Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01231/12
Data do Acordão:02/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:IVA
ISENÇÃO
AGRUPAMENTO COMPLEMENTAR DE EMPRESAS
Sumário:I - No âmbito da vigência dos artsº 9º, nºs. 23 e 23-A e 12º, nº 1, al. d) do CIVA, na redacção então em vigor, introduzida pelo nº 1 do artº 35º da Lei nº 102-B/2001 e posteriormente revogada pela Lei nº 53/2006 de 29/12, a aplicação da isenção prevista nos nºs 23 e 23-A do artigo 9.º do CIVA nos serviços prestados por um agrupamento complementar de empresas (ACE) aos seus membros isentos ou com percentagens de dedução inferiores ou iguais a 10%, nas situações em que esse mesmo ACE integre também um ou mais membros com percentagens de dedução superiores a 10% tem como consequência passarem a não estarem isentas de IVA as prestações de serviços agrupamento a favor daqueles «elementos do grupo» relativamente aos quais a ultrapassagem do limite se verificou, mantendo-se todavia isentas as operações com os elementos do grupo que mantêm percentagens de dedução não superiores a 10%, respeitadas que sejam, as demais condições de que o nº 23 do artigo faz depender a isenção.
II - Esta isenção é passível de renúncia caso a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros, determinada nos termos do artigo 23.º, não seja superior a dez por cento (artº 12º, nº 1, al. d) do CIVA, na redacção que lhe foi dada pelo nº 1 do artº 35º da Lei nº 102-B/2001).
Nº Convencional:JSTA00068591
Nº do Documento:SA22014021201231
Data de Entrada:11/12/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, ACE
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CIVA ART9 N23 N23-A ART12 N1 D.
Legislação Comunitária:6 DIRECTIVA ART13 A N1 F
Referência a Doutrina:CLOTILDE CELORICO PALMA - INTRODUÇÃO AO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO.
JOSÉ GUILHERME XAVIER BASTO - CADERNOS DE CIÊNCIA E TÉCNICA FISCAL JUNHO 2007 PAG180.
ALEXANDRA MARTINS - REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANOI N2 PAG136.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Vem a Fazenda Publica interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., ACE, melhor identificada nos autos, por dividas de IVA e juros compensatórios no valor global de € 8.612.928,77 referente ao ano de 2004.

Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
« 1— A ora impugnante A……., ACE, é um agrupamento complementar de empresas — ACE, cujo objecto é a prestação de diversos serviços tendo em vista a actividade desenvolvida por cada um dos membros agrupados.
II — No ano de 2004 a AT a ora impugnante deixou de poder beneficiar da isenção a que se refere os nºs. 23º e 23º - A do artº 9º do CIVA, que vinha usufruindo em virtude de o Banco B……. de Investimento, membro do referido ACE, ter passado deter uma percentagem de dedução de IVA (pró rata) superior a 10%.
III — Dispõe os nºs. 23 e 23-A do artº 9º do CIVA em resultado da transposição para a ordem jurídica nacional do disposto na alínea f) do nº 1 da parte A) do artº 13º da Sexta Directiva, no que respeita à exclusão da tributação das prestações de serviços fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, que “as prestações de serviços efectuadas por agrupamentos autónomos de pessoas que exercem uma actividade isenta, ou relativamente à qual não tenham a qualidade de sujeito passivo, tendo em vista prestar aos seus membros os serviços directamente necessários ao exercício dessa actividade, quando os referidos agrupamentos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes corresponde nas despesas comuns, se tal isenção não for susceptível de provocar distorções de concorrência.”
IV — O D.L. nº 204/97 de 9 de Agosto veio aditar o nº 23-A ao artº 9º do CIVA começando por fixar em 5% e posteriormente 10% a percentagem aí referida, com a Lei nº 87-B/98 de 31 de Dezembro vindo mais tarde a Lei nº 102-B/2001 de 27 de Dezembro a introduzir a alínea d) do nº1 do artº 12º do CIVA, conferindo aos sujeitos passivos abrangidos a possibilidade de opção pelo regime de tributação, através da renúncia à isenção.
V — O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE), através do seu acórdão de 20/11/2003 com referência às distorções de concorrência entende que é a própria isenção em si mesma, no imediato ou em momento posterior, que não poderá provocar distorções de concorrência, e não a simples circunstância de um agrupamento reunir as restantes condições previstas na disposição em causa, resultando que o alcance da norma de incidência subjectiva esta condicionada à verificação do pressuposto de os agrupamentos serem constituídos exclusivamente por membros que exerçam actividades isentas.
VI — Vertendo na norma em causa o que decorre da Sexta Directiva: a abrangência da isenção apenas a entidades cujas prestações de serviços são susceptíveis, nas condições nela estabelecidas, de beneficiar da isenção — os agrupamentos autónomos em que todos os membros que os integram exerçam actividades isentas, como aliás, já em 1985, aquando da publicação do Código do IVA pelo núcleo do IVA da DGCI, a anotação ao nº 23 do artº 9º referia explicitamente que a isenção aí constante respeita a grupos autónomos de pessoas que exercem actividades isentas e utilizam determinados serviços em comum.
VII — Limitando-se o aditamento do nº 23º-A ao artº 9º do CIVA apenas a constituir um alargamento do âmbito dos pressupostos que concedem o direito à isenção estendendo a aplicação da norma decorrente do nº 23 a todas as agrupadas que não sendo integralmente isentas de imposto pratiquem operações tributadas em montantes pouco significativos, com o objectivo evidente de simplificar a aplicação do normativo e não o de dilatar a sua essência.
VIII —O parecer nº 96/2005 de 27 de Outubro do Centro de Estudos Fiscais (CEF) vem, contudo, apenas esclarecer, o que na lei estava consagrado: “no plano interno, por seu turno, para além do elemento literal do nº 23 do artº 9º, que se afigura decisivo, também a acepção aqui perfilhada pode ser inferida da norma contida na alínea d) do nº1 do artº 12º do CIVA, pese embora a pouca clareza da sua redacção. Com efeito, na esteira do que decorre da redacção do referido nº 23 sobre o âmbito de aplicação subjectiva da isenção, a norma interna que permite a renúncia à isenção reporta-se às situações em que “a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros não seja superior à prevista no nº 23-A do mesmo artigo [9]. Assim, a boa interpretação do trecho final daquele número só pode apontar no sentido de que, caso um dos membros do agrupamento detivesse uma percentagem de dedução superior a 10%, a questão da renúncia à isenção já nem se colocaria. Se a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros for superior à estabelecida, o agrupamento está obrigatoriamente num regime de plena tributação, não havendo portanto tributação por que optar”.
