Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0314/12
Data do Acordão:09/05/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:INTERPRETAÇÃO DA LEI FISCAL
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
MAIS VALIAS
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I – No direito fiscal o preceito fundamental de hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil, por força do art. 11º da LGT, devendo ser usadas as demais técnicas ou cânones utilizados no direito civil.
II – No nº 2 do art. 32º dos EBF, o legislador consagra a regra geral de que não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que haja detenção de acções ou participações sociais pela SGPS, por mais de um ano, não estabelecendo qualquer restrição consoante as partes sociais tenham resultado de aquisição derivada ou originária (isto é, resultante da compra de acções de sociedades ou resultante de subscrição de novas acções).
III – A razão de ser do benefício fiscal é o de promover os arranjos societários, qualquer que seja a forma como operem, com vista a reforçar a actividade económica em geral e, em particular, o tecido organizacional das empresas, pelo que a interpretação no sentido de limitar o benefício fiscal apenas aos casos em que as partes sociais tivessem sido adquiridas por negócio translativo não tem o mínimo cabimento nem na letra nem na razão de ser do nº 2 do art. 32º do EBF.
IV – O legislador só se preocupa em exigir a verificação desse acto translativo no nº 3 do art. 32º do EBF, uma vez que refere expressamente “quando as parte de capital tenham sido adquiridas”, porque neste caso estão em causa participações sociais, como sejam acções de sociedades que se encontram entre si em relações, por exemplo, de domínio ou de grupo (“relações especiais”), pelo que o que releva é a relação jurídica e económica entre a SGPS e a sociedade cujas participações sociais ela detém, pretendendo-se obviar a que possam existir negócios, por exemplo, intra-grupo ou entre mães e filhas que possam traduzir fuga ao imposto.
V – Subjacente à redacção dada a este preceito estão considerações e preocupações relacionadas com a prevenção da fuga aos impostos, e justificam a excepção à exclusão da tributação consagrada no nº 2, sendo que tais preocupações não se fazem sentir nas situações em que as acções sejam emitidas “ex novo” aquando da constituição de uma sociedade.
VI – Pretender aplicar o requisito (exigência de acto translativo na aquisição das partes sociais transmitidas), que o legislador expressamente consagrou no nº 3 do art. 32º do EBF, como uma excepção, à regra geral estabelecida no nº 2 do mesmo preceito, consubstancia uma subversão completa do sentido e alcance do preceito em análise, que não tem o mínimo de acolhimento nem na letra nem na razão de ser dos preceitos em causa.
Nº Convencional:JSTA00067757
Nº do Documento:SA2201209050314
Data de Entrada:03/22/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:EBFISC01 ART32 N2 N3
LGT98 ART11
CCIV66 ART9
CPC96 ART684 N3 ART685-A N1
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0475/12 DE 2012/06/14
Referência a Doutrina:SALDANHA SANCHES MANUAL DE DIREITO FISCAL 3ED PAG147.
MANUEL DE ANDRADE ENSAIO SOBRE A TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS PAG21 PAG26.
PIRES DE LIMA E OUTRO NOÇÕES FUNDAMENTAIS DE DIREITO CIVIL 6ED PAG145.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO 4ED VOLI PAG58-59.
OLIVEIRA ASCENSÃO O DIREITO INTRODUÇÃO E TEORIA GERAL 1978 PAG350.
FRANCESCO FERRARA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS 3ED PAG127 PAG138.
ENGRÁCIA ANTUNES OS GRUPOS DE SOCIEDADES 2ED PAG88.
RELATÓRIO DE REAVALIAÇÃO DOS BENEFICIOS FISCAIS IN CTF N198 PAG340.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I-RELATÓRIO

1. A……, S.A, com os sinais dos autos, deduziu impugnação judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, contra as liquidações adicionais de I.R.C. relativas ao exercício de 2006, no montante de € 1.841.882,67, que foi julgada procedente.

2.Não se conformando com tal decisão, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentou as respectivas Alegações, formulando as seguintes Conclusões:
“1 - Nos autos está em causa a questão do regime legal de tributação ou/e exclusão das mais-valias realizadas na alienação de participações sociais por uma sociedade gestora de participações sociais.
2 - A douta sentença recorrida entendeu que, no caso sub judice, estávamos perante a exclusão de tributação de mais-valias, na medida em que as participações foram alienadas em 2006, e portanto, a detenção das participações foram detidas por mais de três anos, não subsistindo qualquer das situações enunciadas no n°3 do art.31.° ou nos n°s 5, 6 e 7 do art.23 .° e 58.°, n°4 do CIRC, (circunstancias impeditivas da aplicação daquela regra que apenas relevam quando o período de detenção é inferior a três anos).
3 - Concluiu, deste modo, a Mma Juíza do Tribunal a “quo” que se encontrava preenchida a previsão da norma do n°2 do então art°31 do EBF (atual 32.º), isto é, de exclusão de tributação das mais-valias.

