Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0263/11
Data do Acordão:07/13/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IRC
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
LEI GERAL TRIBUTÁRIA
Sumário:I - O CPT considerava como facto interruptivo da prescrição a instauração da execução fiscal (artº 34º).
II - Já a LGT apenas considera facto interruptivo a citação na execução (e isto apenas após a redacção dada ao artº 49º pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho).
III - Deste modo, eliminado por esse facto interruptivo o período de tempo decorrido anteriormente à execução, encontrando-se pendente o processo e sem paragem por motivo não imputável ao contribuinte à data da entrada em vigor da LGT - 01.01.1999 - todo o prazo de prescrição passa a correr já na vigência desta lei.
IV - Tendo sido deduzida impugnação judicial já na vigência da LGT, e tendo esta estado parada por motivo não imputável ao contribuinte por mais de um ano, cessou o efeito interruptivo da prescrição, mas, uma vez que o prazo não pôde começar a correr de novo face à suspensão da prescrição, por motivo de suspensão do processo de execução fiscal, a sua contagem só irá recomeçar quando cessar aquela suspensão da prescrição.
V - Deste modo, as dívidas referentes aos anos de 1996 e 1997 não encontram prescritas uma vez que não decorreram mais do que os oito anos previstos no artº 48º, nº 1 da LGT.
Nº Convencional:JSTA00067095
Nº do Documento:SA2201107130263
Data de Entrada:03/21/2011
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Área Temática 2:CPTRIB91 ART34.
CPPTRIB99 ART169 N1.
LGT98 ART48 N1 ART49 N1 N2 N3.
L 53-A/2006 DE 2006/12/29 ART90.
CCIV66 ART12 N1 N2 ART297 N1.
L 100/99 DE 1999/07/26.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1038/10 DE 2011/03/02.; AC STA PROC235/11 DE 2011/03/30.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA SOBRE A PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA NOTAS PRÁTICAS 2ED PAG73.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I - A Fazenda Pública, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo de Viseu, que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, por prescrição da obrigação tributária, na impugnação deduzida por A..., melhor identificada nos autos, contra as liquidações adicionais de IRC e respectivos juros compensatórios no montante global de € 11.660,07 referente aos anos de 1994 a 1997, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
A) Vem a presente impugnação interposta contra (entre outras que não são objecto do presente recurso) as liquidações adicionais de IVA dos exercícios de 1996 e 1997 e respectivos juros compensatórios;
B) Tendo o M° Juiz a quo, conhecendo da prescrição, julgado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
C) O que só ocorreu, relativamente às liquidações relativas aos anos de 1996 e 1997, por errónea interpretação e aplicação do art.º 297° do Código Civil, no sentido que o mesmo integra uma regra de aplicação global do regime mais favorável ao devedor;
D) Quando o mesmo visa, apenas, as leis que alteram prazos, não estando abrangidas na sua previsão as leis que alteram causas de suspensão ou de interrupção da prescrição;
E) Ao aplicar o prazo de prescrição previsto no CPT, como aplicou, não faz o Mmº Juiz a quo correcta aplicação do art.º 297° do Código Civil.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida por outra em que, após análise de mérito, julgue improcedente, por não provada, a presente impugnação relativamente às liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios dos anos de 1996 e 1997, com as legais consequências.
II - Em contra alegações, a recorrida veio concluir da seguinte forma:
A - O meritíssimo Juiz “a quo” ao decidir, como decidiu, fez correcta interpretação e aplicação das normas legais aplicadas;
B - Ainda que o artigo 297º do Código Civil vise, apenas, as leis que alteram prazos a LGT veio alterar não só os prazos como também, os efeitos das causas interruptivas ou conclusivas;
C - Logo, não, se pode de modo algum afastar o disposto no artigo 297º CC levando a que a contagem do prazo de prescrição se faça a coberto do expresso do artº. 34º do CPT.
III. O MP emitiu parecer que consta de fls. 75, no qual defende que o recurso merece provimento e deve ser revogado o julgado recorrido.
IV. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
A) Nestes autos impugnam-se as liquidações adicionais de IRC dos anos de 1994 a 1997 e juros compensatórios (cfr. cabeçalho da PI e docs de fls. 33 a 37 do Processo Administrativo, uns e outros aqui dados por reproduzidos, o mesmo se dizendo dos demais infra referidos);
B) O processo de execução destinado à cobrança coerciva das quantias originais nas liquidações em causa nestes autos, processo 3700200001012193 e apensos, foi instaurado em 2000-04-26 e parou desde 27-04-2000 até 2001-09-15, neles não se tendo verificado qualquer pagamento ou adesão ao “Plano Mateus”, encontrando-se suspenso por impugnação (vide fls. 38);
C) Os presentes autos foram instaurados em 27-05-2004 e pararam, por razões estranhas à impugnante, entre a instauração e Outubro de 2006 (cfr. fls. 1 a 23).
VI. A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se as dívidas de IRC (e não IVA como, certamente por lapso, se refere nas alegações da recorrente), relativas aos anos de 1996 e 1997 se encontram prescritas.
É que, a ser assim, ocorrerá a inutilidade superveniente da lide na presente impugnação.
Vejamos então.
VI.1. Resulta do probatório supra que as dívidas em causa no recurso se reportam aos anos de 1996 e 1997 (A)).
Resulta também que em 26.04.2000 foi instaurado processo executivo para cobrança das dívidas (B)). E mais resulta ainda que este processo esteve parado sem motivo imputável ao contribuinte desde 27.04.2000 a 15.09.2001.
