Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0696/02
Data do Acordão:10/01/2002
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:PLANO DIRECTOR MUNICIPAL.
EFICÁCIA.
LICENÇA DE CONSTRUÇÃO.
PUBLICAÇÃO.
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
Sumário:I - Só com a publicação dum Plano Director Municipal este adquire eficácia.
II - Tendo um Plano Director Municipal a natureza jurídica de regulamento administrativo e consubstanciando normas jurídicas gerais e abstractas, é aplicável aos pedidos de licenciamento de construções pendentes mas ainda não deferidos, por força da aplicabilidade imediata das normas administrativas, dado o seu carácter de normas de interesse público.
Nº Convencional:JSTA00058074
Nº do Documento:SA1200210010696
Data de Entrada:04/19/2002
Recorrente:CM DE SINTRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAC LISBOA DE 2001/11/12.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR URB.
Legislação Nacional:DL 445/91 DE 1991/11/20 ART17-A N1 N4 ART47 N1 A N2 ART61 N1 ART63 N1 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC47007 DE 2001/03/27.; AC STA PROC34294 DE 1999/10/26.; AC STA PROC44128 DE 2000/05/11.; AC STA PROC44815 DE 2000/10/17.; AC STA PROC39573 DE 1997/04/10.; AC STA PROC47806 DE 2001/11/13.; AC STA PROC41763 DE 1998/03/03.
Referência a Doutrina:MARCELLO CAETANO MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG137.
AFONSO QUEIRÓ LIÇÕES DE DIREITO ADMINISTRATIVO 1976 PAG520.
ESTEVES DE OLIVEIRA DIREITO ADMINISTRATIVO PAG169.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na 1ª Secção (2ª subsecção) do Supremo Tribunal Administrativo:
A..., casada, residente na Rua ..., Sintra, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação da Câmara Municipal de Sintra de 12/11/1997 que lhe indeferiu o licenciamento de obras de construção, na Travessa ..., freguesia de S. Pedro de Penaferrim, concelho de Sintra, por estar inquinada com vários vícios.
Por sentença de 12/11/2001 do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa foi concedido provimento ao recurso e anulado o acto impugnado (fls. 145 a 159).
Não se conformando com esta decisão da mesma interpôs a recorrente o presente recurso jurisdicional, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
“1ª- Mal andou a sentença recorrida, de 12/11/01, que, julgou procedente o recurso e, consequentemente, anulou o acto recorrido, por entender que o mesmo violou o disposto nos arts. 47º nº1 al.a) e 63º nº1 ala) do DL. nº445/91, de 20/11, ao basear o indeferimento da pretensão da recorrente na aplicabilidade de um Plano de Urbanização que não era eficaz à data da apresentação do seu pedido de licenciamento, por tal plano apenas ter sido publicado em 16/5/96, sendo que o pedido de licenciamento em causa nos presentes autos, foi requerido em data anterior a essa publicação;
2ª- Ora, salvo o devido respeito, que é muito, tal interpretação dos referidos arts. 47º nº1 al.a) e artº 63º nº1 al.a) do DL. nº445/91, de 20/11 não é consentânea nem com a letra nem com o espírito da lei;
3ª- Com efeito, nenhum dos dois dispositivos legais em que se fundamenta a douta sentença recorrida, estipula expressamente que a validade e vigência dos instrumentos de planeamento territorial deverá ser aferida relativamente à data em que o pedido de licenciamento foi requerido;
4ª- Pelo contrário, a letra do artº 47º deixa antever, pelo contrário, que a apreciação do projecto de arquitectura não poderá deixar de levar em consideração as normas legais e regulamentares em vigor no momento em que tal apreciação é efectuada.
5ª- De resto, outra interpretação não faria sentido, pois permitiria que os instrumentos de planeamento urbanístico fossem aplicados ou não, conforme a data em que os pedidos de licenciamento tivessem sido requeridos, o que poderia, em última instância, determinar que processos cujos projectos de arquitectura fossem apreciados na mesma altura, fossem aprovados uns e indeferidos outros em função do momento em que tivesse sido requerido o licenciamento .
6ª- Nada na letra nem no espírito dos referido preceitos permite concluir, como faz a douta sentença recorrida, que é afastado o princípio tempus regit actum.
7ª-Aliás, a regra é precisamente a de que a legalidade dos actos administrativos se afere pelas leis em vigor no momento em que os mesmos são praticados (vide acórdão do STA de 02-04-65 Processo nº6872);
8ª-Ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida incorreu, pois, na violação dos arts. 47ºnº1 al.a) e 63º nº1 al.a) do DL. nº445/91, de 20/11.