“Por último, resta afirmar que, a ser de modo diferente do que aqui se defende, tratar-se-ia de uma situação contrária ao que constitui geralmente um elemento comum das normas que definem as isenções do IVA: atipicamente, a isenção operaria em função da qualidade dos destinatários dos serviços, quando o que sucede é que essa qualidade é, por via de regra, irrelevante para a atribuição de isenções em sede deste imposto. Ora, na disposição sob análise, a menção feita à qualidade dos membros dos agrupamentos define e delimita subjectivamente os próprios agrupamentos, não ocorrendo a tributação ou a isenção dos serviços aí previstos em função, caso a caso, da qualidade de cada um dos seus destinatários.”
IX - Não restando, pois, dúvidas de que as prestações de serviços efectuadas pelos ACE’s às suas agrupadas, poderão beneficiar da isenção do imposto sobre o valor acrescentado a que se refere os nºs 23 e 23-A do artº 9º do CIVA, desde que se mostrem cumpridos os respectivos requisitos de natureza subjectiva e objectiva exigidos, isto é, que os ACE’s sejam constituídos por membros que exerçam actividades isentas e/ou não sujeitas a IVA considerando-se ainda como tal aqueles membros que, em virtude do conjunto das actividades exercidas, não disponham de uma percentagem de dedução (prorata) superior a 10% e ainda que as prestações de serviços sejam directamente necessárias ao exercício da actividade dos seus membros, sendo que o valor das contraprestações exigidas a estes corresponda ao reembolso exacto da parte das despesas que cabem a cada um deles e que o beneficio da isenção não origine distorções de concorrência.
X - Assim, nas situações em que os ACE’s disponham de, pelo menos, um membro com um pro rata de dedução superior a 10%, há lugar à tributação das prestações de serviços efectuadas pelos agrupamentos à generalidade dos seus membros, salvo quando esses serviços estiverem fora do âmbito de incidência do IVA ou lhes seja aplicável outra isenção.
XI - Quanto ao entendimento da AT vertido pela DSIVA na sequência do requerimento apresentado pela C…….. e outras empresas do Grupo de 1999/01/18, sancionada por despacho da Sra. Subdirectora-Geral para o IVA em 2001/12/05, nunca pode a mesma assumir carácter vinculativo a que se refere o artº 68º da LGT em relação à ora impugnante.
XII- Com efeito, a AT prestará informações vinculativas a requerimento de interessados ou dos seus respectivos representantes legais desde que cumpridos os formalismos constantes no artº 68º da LGT: - O pedido de informação vinculativa deverá ser dirigido ao Sr. Director Geral dos Impostos e submetido à sua consideração mediante parecer prévio da Direcção de Serviços que tem a seu cargo a Administração do imposto sobre a qual recai a matéria questionada. O pedido deverá identificar correctamente o requerente e os factos cuja qualificação jurídico tributária se pretenda, descrevendo-os de forma mais completa e clara possível.
XIII- “Assim, a administração tributária é chamada a pronunciar-se sobre as situações tributárias dos contribuintes e sobre os pressupostos ainda não concretizados de quaisquer benefícios fiscais mas o carácter vinculativo da informação apenas vale para aquele caso concreto que lhe deu origem isso porque os efeitos derivados da resposta da administração tributária, não se podem estender a outras situações, uma vez que a análise feita parte da ponderação de uma situação concreta e específica (doutrina para o caso concreto)” cf. Ac. TCAS de 2010/11/09 Proc. 0492/10.
XIV — Ora tendo o requerimento sido apresentado pela C……… (e outras) e não pela ora impugnante, dirigido ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, sancionado pela Sra. Subdirectora-geral do IVA, e informado sob matéria que não só não está aqui em causa, como com ela não tem qualquer semelhança não é, pois, possível retirar dela qualquer solução para a questão ora controvertida.
XV— Não podemos pois, concordar que uma informação não vinculativa, (a ser vinculativa, o que não se concede, só o seria relativamente aos seus destinatários e matéria) emanada pela AT no âmbito completamente diverso do que está aqui em causa, requerida por outro sujeito passivo, que não o impugnante, possa de alguma forma contrariar os princípios constitucionais da protecção da confiança e da boa-fé pelo que a douta sentença recorrida, ao julgar procedente a Impugnação ignorou o regime decorrente das normas referidas nos pontos 2º, 3º e 19º anteriores, pelo que fez errada aplicação do direito e sofre consequentemente do vício de erro sobre os pressupostos de direito. E
DC — Porque decide em sentido oposto ao regulado nos nºs 23 e 23-A do artº 9º do CIVA, e 19º da LGT sofre do vício de violação de lei, por violação concreta destas normas.»