Finalmente, resulta da alínea C) que a presente impugnação judicial foi instaurada em 27.05.2004 e que desde essa data até Outubro de 2006 esteve também parada por motivo não imputável ao contribuinte.
VI.2. À data do nascimento das dívidas vigorava o CPT cujo artº 34º dispunha o seguinte:
“1 - A obrigação tributária prescreve no prazo de 10 anos, salvo se outro mais curto estiver fixado na lei.
2 - O prazo de prescrição conta-se desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário, salvo regime especial.
3 - A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e a instauração da execução interrompem a prescrição, cessando, porém, esse efeito se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Em 01.01.1999 entrou em vigor a LGT que passou a consagrar no seu artº 48º, nº 1 um prazo geral de prescrição de oito anos, contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu.
O nº 1 do seu artº 49º veio também determinar que “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”, acrescentando o nº 2 (hoje revogado pelo artº 90º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro) que “A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Ora, perante esta sucessão de diplomas estabelecendo prazos de prescrição diversos há que aplicar o disposto no artº 297º, nº 1 do CC que estabelece o seguinte:
“A lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”.
Tanto o CPT como a LGT consideram como facto interruptivo da prescrição a instauração de impugnação judicial e ambos os diplomas consideram como facto capaz de fazer cessar a interrupção a paragem do processo por mais de um ano por motivo não imputável ao contribuinte.
Porém, já quanto à instauração da execução, o CPT considera esta como facto interruptivo, enquanto a LGT só considera como facto interruptivo a citação efectuada no processo de execução fiscal, e isto após a alteração introduzida no seu artº 49º, nº 1 pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho.
Deste modo, sendo os efeitos dos factos os previstos na lei vigente no momento em que eles ocorrem (artº 12º, nº 2 do CC), o efeito interruptivo e suspensivo que a instauração da execução provoca apenas se produziria na vigência do CPT.
Uma vez que a execução foi instaurada já na vigência da LGT e esta não reconhece a natureza de facto interruptivo à mera instauração da execução, esta não interrompeu a prescrição que continuou a correr na vigência da lei nova e até à instauração da impugnação judicial. V. citação
Por isso, o prazo que se completará primeiramente será o previsto na LGT.
VI.3. Aqui chegados cabe então apurar se, em face da LGT, o prazo de prescrição já ocorreu, tal como se decidiu na decisão recorrida.
Tal como se escreveu no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 30.03.2011, proferido no Processo nº 0235/11, as causas de interrupção da prescrição que ocorreram antes da alteração ao nº 3 do art. 49º da LGT, introduzida pela Lei 53-A/2006, produzem os efeitos que a lei vigente no momento em que elas ocorreram associava à sua ocorrência: eliminam o período de tempo anterior à sua ocorrência e obstam ao decurso do prazo de prescrição, enquanto o respectivo processo estiver pendente ou não estiver parado por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte (cfr., entre outros, neste sentido, os acs. deste STA, de 20/10/2010 e 2/3/2011, nos procs. 720/10 e 1038/10, respectivamente, bem como Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, 2ª ed., 2010, p. 73).
Ora, em face do probatório, a instauração da impugnação em 27.05.2004 interrompeu o prazo de prescrição.
Essa interrupção tem dois efeitos:
- efeito instantâneo - inutiliza para a prescrição todo o tempo anteriormente decorrido;
- efeito duradouro - a prescrição não corre enquanto estiver pendente o processo.
No caso dos autos, está provado que em 27.05.2004 foi deduzida impugnação judicial (alínea C) do probatório).
Ora, de acordo com o artº 49º, nº 1 da LGT, este facto interrompeu a prescrição.
Porém, decorre também do probatório que a impugnação esteve parada por mais de um ano, desde 27.05.2004 até Outubro de 2006.
Assim sendo, seria aplicável o nº 2 do artº 49º da LGT que, ao tempo, determinava o seguinte:
“A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação”.
Porém, há que ter em atenção o disposto nos artºs 169º, nº 1 do CPPT e 49º, nº 3 da LGT, na redacção dada pela Lei nº 100/99, de 26 de Julho, que estabelecem, respectivamente, o seguinte:
“A execução fica suspensa até à decisão do pleito em caso de reclamação graciosa, impugnação judicial ou recurso judicial que tenham por objecto a legalidade da dívida exequenda, …, desde que tenha sido constituída garantia nos termos do artigo 195.º ou prestada nos termos do artigo 199.º ou a penhora garanta a totalidade da quantia exequenda e do acrescido, o que será informado no processo pelo funcionário competente”.
“O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”.
Ora, consta de fls. 170 do processo executivo apenso que foi efectuada penhora de imóvel, e, perante informação dessa penhora de bem imóvel, que, em princípio garante a quantia exequenda e acrescido, foi proferido despacho em 25.02.2005 a ordenar a suspensão da execução, ao abrigo do artº 169º do CPPT.
Suspensa a execução por motivo legal, ficou também suspensa a prescrição (citado nº 3 do artº 49º).
A impugnação esteve parada, o que fez cessar o efeito interruptivo. O que acontece é que, apesar disso, o prazo de prescrição não pôde começar a correr de novo face à suspensão da prescrição. E, assim, a sua contagem só irá recomeçar quando cessar aquela suspensão da prescrição.
Daqui resulta então que as dívidas relativas ao IRC de 1996 e de 1997 não se encontram prescritas, já que, em qualquer dos casos, decorreram menos do que os 8 anos previstos no artº 48º da LGT.
VII. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso e revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos de impugnação prosseguir a sua tramitação.
Custas pela recorrida que contra-alegou.
Lisboa, 13 de Julho de 2011. – Valente Torrão (relator) – Dulce NetoCasimiro Gonçalves.