4 - No entanto, a Fazenda Pública entende que não é aplicável nenhum dos números do art°31° do EBF (actual 32°), porquanto a participação não foi adquirida, o que constitui condição “sine qua non” para enquadramento naquele dispositivo legal, dado que, a titularidade desta componente da participação societária, resultou de subscrição de capital na constituição da sociedade participada “B……, SA”, pelo que, em nosso entender, as mais valias inerentes concorrem para a formação do lucro tributável do sujeito passivo.
5 - A douta sentença recorrida entendeu que não.
6 — Porém e face à factualidade dada como provada, nomeadamente:
7 - A empresa impugnante era titular de 9.996 ações por constituição com o valor de €49.980,00 e titular de 4 ações por aquisição com o valor de 20,00€ (capital correspondente a 0,04%).
8 — Quanto ao capital alienado, correspondente a 0,04%, é entendimento desta Representação da Fazenda que não se aplica nenhuma das exceções preconizadas no n°3 do art°3l° do EBF (atual 32°) porquanto não preenche o limite temporal, ou seja, o período de permanência das ações alienadas (é superior a três anos a permanência das ações na alienante) e portanto aquele n°2 do disposto no então art°31° do EBF (atual 32.°) é aplicável a este capital.
9 - Quanto à parte restante alienada, que corresponde a 99,96% do capital social e correspondente a 9.996 ações, a Administração Tribunal considera que as mais valias realizadas com a alienação deste capital concorrem para a formação do resultado tributável.
10 - E aqui reside o litígio da questão, porque a mais valia realizada não teve origem em capital que tenha sido adquirido a outra entidade mas teve proveniência num capital que serviu para constituir o capital social da empresa” B……, SA”.
11 - O termo “aquisição” pressupõe a existência de um ato translativo, passando a propriedade das partes de capital de uma entidade para outra, ou seja, podemos definir o ato translativo num ato que geralmente transmite um direito real, é um ato através do qual a propriedade de uma coisa ou de um direito passa de um titular para outro.
12 - Por estarmos perante ações que faziam parte da constituição do pacto social da empresa “B……, SA”, isto é, ações emitidas “ex novo” aquando da constituição da sociedade, é nosso entendimento que não existe qualquer ato translativo porque a mais valia realizada não teve origem em capital que tenha sido adquirido pela impugnante a outra entidade, ou seja, a situação em concreto não teve origem num capital que resultou de transação mas sim da sua constituição.
13 - E esta interpretação decorre da leitura do então art°31.° do EBF (atual 32.°), conforme se pode verificar no n°2 do citado artigo que refere que não concorrem para a formação do lucro tributável “As mais valias e as menos valias realizadas pelas SGFS… mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição”.
14 - Pelo que é consagrado no n°3 do disposto no art°31° do EBF atual 32.°), as mais valias realizadas e os encargos financeiros suportados na aquisição, referentes à alienação de partes de capital em que se verifique alguma das condições acima enunciadas, concorrem para a formação do lucro tributável.
15 - Este n°3 tem natureza de uma norma antiabuso, afastando a aplicação do regime previsto no n°2 relativamente às mais valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas nas condições acima referidas.
16 - A Administração Tributária, sujeitou o referido negócio à determinação da matéria colectável nos termos do regime regra do IRC, considerando que não reúne os requisitos para que possa beneficiar do regime “privilegiado”que afasta a tributação, pois o capital alienado à “C……” não teve origem em capital transacionado.
17 - Portanto, face ao acima explanado, a Fazenda Pública não aceita a interpretação da douta sentença porquanto os factos não são subsumíveis na norma do n°2 do então art°31° do EBF, face às razões de direito acima mencionadas, incorrendo a douta sentença em errada interpretação e aplicação do direito.
18 - Destarte, é entendimento da Fazenda Pública que a douta sentença ora recorrida não poderá manter-se, sendo imperioso que se conclua pela improcedência da impugnação judicial, por não estar a liquidação ora em apreço ferida de ilegalidade, sendo que esta por ser legal, deverá manter-se na ordem jurídica.”

3. Foram apresentadas Contra-alegações, com as seguintes Conclusões:
1. No entendimento da FP, o facto de não ser aplicável o disposto no n.° 3 do artigo 32.° do EBF, tem como o efeito concomitante a não aplicação do artigo 32.°, n.° 2, do EBF!...
2. Esta interpretação da lei é claramente inadmissível e só pode resultar do intuito de cobrar impostos a qualquer preço ou de um enorme equívoco metodológico de aplicação da lei.
3. Acreditava a recorrida que se tratava de um equívoco, todavia, face à apresentação do recurso, dúvidas já não existem que estamos perante um torpe confisco, que tem de ser sancionado.
4. De acordo com o artigo 32.°, n.° 2, do EBF, “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS (...) mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de quê sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.
5. Com tal regulamentação, o legislador adoptou entre nós o regime de exclusão de tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, das partes sociais detidas por período igual ou superior a um ano.6. Confrontando essa norma legal com a factualidade relevada pelo Relatório, não subsistem quaisquer dúvidas de que a alienação da parte de capital efectuada pela impugnante se subsume integralmente na hipótese legal, com base numa mera interpretação declarativa.
7. A recorrida, obteve uma mais-valia resultante da alienação onerosa de partes de capital detidas por um período superior a um ano.
8. Este é um dado incontornável e, como se constata, absolutamente simétrico à previsão normativa aplicável no presente caso concreto.
9. Como o próprio relatório reconhece, ainda que com argumentação titubeante, é manifesto que as mais-valias realizadas pela impugnante não se enquadram em qualquer das hipóteses legalmente tipificadas: não foram adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais; não foram adquiridas a entidade com domicílio em regime fiscal mais favorável; não foram adquiridas a entidade residente sujeita a regime especial de tributação; nem a alienante resultou de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o n.° 2 do artigo 32.°...e, em todo o caso, ainda que assim não fosse, as partes de capital alienadas foram detidas por um período superior a três anos, o que determinaria, semel pro semper, a aplicação do regime-regra de exclusão de tributação das mais-valias realizadas.
10. E, assim sendo, as mais-valias agora pretendidas imputar à impugnante, “não concorrem para a formação do lucro tributável”.
11. Perante tal evidência, o “raciocínio” seguido, não só é ilegal, como também o é em medida que, a manter-se, configura uma falha grave e que não pode ser obnubilada em sede de responsabilidade da administração.
12. De facto, a conclusão administrativa — de que o regime regra definido no n.° 2 não se aplica porque o caso não cabe na hipótese do n.° 3 que refere as circunstâncias em que aquele n.° 2 não se aplica(!!!), mas integrando-se na hipótese legal definida por este n.° 2 do artigo 32.° do EBF — mais não traduz, in casu, do que uma autêntica e intencional interpretação revogatória do regime legal que o atropela em toda a sua extensão, deitando por terra o cumprimento dos mais basilares princípios de actuação administrativa, a começar, desde logo, pelo da legalidade!
13. Nos termos do artigo 456.° do Código de Processo Civil, litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, e quem, também, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa.
14. A conduta da recorrente subsume-se na hipótese de tal norma e, assim sendo, requer-se a condenação da AF como litigante de má-fé, no pagamento de uma indemnização que o Tribunal doutamente decidirá.”