2 – A entidade recorrida apresentou as suas contra-alegações, concluindo da seguinte forma:
«1ª) A isenção consagrada no nº 23 do artº 9º do CIVA tem como finalidade tratar, no plano fiscal, de modo igual as prestações de serviços efectuadas por agrupamentos a favor dos seus membros e os serviços realizados ou obtidos internamente;
2ª) Assim, nos agrupamentos, como os ACE(s), nas prestações de serviços efectuados a favor dos seus membros, não há qualquer valor acrescentado, sendo a contrapartida desses serviços prestados pelo agrupamento o reembolso exacto das despesas incorridas com a efectivação de tais serviços;
3ª) A isenção em causa não pretende, portanto, beneficiar os agrupamentos autónomos, mas antes acautelar a situação dos tomadores dos serviços, isto é, os membros do agrupamento;
4ª) A reforçar esse entendimento, está a circunstância de que no Código do IVA não há isenções subjectivas mas apenas objectivas, isto é, as que são atribuídas tendo em conta a concreta actividade efectuada;
5ª) Nas isenções objectivas é indiferente a natureza ou a qualidade da entidade, relevando, antes, as concretas prestações de serviços;
6ª) Por isso, a circunstância de um dos membros do agrupamento dispor, em certo momento, de uma percentagem de dedução de IVA (“prorata”) superior a 10% não impede, por si só, que continuem isentas as prestações efectuadas em beneficio dos membros que estejam isentos ou cuja percentagem de dedução não seja superior aos referidos 10%;
7ª) A interpretação da Administração Fiscal, que fundamentou as liquidações de IVA impugnadas, segundo a qual as circunstâncias referentes a um dos membros do agrupamento, que passou a ter um prorata superior a 10%, afecta a esfera jurídica dos demais membros, além de não ter a mínima adesão no texto da lei, conduz a um resultado absurdo, pondo em causa a lógica do imposto;
8ª) É que, além do mais, deixaria de haver neutralidade em face da tributação dos serviços prestados aos outros membros do ACE e essas prestações de serviços passariam a ter um tratamento fiscal diferenciado, porque tributadas, dos serviços obtidos internamente, porque não tributados, situação que o legislador não quer, razão pela qual estabeleceu a isenção consagrada no nº 23 do artº 9º do CIVA;
9ª) Fazer depender a isenção das prestações de serviços efectuados pelo ACE da situação fiscal de um dos membros desse agrupamento, tornaria a isenção estatuída no nº 23 do artº 9º do CIVA, na prática, inaplicável;
10ª) Como é orientação firmada da jurisprudência do TJCE, por exemplo, no Acórdão de 11/12/2008, Processo C-407/07, a interpretação das normas referentes a isenções não pode conduzir à sua quase inaplicabilidade;
11ª) A interpretação da Administração Fiscal da “contaminação global”, isto é, a circunstância de um dos membros do ACE passar a ter um prorata superior a 10% tornaria impossível a isenção das prestações dos serviços aos outros membros do agrupamento, é tanto mais absurda quanto o prorata é um elemento variável, cujo exacto cálculo só tem lugar com o encerramento do exercício.
12ª) Assim, no final do exercício, ao constatar-se que o prorata tinha ultrapassado os 10%, passaria a haver tributação, de forma retroactiva, sobre os serviços prestados ao longo do ano anterior aos restantes membros de agrupamento que nada têm a ver com a situação;
13ª) A alínea d) do nº 1 do artº 12º do CIVA confirma expressamente, que não há, no funcionamento da isenção estabelecida no nº 23 do artº 9º do CIVA, qualquer “contaminação global”;
14ª) Na verdade, ao permitir a renúncia à isenção “quando a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros não seja superior” a 10%, o preceito em causa mostra que o regime de isenção se pode manter ainda que apenas um dos membros registe um prorata inferior a 10% e, portanto, os restantes tenham um prorata superior aos referidos 10%;
15ª) Se a existência de um único membro com um prorata superior a 10% conduzisse, como pretende a Administração Fiscal, à perda total da isenção, não faria sentido a existência de uma norma a permitir a renúncia... à isenção;
16ª) Sendo certo que o Orçamento de Estado para 2007 veio revogar a referida alínea d) do nº 1 do artº 12º do CIVA, estabelecendo, no artº 62º, nº 2, que os agrupamentos que tivessem renunciado à isenção poderiam voltar ao regime de isenção;
17ª) Ora, tal quer dizer, obviamente, que o legislador volta a reafirmar o entendimento de que os agrupamentos com membros com um prorata superior a 10% - os agrupamentos que podiam renunciar à isenção — estão isentos de IVA nos serviços prestados aos membros com um prorata não superior a 10%;
18ª) A pretensão de fazer cessar a isenção relativamente a todas as prestações de serviços realizados por um agrupamento autónomo sempre que um só dos seus membros ultrapasse um prorata de 10%, além de contrariar frontalmente a lei, não corresponde a qualquer interesse atendível;
19ª) Na verdade, o interesse de preservar a neutralidade do imposto e a integridade das receitas do Estado basta-se com que seja liquidado imposto ao tomador de serviço que excede aquele limite de 10%;
20ª) A invocação feita pela recorrente de um Acórdão do TJCE, de 20/11/2003, que se julga dizer respeito ao processo C-8/01 nada tem a ver com a situação da presente impugnação;
21ª) Na verdade, em que tal Acórdão, nunca é dito, ou sequer insinuado, que para o funcionamento da isenção é necessário que os agrupamentos sejam constituídos exclusivamente por membros que exercem actividades isentas, sendo que, no indicado aresto, é apenas analisada a questão ou o requisito da não existência de distorção da concorrência, dizendo o Tribunal que a isenção “deve ser recusada se existir um risco real de que essa isenção possa, por si só, provocar, de imediato, ou no futuro, distorções de concorrência”, o que, repete-se, nada tem a ver com a situação do presente processo;
22ª) As liquidações impugnadas são, assim, ilegais por violação do artº 9º, nº 23 e 23º-A e do artº 12º, nº 1, d), CIVA, razão pela qual a sentença recorrida não merece qualquer censura;
23ª) As liquidações impugnadas são também ilegais por frontal violação dos princípios da boa fé e da segurança jurídica;
24ª) Na verdade, a Administração Fiscal, em resposta à consulta formulada por um outro ACE, informou que entendia que os débitos efectuados pelo agrupamento aos seus membros beneficiam da isenção de IVA desde que esses membros não tivessem uma percentagem de dedução superior a 10% e que os débitos a membros que tivessem uma percentagem de dedução superior a 10% não beneficiavam de tal isenção;
25ª) Na mesma informação, a Administração Fiscal, expressamente, referia a possibilidade de o ACE ser um sujeito passivo misto, isto é, que prestava serviços isentos e serviços não isentos, o que demonstra, inequivocamente, que não há, portanto, a “contaminação global”;
26ª) A essa resposta da Administração Fiscal não pode deixar de se dar o mesmo tratamento que foi dado no Acórdão do STA de 14/3/2007, Processo nº 01154/06, a propósito de uma brochura emitida pela Administração Fiscal sobre o cumprimento de determinados deveres pelos contribuintes: está a Administração vinculada por ela nos termos da alínea a) do nº 4 do artº 68º da LGT, sendo ilegal, por violação dessa norma, uma actuação posterior em sentido divergente ao informado.
27ª) Assim, a Administração Fiscal ao alterar esse entendimento e a aplicá-lo retroactivamente, violou os princípios da boa e da confiança, pelo que, também por esta razão, são ilegais as liquidações impugnadas.»

