Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/09
Data do Acordão:03/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:IRC
RETENÇÃO NA FONTE
DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS
NÃO RESIDENTE
QUESTÃO DE DIREITO COMUNITÁRIO
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:Suscitada no processo questão de interpretação dos artºs 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE e do artº 5º, nº 1 da Directiva 90/435/CEE, do Conselho, de 23/7/90, justifica-se o reenvio prejudicial para o TJCE, nos termos do artº 234º do Tratado de Roma, suspendendo-se a instância até pronúncia deste Tribunal.
Nº Convencional:JSTA00066329
Nº do Documento:SA22010031001
Data de Entrada:01/05/2009
Recorrente:A... E FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... E FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:REENVIO PREJUDICIAL.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:CIRC88 ART80 N2 C ART88 N3 B N4 N5.
CIRS88 ART71 A D.
EBFISC01 ART59.
Legislação Comunitária:TCE ART12 ART43 ART46 ART56 ART58 N3.
DIR CONS CEE 90/435/CEE DE 1990/07/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A…, SL, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que concedeu parcial provimento à impugnação que aquela deduziu contra o acto de liquidação de IRC e ISDA (Imposto sobre sucessões e doações por avença), relativo ao exercício de 2003, no valor global de € 1.622.871,60, dela vem interpor recurso para esta Secção do STA.
A Fazenda Pública, também inconformada com a referida sentença, dela interpôs recurso para o TCA Sul.
Contudo este Venerando Tribunal declarou-se incompetente, em razão da hierarquia, para a sua apreciação, por ser competente esta Secção do STA, uma vez que versava apenas matéria de direito, para onde subiu, também, o recurso.
Em consequência, formularam, ambos, as seguintes conclusões:
A) IMPUGNANTE A…
A). A ora recorrente é uma sociedade domiciliada em Espanha, sem qualquer estabelecimento estável em Portugal, titular, desde Dezembro de 2000, de uma participação no capital social da B…, adquirida pelo valor global de Euros 320.436.410,00 (trezentos e vinte milhões, quatrocentos e trinta e seis mil, quatrocentos e dez euros);
B). A 12 de Junho de 2003, a B… procedeu ao pagamento de dividendos no valor global de Euros 9.273.552,00, relativos ao lote de 57.959.700 acções, então detidas pela recorrente no capital da B…;
C). Sobre o valor bruto dos dividendos devidos pela B… à ora recorrente, incidiu uma retenção na fonte de IRC à taxa de 25%, e uma retenção na fonte de ISD, à taxa de 5%, no valor, respectivamente, de Euros 1.159.194,00 e de Euros 463.677,60;
D). A retenção na fonte de IRC foi efectuada sobre metade do valor dos dividendos brutos distribuídos pela B… à ora recorrente, atentas as disposições conjugadas dos artigos 88º nº 1, alínea c) e nº 3 do Código do IRC e do artigo 59.° do EBF, na redacção deles vigentes em 2003. Tal retenção assumiu ainda, nos termos do disposto no n.° 3, alínea b) do artigo 88.° do Código do IRC, uma natureza definitiva;
E). Contudo, se a ora recorrente fosse uma entidade domiciliada em Portugal - e não em Espanha -, os rendimentos de dividendos por esta recebidos da B…, no ano de 2003, não teriam sido já sujeitos, nem a qualquer retenção na fonte, nem a qualquer tributação em termos finais — cfr. artigo 46.°, n.° 1 e artigo 90.°, n° 1, alínea c) do Código do IRC;
F). E, mesmo que a ora recorrente não preenchesse todas as condições previstas no n.° 1 do artigo 46.° do Código do IRC — o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio atento o disposto no 71.°, n.° 2, alínea a) do Código do IRS aplicável ex vi o n.° 4 do artigo 80º do Código do IRC e do n.° 7 do artigo 46.°, também do Código do IRC, a ora recorrente apenas tenha sofrido uma retenção na fonte de 15%, e, em termos finais, apenas, seria tributada sobre 25% dos rendimentos de dividendos incluído na base tributável;
G). Com efeito, se compararmos os regimes de tributação dos dividendos em sede de IRS, aplicável em 2003, às sociedades residentes e às sociedades não residentes em Portugal, constatamos que existiam diferenças muito significativas entre o dispensado às primeiras e o dispensado às segundas, quer ao nível das taxas de retenção na fonte aplicáveis, quer ao nível da natureza de tal retenção, quer ainda ao nível dos requisitos exigidos para efeitos de não tributação dos rendimentos de dividendos;
H). Assim
- enquanto que, a taxa de retenção na fonte aplicável às sociedades residentes era, em 2003, de 15%, a aplicável às não residentes era já de 25%;
- enquanto que a retenção na fonte aplicável às sociedades residentes assumia a natureza de pagamento por conta (podendo ser, assim, “recuperada” em termos finais), a retenção na fonte aplicável às sociedades não residentes assumia uma natureza definitiva,
- enquanto que uma sociedade residente em Portugal não seria tributada sobre os rendimentos de dividendos que lhe fossem distribuídos por outras sociedades aqui residentes, desde que detivesse directamente uma participação no capital da sociedade distribuidora não inferior a 10% ou com um valor de aquisição não inferior a Euros 20.000.000 e esta tivesse permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da colocação à disposição dos lucros, uma sociedade não residente, seria sempre tributada sobre tais rendimentos;
- em 2003, uma sociedade não residente, que se domiciliada noutro Estado-membro da União Europeia, apenas poderia não ser tributada em Portugal se detivesse uma participação directamente no capital da sociedade distribuidora não inferior a 25% e esta tivesse permanecido na sua titularidade, de modo ininterrupto, durante os dois anos anterior à data da colocação à disposição dos lucros.