9ª-Mas ainda que assim não se entenda, o que só em tese se admite, sem conceder, sempre se dirá que o Plano Geral de Urbanização de Sintra era válido e eficaz, mesmo antes da sua publicação.
10ª-Na verdade, o Anteplano Geral de Urbanização de Sintra foi elaborado e aprovado por despacho do Ministro das Obras Públicas de 12-04-52, na vigência do Decreto-lei 33921, de 03-09-44 e Decreto-lei 35931, de 04-11-46, tendo, mais tarde sido convertido em Plano Geral de Urbanização de Sintra, por força do disposto no artigo 16° nº 2 do Decreto-lei 560/71, de 17/12;
11ª-Ora, os dispositivos legais em vigor à data da aprovação do mencionado Anteplano Geral de Urbanização de Sintra não exigiam como condição de validade e eficácia a respectiva publicação, exigência essa que só mais tarde veio a ser legalmente consagrada,
12ª-Razão pela qual o Plano Geral de Urbanização de Sintra é válido e eficaz, independentemente da respectiva publicação, desde a data em que o mesmo foi aprovado por despacho do Ministro das Obras Públicas, ou seja, desde 12-04-52.
13ª-Tal entendimento (ou seja a validade de Planos Gerais de Urbanização independentemente da sua publicação), de resto, tem sido firmado pela jurisprudência. Vide Acórdão do STA de 01- 03-2001, Proc. nº 044037, Acórdão do STA de 02-03-2000, Proc. nº 032288 e Acórdão do STA de 14-03-91, Proc. nº 27838.
14ª-Mais uma vez se conclui, pois, que a douta sentença recorrida incorreu na violação dos citados artigos 47°, nºl al. a) e 63°, n.o 1 al. a) do Decreto-lei 445/91, de 20-11, porquanto o acto recorrido baseou o indeferimento da pretensão da Recorrente num Plano válido e eficaz, quer na data em que o licenciamento foi requerido, quer na data em que tal acto foi proferido”.
Apresentou contra-alegações a recorrida A..., acabando-as com as seguintes conclusões:
“1ª-A deliberação da ora recorrente ao indeferir a pretensão da ora recorrida com base num alegado instrumento de planeamento do território inválido e ineficaz violou o disposto nos arts. 17º e 63º nº1 al.a) do DL. nº445/91, de 20/11;
2ª-A deliberação camarária violou frontalmente o artº 63º do DL. nº445/91, pois as razões invocadas pela ora recorrida não integram a previsão deste normativo, o PU de Sintra não constituía um instrumento de ordenamento territorial válido e eficaz, aplicável à pretensão da ora recorrida, sendo certo que a nossa lei não admite qualquer fundamentação a posteriori;
3ª-O acto camarário anulado pela douta sentença recorrida enferma de erros de direito uma vez que não se verificam os pressupostos de aplicação do artº 63º nº1 al.a) do DL. nº445/91, em que se fundamentou;
4ª-A douta sentença recorrida não enferma, assim, de qualquer erro de julgamento, nem viola os arts. 47º nº1 al.a) e 63º nº1 al.a) do DL. nº445/91, de 20 de Novembro”.
Emitiu douto parecer o EMMP, com o seguinte teor:
“1-Salvo o respeito devido pela douta sentença, afigura-se-me que assiste razão à autoridade ora recorrente.
Na verdade, não há qualquer subsídio interpretativo que suporte o entendimento que a norma do artº 47º nº1 al.a) do DL. nº445/91, de 20/11, afaste a aplicação, no domínio do licenciamento das obras particulares, do princípio tempus regit actum.
A mais disso, no caso em apreço, está assente, que por Ter caducado o anterior deferimento tácito, no momento em que foi praticado o acto expresso de indeferimento, não estava subjectivado qualquer direito a favor da requerente. Assim, a respectiva situação de facto, sendo não instantânea, mas de trato sucessivo, passou a estar à mercê da lei nova (PDM), «presumida mais justa e progressiva».
O PDM é, destarte, aplicável no caso «sub judice», sendo que a situação de facto cai no âmbito de aplicação da lei nova sem que haja «motivo algum para se falar aqui da retroactividade da lei administrativa (Afonso Queiró, lições de Direito Administrativo, 1976, pág. 520).
