Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:087/19.2BALSB
Data do Acordão:02/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:ZONA FRANCA DA MADEIRA
IUC
IMPOSTO
Sumário:I – O IUC é um imposto local, para os efeitos da isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.
II – Os impostos locais a que se refere a alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, nunca podem ser os impostos locais cujos factos tributários se encontram situados no território nacional, mas tão só no território regional.
Nº Convencional:JSTA000P27270
Nº do Documento:SAP20210224087/19
Data de Entrada:11/21/2019
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..................... LDA
Votação:UNANIMIDADE COM 2 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
A Autoridade Tributária e Aduaneira, vem nos termos do artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 2 e 4 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), na redação da Lei n.º 119/2019 de 18 de setembro, apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 225/2019-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a qual julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela sociedade A………….., LDA, com os demais sinais dos autos, deduzido contra atos de liquidação do Imposto Único de Circulação aplicado a embarcações de recreio registadas no RINM-MAR, relativas aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018.
O recorrente invoca oposição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão proferida no processo 79/2019-T, datada de 2019-07-13 do CAAD.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
A – O Acórdão arbitral recorrido (225/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral «declarar ilegal e anular, por erro nos pressupostos de direito:
- O ato de liquidação do Imposto Único de Circulação notificado através do oficio n.º 2019S000021535, de 27-01-2019 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1;
- O ato de liquidação do Imposto Único de Circulação notificado através do oficio n.º 2019S000021570, de 01-01-2019 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1;
- O ato de liquidação do Imposto Único de Circulação notificado através do oficio n.º 2019S000021583, de 17-01-2019 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1;
- O ato de liquidação do Imposto Único de Circulação notificado através do oficio n.º 2019S000021598, de 18-01-2019 do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1; ”.
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “(…) considera-se ter razão a Requerente em considerar que o Imposto Único de Circulação é um imposto local e que, por tal motivo, a embarcação objeto dos atos de liquidação impugnados, registada no Registo Internacional de Navios da Madeira – RINMAR, se encontra abrangida pelo regime fiscal estabelecido no art.º 7.º, al. d) do Decreto-Lei n.º 165/86. Estando abrangida pelo art.º 7.º, al. d) do Decreto-Lei n.º 165/86, a embarcação em causa está isenta de IUC, por este ser um imposto local.”
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 79/2019-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“A circunstância de as embarcações de recreio não afetas a fins comerciais poderem ser objeto de registo no RINM-MAR não implica que, por tal facto, possam beneficiar do regime de incentivos fiscais previstos nos artigos 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06 e 24.º do Decreto-Lei n.º 98/89, de 28/03, acessíveis às empresas que, no âmbito da Zona Franca da Madeira, exerçam atividades económicas.
As embarcações de recreio, registadas no MAR, que sejam afetas a atividades empresariais - fins comerciais – não se incluem no âmbito de incidência do IUC. Por seu lado, as embarcações de recreio de uso particular, na aceção do artigo 2.º, n.º 4, do CIUC, poderão beneficiar das isenções previstas no artigo 1.º do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22/08, relativamente a “atos de registo e demais atos” a elas relativos, não se incluindo, porém, no seu âmbito os impostos eventualmente devidos, sejam eles estaduais, regionais ou locais, designadamente o IUC, por ausência de previsão legal expressa.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
“Nestes termos, conclui-se que, na situação em apreço, não se verificam os pressupostos legais da isenção invocada pelo Requerente, pelo que terá necessariamente de improceder o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações impugnadas, as quais deverão manter-se na ordem jurídica por não enfermarem de ilegalidade.” pelo que julga totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo as liquidações de IUC impugnadas.”
E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se as embarcações de recreio, registadas no RINM-MAR, gozam de isenção de IUC, uma vez que são sujeitas à aplicação do regime fiscal previsto na legislação relativa à Zona Franca da Madeira.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de Imposto Único de Circulação de embarcações de recreio, registadas no RINM-MAR
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
L - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.

