Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0269/19.7BELLE |
Data do Acordão: | 10/14/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PAULO ANTUNES |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PAGAMENTO POR CONTA EXCLUSÃO ILICITUDE |
Sumário: | I - No art. 107.º n.º 1 do C.I.R.C., na redação introduzida pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, encontra-se previsto que possa ser dispensado o pagamento da terceira prestação de pagamento por conta de IRC. II - Se a segunda prestação desse pagamento não vem a ser efetuada, mas no final do exercício se apura haver imposto a pagar, encontra-se excluída a ilicitude quanto à mesma pela contraordenação p.ª e p.ª, conjugadamente, pelos artigos 104.º n.º 1 a) do CIRC, 114.°, n.º 2, f), e 26.°, n.º 4, do R.G.I.T.. |
Nº Convencional: | JSTA000P26478 |
Nº do Documento: | SA2202010140269/19 |
Data de Entrada: | 06/26/2020 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............ LDA. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório. I.1. A representante da Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida a 23-1-2020 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente o recurso interposto e absolveu A…………, Lda., da prática da infracção que lhe tinha sido imputada, vem interpor recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (S.T.A.), no qual apresentou motivações que rematou com as seguintes conclusões: “I) Decidiu o Meritíssimo Juiz “a quo” pela procedência dos autos de Recurso, por considerar que “(…), no caso dos autos, resulta do probatório , que durante o ano de 2018, a recorrente não efectuou nenhum pagamento por conta, com base no rendimento que declarou para o exercício de 2017, contudo dessa falta de pagamento não resultou prejuízo para o Estado, pois em 2018 a Recorrente apurou prejuízos fiscais, não havendo por esse motivo, nesse ano, qualquer montante a pagar de imposto ao Estado (cfr. alíneas A) e G) do probatório) II) O Mmº Juiz “a quo” considerou que:” no exercício de 2018 a Arguida apurou prejuízo fiscal (…). E, assim sendo, a sua conduta não preencheu os elementos constitutivos da infracção prevista na alínea f), do n.º 5, do art.º 114º do RGI, por se verificar uma causa de exclusão da ilicitude a respeito da sua omissão, o que deverá conduzir à sua absolvição”. III) A questão decidenda prende-se com a (não) aplicabilidade à situação dos autos da previsão do disposto na alínea f) do n.º 5 do artigo 114.º do RGIT, apesar ser reconhecido pela Arguida e pela sentença “a quo” a falta de entrega do segundo pagamento por conta do imposto (IRC), no montante de €32.264,74, por se verificar que, para o mesmo período (ano de 2018), a Arguida “apurou prejuízo fiscal”; IV) Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 107.º do CIRC, quando o sujeito passivo verificar, pelos elementos de que disponha, que o montante do pagamento por conta já efetuado é igual ou superior ao imposto que será devido com base na matéria coletável do período de tributação, pode, efetivamente, deixar de efetuar o terceiro pagamento por conta, mas não o segundo; V) A decisão “a quo” ao defender que “se não houver lucro tributável, não há imposto devido. E não havendo imposto devido, não se verifica o evento jurídico-material de que a lei faz depender a punição (…)” não sendo devido o 2.º pagamento por conta pela Arguida, está a aplicar uma versão do citado n.º 1 do artigo 107.º que foi expressamente revogada do ordenamento jurídico; VI) Atuou devidamente, porque conforme à lei, a AT ao sancionar a conduta da arguida por esta violar o disposto na supra citada alínea a) do n.º 1 do artigo 104.º do CIRC, incorrendo assim na prática de uma contraordenação prevista e punida pelos artigos 114.º, n.º 2 e n.º 5 alínea f) do mesmo diploma e artigo 26º, n.º 4 do RGIT; VII) Ao decidir pela procedência do pedido, incorreu o Mmº Juiz a quo em erro de julgamento e violou o disposto nos art.º 79º n.º 1 e 114º n.º 1 do RGIT, bem como o n.º 1 do artigo 107.