3 – Tendo o recurso sido interposto para o TCA Sul, este veio declarar-se incompetente, em razão da hierarquia para dele conhecer, com o fundamento em que o recurso versa exclusivamente matéria de direito, declarando competente o STA.

4 — Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre esta questão, veio o representante da Fazenda Publica “… dizer que mantém o propósito de recorrer e, por isso, requerer a remessa dos autos àquele tribunal – Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.”

5 – Neste tribunal, o Exmº Procurador-geral Adjunto acolheu a posição manifestada a pelo MP junto do TT de Lisboa a fls. 120 dos autos, concluindo pela improcedência do recurso.

6 – Colhidos os vistos legais, cabe decidir.

7 – Com relevo para a decisão da causa apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto:

A) Em 24-10-2007, deu entrada, no Tribunal Tributário de Lisboa, petição ao abrigo do art. 970 nº 1, a), e 99º do CPPT, apresentada por A……., ACE, contra liquidações adicionais emitidas em 2007/07/08, com termo do prazo de pagamento, em 2007/09/30, com o total de imposto a pagar de € 7.960,429,62, mais juros compensatórios de €652.499,15, referentes ao ano de 2004, a discriminar:




B) A ora impugnante é um agrupamento complementar de empresas (“ACE”), cujo objecto é a prestação de serviços informáticos, de aprovisionamento, de conservação e manutenção dos bens móveis, de equipamento e imóveis pertencentes aos membros agrupados e ainda a prestação de serviços administrativos e operacionais, acessórios e complementares à actividade desenvolvida por cada um dos membros agrupados;
C) No ano de 2004, a repartição dos serviços prestados pelo ACE aos seus membros, foi a seguinte:
a) Banco B…….. — 79%
b) Banco D……… — 18,68%
c) Banco B…….. de Investimento — 1,19%
d) Banco B…… dos Açores — 0,7%
e) Banco E…….. — 0,43%
D) O ora impugnante está “desde a data do início da sua actividade enquadrado no regime de isenção de harmonia com os números 23 e 23-A do artigo 9º do CIVA” (pág. 5 do Relatório da Fiscalização);
E) Em face de tal regime de isenção de IVA, o impugnante nunca liquidou imposto sobre as prestações de serviços efectuados aos seus membros e, concomitantemente, na medida em que é sujeito isento, também nunca deduziu o IVA suportado na aquisição de bens e serviços necessários à prestação de serviços a favor dos seus membros;
F) Em face de uma fiscalização feita ao ora impugnante (o ACE), a Administração Fiscal constatou que um dos membros do ACE, concretamente, o Banco B……. de Investimento, tinha um pro rata de dedução de IVA de 15% (pág.8 do Relatório da Fiscalização);
G) A Administração Fiscal considerou que o ACE (o ora impugnante) deixou de poder beneficiar da isenção de imposto estabelecido nos nºs 23º e 23º-A do art. 9º do CIVA, já que um dos membros do ACE (o Banco B……. de Investimento) tinha uma percentagem de dedução de IVA (pro rata) superior a 10%, invocando um Parecer nº 96/2005, de 27 de Outubro, do Centro de Estudos Fiscais, cujas conclusões teriam sido sancionadas por despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, bem como o Ofício-Circulado nº30084, de 2/12/2005;
H) Assim, a AF liquidou sobre todos os serviços prestados a membros do agrupamento cujo pro rata de dedução não ultrapassou os referidos 10% e liquidou também juros compensatórios, liquidações essas ora impugnadas;
l) A C………, relativamente a factos idênticos aos, ora, em apreciação, em 18 de Janeiro de 1999, requereu informação prévia vinculativa, nos termos dos artigos 20º e 72º do CPT;
J) Da resposta obtida, exarada no Despacho 1061, de 5 de Dezembro de 2001, e transmitida pelo ofício nº. 2122887, de 11 de Dezembro de 2001, sancionada pela Senhora Sub-Directora Geral dos Impostos, resultava que a aplicação da isenção, contemplada no n.º 23 do artigo 9.º do Código do IVA, relativa às prestações de serviços efectuadas pela F…… SA, aos seus membros, dependeria apenas da actividade desenvolvida por cada um dos membros de tal ACE de per si que, nesse contexto, a qualificação que viesse a ser atribuída a alguns dos membros do ACE, no sentido de os considerar como “sujeitos não isentos”, não determinaria que os demais - ou seja, aqueles que apresentassem um pro rata igual ou inferior a 10% - não pudessem deixar de ser qualificados como “sujeitos isentos” — cfr. fls. 80 e sgs.

8. Do objecto do recurso:
São as seguintes as questões objecto do presente recurso:
a) A primeira é a de apreciar a possibilidade de subsistir a aplicação da isenção prevista nos nºs 23 e 23-A do artigo 9.º do CIVA nos serviços prestados por um agrupamento complementar de empresas (ACE) aos seus membros isentos ou com percentagens de dedução inferiores ou iguais a 10%, nas situações em que o mesmo ACE integre também um ou mais membros com percentagens de dedução superiores a 10%;
b) - A segunda consiste em saber se padece de erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar que a Administração Fiscal violou os princípios da segurança jurídica e da boa fé por ter actuado contra informação vinculativa anteriormente prestada pela DSIVA.

8.1 Da aplicação da isenção prevista nos nºs 23 e 23-A do artigo 9.º do CIVA nos serviços prestados por um agrupamento complementar de empresas (ACE) aos seus membros isentos ou com percentagens de dedução inferiores ou iguais a 10%, nas situações em que esse mesmo ACE integre também um ou mais membros com percentagens de dedução superiores a 10%.

A sentença recorrida houve por bem dar razão à alegação da recorrente no sentido de que a circunstância de um dos membros do agrupamento complementar de empresas dispor, em certo momento, de um pro rata superior a 10% não impede, por si só, que continuem isentas as prestações efectuadas em benefício dos membros cuja percentagem de dedução seja inferior àquele.
Para tanto sufragou-se na interpretação conjugada dos arts. 9º, ns. 23º e 23º-A e 12º do CIVA, concluindo que « conjugando o n.º 23 com o n.º 23-A do artigo 9.º do Código, dúvidas não poderão certamente subsistir de que aquilo a que o legislador nacional se pretende referir no n.º 23 é à actividade isenta dos membros do grupo autónomo de pessoas, e não à actividade isenta do grupo autónomo de pessoas»
E recorreu expressamente ao elemento interpretativo que decorre da letra da lei - artº 12º do CIVA - ao estabelecer que bastará que um membro do grupo tenha uma percentagem de dedução não superior a 10% para poder haver renúncia à isenção. Concluindo que daqui resulta “a contrario”, que a isenção do nº 23 do artigo 9º é aplicável nos casos em que apenas uma parte dos ACE’s beneficie de direito à dedução não inferior a 10%, até porque só se pode renunciar a um direito existente…

Não conformada com tal decisão a Fazenda Pública interpõe o presente recurso sustentando a tese de que, verificando-se existir em determinado exercício, num agrupamento Complementar de Empresas (ACE), um membro com uma percentagem de dedução superior a 10%, essa circunstância, só por si, implicava, à luz dos invocados artigos 9º, n.º 23 e 23-A e 12º, n.º 1 do CIVA, que todo o grupo passasse a ser tributado como se de um sujeito passivo normal se tratasse para efeitos de IVA, isto é, que todos, só por isso e em consequência, deixassem de beneficiar da isenção prevista.