I.2 – Contra-alegações
Por despacho do Relator a fls. 28 do SITAF, foi a contra parte notificada para contra alegar, que veio fazer a fls. 42 a 49 do SITAF com o seguinte quadro conclusivo:
1.º A decisão arbitral recorrida é aquela cujos argumentos e respetiva conclusão se encontram de acordo com a lei, determinando a aplicação desta nos seus exatos termos.
2.º As liquidações oficiosas de Imposto Único de Circulação (IUC) em discussão nos autos dizem respeito aos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018 e, nesses anos, a recorrida era proprietária da embarcação objeto das mesmas e esta encontrava-se registada no RINMAR.
3.º A recorrida pagava à sociedade S.D.M – DESENVOLVIMENTO DA MADEIRA, S.A., com o NIPC 511025971 – a qual tutela o RINMAR -, a quantia de € 500,00/ ano, a título de taxa.
4.º Foi emitida a favor da recorrida, declaração de isenção de IUC pelo RINM-MAR.
5.º Nos termos do artigo 24.º do DL 96/89, de 28 de março, o regime fiscal aplicável às empresas que prossigam a atividade da indústria de transportes marítimos na Região Autónoma da Madeira, bem como aos navios registados no Registo Internacional de Navios da Madeira (RINMAR), é o previsto no DL n.º 165/86, de 26 de junho.
6.º O DL n.º 165/86, de 26 de junho prevê, na alínea d) do artigo 7.º, a isenção de taxas e impostos locais para as empresas instaladas na zona Franca da Madeira e, consequentemente, por força do disposto no n.º 2 do artigo 24.º do DL 96/89, de 28 de março, para os navios registados no RINMAR.
7.º O Imposto Único de Circulação (IUC) trata-se de um imposto local, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, “[é] da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70 % da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objeto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afeta ao município de residência do respetivo”.
8.º Por conseguinte, verifica-se que, para a maioria das categorias de veículos e na maioria dos casos, a receita do imposto pertence efetivamente aos municípios.
9.º Assim sendo, e considerando o que tem vindo a ser corroborado pela doutrina, de que o critério decisivo para que se considere um imposto como “imposto local” é o facto de a lei atribuir às autarquias locais a titularidade da respetiva receita, deve o IUC ser considerado como imposto local.
10.º Como tal, o IUC encontra-se abrangido pela isenção prevista na alínea d) do artigo 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho, sendo esta aplicável aos navios registados no RINMAR, como é o caso da embarcação em causa nos autos.
11.º O único pressuposto para que um navio beneficie do regime fiscal previsto no Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, é que o mesmo se encontre registado no MAR.
12.º Só importa, para benefício da isenção prevista na alínea d) do artigo 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho, que a taxa ou imposto em causa tenha natureza local.
13.º Se o legislador pretendesse prever qualquer outra condição de aplicação do regime fiscal previsto no Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, aos navios registados no RINMAR, ou, bem assim, que não bastaria a qualidade de imposto local para que fosse aplicada a isenção prevista na alínea d) do artigo 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho, tê-lo de ter dito.
14.º No caso em apreço, a lei não refere, de nenhuma forma, que a aplicação do regime fiscal previsto no Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, aos navios registados no RINMAR, esteja dependente de os proprietários destes serem residentes ou terem sede em determinado local.
15.º Nem, tão-pouco, que a isenção de taxas e impostos locais prevista d) do artigo 7.º do DL n.º 165/86, de 26 de junho, esteja dependente da receita do mesmo ter como destinatário um de determinados municípios.
16.º Pelo que não pode o intérprete fazer uma interpretação no sentido pretendido pela recorrente, porquanto esta não encontra na lei qualquer correspondência que a fundamente.
17.º No mesmo sentido da decisão que a recorrida pretende ver mantida, veja-se a decisão de 28 de maio de 2018, proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa, no processo n.º 663/2017-T.
18.º Foram violadas as seguintes disposições legais: artigo 2.º do CIUC; artigo 24.º do DL 96/89, de 28 de março; artigo 7.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho; artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho; artigo 14.º, alínea d), da Lei n.º 73/2013, de 03 de setembro; artigo 1.º do Anexo ao DL 192/2003, de 22 de agosto; artigo 9.º do Código Civil.
19.º Assim sendo, a isenção de IUC pelos fundamentos supra expostos deve ser aplicada aos proprietários de embarcações de recreio registadas de uso particular, no RINMAR, pelo que deve manter-se a decisão recorrida.