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu Parecer, no sentido de que “…Da matéria de facto apurada, não resulta o enquadramento necessário à tributação, em face do previsto no dito art. 31.º n.ºs 2 e 3 do E.B.F., que resulta preenchido quer quanto à “transmissão onerosa”, quer mesmo quanto à detenção de partes sociais por mais de 3 anos, parecendo que o recurso é de improceder.”

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- FUNDAMENTOS

1-DE FACTO

A sentença sob recurso após a “Aclaração da Sentença, no segmento dos factos provados”, face ao despacho proferido neste STA, em 16.04.2012 (fls. 131), deu como provados os seguintes factos:
“a) A impugnante é uma Sociedade de Gestão de Participações Sociais, anónima, constituída por escritura pública de 4/11/1999, com capital social de € 500.000,00, integralmente subscrito e realizado e dividido em 100.000 acções ao portador, cada uma com o valor nominal de € 5, 00, sendo que os cinco - accionistas dispõe cada um, respectivamente: 36%, 29,20%, 24,50%, 10% e 0,30%;
b) O seu objecto social é a gestão de participações sociais em outras sociedades como forma indirecta de exercício da actividade económica, de forma duradoura, sendo juridicamente independentes, configurando a forma de SGPS, ao abrigo do D.L. 495/88 de 30/12, com as alterações introduzidas pela declaração D.R. nº 49/89, I-A, 1° Suplemento, de 28/2, D.L. n° 318/94 de 24/12, D.L. n° 378/98, de 27/11 e Lei n° 109-B/2001 de 27/12;
c) A impugnante foi objecto de acção inspectiva pela A F. ao exercício de 2006, em matéria do imposto sobre o rendimento, com inicio em 19/7/2010 que terminou em 21/12/2010, em cumprimento da ordem de serviço n° 01201001052;
d) Em 2001 procedeu-se ao aumento do capital social por escritura pública que aumentou o capital social para 1.500.000,00, integralmente realizado em dinheiro e sendo levado a efeito através da emissão de 200.000 acções nominativas ou ao portador, no valor nominal de 5,00 € cada;
e) Entre 1999 e 2001 houve alienação de acções, pois que à data do aumento do capital os accionistas eram: C……, S.A., com 153.000 acções; D…… com 87.771 acções e E…… ‘com 59.229 acções, procedendo-se ao aumento na proporção do capital que já detinham na sociedade; 300.000 acções no valor nominal de 5,00€ cada uma distribuído pela forma acima referida;
f)Do exame efectuado verificou-se que a sociedade em 2006 detinha através dos seus accionistas, que são órgãos de Administração e Fiscalização e número de acções detidas bem como percentagem, número de acções e valor das acções detidas pelos accionistas da A……., S.A., accionistas titulares de acções:
1. F…… 300.000 acções, ao valor nominal de 5,00 € cada, num total de € 1.500.000,00, são órgãos sociais: Assembleia-Geral; Conselho de Administração e Fiscal Único;
f)2 Em 20 de Novembro de 1999, reuniu o Conselho de Administração estando presentes os três administradores: F……; D…… e E……., tendo sido decidido promover a constituição de várias sociedades na forma anónima ou por quotas, de acordo com as várias actividades económicas, conforme resulta da página 9 do relatório;
g) Alienação da B……., S.A., constituída com o capital social de € 50.000,00 integralmente subscrito e realizado e dividido em 10.000 acções ao portador cada uma no valor nominal de € 5,00, capital dividido da seguinte forma: A……, S.A. com € 49.980, o que corresponde a 9.996 acções; D……; F……, G…… e H……, com uma acção para cada um dos restantes accionistas, no valor de € 5,00 e no ano de 2000 a impugnante adquiriu as 4 acções restantes pelo valor de € 20,00;
h) No relatório da Inspecção fez-se constar que: “Em reunião do Conselho de Administração da A……, SA, com a presença de todos os seus Administradores: Dr. ……., Eng° I…… e Eng° K……, em 01 de Setembro de 2006, da qual foi elaborada a Acta n° 41, a qual teve como ponto único da ordem de trabalhos, deliberar sobre a alienação da totalidade da participação social, 10.000 acções com o valor nominal de € 5,00 cada, representativas do capital social da B……, SA à sociedade C……, SA, NIP ……, cujos administradores são I……, NIF ……, na qualidade de Presidente, F……, NIF…… e L……, NIF …….
Por contrato de Compra e Venda de Acções entre a A……, SA, como 1.ª Outorgante representada pelos seus administradores Senhor Dr. F…… e Eng. K……. e C……, SA NPC ……, como 2ª Outorgante, representada por seus administradores Senhor Eng. I…… e Dr. L……, a 1.ª Outorgante é detentora da totalidade das acções representativas do capital social da B……, SA vende à 2.ª Outorgante pelo preço global de € 6.945.038,00 e ainda a 2.ª Outorgante assume a dívida que a 1.ª Outorgante tem para com a A……, SA, no montante de €2.169.229,47. Neste contexto a A……, SA, é titular de 9.996 acções por constituição com o valor de € 49.980,00 e titular de 4 acções por aquisição com o valor de € 20,00.
Nestas circunstâncias, e conforme já foi explanado, Página 11 e 12 do relatório: «o regime actual de tratamento fiscal das menos e mais-valias (introduzido pela Lei no 32-B/2002, de 30 de Dezembro - Orçamento do Estado de 2003), obtidas pelas SGPS, encontra-se consagrado no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) • no art. 32° do EBF, o qual corresponde ao anterior art. 31° antes do EBF ser renumerado conforme o art. 30 do Dec-Lei n° 108/2008, de 26 de Junho, aprovado pelo Dec-Lei n°215/89, de 01 de Julho. Aplica-se às Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS) o regime previsto no n° 1 do citado artigo, “às SGPS (…) é aplicável o disposto nos n°s 1 e 5 do artigo 46° do código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação”
Vem o n° 2 determinar que não concorrem para a formação do lucro tributável “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS (…) mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o titulo por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.”
Vem o disposto no n° 3 da mesma norma, dizer que não será aplicável o estabelecido no n° 2 quanto às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados, quanto as partes de capital alienadas,
a) tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do art. 58° do Código do IRC e detidas pela alienante por um período inferior a três anos;
b) tenham sido adquiridas a entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável e detidas pela alienante por um período inferior a três anos:
c) tenham sido adquiridas a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e detidas pela alienante por um período inferior a três anos;
d) ou, a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto no n°2 do artigo e não tenha decorrido um período mínimo de três anos entre a data da transformação da sociedade e a data da transmissão das participações.
