Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01504/12
Data do Acordão:03/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
REVERSÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL A QUO
PROVA TESTEMUNHAL
Sumário:I - Sendo o despacho de reversão sustentado na alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT, cabe ao oponente o ónus da prova de que a falta de pagamento do tributo lhe não é imputável, não tendo, neste caso, a FP de demonstrar que o oponente teve culpa na insuficiência do património da executada originária.
II - Tendo oportunamente sido dispensada a produção da prova testemunhal oferecida pelo oponente, devem os autos baixar ao tribunal recorrido a fim de permitir que este possa produzir a prova cujo ónus lhe compete.
Nº Convencional:JSTA00068164
Nº do Documento:SA22013030601504
Data de Entrada:12/27/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Área Temática 2:IVA
Legislação Nacional:LGT98 ART24 N1 B ART23 N2 ART32
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I. A Fazenda Pública veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF do Porto que julgou procedente a oposição deduzida contra a execução fiscal inicialmente instaurada contra a Sociedade “B………, Ldª” para cobrança coerciva de dívidas de IVA de 2003 e 2004 e que reverteu contra o oponente A………, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

A). Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a oposição deduzida a processo de execução fiscal por dívidas relativas a IVA relativas a períodos dos anos fiscais de 2003 e 2004, onde foi efetuada a reversão contra o sócio-gerente aqui oponente, na sequência do que veio deduzida a presente oposição.

B). A douta sentença, de que em tempo se interpôs recurso, considerou procedente a oposição apreciando, dos fundamentos aduzidos na petição inicial desta oposição, a falta de demonstração de culpa do oponente na insuficiência patrimonial da executada originária, reconhecendo procedência ao invocado, e portanto à oposição.

C). Ora com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, existindo erro sobre os pressupostos de facto da decisão, existindo erro de julgamento, já que a douta sentença valorou e enquadrou de modo erróneo a factualidade assente na prova produzida, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.

D). A douta sentença, de que em tempo se interpôs recurso, da factualidade que dela consta como provada, dá conta que, tendo sido informada no PEF a insuficiência de bens penhoráveis da sociedade inicialmente executada, foi preparada a reversão dessa execução contra o responsável subsidiário aqui oponente, único sócio-gerente da sociedade, reversão que foi decidida com fundamento na falta de pagamento das dívidas no prazo legal, nos termos do artº. 24°, n° 1, alínea b), da LGT.

E). Fazendo a subsunção dos factos ao direito aplicável, todavia, não obstante salientar que "o oponente não nega que exerceu de facto e de direito a gerência da primitiva devedora, apenas questiona a culpa na insuficiência do património da primitiva executada",

F). e invocar o acórdão do TCA Norte de 29.10.2009 tirado no processo n° 00228/07.2BEBRG, que a propósito de reversão por responsabilidade fundada na alínea b) do n° 1 do artº. 24° da LGT observa, significativamente, que esta previsão legal "faz recair sobre o gestor o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária, pois tal imputabilidade presume-se",

G). considera a oposição procedente, assinalando falta de demonstração por parte da Administração Tributária de factos que suportem um juízo de culpa do oponente na falta de bens da executada originária para a satisfação das dívidas tributárias.

H). Ora com o assim decidido, e salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública, conformar-se, existindo erro de julgamento, já que a douta sentença valorou e enquadrou de modo erróneo a factualidade assente na prova produzida, em termos que afetam irremediavelmente a validade substancial da sentença, pelas razões que passa a explanar.

I). Do ponto de vista substantivo ou de mérito, nem o objeto do processo nem o teor da factualidade fundada na prova fixada pelos autos permitiam o julgamento no sentido em que foi efetuado, de falta de alegação e prova por parte da AT da culpa do oponente na dissipação ou insuficiência do património da devedora originária,

J). porque a reversão, sustentada na alínea b) do n° 1 do artº. 24° da LGT, decorre da falta de entrega ou pagamento por parte do revertido que era gerente nesses momentos, e por isso aproveita de uma inversão legal do ónus da prova, incumbindo aos revertidos a prova que não lhes foi imputável a falta de pagamento

K). Assim, atendendo à repartição do ónus da prova conforme essa alínea b) do n° 1 do artº. 24° da LGT, e nos termos do artº. 74° da LGT, e artº. 342° do Código Civil, afigura-se à Fazenda Pública ter sido atendida a obrigatoriedade que incumbia à AT de demonstração dos pressupostos da reversão da execução, na medida em que se lhe exigia,

L). de insuficiência patrimonial da devedora originária, da condição de gerente detida por parte do oponente e da falta de entrega ou pagamento no prazo legal definido para o efeito, que terminou durante essa gerência, facto este inclusivamente assumido pelo oponente na sua PI e apontado na sentença recorrida.