I). Os residentes e os não residentes, a propósito do recebimento de dividendos, encontram-se em idêntica situação objectiva,
J). A retenção efectuada à ora recorrente, no ano de 2003, referida nos presentes autos, ao consubstanciar uma discriminação injustificada entre residentes e não residentes fiscais em Portugal em matéria de tributação de rendimentos de dividendos de fonte interna (i.e, distribuídos por sociedades residentes em território nacional) violou os princípios constitucionais da igualdade e o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, expressos, respectivamente, nos artigos 12.° e 13º e no artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, em clara negação dos artigos 12.°, 43.°, 46 °, 56 ° e 58º nº 3 do Tratado CE;
L). A existência in casu de uma discriminação arbitrária, em clara violação face ao direito comunitário decorre claramente da jurisprudência, particular dos acórdãos do TJCE Denkavit Internationaal BV, Denkavit França SARL contra o Ministre de l’Économie, des Finances et de l’Industrie e, mais recentemente, do acórdão Amurta;
K). O acórdão Amurta coloca, aliás, em evidência a discriminação que foi vítima a ora recorrente, quando, a propósito de uma situação em tudo idêntica à dos autos, sublinha que a incompatibilidade dos regimes fiscais nacionais, em matéria de tributação de dividendos, face ao direito comunitário, não se afere apenas face ao disposto na Directiva Mães-Filhas, mas também, e sobretudo, à face dos princípios comunitários da igualdade fiscal e da não discriminação e da livre circulação de capitais;
M). A sentença recorrida, acolhendo apenas parte da argumentação de direito apresentada pela ora recorrente, limitou-se a julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pela ora recorrente, fundamentando tal decisão no facto de a liquidação de imposto impugnada consubstanciar “uma violação do Tratado Internacional celebrado entre Portugal e a Espanha, dado que a taxa de retenção a aplicar deveria ser de 15%, e não de 25%, incluindo a retenção no ISD.”
N). Da sentença recorrida resulta, assim, uma devolução de imposto à ora recorrente apenas no valor de Euros 927.355,20, resultante da anulação de parte da retenção na fonte de IRC no montante de Euros 463.677,60 (correspondente ao diferencial entre a aplicação de uma taxa de 25% e uma taxa de Euros 15%, sobre metade do valor dos dividendos — única “consentida” pelo Tratado internacional celebrado entre Portugal e Espanha) e da anulação da retenção efectuada a título de ISDA, no montante de Euros 463.677,60;
O). A sentença recorrida, ao defender uma interpretação contrária à agora sustentada pela ora recorrente violou os princípios constitucionais da igualdade e o princípio da tributação das empresas pelo lucro real, expressos, respectivamente, nos artigos 12° e 13.° e no artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa, e, ainda, os princípios da não discriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, em clara negação dos artigos 12º, 43º, 46º, 56º e 58º nº 3 do Tratado CE;
P). A sentença recorrida deverá, por isso, ser revogada na parte em que não concedeu provimento ao pedido principal deduzido pela ora recorrente nos autos de impugnação, e como tal, anulado totalmente o acto de retenção de IRC, na parte ainda não determinada pela sentença recorrida.
A Fazenda Pública não contra alegou.
B) FAZENDA PÚBLICA
1) Alega a recorrida que a liquidação do imposto consubstancia uma violação de tratado Internacional celerado entre Portugal e a Espanha dado que a taxa de retenção a aplicar deveria ser de 15% sobre metade dos dividendos e não de 25% incluindo a retenção no ISD por aplicação do artº 59º do EBF.
2) No douto aresto confirma-se que assiste razão à impugnante e que atento a que é uma sociedade de direito espanhol, pagando naquele Estado os seus impostos, deveria ter-lhe sido efectuada a retenção na fonte à taxa constante da Convenção Internacional celebrada entre Portugal e Espanha, ou seja a taxa de 15%.
3) Nos termos do artº 10º nº 2 b) da CDT entre Portugal e Espanha a taxa de 15% aplica-se ao montante bruto dos dividendos de e não à sua metade como vem pedido e foi decidido.
4) Os benefícios fiscais em causa não são cumulativos, pelo que, para além do disposto na Convenção, não é aplicável ao caso sub juditio o benefício fiscal estabelecido no artº 59º do EBF.
5) Ao conceder provimento ao pedido da impugnante a Meritíssima Juíza “ a quo” violou o disposto no citado artº 10º nº 2 b) da mencionada Convenção.