I.3 – Parecer do Ministério Público
Foi o seguinte o Parecer do Ministério Público:
«1.OBJETO.
Pronúncia do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 225/2019-T CAAD, em 31/10/2019, após a entrada em vigor da Lei 119/2019, que alterou o artigo 25.º/2 do RJAT, que julgou procedente pedido de anulação dos atos de liquidação oficiosa de IUC dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, incidentes sobre uma embarcação de recreio, no entendimento de que tal embarcação está isenta de IUC, nos termos dos artigos 7.º/1/ d) do DL 165/86, de 26/06 e 24.º/2 do DL 96/89,de 28/03, por alegada oposição com a decisão proferida no P. 79/2019-T do mesmo CAAD.
2.1. DA ADMISSIBILIDADE/PROSSEGUIMENTO DO RECURSO.
São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:
-Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;
-Trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;
-Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
-Ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha - Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:
-Deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
-A oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
-Não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
-As normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
-Em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão (decisão) fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (Obra citada, páginas 884/885 -Acórdão do STA, de 2012.06.06-P. 01103/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Como bem evidencia a recorrente é manifesta a verificação dos pressupostos para prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência.
De facto, em ambas as situações apreciadas pelas decisões arbitrais em confronto está em causa uma embarcação de recreio, com as caraterísticas referidas no artigo 2.º/1/ f) do CIUC, da titularidade de sujeitos passivos, com residência em Municípios do continente.
Todavia, enquanto a decisão fundamento entendeu que a embarcação não estava isenta de IUC, ao abrigo do disposto nos artigos 7.º/d) do DL 165/86 e 24.º/2 do DL 96/89, conjugados com as regras do CIUC e regime financeiro das autarquias locais, a decisão fundamento decidiu que se verifica a isenção de IUC, nos termos dos referidos DL 165/86 e 96/89, uma vez que o facto da receita do IMI pertencer a Municípios do continente será irrelevante para efeitos de isenção de IUC.
2.2. DO MÉRITO DO RECURSO.
Ressalvado o devido respeito pela posição adotada pela decisão recorrida entendemos que o recurso merece provimento, pelas razões invocadas na decisão fundamento (em consonância com as decisões proferidas nos processos 665/2017-T e 386/2018-T, disponíveis em www.caad.pt), cujo discurso fundamentador se subscreve.
Vejamos.
As incidências objetiva e subjetiva do IUC quanto às embarcações de recreio, como a dos autos, estão previstas nos artigos 2.º/2 e 3.º/1 do CIUC, sendo certo que o conceito de uso particular da embarcação consta do artigo 2.º/4 de Código em referência.
A competência para a administração do IUC pertence à DGI (artigo 2.º/1 da Lei 22-A/2007, de 29/06, que aprovou o CISV e o CIUC).
A receita gerada pelo IUC incidente sobre embarcações de recreio, como é o caso, é da titularidade do município de residência do sujeito passivo, que no caso é V. N Gaia e não da Região onde se encontra registada (artigo 3.º/1 da mesma Lei 22-A/2007).
Também, o artigo 14.º/c) da LFL, Lei 73/2013, de 03/09, lei com valor reforçado, (artigos 165.º e 238.º/3 da CRP), estatui que constitui receita dos municípios a parcela do produto do IUC que lhes caiba, nos termos do disposto no artigo 3.º da já citada Lei 22-A/2007.
Nos termos do artigo 7.º/d) do DL 165/86, de 26/06, decretado ao abrigo do artigo 77.º da LOE para 1986 (lei 9/86, de 30/04), as empresas instaladas na ZFM gozam de isenção de taxas e impostos locais.
Por sua vez, nos termos do estatuído no artigo 24.º/1 do DL 96/89, de 28/03, decretado ao abrigo do artigo 201.º /1/a) da CRP, o regime fiscal aplicável às empresas mencionadas no seu artigo 8.º é o previsto na legislação relativa à ZFM, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo estatui que tal regime fiscal se aplica também, aos navios registados no RINM-MAR.
O regulamento aplicável às embarcações de recreio registadas ou a registar no RINM-MAR foi aprovado pelo DL 192/2003, de 22, sendo que o seu artigo 1.º determina que os atos de registo e demais atos relativos às embarcações de recreio no RINM-MAR ficam sujeitos ao regime estabelecido no DL 96/89.
Nos termos do disposto no artigo 3.º/1/b) da LGT, os impostos podem ser estaduais, regionais e locais.
Nos termos do artigo 18.º/2 da LGT “Quando o sujeito ativo da relação jurídica tributária não for o Estado, todos os documentos emitidos pela administração tributária mencionarão a denominação do sujeito ativo.”
A lei não define um critério distintivo entre impostos estaduais regionais e locais.
Os critérios mais utilizados pela doutrina para estabelecer essa distinção são o da administração do tributo e o critério da titularidade da receita.
Todavia, a doutrina não é unânime quanto ao recorte a dar a essa classificação.
Assim, alguns autores entendem que o facto de as operações de lançamento, liquidação e cobrança serem feitos pelos serviços da AT, embora a titularidade da receita ser municipal, não basta para que se possa estar perante um imposto municipal, o que só poderá acontecer quando os municípios promoverem a respetiva liquidação e cobrança, nos termos do artigo 13.º/2 da LFL (Casalta Nabais, 2012, página 78).
Outros autores apenas atendem ao sujeito ativo da relação do tributo, independentemente de quem o gere, considerando, assim, o imposto como municipal desde que a lei estabeleça uma entidade diferente do Estado como sujeito ativo da respetiva relação de imposto (Suzana Tavares da Silva, Direito Fiscal-Teoria Geral, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, página 43).
No sentido de o sujeito ativo da relação jurídica tributária ser o credor do imposto, ou seja, o titular da receita por ele gerada, ver LGT, comentada e anotada, 2015, Almedina, páginas 147/150, José Maria Fernandes Pires (coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes e António Lima Guerreiro, LGT, anotada, página 114.
Todavia, o entendimento de que o sujeito ativo é o titular do crédito não é, no entanto, unívoco na doutrina (obra citada de José Maria Pires, páginas 149/150.
Não obstante tudo quanto se disse, como refere o acórdão fundamento, no caso em análise não interessa saber se o IUC é um imposto local, em abstrato, pois que a isenção em causa tem o seu âmbito de aplicação territorial limitado aos casos em que esta titularidade exista.
Quer dizer, a isenção não foi estatuída para impostos locais em abstrato, exigindo-se uma ligação a uma determinada receita de que se é titular.
Ora, no presente caso, o titular da receita do IUC não é o município ou Região onde a embarcação está registada, mas sim o município de Vila Nova de Gaia.
O preâmbulo do DL 165/86, e seus artigos 1.º, 2.º e 7.º confirmam a territorialidade da isenção.
Na verdade, a instalação das empresas implica, necessariamente, uma ligação ao território e uma materialidade que não é comparável ao mero registo de uma embarcação no RINM-MAR.
Resulta do preâmbulo do DL 96/89 que o RINM-MAR visa a competição internacional no setor da marinha mercante, procurando-se incentivar o registo de barcos de bandeira nacional.
Face ao estatuído no artigo 3.º/1 da Lei 22-A/ 2007 e 14.º/1/ a) da LFL (Lei 73/2013), lei de valor reforçado, não parece que o legislador tenha procurado incentivar o registo de barcos de bandeira nacional no RINM-MAR, limitando o acesso dos restantes municípios a uma importante fonte de receita fiscal.
Como bem acentua a decisão arbitral fundamento, a ligação da isenção em causa a uma determinada área territorial sai reforçada pelo estatuído nos artigos 15.º/b) / c)/, d)/ e)/ f) da LFL e 5.º/8/ b) do CIUC.
Como conclui a decisão fundamento “Assim, sem prejuízo de nem o artigo 24.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março, nem a alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei 165/86, de 26 de Junho, fazerem restrições quanto ao âmbito de aplicação territorial, da leitura conjugada dos referidos Decretos-Leis, bem como do Código do IUC e do Regime Financeiro das Autarquias Locais e Entidades Intermunicipais, resulta que não serão isentos impostos locais da titularidade de municípios do continente”.
3.CONCLUSÃO.
Deve dar-se provimento ao recurso e anular-se a decisão recorrida e, em substituição julgar-se improcedente o pedido de anulação das sindicadas liquidações de IUC, que devem ser mantidas na ordem jurídica.»