A nosso ver não assiste razão à Fazenda Pública, sendo até vários os subsídios interpretativos que apontam exactamente no sentido contrário à sua argumentação.
Vejamos, pois.

8.1.1 A resposta à questão suscitada passa pela determinação do sentido e alcance do disposto naqueles preceitos legais, tendo como presente que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada e que, para além da letra da lei, no caso subjudice forçoso será recorrer aos subsídios interpretativos dos elementos sistemático e teleológico (ratio legis).

De harmonia com o disposto no nº 23 (Nº 21º, na redacção actualmente em vigor.) do artigo 9º, do CIVA, na redacção em vigor à data a que se reportam os factos – 2004, são isentas de imposto “as prestações de serviço fornecidas aos seus membros por grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta, desde que tais serviços sejam directamente necessários ao exercício da actividade e os grupos se limitem a exigir dos seus membros o reembolso exacto da parte que lhes incumbe nas despesas comuns, desde que, porém, esta isenção não seja susceptível de provocar distorções na concorrência”.
Por sua vez, nos termos do nº 23-A (Nº 22 na actual redacção.) do mesmo normativo “considera-se que os membros do grupo autónomo ainda exercem uma actividade isenta, desde que a percentagem de dedução determinada nos termos do artigo 23.º não seja superior a 10 %”.
Por via deste nº 23ºA o legislador veio assim esclarecer que a isenção se pode estender a sujeitos passivos mistos (isto é, que praticam simultaneamente operações que conferem e operações que não conferem direito à dedução), desde que as suas percentagens de dedução do imposto a montante não sejam superiores a 10%.
Encontram-se abrangidos por esta isenção os agrupamentos complementares de empresas de instituições financeiras (Clotilde Celorico de Palma, Introdução ao imposto sobre o Valor Acrescentado, cadernos IDEFF, nº I, 5ª edição, Almedina, pag. 164.) que cabem no conceito genérico de grupos autónomos de pessoas (“Os grupos de empresas, na procura de uma estruturação interna eficiente, têm centralizado as funções de suporte, também denominadas de back-office, designadamente nas áreas administrativa, financeira e de suporte informático. (…) Estas funções, tradicionalmente desenvolvidas na esfera individual, têm vindo a ser gradualmente transferidas para as unidades de serviços partilhados, vocacionadas para a prestação de serviços de apoio às empresas do grupo. Este processo permite racionalizar a utilização dos recursos disponíveis e a obtenção de sinergias, ganhos de escala e a uniformização de procedimentos, libertando recursos para a actividade principal, o core business das entidades integrantes do perímetro grupal” – cf. . Alexandra Martins, Grupos de IVA. Revista de Finanças Publicas e Direito Fiscal, ano 1, nº 2, pag. 136.), muito semelhante ao conceito de “agrupamentos autónomos de pessoas” acolhido no artº 13º, nº1 A, al.f) da Sexta Directiva 77/388/CEE, norma essa que, aliás, é fonte do artº 9º, nº 23º do CIVA.

Esta isenção é passível de renúncia caso a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros, determinada nos termos do artigo 23.º, não seja superior a dez por cento (artº 12º, nº 1, al. d) do CIVA, na redacção que lhe foi dada pelo nº 1 do artº 35º da Lei nº 102-B/2001).

Refere José Guilherme Xavier de Basto (Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, livro de homenagem à Drª Teresa Graça Lemos, pag. 180) que a aplicação desta isenção aos agrupamentos complementares de empresas que concentram a produção de serviços de interesse comum às várias empresas de um grupo financeiro – prestando esses serviços sem qualquer “valor acrescentado”, ou seja, limitando-se a distribuir pelos seus membros os custos suportados, tem particular interesse, pois que se ajusta “à necessidade de evitar que a aplicação do IVA a essas operações torne insustentável a concentração, no agrupamento às sociedades do grupo (…) introduzindo assim um custo fiscal que não existiria se idênticos serviços fossem prestados, como operações internas, dentro de cada uma das sociedades do grupo”
Sublinha assim aquele autor que esta isenção prevista no nº 23 do artigo 9º do CIVA não deve ser entendida como qualquer benefício fiscal ao agrupamento ou aos seus membros. Trata-se apenas de evitar o agravamento das consequências negativas do regime de isenção, consequências que se traduziriam, a não existir a isenção, na liquidação de IVA sobre os serviços de uso produtivo, sem que pudesse haver dele dedução.
Com efeito “ o funcionamento normal do IVA assegura, como bem se sabe, que a tributação das operações intermediárias é «imaterial»: à liquidação do imposto por parte do vendedor ou prestador de serviços corresponderá a dedução imediata desse mesmo imposto por parte do comprador ou destinatário dos mesmos serviços.
Quando, porém, se trata de sujeitos passivos isentos, rompe-se a cadeia de liquidação e dedução que garante a neutralidade do tributo, pois que as isenções em IVA (salvo excepções…..) implicam perda do direito de deduzir o imposto suportado a montante». (Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Junho de 2007, livro de homenagem à Drª Teresa Graça Lemos, pag. 182.)
O objectivo de manter tanto quanto possível a neutralidade do tributo conduziu também o legislador a aperfeiçoar o regime da isenção desse nº 23 do artigo 9º, admitindo que ela também se aplique a agrupamentos cujos membros exercem uma actividade não totalmente isenta de IVA.
Com esse intuito foi aditado pelo decreto-lei nº 204/97 um nº 23- A ao artº 9º, disposição essa que passou a considerar que os membros do grupo autónomo ainda exerciam uma actividade isenta, desde que a percentagem de dedução determinada nos termos do artigo 23.º não fosse superior a 5 %, percentagem posteriormente fixada em 10% pela Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro.
Desta evolução legislativa no tratamento isenções previstas nos números 23 e 23-A do artigo 9º do CIVA parece, pois, resultar claro que foi intenção do legislador não introduzir custos de IVA em operações intermediárias, em transacções no interior de circuito produtivo e remover obstáculos fiscais ao exercício de uma actividade quando ela assume uma particular forma de organização.