Neste sentido - aplicação imediata - vem sendo a jurisprudência do STA (Acs. do STA de 10/4/1997-rec. nº39 578, de 3/3/1998-rec. nº41 763 e de 13/11/2001-rec. nº47 806).
Neste quadro, a invocação, à data da prática do acto (12/11/1997) do PDM publicado em 16/5/1996, é fundamento válido para o indeferimento.
Não tendo assim entendido a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento.
2-Nos termos expostos, sou de parecer que o recurso merece provimento”.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
Na sentença recorrida foram dados como assentes os seguintes factos:
a) Em 20/9/1995, a recorrente solicitou à Câmara Municipal de Sintra a aprovação do projecto de arquitectura e licenciamento das obras a efectuar num prédio sito em ..., com a área de 4 335 m2, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Santa Maria, sob o artº 19º, secção F;
b) A recorrente não foi notificada de qualquer deficiência ou omissão na instrução do pedido referido em a);
c) Em 27/12/1995, a ora recorrente foi notificada através do ofício nº47 518, para se pronunciar nos termos e para os efeitos dos arts. 100º e segs. do CPA, sobre os pareceres do Departamento do Urbanismo da CMS, que propunham o indeferimento do pedido;
d) Em 15/1/96, a ora recorrente apresentou a sua resposta tendo requerido, para além do mais, o reconhecimento do deferimento tácito da sua pretensão;
e) A recorrente, depois de notificada em 24/4/96, através do ofício nº 14 645, compareceu no Gabinete de Estudos e Coordenação da CMS, para prestar esclarecimentos;
f) A recorrente, depois de notificada em 22/7/96, compareceu no Gabinete de Estudos e Coordenação da CMS, para prestar esclarecimentos;
g) Em reunião de 12/11/1997, a Câmara Municipal de Sintra deliberou aprovar, por maioria, a proposta de indeferimento do pedido de licença de construção de um edifício destinado a habitação com um fogo sito em ... - Sintra, efectuado por A..., com os fundamentos de facto e de direito expressos nas informações de 24/1/97 do DUR e de 22/10/97 do DUR/PCHS;
h) Em 22/12/1997, a recorrente foi notificada através do ofício nº48 474, de 18/12/97, da CMS, com o seguinte teor:
«Através do requerimento entrado nesta Câmara Municipal em 20/9/95, solicitou V. Ex.a o licenciamento de obras de construção, na Travessa ..., freguesia de S. Pedro de Penaferrim deste Concelho».
Pelo presente ofício fica notificado que a Câmara Municipal, em reunião de 12 de Novembro de 1997, nos termos do disposto no artº 17º nº2 do DL. nº445/91, de 20 de Dezembro, deliberou indeferir o pedido.
A estes factos há ainda que acrescentar mais os seguintes:
i - O Plano Geral de Urbanização de Sintra foi aprovado por despacho de 12/4/1952 do Ministro das Obras Públicas, proferido sobre o Parecer nº2245 do Conselho Superior das Obras Públicas de 4/4/52,publicado no Diário da República, II Série, nº114, de 16/5/96 e registado pela Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano com o nº03.11.11.09/01-96.PU, de 23/2/96.
j - A recorrida A... nunca apresentou qualquer projecto de especialidade.
Foi com base nestes factos que o tribunal “a quo” concedeu provimento ao recurso e anulou o acto impugnado, por entender que o mesmo violava o disposto nos arts. 47º nº1 al.a) e 63º nº1 al.a), ambos do DL. nº445/91, de 20/11.
É contra o decidido que pugna a recorrente, defendendo, em suma, nas suas alegações que “nenhum dos dois dispositivos legais em que se fundamenta a douta sentença recorrida, estipula expressamente que a validade e vigência dos instrumentos de planeamento territorial deverá ser aferida relativamente à data em que o pedido de licenciamento foi requerido” (conclusão 3ª).
De acordo com aquele primeiro preceito “a apreciação do projecto de arquitectura incide sobre a verificação de conformidade com medidas preventivas, normas provisórias, áreas de desenvolvimento urbano prioritário e áreas de construção prioritária em vigor, servidões administrativas e restrições de utilidade pública e outras normas legais e regulamentares em vigor”.
No segundo preceito referido diz-se que “o pedido de licenciamento é indeferido com base em desconformidade com alvará de loteamento ou com instrumentos de planeamento territorial, válidos nos termos legais”.
