Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0477/13
Data do Acordão:11/05/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:DÍVIDA
IVA
RESPONSABILIDADE
CÔNJUGE
Sumário:I – O IVA é um imposto indirecto que incide sobre as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso por um sujeito passivo agindo como tal cfr. al.a) do n.º 1 do CIVA.
II – A distinção entre transmissão onerosa de bens e de prestações de serviços a que aludem os artigos 3º e 4º do CIVA não releva para efeitos da qualificação das dívidas de imposto derivadas destas duas espécies de operações como dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges ou seja para afastar da comunicabilidade as relativas a imposto devido pelas prestações de serviços.
III – Efectivamente, qualquer dos conceitos em comparação consagra uma noção meramente económica e não jurídica sendo manifesto na efectivação de cada uma delas a sua natureza comercial ou lucrativa, já que a qualidade de sujeito passivo de IVA assenta no exercício de uma actividade independente com carácter de habitualidade de natureza comercial – cfr. artigo 2º n.º 1 alínea a) quando refere actividades de produção, comércio ou prestação de serviços.
III – Tendo a dívida de IVA sido contraída no exercício do comércio pelo seu pagamento é também responsável o cônjuge do sujeito passivo.
IV – As dívidas de impostos emergentes de actividades lucrativas pressupõem o exercício do comércio e o proveito comum das dívidas contraídas na actividade comercial.
Nº Convencional:JSTA000P18172
Nº do Documento:SA2201411050477
Data de Entrada:03/25/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

RELATÓRIO:

Inconformada com a sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a oposição deduzida por A…………….. contra a execução fiscal que contra si foi instaurada para cobrança da quantia de €22032,53 por dívidas de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 veio a oponente dela interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo formulando as seguintes conclusões:

1 – A sentença recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 125 do CPPT porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão.
2 – Subsidiariamente para o caso de se entender que não existe verdadeira oposição dos fundamentos com a decisão sempre se dirá que o mº juiz interpretou e aplicou erradamente o artigo 1691 n.º 1 al. d) do C.C. e o artigo 204 nº 1 al. b) do CPPT.
3 – Na verdade não tendo resultado provado um dos pressupostos da presunção legal prevista na mencionada disposição legal designadamente que a dívida foi contraída no exercício do comércio (sendo que o ónus da prova cabia à Administração Fiscal) e não figurando no a recorrente nos títulos executivos que fundam a execução (tal como ficou provado) a mesma é parte ilegítima na execução, devendo assim proceder a oposição.
4 – Ainda subsidiariamente como decorre do artigo 153 nº 1 do CPPT para que a recorrente seja parte legítima na execução tem de ser devedora originária, sucessora do devedor nos tributos ou garante obrigada como principal pagadora.
5 – Não se verificando em relação à recorrente os pressupostos da obrigação tributária a responsabilidade solidária da mesma – a existir – deriva do preenchimento de um pressuposto de facto de uma norma da qual decorre a responsabilidade, designadamente do artigo 1691 n.º 1 al.d) do CC.
6 – Assim sendo na execução instaurada contra a recorrente teria de existir um acto administrativo através do qual A AT fundamentasse a responsabilidade da oponente decidindo a instauração da execução contra a mesma (nos termos previstos no artigo 188 nº 1 do CPPT - acto esse que não existe nem foi apurado – alegada e provada - na execução a responsabilidade tributária da oponente.
7 – Posto isto a instauração da execução contra a oponente operada com base na alínea d) do nº 1 do artigo 1691 do CC desacompanhada da alegação e prova por parte da Administração Tributária da sua responsabilidade tributária, basta por si só para considerar verificado o fundamento de oposição à execução fiscal invocado, a alínea b) do n.º 1 do artigo 204 do CPPT, isto é a ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor e consequentemente para julgar procedente a oposição dos deduzida.
8 – Ao decidir de forma diversa julgando a oposição procedente o Mº Juiz “a quo” interpretou e aplicou erradamente o artigo 1691 nº 1 al.d) do CC e o artigo 204 nº 1 al. b) do CPPT.

Deve dar-se provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar-se a oposição procedente

Não houve contralegações

O Mº Pº neste Tribunal pronuncia-se pela procedência do recurso.

Colhidos os vistos cumpre decidir

FUNDAMENTAÇÃO:

De facto:

O Tribunal “a quo” deu como provados os seguintes factos que as partes não contestam

A – A Fazenda Pública instaurou em 22 Novembro de 2001 a execução fiscal contra B……………… por dívidas de IVA dos anos de 2000, 2001 e 2003 no montante total de € 22 032,52
B – Em 18 de Fevereiro de 2002 foi o executado B…………… citado pessoalmente cfr. folhas 28
C – Consta da certidão da CRP do artigo 530 da freguesia de ………… que a oponente é casada com B…………… no regime de comunhão de adquiridos cfr. folhas 73
D – O prédio referido em C) foi penhorado em 16 Fevereiro de 2006 e a 11 de Outubro de 2006 pela Fazenda Nacional
E – Pelo ofício nº 1441 de 21 Fevereiro de 2008 foi a oponente citada cfr folhas 10
F – Com a citação referida em E) foram anexadas três certidões de dívida cfr folhas 11 a 13
G – Nas certidões referidas em F consta como executado B…………….
H – O IVA liquidado é referente a transmissão de bens ou prestação de serviços efectuadas a título oneroso pelo sujeito passivo B……………….