As partes foram notificadas do conteúdo do douto parecer do Magistrado do Ministério Público e sobre o mesmo nada vieram dizer.

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A decisão arbitral recorrida fixou a seguinte matéria factual:
1º: A Requerente era proprietária, à data dos factos tributários invocados, de uma embarcação de recreio.
2º A embarcação mencionada encontrava-se, ao tempo dos factos tributários invocados, equipada com um motor com potência superior a 20 KW.
3º A embarcação encontrava-se registada, à data dos factos tributários invocados, no Registo Internacional de Navios da Madeira – RINMAR – sob o nº R-..., e com indicativo de chamada ... .

A decisão arbitral fundamento proferida no processo n.º 79/2019-T, datada de 2019-07-13, deu como provado a seguinte factualidade:
15.1. O Requerente é proprietário de uma embarcação de recreio denominada “...” com o casco IT-..., matriculada em 22-10-2014, sob o n.º..., fls..., do Livro..., na Conservatória do Registo Comercial da Zona Franca da Madeira – Registo n.º R-... (Doc. 1).15.2. A embarcação referida recebeu a primeira matrícula em 01-10-2009, e tem a potência do motor de 1 044,00 kw (Cf. processo administrativo).
15.3. Na sequência de consulta formulada pelo Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), a Direcção Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira emitiu parecer, não vinculativo, no sentido de que, ao abrigo das disposições do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26/06, e artigo 24.º, n.º 2, do Decreto-Lei nº 96/89, de 28/03, o MAR “beneficia do regime fiscal previsto para a zona franca da Madeira, o qual dispõe que as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam de isenção de impostos locais e porque o IUC incidente sobre os veículos de categoria F é receita dos municípios, então as embarcações de recreio registadas no MAR beneficiam de isenção de IUC.” (Doc.3)
15.4. Com base referido parecer, o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), em 05-11-2014, através da sua Comissão Técnica, emitiu uma declaração certificando, “para os devidos, que a Embarcação de Recreio denominada “...”, registada no MAR sob o n.º R-..., Indicativo de Chamada CRA..., está isenta do pagamento do Imposto Único de Circulação, pelo facto de ser um benefício fiscal de natureza automática das embarcações de recreio registadas neste Registo consagrada em legislação específica (art.º 1.º D.L. 192/2003, de 22/08, conjugado com o n.º 2 do art.º 24.º do D.L. 96/89, de 28/03, e da alínea a) do art.º 7.º do D.L. 165/86, de 26/06)” (Doc. 4)
15.5. No pressuposto de poder beneficiar da isenção em causa, o Requerente, a partir do período de 2014, inclusive, não efetuou o pagamento do IUC relativo à embarcação em causa.
15.6. Entretanto, em resposta a consulta formulada pela Direcção de Finanças do Porto, foi homologado, por despacho da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 19-10-2015, parecer emitido pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais (DSIMT) que, em termos conclusivos, vai no sentido de que “ ... III. O regime fiscal da Zona Franca da Madeira não contempla qualquer benefício fiscal em sede de IUC. O Código do IUC prevê benefícios fiscais para outras categorias de veículos relacionados com a Zona Franca da Madeira, sem incluir a Categoria F. IV. As embarcações ... e ... se encontram, assim, sujeitas a IUC nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IUC, inexistindo norma que suspenda ou impeça a tributação.” – Informação n.º 1482/2015. De 14.7.2015, Proc. 1183/2015, integrante do processo administrativo.
15.7. Com base neste entendimento, a AT promoveu liquidações oficiosas de IUC relativas à embarcação supra identificada e aos períodos de tributação de 2014 e seguintes.
15.8. Nas referidas liquidações incluem-se as respeitantes aos períodos de 2018 e de 2019, cuja declaração de ilegalidade, e consequente anulação, constituem o objeto do presente processo:
2018..., emitida em 08-01-2019, no valor de 2 913,55;
- 2019..., emitida em 08-01-2019, no valor de 2 839,62.
15.9. Em 08-01-2019, o Requerente efetuou o pagamento das importâncias em causa.

