resultante de condições de transmissão de bens acordadas por entidades com “relações especiais” entre si, mormente nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC («em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra»). Tal disposição intenta muito claramente acautelar que determinadas transmissões onerosas de partes de capital social possam ocasionar uma evasão fiscal que se concretizaria através do apuramento, na pessoa do alienante, de uma menos-valia materialmente relevante e parcialmente dedutível, sendo que, na pessoa do adquirente, o ganho obtido numa posterior transmissão não viria, ou viria de forma insignificante, a influenciar o respectivo lucro tributável – cf. o processo n.º 2397/2008, com Despacho de 2008-07-23, do Director-Geral dos Impostos, no site da DGCI.
Pese embora a multiplicação das alterações de disposições avulsas feitas com a intenção expressa de atingir comportamentos abusivos, e cujo casuísmo, quantas vezes, põe em perigo a coerência e a sistematicidade do ordenamento jurídico-tributário, poderá dizer-se que – ao não aceitar, para efeitos fiscais, os custos ou perdas do exercício suportados com a transmissão onerosa de partes de capital a «entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º» – a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, em bom rigor, e em nosso entendimento, andará à cata fundamentalmente daquele (mítico) «rendimento real» projectado na Constituição da República Portuguesa, a qual, no n.º 2 do seu artigo 104.º, preceitua que «A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real».
2.3 A sentença recorrida discorre essencialmente do seguinte modo, ipsis verbis.
O art. 23.º do CIRC dispõe sobre custos ou perdas, referindo o n.º 1 que “consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora...”.
O n.º 7 deste preceito dispõe que “Não são, igualmente, aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital, qualquer que seja o título por que se opere, a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do artigo 58°, ou a entidades com domicilio em país, território ou região com regime de tributação claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação”.
Estabelece o corpo do n.º 4 do art. 58.º do CIRC que” (...) existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre: a) uma entidade e os titulares do respectivo capital (...) que tenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 10% (...)”.
Por seu turno o art. 24.º do CIRC dispõe que “Nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas, concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício...” (negrito nosso).
São, pois, estes os preceitos legais que estão no cerne da presente demanda e que cumpre agora enquadrar de forma a apurar a quem assiste a razão.
O n.º 7 do art. 23.º do CIRC foi aditado pela Lei do Orçamento do Estado para 2003, a Lei 32-B/02 de 30 de Dezembro, com entrada em vigor em 01/01/2003.
Tal norma constitui uma norma anti-abuso e com a mesma o legislador visou introduzir medidas de moralização e neutralidade em sede de alargamento da base tributável do IRC.
Estamos perante um caso de alienação de acções próprias da impugnante que configura uma variação patrimonial negativa.
Por outro lado, a impugnante é detida pela sociedade adquirente das acções próprias em 39.41%.
Esta condição pressupõe, inevitavelmente, que as condições estabelecidas entre ambas as empresas sejam diferentes das que seriam estabelecidas entre entidades independentes.
Ora, a impugnante alienou acções próprias à sociedade “C…, S.A.” pelo preço simbólico de 1 €, tal operação, com este condicionalismo, só teve lugar porque entre as partes intervenientes existem relações especiais e, em virtude dessas relações, foram estabelecidas condições diferentes das que seriam estabelecidas se tivessem sido realizadas entre entidades independentes (negrito nosso).
A existência de relações especiais entre a impugnante e a empresa envolvida na operação decorre, desde logo, do facto de a impugnante ser participada por essa empresa, com uma participação superior a 10%, in casu com uma participação de 39,41%, integrando o mesmo grupo económico.
Estas condições, obviamente, influenciaram no preço da venda das acções da impugnante à “C…, S.A.”., pois só assim se compreende o preço simbólico de 1 € por 313,836 acções, representativas de 96,56% do capital social da empresa B….
[…]
Que entre a impugnante e a “C…, S.A.” existem estas relações especiais não temos qualquer dúvida, pois caso não as houvesse o preço pela venda das acções não seria simbólico (€ 1).
Foi por tal facto que a IT não aceitou o valor de € 2.092.296,56 resultante de uma variação patrimonial negativa não reflectida no resultado de exercício respectivo, que tinha resultado da alienação de acções próprias da impugnante que detinha no capital da sociedade B… à sociedade “C… S.A.” pelo preço de um euro (art. 24°, n° 1 do CIRC).
2.4 Por seu lado, a recorrente conclui, nomeadamente, que «O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não estabelece “condições” para que custos e perdas possam concorrer para o lucro tributável; limita-se a excluir desse concurso certas menos-valias realizadas na alienação onerosa de partes de capital, ainda que preencham as condições do n.º 1 do mesmo artigo 23.º» [conclusão 2.]; e que «O n.º 7 do artigo 23.° do Código do IRC é uma norma excepcional, pois destina-se a ressalvar, de entre as menos-valias que concorrem para o lucro tributável nas condições do n.º 1 do mesmo artigo, aquelas que resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do mesmo código» [conclusão 5.].