º do CIRC. Pelo exposto e com mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença recorrida como é de inteira JUSTIÇA.” I.2. Admitido o recurso, veio a referida sociedade a apresentar resposta em que apresentou as seguintes conclusões: “I. Decidiu a Meritíssima Juiz “a quo” pela procedência dos autos de recurso, por considerar que “(…)no caso dos autos, resulta do probatório, que durante o ano de 2018, a Recorrente não efectuou nenhum pagamento por conta, com base no rendimento que declarou para o exercício de 2017, contudo, dessa falta de pagamento não resultou prejuízo para o Estado, pois em 2018 a Recorrente apurou prejuízos fiscais, não havendo por esse motivo, nesse ano, qualquer montante a pagar de imposto ao Estado (cfr. alíneas A) e G) do probatório). II. A decisão recorrida conclui que no exercício de 2018, a arguida não apurou imposto a pagar, por conseguinte, a arguida não cometeu a infração de que lhe foi imputada, porquanto a sua conduta não preencheu os elementos constitutivos da infração prevista na alínea f) do nº 5 do artigo 114º do RGIT, por se verificar uma causa da exclusão da ilicitude a respeito da sua omissão, o que deverá conduzir á absolvição do ora arguido. III. Durante o ano de 2018, a Recorrente não efectuou nenhum pagamento por conta, com base no rendimento que declarou para o exercício de 2017, contudo, dessa falta de pagamento não resultou prejuízo para o Estado, pois em 2018 a Recorrente apurou prejuízos fiscais, não havendo por esse motivo, nesse ano, qualquer montante a pagar de imposto ao Estado (cfr. alíneas A) e G) do probatório). V. Não existindo dolo, a falta de entrega da prestação deduzida nos termos da lei é suscetível de constituir a infração por negligência, prevista no nº.2 deste artigo, sendo esta a espécie (ao nível do nexo de culpa - cfr.artº.24, nº.1, do R.G.I.T.) de contraordenação imputada ao arguido neste processo. VI. No âmbito do Código do I.R.C., enquanto regime de pagamento antecipado do imposto (diferente é o pagamento especial por conta previsto no artº.106, do C.I.R.C.), o pagamento por conta é devido pelos sujeitos passivos que exerçam a título principal atividades de natureza comercial, industrial ou agrícola, bem como pelas entidades não residentes com estabelecimento estável em território nacional (cfr.artº.104, nº.1, do C.I.R.C.; artº.33, da L.G.T.). VII. A lei prevê que o contribuinte fique dispensado de tal obrigação quando tenha tido, no exercício anterior, um lucro inferior a determinado montante. VIII. Por último, se o valor do lucro tributável do exercício em curso for inferior ao do anterior, os pagamentos por conta a que o sujeito passivo está obrigado resultam excessivos, assim correspondendo ao adiantamento de um imposto não devido. Para obviar a essas situações a lei permite que o sujeito passivo suspenda os pagamentos por conta. X. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. X. Ora, se nenhuma quantia pecuniária houver de ser (antecipadamente) entregue por conta do imposto devido a final, no concernente ao período de formação do facto tributário (a que se refere o "pagamento por conta") - mormente por inexistência de lucro tributável revelado pela contabilidade, a esse tempo - aquele "pagamento por conta" não tem fundamento substantivo. XI. Se não houver imposto devido (por não haver lucro tributável), a punição, para além de não respeitar a norma tipificadora da infração, desrespeitaria também a valoração jurídica decorrente da harmonia do sistema fiscal, onde se contêm normas a requerer a tributação de acordo com o lucro tributável do período e segundo a capacidade contributiva do devedor - conforme, aliás, a uma visão do Direito como ordem jurídica sistémica e unitária, onde, a propósito, ganham proeminência os princípios constitucionais da tributação do lucro real, da justiça, da legalidade e da proporcionalidade. XII. Nestas condições, a inexistência de lucro tributável no período fiscal a que se reporta o pagamento por conta em falta, encontra-se excluída a ilicitude da sua conduta no tocante à omissão do contribuinte (cfr.artº.31, do C.Penal; artº.2, nº.1, do R.G.I.T.). II. Entende a Recorrente que se incorreu em erro de julgamento e violou o disposto nos