M). Sucede então que, não estando em causa o exercício efetivo da gerência por parte do oponente nos períodos relevantes, que na sua petição inicial reconhece e a sentença constata, há que considerar que, sendo o artº. 24°, n° 1, alínea b), da LGT o suporte legal da responsabilização subsidiária do executado aqui oponente,

N). esse normativo estabelece em favor da Fazenda Pública uma presunção de culpa pela falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, sendo ao responsável oponente que compete provar que a falta de pagamento não lhes é imputável.

O). Como tal, entende a Fazenda Pública que, considerando a motivação do despacho que determinou a reversão, a factualidade dada como provada na sentença em apreço e o conteúdo da citação jurisprudência em que se apoia, e em face do regime previsto no artº. 24°, n° 1, alínea b), da LGT, a douta sentença recorrida fez incorreu em erro de julgamento, por errónea subsunção dos factos ao direito aplicável, devendo o oponente deve ser considerado parte legítima na execução e, em consequência, ser julgada totalmente improcedente a oposição.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem dar PROVIMENTO ao presente recurso, e em consequência ser a douta sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que declare improcedente a oposição, tudo com as devidas consequências legais.

II. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 147/148 no qual defende a procedência do recurso.

III.Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:

a) Contra a sociedade "B………, Lda." foi instaurado, em 10/05/2004, o processo de execução fiscal n° 3514200401025058 e apensos, relativo a dívidas de IVA dos anos de 2003 e 2004, no montante global de €44.657,67 (cfr. Processos executivos apensos aos autos).

b) Em 15/04/2005, foi elaborada a seguinte informação "Todos os bens conhecidos da executada encontram-se penhorados nos PEF nº 3514200401011472 e 3514200401002708, tendo-lhes sido atribuído o valor de €18.000,00; Atendendo a que o montante em dívida da executada, nesta data e por estes serviços de Finanças é de €110.692,00 acrescido de juros de mora e custas de processo, verifica-se que o valor dos bens penhorados é manifestamente inferior ao valor da dívida e acrescido; dada a insuficiência de bens penhoráveis da executada, verifica-se que se encontram reunidos os pressupostos para chamamento à execução dos responsáveis subsidiários identificados a fls. 19 dos autos" (cfr. doc. de fls. 20 dos autos).

c) Em 15/04/2005, foi elaborado o despacho para audição (reversão) ali se referindo a título de fundamentos da reversão "Insuficiência de bens penhoráveis do devedor originário nos termos do artº. 23º/2 da LGT..." (cfr. doc. de fls. 21 dos autos).

d) Ainda em 15/04/2005 foi elaborada a notificação para audição prévia (reversão), remetida ao, ora, oponente, por correio registado com aviso de receção - RS736395012PT, enviada para a Rua da ………, ………, ………, ………, 4510 Fanzeres, que veio a ser devolvido, em 19/04/2005, com indicação de "feitas averiguações, Mudou-se" (cfr. doc. de fls. 23 e 24 dos autos).

e) Em 26/04/2005, procedeu-se a nova notificação para (reversão), nos termos do artº. 39°, n° 5 do CPPT, através do Registo RS736395176PT, enviada para a Rua da ………, ………, ………, ………, 4510 Fanzeres, que veio a ser devolvido em 28/04/2005, com indicação de "feitas averiguações, Mudou-se" (cf. doc. de fls. 26 e 27 dos autos).

f) Em 03/05/2005, foi elaborado o despacho de reversão contra o ora oponente, ali se referindo que "Inexistindo, digo, sendo insuficientes os bens penhorados à devedora originária, estando reunidos os requisitos previstos no artº. 23º, 2º da LGT reverta a execução contra o gerente supra identificado na qualidade de responsável subsidiário, nos termos do artº. 24º, 1 al/b) da LGT dado a dívida não ter sido paga dentro do prazo legal. Após decorrido o prazo de (...) os autos ficam suspensos até à excussão total dos bens" (cfr. doc. de fls. 28 dos autos).