Assim, pelo que é consagrado no n° 3 do art. 32º do EBF, as mais-valias realizadas e os encargos financeiros suportados na aquisição, referentes á alienação de partes da capital em que se verifique alguma das condições enunciadas, concorrem para a formação do lucro tributável.
Neste enquadramento, o tratamento fiscal das menos-valias ou mais-valias apuradas por parte de Sociedades Gestoras de Participações Sociais deve ser feita casuisticamente, devendo ser analisados todos os requisitos do art. 32° do EBF.
O n° 3 do artigo tem o carácter de uma norma especial antiabuso, funcionando como uma solução avulsa, com o objectivo de impedir os sujeitos passivos da relação jurídica tributária de contornar as normas de incidência.
Preside à formação das normas de incidência contidas nos códigos fiscais o principio da tipicidade fechada, circunstância ideal para obtenção de segurança jurídica, sendo que estas normas têm por finalidade incidir sobre actos e negócios jurídicos em que se pressupõe a sua correspondência com fins económicos típicos, utilizando para o efeito conceitos jurídicos com um sentido mais abrangente do que o que normalmente têm, por forma a abrangerem realidades económicas mais vastas.
o n° 3 da referida norma, uma vez que refere_expressamente, “quando as partes de capital tenham sido adquiridas”, a mesma só abarca as situações em que as partes de capital resultarem de transacções.
Assim, o termo “aquisição” pressupõe a existência de um acto translativo, passando a propriedade das partes de capital de uma entidade para outra.
Quando as acções emitidas “ex novo” aquando da constituição da sociedade, não há, aqui, qualquer acto translativo.
Por outro lado, não se pode afirmar que a aquisição é feita a uma entidade com a qual existam relações especiais, precisamente porque a existência de relações especiais apenas surge com a constituição da sociedade.
Ou seja, o requisito previsto no n° 3 do art, 32° do EBF, “tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.° 4 do art. 58° do Código do IRC e detidas pela alienante por período inferior a três anos”, não pode ser verificado pela inexistência de facto de “aquisição”.» às 9.996 acções não se aplica o n° 3 do art.32° do EBF, porquanto a titularidade originária dessas acções agora alienadas resulta de uma subscrição de capital em virtude de constituição, termos em que, não cumpre com a tipificação do normativo legal do n° 3 do art. 32° do EBF, pelo que as mais-valias inerentes, concorrem para a formação do resultado tributável.
Quanto às restantes 4 acções adquiridas e alienadas, detidas por um período superior a um ano, preenchem os requisitos do n° 2, do art. 32° do EBF, não concorrendo para a formação do resultado tributável. Nestes termos a mais-valia relativa à alienação da participação social na B……, SA deverá ser calculada e tratada fiscalmente, nos seguintes termos: Mais-valia Fiscal valor de Realização (Valor Aquisição x Coef. de Desvalorização)
Assim,
relativas às 9.996 acções, cuja titularidade lhes adveio por constituição de sociedade, apura-se uma mais-valia fiscal no montante de 6.881.784,20, a qual concorre para a formação do resultado tributável (€6.942.260,00— (€49.980,00 x 1,21)).
• relativas às 4 acções, cuja titularidade lhes adveio por aquisição, apura-se uma mais-valia fiscal no montante de € 2.754,40, a qual não concorre para a formação do resultado tributável (€ 2.778,00— (€ 20,00 x 1,18)).
i)Exercido o direito de audição da impugnante, a AT respondeu do seguinte modo: Analisado o direito de audição, apresentado pelo sujeito passivo com entrada em 2010.12.20, cumpre apreciar, conforme dispõe o n° 7 do art. 60º da Lei Geral Tributária.
O sujeito passivo circunscreve-se à descrição do regime fiscal aplicável às mais-valias realizadas por SGPS, nomeadamente o art, 32° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, arguindo que no caso concreto, em apreciação, as mais-valias em causa e cuja tributação se propõe em sede de IRC, não deveriam concorrer para a formação do lucro tributável, por um lado, porque se subsume à norma do n° 2 do art. 32° do EBF e por outro, não se verifica nenhuma das condições legalmente estabelecidas no n° 3 do art. 32°.
Ora, constata-se que na petição apresentada, o sujeito passivo não cuida de apreciar ou de se pronunciar sobre o fundamento concreto apresentado em que os Serviços de Inspecção Tributária se basearam para considerar sujeitas a tributação em IRC, as mais-valias realizadas na alienação da participação social detida na B……, SA.
De facto, tal participação veio à posse da alienante A……, SA por duas vias:
a) Uma parte — 99,96% do capital social — correspondente a 9.996 acções no valor nominal de € 5 cada, através de subscrição de capital, realizado com a constituição da sociedade, conforme escritura pública, publicada em Diário da República — III Série era 4 de Fevereiro de 2000.
b) Parte restante — 0,04 % do capital social — correspondente a 4 acções no valor nominal de € 5 cada, adquiridas por € 20,00, a D……, NIF ……, F……, NIF ……, G……, NIF ……., H……, NIF …….
Resulta do exposto que apenas 0,04% veio à posse do sujeito passivo por aquisição, sendo interpretação dos Serviços que apenas a parte da mais-valia realizada correspondente à componente da participação adquirida se enquadra no n° 2 e n° 3 do art. 32° do EBF (conforme dispõe no normativo não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias realizadas, quando as partes de capital alienadas, tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do art. 58° do Código do IRC e detidas pela alienante por um período superior a três anos. Ora, o n° 3 determina que, aquando da alienação de partes sociais é imperativo que se tenha conhecimento a ‘quem” foram adquiridas as participações e o seu “período” de permanência).
Assim, no caso em apreço, em que é manifesta a existência de relações especiais entre as sociedades, daí as mais-valias inerentes não concorrerem para a formação do lucro tributável, na parte dos 0,04% das participações adquiridas.
Quanto à parte restante (99,96% do capital social), referida na alínea a) anterior, entendem os Serviços que não lhe é aplicável, nenhum dos números do art° 32° do EBF, porquanto esta participação não foi adquirida, o que constitui condição “sine qua non” para enquadramento naquele dispositivo legal, dado que, a titularidade desta componente da participação societária, resultou, como já foi referido, de subscrição de capital na constituição da sociedade participada B……, SA, pelo que, em nosso entender, as mais—valias inerentes concorrem para a formação do lucro tributável do sujeito passivo.
Nestes termos, e devidamente apreciado o alegado no direito de audição apresentado pelo sujeito passivo, entendemos ser de manter as correcções propostas no Projecto de Relatório.”