A recorrida A… SL contra-alegou nos termos que constam de fls. 435 e seguintes, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir do seguinte modo:
21. A sentença recorrida, ao julgar parcialmente a impugnação apresentada pela ora recorrida, contra os actos de liquidação de IRC e de ISD, praticados no ano de 2003, interpretou correctamente o disposto no ADT Portugal — Espanha, e aplicou correctamente os princípios gerais de direito relativos a estes tratados bilaterais internacionais.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 480, no sentido de ser negado provimento ao recurso da impugnante e concedido provimento ao recurso da Fazenda Pública. E, posteriormente, emitiu novo parecer, a fls. 494, no sentido do reenvio prejudicial do presente recurso ao TJCE, com a consequente suspensão da instância até pronúncia deste Tribunal.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante tem a sua sede em Espanha;
2. Em Dezembro de 2000 a impugnante adquiriu 12.091.940 acções representativas do capital social da B…, com sede e direcção efectiva em Portugal, pelo preço unitário de € 26,50, perfazendo o montante total de € 320.436.410,00 (cfr. doc. junto a fls. 145 a 207 dos autos);
3. Em 2001 ocorreu a privatização integral da B…, SA (cfr. doc. junto a fls. 123 a 144 dos autos);
4. Em 12/06/2003 a B… distribuiu m dividendo líquido por acção no valor de € 0,16 (cfr. doc. junto a fls. 208 a 210 dos autos);
5. Em consequência do mencionado na alínea anterior a impugnante, face à detenção do lote de 57.959.700 acções recebeu o montante de € 9.273.552,00 a título de dividendos (cfr. doc. junto a fls. 208 a 210 dos autos);
6. Consequentemente ao mencionado na alínea anterior, a impugnante foi tributada à taxa de 25% sobre metade do quantitativo dos dividendos distribuídos, no montante de € 1.159.194,00 (cfr. doc. junto a fls. 208 a 210 dos autos);
7. A impugnante foi tributada em ISD, por avença, em consequência do mencionado na alínea 4) no montante de € 463.677,60 (cfr. doc. junto a fls. 208 dos autos);
8. A retenção na fonte teve carácter definitivo dado que a impugnante não é residente em Portugal nem detém qualquer estabelecimento estável em Portugal (cfr. doc. junto a fls. 265 dos autos).
3 – Passemos, então, à apreciação dos presentes recursos.
3.1 - RECURSO DA IMPUGNANTE A…
Nas conclusões da sua motivação do recurso, a impugnante suscita a questão da violação dos princípios comunitários da não descriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artºs 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como do artº 5º, nº 1 da Directiva 90/435/CEE, face ao conteúdo da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação.
Na sentença recorrida e com a fundamentação nela expressa entendeu-se que não se verificavam as alegadas violações.
Sendo assim e na prática, o que se pretende saber é se, a retenção na fonte de imposto sobre o rendimento, relativo ao ano de 2003 com que foi tributada uma sociedade não residente no território nacional, efectuada à taxa de 15%, face ao conteúdo da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, em consequência de dividendos líquidos que foram colocados à sua disposição, na sua qualidade de accionista de sociedade residente em Estado-Membro, de harmonia com os artºs 80º, nº 2, al. c) e 88º, nºs 3, al. b), 4 e 5 do CIRC, 71º, als. a) e d) do CIRS e 59º do EBF, na redacção de então, viola os princípios da não descriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos preditos artigos do Tratado da CEE, bem como o referido artigo da citada Directiva 90/435/CEE.
Daqui resulta, que se questiona a interpretação de preceitos comunitários.
Entende-se, por isso, necessária pronúncia do Tribunal de Justiça das Comunidades, nos termos do disposto no artº 234º do Tratado de Roma, sendo o reenvio obrigatório, uma vez que da decisão deste Tribunal não cabe recurso.
Impõe-se, pois, a formulação da seguinte questão ao Tribunal de Justiça das Comunidades:
- A retenção na fonte de imposto sobre o rendimento, relativo ao exercício de 2003, com que foi tributada uma sociedade não residente no território nacional, efectuada à taxa de 15%, face ao conteúdo da Convenção celebrada entre Portugal e Espanha para evitar a dupla tributação, em consequência de dividendos líquidos que foram colocados à sua disposição, na sua qualidade de accionista de sociedade residente em Estado-Membro, de harmonia com os artºs 80º, nº 2, al. c) e 88º, nºs 3, al. b), 4 e 5 do CIRC, 71º, al. a) e d) do CIRS e 59º do EBF, na redacção de então, viola os princípios da não descriminação, da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, consagrados nos artºs 12º, 43º, 46º, 56º e 58º, nº 3 do Tratado da CEE, bem como o artº 5º, nº 1 da Directiva 90/435/CEE do Conselho, de 23/7/90?
4 – Nestes termos, acorda-se em decidir suspender a instância até à pronúncia do TJCE e ordenar a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste STA à daquele Tribunal, com pedido de decisão judicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da impugnante e todas as peças processuais posteriores, bem como fotocópias dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.
Custas a considerar a final.
Lisboa, 10 de Março de 2010. – Pimenta do Vale (relator) – Valente Torrão – Isabel Marques da Silva.