No caso subjudice resulta do probatório que a recorrida A………., ACE, constitui um agrupamento complementar de empresas, cujo objecto é a prestação de serviços informáticos, de aprovisionamento, de conservação e manutenção dos bens móveis, de equipamento e imóveis pertencentes aos membros agrupados e ainda a prestação de serviços administrativos e operacionais, acessórios e complementares à actividade desenvolvida por cada um dos membros agrupados.
No decurso de uma acção de fiscalização a Administração Fiscal constatou que um dos membros do agrupamento complementar de empresas, concretamente, o Banco B……… de Investimento, tinha uma percentagem de dedução de IVA de 15% ( Relatório da Fiscalização, a fls. 66 dos presentes autos);

No entender da recorrente, quando um dos membros do agrupamento complementar de empresas dispõe de uma percentagem de dedução superior a 10% (pro rata), não se aplica a isenção referida no nº 23º do artigo 9º do CIVA, pelo que haverá lugar à tributação das prestações de serviços efectuadas pelos agrupamentos aos seus membros, a menos que, os serviços prestados estejam fora do âmbito de incidência do IVA ou que lhe seja aplicado outra isenção prevista no CIVA ou em legislação complementar.

Para assim concluir a Fazenda Pública sufraga-se no entendimento veiculado pela Administração Fiscal no ofício circulado nº 30084/2005, da DSIVA, de 2 de Dezembro e numa interpretação literal do disposto no nºs 23 e 23-A do artº 9º do CIVA, apelando à jurisprudência comunitária que versa sobre os critérios de interpretação das normas de isenção de IVA.
Esta argumentação tem algum peso já que, como é sabido, o TJUE tem afirmado, em reiterada jurisprudência, que as normas que estabelecem isenções de IVA constituem derrogações ao principio da tributação geral do consumo visado pelo sistema comum do imposto e devem, por via de regra, ser objecto de uma interpretação estrita. Tal acepção deve ser interpretada no sentido de se adoptar preferencialmente uma interpretação declarativa ou literal, ou seja uma interpretação que tenha em conta o sentido próprio ou exacto das palavras que o texto compreende (sem prejuízo de aspectos de ordem sistemática ou outros).

Sucede, porém, que a captação do sentido de uma norma não pode fazer-se de uma forma isolada, sendo que no caso subjudice, para além da letra da lei, haverá que recorrer aos subsídios interpretativos do elementos teleológico e sistemático.

Assim, e desde logo, a tese da recorrente, não encontra apoio na ratio legis subjacente àqueles preceitos legais.
Como se viu o legislador teve a intenção de não introduzir custos de IVA em operações intermediárias, em transacções no interior de circuito produtivo, intenção essa já patente na norma que lhe deu origem, o artigo 13.º, A, n.º 1, alínea f), da Sexta Directiva, e que ficou exarada no Acórdão do TJUE de 11.12.2008, processo C-407/2007, onde se refere que a finalidade desta disposição « é instituir uma isenção do IVA para evitar que a pessoa que oferece certos serviços seja sujeita ao pagamento do referido imposto quando tenha sido levada a colaborar com outros profissionais através de uma estrutura comum encarregue das actividades necessárias à realização dos referidos serviços».
Ora, como sublinha Xavier de Basto (ob. referida, pags. 189 a 191) a tese da Fazenda Pública, que é afinal a doutrina do ofício circulado nº 30084/2005, não vem na linha desta interpretação nem “mostra preocupação com as consequências que resultam, em termos de neutralidade fiscal, de fazer cessar a isenção para todas as operações do agrupamento com os seus membros, quando só um ou alguns deles, mas não todos, deixaram de preencher uma das condições da isenção — a de que o pro rata de dedução não tenha excedido os 10%.”
Consequências essas que são, nomeadamente, a perda da racionalidade técnica e económica da tributação, a introdução de efeitos cumulativos ou de cascata, uma vez que o imposto que se obriga o agrupamento complementar de empresas a liquidar só muito parcialmente é dedutível pelo utilizador, que é um utilizador produtivo, não um consumidor final e o sacrifício da lógica da tributação do consumo (ob. citada, pag 191).
Assim, considerando que a lei não define, para nenhum efeito, o grupo autónomo de pessoas, usando propositadamente, uma linguagem não técnica, aberta a todas as formas e modelos (grupo autónomo de pessoas) concluímos, acompanhando aquele autor que a circunstância de, no caso concreto das instituições financeiras, o grupo se moldar como agrupamento complementar de empresas, sob uma forma jurídica determinada, não deve alterar as condições de reconhecimento da isenção.
Ou seja, apesar de algum ou alguns dos seus membros terem excedido o limite dos dez por cento e de, por esse facto, o agrupamento, tal como foi constituído, deixar de estar nas condições previstas no número 23-A do artigo 9º tal não implica, como pretende a recorrente, que deixou de existir um grupo autónomo de pessoas em condições de beneficiar da isenção.
Antes deverá entender-se que a ultrapassagem dos 10% na percentagem de dedução apenas tem como consequência passarem a não estarem isentas de IVA as prestações de serviços agrupamento a favor daqueles «elementos do grupo» relativamente aos quais a ultrapassagem do limite se verificou, mantendo-se todavia isentas as operações com os elementos do grupo que mantêm percentagens de dedução não superiores a 10%, respeitadas que sejam, as demais condições de que o nº 23 do artigo faz depender a isenção.