2- DE DIREITO

2.1. Das questões a apreciar e decidir e delimitação do objecto do recurso

A recorrida é uma sociedade que tem por objecto social único a gestão de participações sociais de outras sociedades (Tais sociedades foram instituídas pelo Decreto-Lei nº 271/72, de 2 Agosto.) (SGPS), sendo que, em reunião do Conselho de Administração, de 20 de Novembro de 1999, foi deliberado proceder à constituição de várias sociedades, de natureza jurídica na forma de sociedades anónimas ou de sociedades por quotas, de acordo com várias actividades económicas, entre as quais se destaca a constituição da “B……, SA.”, com o capital social de 50.000,00 € integralmente subscrito e realizado e dividido em 10.000 acções ao portador cada uma no valor nominal de 5,00€, dividido da seguinte forma: a) A empresa “A……., SA., com 49.980€, o que corresponde a 9,996 acções, e a 99,96% do capital social.
Em 1 de Setembro de 2006, em reunião do Conselho de Administração da A……., SA., foi deliberado a alienação da totalidade da participação social, 10.000 acções com o valor nominal de € 5,00 cada, representativas do capital social da B……, SA., à sociedade C……, SA. Assim, por contrato de Compra e Venda de Acções entre a A……, SA., como 1.ª Outorgante e a C……, SA., como 2ª Outorgante, a 1.ª Outorgante na qualidade de detentora da totalidade das acções representativas do capital social da B……., SA., vendeu-as à 2.ª Outorgante pelo preço global de € 6.945.038,00.
Para a recorrida, as mais-valias resultantes desta transacção não concorrem para a formação do resultado tributável porque se encontram abrangidas pelo nº 2 do art. 31º do EBF. Outro foi, porém, o entendimento da Administração Fiscal que, na sequência de uma inspecção, considerou as mais-valias realizadas sujeitas a tributação, tendo para o efeito procedido à notificação da liquidação adicional em sede de IRC relativo ao exercício de 2006 no montante de 1.841.882.67€.
Vem o presente recurso interposto pela Fazenda Pública da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela A……, SA., contra as liquidações adicionais de IRC relativas ao exercício de 2006.
Para tanto ponderou-se na sentença recorrida, entre o mais, que:
· “(…) de harmonia com o aditado n°2 do art. 31° EBF (actual 32°), as mais-valias e menos-valias realizadas mediante transmissão onerosa de partes de capital, desde que detidas por período não inferior a um ano, e os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não correm para a formação do lucro tributável destas sociedades.
· (…) a interpretação feita pela administração não encontra na letra da lei qualquer correspondência, desvirtuando o conteúdo na norma.
· No caso sub judice não há lugar a tributação de mais-valias, porquanto as participações sociais foram alienadas em 2006 “conforme se alcança do facto inserto na al. h), o que permite concluir que a detenção das participações foram detidas por mais de três anos; não existe qualquer das situações enunciadas no n°3 do art. 31° ou nos n°s 5, 6 e 7 do art. 23° e 58°, n°4 do CIRC, (circunstâncias impeditivas da aplicação daquela regra que apenas relevam quando o período de detenção é inferior a três anos) pelo que está preenchida a previsão da norma do n°2, de exclusão da tributação”.
Contra este entendimento se insurge a recorrente, argumentando, em síntese, que:
· Não é aplicável nenhum dos números do art. 31º do EBF (actual 32º), porquanto a participação não foi adquirida, o que constitui condição “sine qua non” para enquadramento naquele dispositivo legal, dado que, a titularidade desta componente da participação societária, resultou de subscrição de capital na constituição da sociedade participada “B……, SA”.
· Nas alegações, veio ainda a recorrida requer a condenação da Fazenda Pública como litigante de má-fé e no pagamento de uma indemnização.
Acontece que em relação ao pedido de condenação da Administração Fiscal em litigância de má-fé, verifica-se que, na petição inicial, o recorrente não invocou esta questão. Ora, como é sabido, “o recurso jurisdicional constitui um meio de impugnação da decisão judicial com vista à sua alteração ou anulação pelo tribunal superior após reexame da matéria de facto e/ou de direito nela apreciada, correspondendo, assim, a um pedido de revisão da legalidade da decisão com fundamento nos erros e vícios de que padeça. O recurso jurisdicional visa apenas o reexame da decisão recorrida com vista à sua eventual anulação ou revogação, motivo por que não constitui forma de conhecer de questões novas, isto é, que não tenham sido oportunamente suscitadas perante o tribunal ad quem, salvo sempre o dever de conhecimento oficioso”(Cfr. o Acórdão do STA de 23/2/2012, proc nº 01153/2012. No mesmo sentido, cfr., entre outros, o Acórdão de 1/6/2005, proc nº 028/05.).
Assim sendo, por não ter sido invocada oportunamente aquela questão, de modo a permitir que o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado sobre a mesma, e porque para os efeitos do caso concreto (atribuição de uma indemnização) não se trata de questão de conhecimento oficioso, não poderia de qualquer modo agora este Supremo Tribunal Administrativo dela conhecer.
Mas ainda que assim não se entendesse sempre seria de não conhecer do pedido por falta dos respectivos pressupostos.
Com efeito, verifica-se que a recorrida se limita a reproduzir os conceitos de direito, nomeadamente quanto ao dolo e a negligência grave, sem ao mesmo tempo acrescentar os factos consubstanciadores dos mesmos e, por conseguinte, sem fazer, por maioria de razão, a pertinente prova. Assim sendo, não vem demonstrado que a Fazenda Pública actuou com o intuito de prejudicar a recorrida ou que actuou com grosseira incúria.
Considerando o exposto e em face das conclusões, que delimitam o objecto e âmbito do recurso, nos termos das disposições constantes nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, a questão central a decidir prende-se com o regime legal de tributação ou/e exclusão das mais–valias realizadas na alienação de participações sociais por uma sociedade gestora de participações sociais, cuja resolução passa pela determinação do sentido e alcance do art. 32º, nºs 2 e 3, do EBF.

2.2.1.Sentido e alcance do art. 32º, nºs 2 e 3, do EBF

1. A questão central que se discute é a de saber se as mais-valias resultantes da venda das participações sociais detidas pela recorrida na B……, SA., estão ou não abrangidas pelo art. 32º, nº 2, do EBF.
O art. 32º do EBF, sob a epígrafe “Sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), dispõe no seu nº2 que “As mais-valias e menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não correm para a formação do lucro tributável destas sociedades (Este regime aplica-se às mais e menos-valias realizadas a partir de 1 de Janeiro de 2003, art. 38°, n°5, da Lei 32-B/2002.).
Por sua vez, segundo o disposto no n° 3 da mesma norma, diz-se que não será aplicável o estabelecido no n° 2 quanto “às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados”, quando as partes de capital alienadas:
a) tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n° 4 do art. 63º do Código do IRC e detidas pela alienante por um período inferior a três anos;
b) tenham sido adquiridas a entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável e detidas pela alienante por um período inferior a três anos;
c) tenham sido adquiridas a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação e detidas pela alienante por um período inferior a três anos;
d) ou a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto no n° 2 do artigo e não tenha decorrido um período mínimo de três anos entre a data da transformação da sociedade e a data da transmissão das participações.