II.2 – De Direito

I. O presente recurso vem interposto, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), da decisão arbitral proferida em 31/10/2019, no processo n.º 225/2919-T CAAD instaurado na sequência de pedido de pronúncia arbitral que julgou procedente a pretensão da Recorrida, ao anular os atos de liquidação oficiosa de Imposto Único de Circulação (IUC) aplicados a uma embarcação de recreio; inconformada vem a FP, ora Recorrente invocar que existe oposição de decisões entre a decisão arbitral sob recurso e a decisão proferida no processo n.º 79/2019-T do mesmo CAAD.

II. Importa começar por recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.

IV. Vertendo ao caso concreto presente nas decisões em confronto, parece inevitável concluir que nos encontramos diante situações de facto e de Direito que são manifestamente idênticas, pese embora tenham recebido soluções distintas, quando confrontado o teor da decisão arbitral recorrida com o teor da decisão arbitral fundamento.

Está em causa rigorosamente a mesma legislação aplicável, a factualidade em ambos os casos é absolutamente semelhante, houve uma decisão de fundo sobre a questão colocada ao Tribunal Arbitral em ambas as decisões arbitrais em confronto e a divergência então verificada ocorre ao nível dos fundamentos de sustento de tais decisões e, não, quanto ao mero sentido formal das mesmas.

Tudo isto surge, aliás, cristalinamente suportado quer no teor do requerimento de interposição do recurso, quer nas Contra-Alegações, quer no Parecer do MP junto deste Supremo Tribunal.

Importa, por isso, tomar posição acerca da dissonância interpretativa verificada em ambas as decisões arbitrais: a decisão arbitral recorrida (Processo n.º 225/2019) e a decisão arbitral fundamento (Processo n.º 79/2019) – ambas disponíveis em www.caad.org.pt.

Conheçamos, então, de fundo.

V. Atento todo o supra exposto, logo se evidencia que são duas as questões geradoras da divergência interpretativa que aqui nos são trazidas e determinantes da solução a dar in casu, relativa à aplicação ao IUC (Imposto Único de Circulação) de cada município da isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho (regime da Zona Franca da Madeira, doravante ZFM) a saber:

- se o IUC configura um dos impostos locais a que se refere uma tal norma;

- sendo a resposta afirmativa, saber se tal isenção respeita a toda a circunscrição nacional ou, estritamente, à circunscrição da Região Autónoma da Madeira.

VI. Comecemos então por apurar se nos encontramos diante um “imposto local”, para efeitos do disposto no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.

Desde logo, recorde-se o que estabelece tal normativo:

As empresas instaladas na Zona Franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais:

a) Isenção de sisa e de imposto sobre as sucessões e doações devidos pelas aquisições de bens imóveis destinados à sua instalação;

b) Isenção de imposto de mais-valias relativamente a transmissões onerosas de terrenos para construção e de bens ou valores do activo imobilizado por elas mantidos como reserva ou para fruição;

c) Isenção até 31 de Dezembro de 2011 de contribuição predial, contribuição industrial e de imposto complementar respeitantes aos rendimentos derivados do exercício da sua actividade na zona franca da Madeira;

d) Isenção de taxas e impostos locais;

e) Isenção de impostos extraordinários sobre lucros e despesas.” (sublinhado nosso)

Os termos lapidares com que tal isenção é descrita forçam a que se torne decisiva a qualificação (ou não) do IUC enquanto imposto local.

VII. E, já adiantamos, que a qualificação deste imposto enquanto imposto local nos parece inevitável.

É que, pese embora a existência de algum debate dogmático acerca do conceito de imposto local, julgamos que é apenas pelo critério que a Lei parece ter designado como pedra de toque para uma tal qualificação que terá de ser dada resposta a esta questão qualificatória. E tal critério – na ausência de qualquer auxílio dado a este respeito pela distinção qualificativa constante do artigo 3.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária – radica na consideração das soluções vertidas na Lei das Finanças Locais e que encontram igual suporte na LGT, a saber, o critério da titularidade originária do crédito fiscal.