arts. 79º nº 1 e 114º nº 1 RGIT e ainda no art. 107º nº 1 CIRC, defendendo que na decisão se aplicou uma redacção do nº 1 do art. 107º CIRC expressamente revogada do ordenamento jurídico com a Lei nº 66-B/2012, 31/12; III. Todavia e em bom rigor a norma do art. 107º CIRC não foi determinante para a absolvição da Arguida mas antes os factos, fundamentais, de ter a Arguida apurado prejuízos fiscais não havendo por esse motivo qualquer imposto a pagar ao Estado, sendo que a norma do art. 114º nº 5 al. f) RGIT não prevê a punição da mera omissão da realização do pagamento por conta, mostrando-se absolutamente necessária a existência de imposto devido a final para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária. IV. Em termos substantivos os pagamentos por conta a efectuar ao longo do exercício são-no por conta do imposto final do exercício a que respeitam – traduzem adiantamentos - conforme decorre do disposto no art. 104º nº 1 al. a) CIRC, calculados a final, com vista a antecipar o pagamento do mesmo para o período em que se vai formando o facto tributário; VI. Do nosso ponto de vista, quando a final não for devido imposto não se verifica a prática de contra-ordenação por não estar preenchido o tipo incriminatório, seja porque não existe qualquer colecta ou porque o seu valor já se mostra pago antecipadamente. VII. Aquilo que está em causa, salvo melhor opinião, não é a interpretação e aplicação do art. 107º nº 1 do CIRC mas do princípio da legalidade do direito penal (in casu contra-ordenacional) previsto no art. 1º do C Penal segundo o qual “Só pode ser punido criminalmente o facto descrito e declarado passível de pena por lei anterior ao momento da sua prática”, consagrado no art. 29º nº 1 CRP e aqui aplicável por força do disposto no art. 32º RGCO; VIII. Na sua vertente de nullum crimen sine lege stricta este princípio proíbe a aplicação analógica da lei penal, a interpretação extensiva da incriminação em detrimento do arguido, bem como da interpretação restritiva de uma causa de justificação. IX. Não se mostrando preenchido o tipo objectivo previsto no art. 114º nº 1, 2 e 5 al. f) RGIT impunha-se a absolvição da arguida. B) Com base na declaração identificada em A) supra, foi apurado imposto a pagar pela Recorrente no exercício de 2017, no montante de €132.190,85 (cfr. fls. 148 dos autos, idem); C) Em 17-10-2018, em nome da Recorrente foi levantado um auto de notícia, pela Direcção de Serviços de Cobrança, por falta de entrega de pagamento por conta de IRC do período 2018/09, no valor de €32.264,74 (cfr. fls. 4 dos autos, ibidem); D) Em 18-10-2018, com base no auto de notícia identificado em C) supra, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Portimão, o processo de Contra-ordenação n.° 11122018060000129412, contra a Recorrente (cfr. fls. 3 dos autos, ibidem); E) Em 02-11-2018, a Recorrente exerceu o seu direito de defesa no processo de Contra-ordenação identificado em D) supra (cfr. fls. 9 a 15 e 23 dos autos, ibidem); F) Em 12-11-2018, foi proferido pelo Director da Direcção de Finanças de Faro, decisão de fixação da coima no âmbito do processo de Contra- ordenação referido em D) supra, no montante de €9.824,61, acrescida de €76,50 de custas processuais, pela prática de infracção prevista no artigo art.° 104.°, n.° 1, a) do CIRC - falta de entrega de pagamento por conta e punida pelo art.° 114.°, n.° 2 e 5, f) e art.° 26.°, n.° 4 do RGIT - falta entrega de pagamento por conta, nos seguintes termos: "(...) Descrição Sumária dos factos: 20LSO9 2016-09-39 9824.61 Responsabilidade contra-ordenacional Medida da Coima:
Contribuinte:
(cfr. fls. 67 a 68 dos autos, ibidem); G) Em 14-06-2019, a Recorrente apresentou a declaração Modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2018, identificada sob o n.° 1112-C0740- 15, na qual apurou um prejuízo fiscal no montante de €4.053,29, de que resultou uma matéria colectável e uma colecta de IRC nulas e IRC a pagar de €0,00, não tendo efectuado pagamentos por conta (cfr. fls. 162 e 165 a 175 dos autos, ibidem); Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão a proferir. |