2.Sobre a interpretação das leis ficais rege a LGT que, no art. 11º, sob a epígrafe “Interpretação”, estabelece que “Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis” (nº1). Logo a seguir, no seu nº 2 determina-se que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”. Finalmente, no nº 3 dispõe-se que “Persistindo dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários.”
Assim sendo, também no direito fiscal, o preceito fundamental da hermenêutica jurídica radica no art. 9º do Código Civil (Assim, também no Direito Fiscal podem ser usadas as demais técnicas ou cânones interpretativos há muito usados no direito civil. Neste sentido, ver J.L.SALDANHA SANCHES, Manual de Direito Fiscal, 3ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, p. 147.), que prescreve, sobre interpretação da lei:
“1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Interpretar uma lei não é mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Cfr. MANUEL DE ANDRADE, Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis, pp. 21 e 26.) (Seguimos de perto o que ficou consignado no Acórdão do STA, de 14/6/2012, proc nº 475/12.).
Interpretar em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Neste sentido, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Noções Fundamentais de Direito Civil, 6ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1965, Vol. I., p. 145.).
PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Cfr. Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I., pp.58/59.) referem que o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório de diplomas ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei.
Assim a letra assume-se, naturalmente, como o ponto de partida da interpretação, cabendo-lhe, desde logo, uma função negativa, qual seja, “a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou, pelo menos, qualquer correspondência ou ressonância nas palavras da lei” (Cfr. Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 2ª reimpressão, Coimbra, 1987, pp. 187 ss.).
Também como refere OLIVEIRA ASCENSÃO (Cfr. O Direito, Introdução e Teoria Geral, Lisboa, 1978, p. 350.), “a letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação. Quer dizer que o texto funciona também como limite de busca do espírito”.
Isto posto, para apreender o sentido da lei, a interpretação socorre-se, como refere FRANCESCO FERRARA (Cfr. Interpretação e Aplicação das leis, tradução de Manuel de Andrade, 3ª ed., Coimbra, 1978, pp. 127 ss e 138 ss.), de vários meios:
“Em primeiro lugar busca reconstruir o pensamento legislativo através das palavras da lei, na sua conexão linguística e estilística, procura o sentido literal. Mas este é o grau mais baixo, a forma inicial da actividade interpretativa. As palavras podem ser vagas, equívocas ou deficientes e não oferecerem nenhuma garantia de espelharem com fidelidade e inteireza o pensamento: o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei: para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e a controlo.”
Ora, nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica.
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regula a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretada no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico compreende todas as matérias relacionadas com a história do preceito material da mesma ou de idêntica questão, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
Por sua vez, o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
A propósito deste critério realça o Autor que “É preciso que a norma seja entendida no sentido que melhor responda à consecução do resultado que quer obter. Pois que a lei se comporta para com a ratio iuris, como o meio para com o fim: quem quer o fim quer também os meios.
Para se determinar esta finalidade prática da norma, é preciso atender às relações da vida, para cuja regulamentação a norma foi criada. Devemos partir do conceito de que a lei quer dar satisfação às exigências económicas que brotam das relações (natureza das coisas). E portanto ocorre em primeiro lugar um estudo atento e profundo, não só do mecanismo técnico das relações, como também das exigências que derivam daquelas situações, procedendo-se à apreciação dos interesses em causa”(Idem, p. 141.).

2. 2. 2. Aplicando o exposto ao caso em análise, importa considerar o elemento literal e o racional ou teleológico.