Tendo a recorrida solicitado à Câmara recorrente, em 20/9/95, a aprovação do projecto de arquitectura e licenciamento das obras, esta tinha o prazo de 45 dias para deliberar sobre o projecto de arquitectura (artº 47º nº2 do DL. nº445/91, de 20/11, e será sempre a este diploma que nos referiremos quando nenhum outro identificarmos).
Como a Câmara recorrente não tomou posição expressa sobre o projecto de arquitectura dentro daquele prazo, foi o mesmo tacitamente aprovado (artº 61º nº1).
A partir da data desta aprovação decorria o prazo de 180 dias para a recorrida A... solicitar a aprovação dos projectos de especialidade (artº 17º-A nº1), o que ela nunca fez, acarretando esta falta a caducidade da aprovação do projecto de arquitectura (nº4 do mesmo artº 17º-A; Ac. do STA de 27/3/2001 - rec. nº47 007).
Subjacente à aplicação deste regime acabado de referir - regime de construção em área não abrangida por plano municipal de ordenamento do território - está a ideia de que apesar de haver um Plano Geral de Urbanização de Sintra, aprovado pelo Ministro das Obras Públicas por despacho de 12/4/1952, proferido sobre o Parecer nº2245 do Conselho Superior de Obras Públicas de 4/4/1952, o mesmo só foi publicado no Diário da República, II Série, nº114 de 16/5/1996, e só a partir desta publicação é que este plano de urbanização adquiriu eficácia (Acs. do STA de 26/10/1999 - rec. nº34 294, de 11/5/2000 - rec. nº44 12 e de 17/10/2000 - rec. nº44 815).
Porém, a extinção deste procedimento foi causado pela prática do acto expresso de indeferimento contenciosamente impugnado.
Sucede que, embora, este procedimento se tenha iniciado antes da publicação do referido Plano, todavia quando o acto foi praticado já o mesmo tinha sido publicado e por isso adquirira eficácia.
E o problema surge aqui. É de atender ao regime jurídico daquele Plano?
A recorrente jurisdicional entende que sim e por isso impugnou a sentença do tribunal “a quo” que decidiu em sentido contrário.
É dever da Administração Pública a prossecução do interesse público, interesse público este que é variável não só no espaço como no tempo, incumbindo à lei definir, em cada momento, qual o interesse público que a Administração deve prosseguir.
Ora, vindo a lei - Plano Geral de Urbanização de Sintra, agora já eficaz - dizer qual o interesse público relativamente ao urbanismo e ordenamento do território, não pode a Administração deixar de aplicar esta nova lei, por representar o interesse público actual.
Se assim não fosse, não estava a ora recorrente Câmara Municipal de Sintra a prosseguir o interesse público.
Já, em caso em tudo semelhante, este Supremo Tribunal decidiu que “tendo um Plano Director Municipal a natureza jurídica de regulamento administrativo e consubstanciando normas jurídicas gerais e abstractas, é aplicável, sem retroactividade, aos pedidos de licenciamento de construção pendentes, mas ainda não deferidos, por força da aplicabilidade imediata das normas administrativas, dado o seu carácter de normas de interesse público” (Ac. de 10/4/1997 - rec. nº39 573).
Ainda muito recentemente este tribunal voltou a decidir neste mesmo sentido, quando doutrinou que “os pedidos de legalização e de construção têm de ser apreciados de acordo com o direito vigente à data do pedido e da decisão, incluídas as normas do PDM” (Ac. do STA de 13/11/2001 - rec. nº47 806; neste mesmo sentido: Ac. do STA de 3/3/1998 - rec. nº41 763, Marcelo Caetano, Manual, I, pág. 137 e segs., Afonso Queiró, Lições de Direito Administrativo, 1976, pág. 520 e Esteves de Oliveira, Direito Administrativo, pág. 169).
Assim, ao caso sub judice era aplicável o Plano Geral de Urbanização de Sintra, pelo que o pedido de licenciamento podia ser indeferido com o fundamento de desconformidade com aquele plano (artº 63º nº1 al.a)), como, aliás, o foi.
Ao não decidir neste sentido, violou o tribunal “a quo” este preceito.
Em concordância com o exposto, procedendo as conclusões das alegações da recorrente, concede-se provimento ao presente recurso, revoga-se, nesta parte a sentença recorrida, baixando os autos para prosseguir seus termos, se a tal nada obstar.
Taxa de justiça e procuradoria pela recorrida que se fixam, respectivamente, em 400 euros e 200 euros.
Lisboa, 1 de Outubro de 2002.
Pires Esteves – Relator – António Madureira – Adelino Lopes