g) Na data referida em f) foi elaborado o mandato de citação (reversão) (cfr. doc. de fls. 29 dos autos).

h) Em 27/05/2005, foi elaborada a certidão de citação pessoal do oponente (cfr. doc. de fls. 30 dos autos).

i) Dos elementos existentes no cadastro constatou-se que o oponente tinha como domicílio fiscal a "Rua da ………, ………, ………, ………" situação que em 04/07/2005, ainda se mantinha não tendo ocorrido qualquer comunicação de alteração de residência (cfr. informação de fls. 25, 31 e 43 dos autos).

j) O oponente é o único sócio da primitiva devedora (cfr. doc. de fls. 18 e 19 dos autos).

k) As declarações Modelo 22 de IRC de 2005 e 2006 relativos à primitiva devedora (cf. doc. de fls. 67 a 74 dos autos).

l) As notas de demonstração de liquidação dos anos de 2005 e 2006 (cfr. doc. de fls. 80 e 81 dos autos).

m) A presente oposição foi intentada em 27/06/2005 (cfr. doc. de fls. 2 dos autos).

IV. Cumpre decidir.

Conforme resulta dos autos, a decisão recorrida julgou procedente a oposição porque a Fazenda Pública não demonstrou a culpa do oponente na insuficiência do património da executada originária.

A recorrente Fazenda Pública, por sua vez, entende que, sendo a reversão sustentada na alínea b) do nº 1 do artº 24º da LGT, já que o oponente era gerente de facto no momento em que terminou o prazo legal de pagamento dos impostos executados, cabia a este provar que não lhe foi imputável a falta de pagamento.
Assim, à Fazenda Pública apenas cabia demonstrar - o que efetivamente fez - a insuficiência patrimonial da devedora originária, a condição de gerente detida pelo oponente e a falta de entrega ou pagamento dos impostos no prazo legal.

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

IV.1. O despacho de reversão é do seguinte teor (alínea f) do probatório supra):
"Inexistindo, digo, sendo insuficientes os bens penhorados à devedora originária, estando reunidos os requisitos previstos no artº. 23º, 2º da LGT reverta a execução contra o gerente supra identificado na qualidade de responsável subsidiário, nos termos do artº. 24º, 1 al/b) da LGT dado a dívida não ter sido paga dentro do prazo legal. Após decorrido o prazo de (...) os autos ficam suspensos até à excussão total dos bens".

Daqui resulta então que o órgão da execução fiscal imputa ao oponente a responsabilidade tributária subsidiária com fundamento na falta de pagamento de imposto cujo prazo legal de pagamento terminou durante o exercício do cargo de gerente da executada originária por parte do oponente (artº 24º, nº 1, alínea b) da LGT).

Ora, de acordo com a citada alínea b), para afastar a sua responsabilidade, o gerente tem de provar que não lhe é imputável a falta de pagamento. Ou, por outras palavras, demonstrada que esteja a falta de pagamento do tributo por parte da executada originária, e a qualidade de gerente do oponente, sobre este recai o ónus da prova da sua falta de culpa na omissão daquele pagamento, até porque de acordo com o artº 32º da LGT “Aos representantes de pessoas singulares e quaisquer pessoas que exerçam funções de administração em pessoas coletivas ou entes fiscalmente equiparados incumbe, nessa qualidade, o cumprimento dos deveres tributários das entidades por si representadas".

Assim, em face do que ficou dito, e ao contrário do decidido, a Fazenda Pública não tinha de efetuar qualquer prova da culpa do oponente na insuficiência do património da devedora originária, já que beneficiava a seu favor da presunção constante da acima citada alínea.

Pelo que ficou dito, cabia ao oponente o ónus da prova da ausência de culpa pela omissão do pagamento. Ora, o oponente ofereceu prova testemunhal cuja produção foi dispensada pelo Mmº Juiz, por entender que os autos ofereciam já todos os elementos necessários à decisão que, no seu entendimento, se impunha (fls.89).
Deste modo, devem os autos agora baixar ao tribunal recorrido para que o oponente produza, querendo, a prova cujo ónus lhe compete.
V. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí ser produzida a prova testemunhal oferecida pelo oponente, se este assim o entender.

Sem custas.

Lisboa, 6 de março de 2013. - Valente Torrão (relator) – Ascensão Lopes – Pedro Delgado.