De Direito

Foi perante a factualidade dada como provada que o mº juiz considerando que a oponente fundamentava a sua oposição na sua ilegitimidade para a execução por não figurar nos títulos executivos como devedora mas sim B……………… decidiu que tal fundamento não podia relevar pelo facto de estando provada que a mesma era cônjuge do executado em regime de comunhão de adquiridos e se tratar de dívida de IVA a mesma se considerar dívida de ambos os cônjuges pelo que a legitimidade da oponente era manifesta "ex vi" do disposto no artigo 1689 do Código Civil.

A recorrente considera que a sentença que assim decidiu enferma de erro de interpretação e aplicação do citado artigo 1689 do Código Civil além de considerar que a mesma é nula por a decisão se encontrar em oposição com os seus fundamentos.

Quid juris?

A recorrente considera que pelo facto de a execução ser primitivamente instaurada contra o executado B…………. seu marido e ser ele apenas quem nessa qualidade figura nos títulos executivos e pelo facto e o imposto em cobrança ser relativo a IVA decorrente de operações onerosas realizada apenas pelo executado é patente a sua ilegitimidade.
A que acresceria o facto de não sendo ela devedora originaria o seu chamamento à execução não se alicerçar em razão de sucessão na dívida tributária nem em responsabilidade subsidiária.

E tendo sido este o fundamento de oposição invocado mas não atendido na sentença recorrida a recorrente sustenta que a sentença é nula por a mesma ter assente a responsabilidade da oponente no facto de a dívida decorrer do facto de ser casada com o executado em regime de comunhão de bens, tendo a dívida em cobrança sido contraída no exercício do comércio, facto que não está provado e isto porque reportando-se a dívida a transmissão de bens ou a prestação de serviços o facto de ser derivada da prestação de serviços impedia que a mesma fosse qualificada como contraída no exercício do comércio sem que a Administração Tributária o demonstrasse.
Por isso ao fundamentar a sua em facto que não deu como provado há oposição entre a decisão e os seus fundamentos o que fere de nulidade a sentença.

Mas não tem razão
O IVA é efectivamente um imposto indirecto que incide sobre as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas em território nacional, a título oneroso por um sujeito passivo agindo como tal cfr al.a) do n.º 1 do CIVA.
A distinção entre transmissão onerosa de bens e de prestações de serviços a que aludem os artigos 3º e 4º do CIVA não releva para efeitos da qualificação das dívidas de imposto derivadas destas duas espécies de operações como dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges ou seja para afastar da comunicabilidade as relativas a imposto devido pelas prestações de serviços.
Efectivamente, qualquer dos conceitos em comparação consagra uma noção meramente económica e não jurídica sendo manifesto na efectivação de cada uma delas a sua natureza comercial ou lucrativa, já que a qualidade de sujeito passivo de IVA de que goza o executado marido assenta no exercício de uma actividade independente com carácter de habitualidade de natureza comercial - cfr artigo 2º n.º 1 alínea a) quando refere actividades de produção, comércio ou prestação de serviços.
Pelo que se pode concluir que a pretensa oposição determinante da nulidade da sentença se não verifica.
Mas como reiteradamente vem dizendo o STA cfr acórdão de 25 05 2004 in processo 17923 ac de 12 11 97 in processo 21507, de 15 10 2003 in processo 1845/02 e o de 25 05 2004 in processo 0476/04 também citado pelo Mº Pº “as dívidas de impostos emergentes de actividades lucrativas pressupõem o exercício do comércio e o proveito comum das dívidas contraídas na actividade comercial”.
Pelo que provado que está que entre o executado e a recorrente seu cônjuge vigorava o regime de comunhão de adquiridos competia à recorrente elidir a presunção legal de comunicabilidade das dívidas derivada do artigo 1691 nº 1 al.d) do Código Civil.

Pouco importando para a sua responsabilização e chamamento à execução o facto de não figurar nos títulos executivos.
Não havendo por isso para efectivação da sua responsabilidade que recorrer ao processo de reversão pelo simples facto de não ser sucessora nem responsável subsidiário mas antes devedora originária solidária bastando assim para o seu chamamento a citação para a execução pois a citação confere-lhe a qualidade de co-executado com todos os direitos e deveres que tal posição processual comporta.

DECISÃO:

Por todo o exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa 05 Novembro de 2014. – Fonseca Carvalho (relator) – Francisco RothesPedro Delgado.