Com efeito, é precisamente este critério que podemos observar, desde logo, no n.º 1 do artigo 18.º da LGT, quando prevê que: “O sujeito activo da relação tributária é a entidade de direito público titular do direito de exigir o cumprimento das obrigações tributárias, quer directamente quer através de representante.

Tal critério surge, ainda mais reforçado, quando a LFL, no seu artigo 14.º, vem prever que:

Constituem receitas dos municípios:

a) O produto da cobrança do imposto municipal sobre imóveis (IMI), sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º;

b) O produto da cobrança do imposto municipal sobre as transmissões onerosas e imóveis (IMT);

c) O produto da cobrança de derramas lançadas nos termos do artigo 18.º;

d) A parcela do produto do imposto único de circulação que caiba aos municípios, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho;

e) O produto da cobrança de contribuições, designadamente em matéria de proteção civil, nos termos da lei;

f) O produto da cobrança de taxas e preços resultantes da concessão de licenças e da prestação de serviços pelo município, de acordo com o disposto nos artigos 20.º e 21.º;

g) O produto da participação nos recursos públicos determinada nos termos do disposto nos artigos 25.º e seguintes;

h) O produto da cobrança de encargos de mais-valias destinados por lei ao município;

i) O produto de multas e coimas fixadas por lei, regulamento ou postura que caibam ao município;

j) O rendimento de bens próprios, móveis ou imóveis, por eles administrados, dados em concessão ou cedidos para exploração;

k) A participação nos lucros de sociedades e nos resultados de outras entidades em que o município tome parte;

l) O produto de heranças, legados, doações e outras liberalidades a favor do município;

m) O produto da alienação de bens próprios, móveis ou imóveis;

n) O produto de empréstimos, incluindo os resultantes da emissão de obrigações municipais;

o) Outras receitas estabelecidas por lei ou regulamento a favor dos municípios.” (sublinhados e negrito nosso).

VIII. Ora, por aqui se vê que, bem ou mal, o legislador distingue os impostos (e outros tributos) locais daqueles outros nacionais com base num tal critério.

Quanto aos primeiros – os impostos locais – o Município tem direito ao produto da sua cobrança: é uma receita própria do município, que nasce logo na sua esfera jurídica, ainda que a respectiva cobrança possa ser feita (desde logo, por razões práticas de não duplicação de organismos de cobrança) por terceiro, dando-se, em tal caso, a cobrança através de representante, como diz a LGT.

Diversamente se passam as coisas relativamente aos impostos nacionais, dos quais o Município também pode beneficiar, é certo, mas apenas por via da sua “participação” nos Fundos que para ele são transferidos, em conformidade com o artigo 25.º daquela mencionada LFL. O Município não é, quanto a estes, o titular originário do respectivo crédito, nem o pode exigir, seja diretamente seja através de representante, ao sujeito passivo: só o pode exigir ao devedor dos Fundos, que é o próprio Estado.

Era este também, diga-se de passagem, o critério que já vigorava à data em que o diploma cuja norma aqui está em análise entrou em vigor – cfr. o artigo 3.º, n.º 1 da Lei n.º 98/84, de 29 de Março (LFL 1984) – e que tem sido, reiteradamente, adotado desde então, nas sucessivas Leis de Finanças Locais.

Por fim, aponta igualmente neste sentido o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 22-A/2007 de 29 de junho, que aprovou os Códigos do Imposto sobre Veículos e do Imposto Único de Circulação, quando sublinha que “é da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, bem como 70% da componente relativa à cilindrada incidente sobre os veículos da categoria B, salvo se essa receita for incidente sobre veículos objecto de aluguer de longa duração ou de locação operacional, caso em que deve ser afecta ao município de residência do respectivo utilizador.

Mais concorre, por fim, neste mesmo sentido a jurisprudência do Tribunal Constitucional que, muito avisadamente, foi carreada para a decisão arbitral recorrida, e de onde se extrai, por identidade de razão, uma forçosa equivalência qualificativa entre o IMT, o IMI e a Derrama (Municipal) e o IUC.

Portanto, a resposta à questão de saber se o IUC se deve qualificar como um imposto local terá de ser afirmativa, como muito correctamente se entendeu na sentença recorrida, não sendo de relevar, portanto, o critério da administração e cobrança do imposto, como vem sustentar a Recorrente.

IX. Importa, todavia, sublinhar que tal resposta à primeira questão não é, em nossa opinião, suficiente para esclarecer acerca do âmbito espacial de aplicação da isenção do artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, ao IUC cobrado num município do território continental (ou de outra região autónoma).

É o que analisaremos de seguida.