Como vimos, segundo o art. 32.°, n.° 2, do EBF, “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS (...) mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.
Com este preceito o legislador quis consagrar a regra geral da exclusão da tributação das mais-valias realizadas na transmissão onerosa de partes sociais detidas pelas SGPS, por período igual ou superior a um ano, qualquer que seja o título por que a mesma se opere.
Por sua vez, o nº 3 recebe a excepção a esta regra definindo o legislador as situações em que a regra do nº 2 não se aplica às mais-valias e encargos financeiros, quando as partes do capital, detidas por período inferior a três anos, forem adquiridas às entidades e nas situações ali descriminadas.
A Administração Fiscal defende que as mais-valias em causa não estão excluídas de tributação porque “O n.º 3 da referida norma, uma vez que refere expressamente, “quando as_partes de capital tenham sido adquiridas”, a mesma só abarca as situações em que as partes de capital resultarem de transacções,” (…) sendo que “o termo “aquisição” pressupõe a existência de um acto translativo, passando a propriedade das partes de capital de uma entidade para outra”(Cfr. fls. 12 do Relatório de Inspecção - fls. 64 dos autos.).
Como no caso em apreço, as acções transmitidas pela recorrida foram emitidas “ex novo” aquando da constituição da sociedade “B……., SA.”, não há, aqui, qualquer acto translativo”. Assim sendo, na óptica da Administração Fiscal, não se aplica o art. 32º, nº3, do EBF à situação da recorrida porquanto a titularidade originária dessas acções agora alienadas resulta de uma subscrição de capital em virtude de constituição, termos em que, não cumpre com a tipificação do normativo legal do n° 3 do art. 32° do EBF, pelo que as mais-valias inerentes, concorrem para a formação do resultado tributável.
Acontece que, em nossa óptica, tal interpretação não qualquer apoio nem na letra nem na razão de ser do preceito, e é apenas explicável em resultado de errónea interpretação do real sentido do preceito normativo em causa.
Vejamos.
A Administração Fiscal começa por determinar o sentido e alcance do nº 3 do art. 32º do EBF, concluindo que o preceito ao utilizar a expressão “quando as partes de capital tenham sido adquiridas”, significa que só abrange as situações em que as partes de capital resultarem de transacções”. Mais acrescenta que, tratando-se de uma norma anti-abuso, esta exigência de a exclusão de tributação só abranger as partes sociais resultantes de um acto translativo é igualmente aplicável ao nº 2 do art. 32º do EBF. Ora, tal resultado interpretativo subverte por completo o sentido e o alcance do preceito em análise, na medida em que através dele a Administração Fiscal transpõe para a regra geral (nº 2 do art. 32º do EBF), um requisito (exigência de “acto translativo”) de uma (“aquisição”), que o legislador apenas fixou para a excepção (nº 3 do art. 32º do EBF).
O resultado interpretativo apontado não tem o mínimo apoio, desde logo, na letra da lei.
Com efeito, como vimos, o nº 2 do art. 32º consagra a regra geral de que não concorrem para a formação do lucro tributável “as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares. Da leitura do preceito ressalta claramente que o legislador não estabeleceu qualquer restrição consoante as partes sociais tenham resultado de aquisição derivada ou originária (isto é, a resultante da compra de acções de sociedades ou resultante de subscrição de novas acções). Dito por outras palavras, o nº 2 do art. 32º do EBF não faz qualquer distinção quanto à origem das participações sociais transmitidas, em qualquer dos casos, independentemente do negócio jurídico que lhe deu causa (se a SGPS adquiriu as acções por compra ou por subscrição), desde que haja detenção de acções ou participações sociais pela SGPS, por mais de um ano, a lei isenta-as de tributação quando forem alienadas.
E percebe-se a razão de ser de tal regime uma vez que o objectivo do legislador com o benefício fiscal é o de promover os arranjos societários, qualquer que seja a forma como operem, com vista a reforçar a actividade económica em geral e, em particular, o tecido organizacional das empresas.