E conclui muito bem a recorrente. Na verdade, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC limita-se a excluir do concurso para o lucro tributável certas menos-valias realizadas na alienação onerosa de partes de capital, ainda que preencham as condições do n.º 1 do mesmo artigo 23.º. E, realmente, o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC é uma norma excepcional, que se destina a ressalvar, de entre as menos-valias que concorrem para o lucro tributável nas condições do n.º 1 do mesmo artigo, aquelas que resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do mesmo Código.
Mas não tem razão a ora recorrente, especialmente quando entende que «O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não é uma norma anti-abuso: não visa contrariar qualquer abuso resultante das condições acordadas entre entidades relacionadas, uma vez que se aplica independentemente de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes [conclusão 10.]; e que «Para se poder considerar que o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC é uma “norma anti-abuso destinada a introduzir medidas de moralização” seria necessário considerar abusiva e imoral toda a transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas».
Por nós, diferentemente, julgamos que, para entender o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC como uma norma anti-abuso, não será necessário considerar «abusiva e imoral toda a transmissão onerosa de partes de capital entre entidades especialmente relacionadas» – o que seria rematada insensatez, da qual é nosso legal dever presumir não estar possuído o próprio legislador. Basta considerar tão simplesmente que o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC visará precisamente «qualquer abuso resultante das condições acordadas entre entidades especialmente relacionadas».
Nos termos do n.º 1 do artigo 58.º do Código do IRC, «(…) entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade (…) em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis».
Todavia, para a aplicação da norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, é inócua ou irrelevante a circunstância, referida pela ora recorrente, «de essas condições serem diferentes ou iguais às que seriam acordadas entre entidades independentes», pois que esta norma não inclui na sua previsão «essas condições». Antes, estatui, sem mais, a não-aceitação «como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de capital social» para entidades com as quais haja “relações especiais”.
No entanto – para a irrelevância dos custos ou perdas suportados no exercício com a transmissão onerosa de capital social –, a ratio da norma do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC é a de encarar, para efeitos fiscais, a factualidade tributária pertinente entre entidades com “relações especiais” semelhantemente à realidade supostamente verificável entre entidades independentes, onde não será normal (id quod plerunque accidit) ocorrerem resultados prejudiciais, em vez de vantajosos, nas transmissões ou trocas entre entidades empresariais com fins lucrativos.
Como se viu, o artigo 24.º do Código do IRC estabelece que, em regra, as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável, nas mesmas condições referidas para os custos ou perdas.
Assim, por norma, as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável.
Mas, por excepção, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, idênticas variações patrimoniais negativas não concorrem para a formação do lucro tributável, designadamente quando (como as que presentemente se acham em causa) resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais com a entidade transmissora nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do mesmo Código.
Mas com isso – com a não consideração legal das variações patrimoniais negativas para a formação do lucro tributável do exercício, nos termos do n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC – não se afronta o imperativo do n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (de tributação das empresas fundamentalmente segundo o seu rendimento real). Ao contrário: quando resultem da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes que tenham relações especiais com a entidade transmissora, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do mesmo Código, a não consideração das variações patrimoniais negativas para a formação do lucro tributável poderá até dizer-se que representa precisamente uma intencionalidade estrénua de cumprimento do imperativo constitucional do «rendimento real» e o cumprimento ainda dos constitucionais princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Estamos, deste modo, a concluir – e em resposta ao thema decidendum – que não ocorre no caso violação do artigo 24.º do Código do IRC; e que o n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC, na interpretação aqui aplicada, não afronta o disposto no artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.
Pelo que deve ser confirmada a sentença recorrida que laborou essencialmente neste entendimento.
E, então, havemos de convir, a finalizar, que, em regra, as variações patrimoniais negativas não reflectidas no resultado líquido do exercício concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do artigo 24.º do Código do IRC.
O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC determina se retirem, de entre as menos-valias que concorreriam para o lucro tributável, aquelas resultantes da transmissão onerosa de partes de capital a adquirentes com “relações especiais”.
O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC – ao estabelecer que não são aceites como custos ou perdas do exercício os suportados com a transmissão onerosa de partes de capital a entidades com “relações especiais”, designadamente nos termos do n.º 4 do artigo 58.º – assume o carácter de uma norma específica de anti-abuso, de combate à evasão fiscal, do género daquela plasmada no artigo 38.º da Lei Geral Tributária.
O n.º 7 do artigo 23.º do Código do IRC não viola, e antes respeita, o princípio de tributação das empresas fundamentalmente pelo «rendimento real», consagrado no n.º 2 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em um sexto.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. – Jorge Lino (relator) – Lúcio BarbosaAntónio Calhau.