E começamos, para tal efeito, por recordar o desígnio do regime fiscal da ZFM – e que traduz, simultaneamente, a função que os benefícios fiscais são chamados a cumprir – e que se encontra bem expresso no artigo 1.º daquele regime:

Para promoção e captação de investimentos na zona franca da Madeira poderão ser concedidos benefícios fiscais e financeiros de âmbito regional, com os seguintes objectivos:

a) Promover a instalação de novos projectos de investimento;

b) Atrair e fixar factores de produção;

c) Apoiar o arranque e a estabilização das empresas instaladas.” (sublinhados nossos)

Ora, já por aqui se vê a função que os benefícios fiscais vertidos no artigo 7.º daquele diploma são chamados a cumprir, a saber, a promoção do desenvolvimento económico de uma região ultra-periférica portuguesa (e, à data daquela legislação, ainda o era mais): a Região Autónoma da Madeira.

Importa, assim, questionar como se cumpre um tal desiderato: alargando o âmbito da isenção do IUC ao ponto de abarcar todos os municípios do território nacional titulares de tal imposto ou, ao invés, limitando tal benefício à própria ZFM ou, quanto muito, aos municípios da Região Autónoma titulares de tal imposto?

X. Ora, estamos crentes que a resposta a esta questão terá de ser, inevitavelmente, a segunda; e isto apesar de, como bem sublinha a Recorrida, não ser feita qualquer distinção peremptória pelo legislador, para efeitos de aplicação do regime em vigor na Madeira, em função do local da residência ou sede dos proprietários dos navios registados no RINMAR.

Sem prejuízo, assim terá de ser por força de outros critérios hermenêuticos além do estritamente literal.

Desde logo, não se vê que benefícios poderiam advir para a Região Autónoma da Madeira da concessão de isenção de IUC em todo o território nacional, para além da promoção do mero registo formal no Registo Internacional de Navios da Madeira – RINMAR. E mais assim é porquanto, funcionando o dito registo enquanto “elemento de dinamização da marinha de comércio nacional” – cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março - não se compreenderia como a isenção de embarcações de recreio de uso particular (“para fins não comerciais”, como esclarece a lei – cfr. artigo 2.º, n.º 4 do Código do IUC) de IUC no território nacional poderia beneficiar aquela Região Autónoma, na medida em que tal significaria que as empresas titulares de tais embarcações (com os seus correspondentes ativos, pessoal e riscos) não se encontrariam lá situadas, mas antes no território nacional.

Acresce, ainda, que seria dificilmente compreensível a aceitação, por uma interpretação absolutamente literal da lei (semelhante àquela sufragada na decisão arbitral ora recorrida), que a promoção do desenvolvimento da Região Autónoma da Madeira se fizesse a expensas de despesa fiscal de municípios que são absolutamente alheios a tal desiderato.

XI. A isto há que aditar a sistemática do próprio diploma onde se encontra consagrado o dito benefício fiscal.

Sucede que a mesma parece apontar no sentido da territorialidade da isenção – como sucedia, aliás, com a generalidade dos impostos que, antes da Reforma Fiscal de 1989, ali se encontram referidos –, porquanto as isenções ali consagradas se encontravam restritas às “aquisições de bens imóveis destinados à sua instalação” (das empresas), “terrenos para construção e de bens ou valores do activo imobilizado por elas mantidos como reserva ou para fruição” e “rendimentos derivados do exercício da sua actividade na zona franca da Madeira”, ou seja, tudo actividades local ou regionalmente situadas e que, efectivamente, beneficiavam o desenvolvimento económico da Região Autónoma da Madeira.

Em simultâneo, o regime da ZFM foi (e continua a ser) pautado por um princípio de não contaminação do âmbito das respectivas isenções com o território nacional situado fora da zona franca, o que bem se compreende, pelo facto de, a não ser assim, tal acabar por afetar a receita nacional e traduzir-se em verdadeira despesa fiscal - ao invés de configurar mera despesa fiscal virtual.

Corolário lógico de tudo o exposto é, portanto, o seguinte: a restrição territorial patente no âmbito das demais isenções fiscais deve valer quanto à isenção dos impostos locais – como seja o IUC – devendo a mesma restringir-se ao âmbito territorial da própria Zona Franca ou, quanto muito, da Região Autónoma cujo desenvolvimento pretende desenvolver – na linha do sublinhado no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho (“benefícios fiscais… de âmbito regional”) – porquanto corresponde à parte do território nacional que, precisamente, vai beneficiar do dito regime de vantagem consagrada para a respectiva Zona Franca.

A não ser assim, era inevitável a transformação da ZFM num entreposto meramente formal de fuga ao IUC, com a concomitante transformação do registo dos navios num inócuo mecanismo de desenvolvimento da própria Região Autónoma onde a Zona Franca se situa. E não nos parece que possa ter sido essa a intenção do legislador quando modelou um tal regime.

III. Conclusão

I – O IUC é um imposto local, para os efeitos da isenção prevista no artigo 7.º, alínea d) do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.

II – Os impostos locais a que se refere a alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho, nunca podem ser os impostos locais cujos factos tributários se encontram situados no território nacional, mas tão só no território regional.

IV. Decisão

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam tomar conhecimento do mérito do recurso, concedendo-lhe provimento, anulando a decisão arbitral recorrida e, em substituição, julgar-se improcedente o pedido de anulação das sindicadas liquidações de IUC, que devem ser mantidas na ordem jurídica.