Na verdade, o legislador português não podia ficar indiferente ao fenómeno da proliferação das “holdings” enquanto realidade incontornável da actividade económica em geral e das formas de organização das empresas em particular, no mundo globalizado actual.
No Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais, pondera-se que é de manter os benefícios fiscais consagrados no art. 31º do EBF, entre o mais, pelo interesse para a dinamização da organização e instalação de grupos económicos em Portugal.
“As holdings emergem como um instrumento valioso de organização da empresa plurissocietária, pelas vantagens organizativas, financeiras e fiscais (…) e constituem um modelo organizativo especial para o vértice hierárquico de grupos societários caracterizado pelo facto de a respectiva sociedade mãe possuir um objecto social de natureza puramente financeira, sendo a respectiva actividade circunscrita à gestão estratégica da carteira de participações sociais detidas nas sociedades componentes do grupo.”(Cfr. Relatório de Reavaliação dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 198, pp. 340 ss.Ver também JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., Almedina, Coimbra, pp. 88 ss.)
Por conseguinte, o entendimento da Administração Fiscal no sentido de limitar o benefício fiscal apenas aos casos em que as partes sociais tivessem sido adquiridas por negócio translativo não tem o mínimo de cabimento nem na letra nem na razão de ser do nº 2 do art. 32º do EBF.
Leitura atenta do preceito demonstra que o legislador só se preocupa em exigir a verificação desse acto translativo no nº 3 do art. 32º do EBF. E, mais uma vez, compreende-se essa diferença. Com efeito, neste caso estão em causa participações sociais, como sejam acções de sociedades que se encontram entre si em relações, por exemplo, de domínio ou de grupo (“relações especiais”), pelo que o que releva é a relação jurídica e económica entre a SGPS e a sociedade cujas participações sociais ela detém. E é por causa destas relações especiais que o legislador pretende obviar a que possam existir negócios, por exemplo, intra-grupo ou entre mães e filhas que possam traduzir fuga ao imposto.
Por conseguinte, subjacente à redacção dada a este preceito estão considerações e preocupações relacionadas com a prevenção da fuga aos impostos, e justificam a excepção à exclusão da tributação consagrada no nº 2.
Ora, acontece, que tais preocupações não se fazem sentir nas situações em que as acções sejam emitidas “ex novo” aquando da constituição de uma sociedade. Neste sentido, pode ler-se no Despacho, P 2799/2009, de 19/11/2009, do Director-Geral dos Impostos, que “(…) não se aplica o previsto no nº 3 do artigo 32º do EBF, quando as acções alienadas tiverem resultado de uma subscrição de capital em virtude da constituição de uma sociedade, pelo que, de acordo com o nº 2 da mesma norma, as mais–valias em causa não concorrem para a formação do lucro tributável das sociedades em questão (SGPS)”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, resulta do relatório de Inspecção e do probatório que a recorrida obteve as mais-valias em causa em resultado da alienação de partes de capital detidas por um período superior a um ano, situação que se subsume no art. 32º, nº 2, do EBF e, que, por outro lado, não está em causa nenhuma das situações previstas no nº 3 do mesmo preceito.
Finalmente, ficou também demonstrado que as participações transmitidas tinham sido adquiridas através da subscrição de capital na constituição da B……, SA., pelo que não valem aqui as preocupações relacionadas com a prevenção da fuga aos impostos, subjacente ao regime de excepção recebido no nº 3 do art. 32º do EBF.
Em face do exposto, a sentença recorrida que decidiu no sentido de enquadrar a situação da recorrida no nº 2 do art. 32º do EBF e, nesta sequência, as mais-valias em causa excluídas de tributação, não merece qualquer reparo, devendo ser confirmada.
Pelo que, improcedem as conclusões da recorrente, devendo ser negado provimento ao presente recurso.


III- DECISÃO

Nestes termos acordam os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em negar provimento ao recurso e, nesta sequência, manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 5 de Setembro de 2012. – Fernanda Maçãs (relatora) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.