8.1.2. Por outro lado para além do elemento teleológico, também o elemento sistemático aponta, de forma não menos decisiva, em sentido contrário ao propugnando pela recorrente.
Com efeito a argumentação da Fazenda Pública esbarra, também, com um obstáculo de difícil transposição, que decorre precisamente do texto de uma outra norma do CIVA - o artº 12º, nº 1, al. d), na redacção então em vigor, introduzida pelo nº 1 do artº 35º da Lei nº 102-B/2001 e posteriormente revogada pela Lei nº 53/2006 de 29/12, norma esta que dispunha o seguinte: ”Poderão renunciar à isenção, optando pela aplicação do imposto às suas operações (…) os grupos autónomos de pessoas que exerçam uma actividade isenta nos termos do nº 23 do artigo 9º, quando a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros não seja superior à prevista no nº 23-A do mesmo artigo”.
Ora considerando o critério de interpretação das normas de isenção de IVA acima enunciado, que aponta para uma interpretação que tenha em conta o sentido próprio ou exacto das palavras que o texto compreende e, pese embora o esforço da Fazenda Pública para tentar uma outra abordagem do referido artº 12º, os termos aí usados não permitem uma outra interpretação senão a acolhida na sentença recorrida: se num agrupamento complementar de empresas existir, pelo menos, um membro que tenha uma percentagem de dedução inferior a 10 % pode o agrupamento renunciar à isenção.
Por outras palavras, e citando novamente Xavier de Basto (ob. referida, pag. 198), se a lei quis permitir aos grupos autónomos renunciar à isenção, quando um, pelo menos, dos seus membros mantém percentagem de dedução não superior a 10%, então é porque a isenção se mantém quando outro ou outros já a ultrapassaram.
De outra forma a norma seria inútil e redundante por prever a renúncia à isenção quando tal isenção já não existia.
Não se entende pois, nem se alcança, a afirmação da Fazenda Pública ao referir na conclusão VII das alegações de recurso, que « a boa interpretação do trecho final daquele número só pode apontar no sentido de que, caso um dos membros do agrupamento detivesse uma percentagem de dedução superior a 10%, a questão da renúncia à isenção já nem se colocaria. Se a percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros for superior à estabelecida, o agrupamento está obrigatoriamente num regime de plena tributação, não havendo portanto tributação por que optar”.
Trata-se de uma interpretação que, afinal, não tem qualquer reflexo no sentido próprio ou exacto das palavras que o texto compreende.

Acresce referir que este artigo 12º, nº 1 do CIVA veio a ser posteriormente revogado pela Lei nº 53/2006 de 29/12 (Orçamento de Estado para 2007), ou seja já depois dos factos tributários em apreciação nos presentes autos, tendo porém o legislador estabelecido que os agrupamentos que tivessem, renunciado à isenção ao abrigo da referida norma poderiam, se o entendessem, voltar ao regime da isenção.
Ora, como bem nota o recorrido nas suas contra-alegações, quais são os agrupamentos que poderiam voltar ao regime de isenção: aqueles em que a “percentagem de dedução de pelo menos um dos seus membros não seja superior a 10% ”, o que quer dizer que se poderá configurar a hipótese de agrupamentos em que existem membros cuja percentagem de dedução é superior a 10% e que, deste modo, nos termos da lei poderiam voltar ao regime de isenção.

Em suma, resulta do exposto que uma interpretação sistemática e global de ambas as normas – artº 9º, nºs, 23 e 23-A e 12º, nº 1, al. d) do CIVA, na redacção vigente à data dos factos, afasta também, de modo decisivo, a tese da Fazenda Pública.

Improcede pois, nesta parte, a argumentação da recorrente, o que basta para que se confirme a sentença recorrida, que julgou procedente a impugnação e anulou as liquidações sindicadas por violação dos nºs 23 e 23-A do artº 9º e do artº 12º do CIVA, ficando prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada que se prende com o eventual erro de julgamento a decisão recorrida ao julgar que a Administração Fiscal violou os princípios da segurança jurídica e da boa fé.

9. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso da Fazenda Publica e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2014. - Pedro Delgado (relator) - Valente Torrão - Ascensão Lopes.