Custas pela recorrida.



Lisboa, 24 de Fevereiro de 2021. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (Com declaração de voto em anexo) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes (Com declaração de voto em anexo) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

Declaração de Voto
Voto a decisão.
A decisão do caso não passa, a meu ver, por saber se o IUC é um imposto local ou regional e se, em decorrência, o facto tributário respectivo ocorreu local ou regionalmente.
Porque a questão colocada está a montante da caracterização do tributo e passa por saber se o proprietário de uma embarcação de recreio de uso particular registada na “MAR” pode ser equiparado a uma empresa instalada na “ZFM” para os efeitos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de Junho.
E a esta questão deve responder-se negativamente. Fundamentalmente, porque o n.º 2 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de março, deve ser interpretado em articulação com o seu n.º 1.
O n.º 1 vem dizer que as sociedades que prossigam actividades de indústria de transportes marítimos ou de marinha de recreio na “RAM” fazem parte da “ZFM” desde que o requeiram e sejam para o efeito licenciadas.
O n.º 2 estende este regime aos navios registados no “MAR”, porque se considera, para todos os efeitos, que eles exercem a sua actividade na “ZFM” – artigo 6.º, n.º 1, do mesmo diploma.
Apesar de operarem no meio ambiental marinho – seu artigo 5.º, alínea e).
Na prática, o significado daquele preceito é o de estabelecer a presunção legal, derivada do registo, de que os navios registados na “MAR” para o exercício de uma actividade, a exercem na “ZFM”. E é por isso que os seus proprietários beneficiam do regime fiscal da “ZFM”.
Mas é necessário, desde logo, que estejam registados para o exercício de uma actividade. Nem seria curial que se considerasse que exercia a sua actividade na “ZFM” um navio que nem se encontrasse registado para o exercício de actividade nenhuma.
Ora, as embarcações de recreio podem ser registadas para fins comerciais e para fins lúdico-desportivos do seu proprietário ou de terceiros, a título gratuito – é o que resulta do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 192/2003, de 22 de agosto.
E as embarcações de recreio que sejam registadas para fins lúdico-desportivos não prosseguem, naturalmente, nenhuma actividade na “ZFM”. Nestas circunstâncias, é o próprio registo que o declara.
E, assim sendo, o respectivo titular também não podem beneficiar do regime fiscal aplicável aos navios que exercem a sua actividade no âmbito da “ZFM”.
É assumido pela própria Requerente que a embarcação em causa é «de uso particular».
Pelo que não pode beneficiar do regime fiscal a que, na melhor interpretação dos preceitos, só podem aceder as embarcações registadas na “MAR” para o exercício de uma actividade comercial.
E a tal não obsta que seja emitida pelo “RINM-MAR” uma declaração de isenção do IUC. Porque não é aquela instituição que compete emitir declarações de isenção fiscal. A sua função é declarar o que registou.
Em conclusão: o proprietário de uma embarcação de recreio de uso particular não pode ser equiparado a uma «empresa instalada na zona franca da Madeira» para os efeitos do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86 citado.
E as entidades que não possam equiparar-se, por força de lei, a empresas instaladas na “ZFM” não gozam dos benefícios fiscais que a lei atribui a essas empresas.
Nuno Bastos.

Declaração de Voto
Dou voto concordante ao provimento do recurso.
Face às divergências na doutrina bem como nas decisões proferidas no CAAD, tendo a considerar que não é possível operar a isenção de IUC relativamente a navios a não ser quanto àqueles que operem nas rotas dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, critério que não foi erigido no I.U.C. como condição da isenção.
Outro entendimento poderia provocar práticas discriminatórias, sendo suscetível de ser visto como ajudas de Estado, de acordo com os artigos 107.º, n.ºs 1 e 3, a), e 108.º do T.F.U.E..
Com efeito, analisando o Regulamento UE n.º 651/2014, da Comissão de 16-6-2014, que analisou a compatibilidade de benefícios fiscais anteriormente concedidos, deteta-se em relação o constante do ponto 70, segundo o qual "os auxílios no domínio dos transportes aéreos e marítimos de passageiros têm um caráter social sempre que se destinarem a responder ao problema das ligações constantes para os habitantes de regiões periféricas, reduzindo certos custos dos bilhetes de transportes em seu benefício. Tal pode ser o caso das regiões ultraperiféricas, Malta, Chipre, Ceuta e Melilha, e de outras ilhas que fazem parte do território de um Estado-Membro, bem como das zonas escassamente povoadas. Sempre que uma região periférica estiver ligada ao Espaço Económico Europeu por diversas vias de transporte, incluindo rotas indiretas, os auxílios devem ser possíveis para todas essas rotas e para o transporte efetuado por todas as transportadoras que operem nessas rotas. Os auxílios devem ser concedidos sem qualquer discriminação quanto à identidade da transportadora ou do tipo de serviço prestado e pode incluir serviços regulares, charter e de baixo custo."
Paulo Antunes.