Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01005/14
Data do Acordão:10/09/2014
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
DIREITO TRANSITÓRIO
Sumário:Não é de admitir o recurso de revista excepcional relativamente à interpretação de uma disposição de direito transitório (destinada a regular as situações existentes), quando a questão em diga apenas respeito ao caso concreto e o acórdão recorrido a tenha apreciado sem evidenciar qualquer erro manifesto ou evidente a exigir claramente uma intervenção do STA para melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P18053
Nº do Documento:SA1201410091005
Data de Entrada:09/18/2014
Recorrente:A.............,SA
Recorrido 1:AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)
1. Relatório

1.1. A………….SA recorreu, nos termos do art. 150º, 1 do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA que, em 2ª instância, manteve a decisão proferida no TAC de Lisboa do acto de recusa do pedido de actualização da autorização concedida e da condenação da Agência Portuguesa do Ambiente a actualizar a indicada autorização em obediência do art. 22º do Dec. Lei n.º 118/2006, de 21/06.

1.2. Justificou a admissibilidade da revista na complexidade do quadro normativo aplicável; na relevância social da questão – licenciamento para a prática de actos de gestão e valorização de lamas em solos agrícolas e na divergência de interpretações do art. 22º, 1 do Dec. Lei 118/2006, de onde resulta a seu ver a necessidade de intervenção do STA para melhor aplicação do direito.

1.3. A entidade recorrida não contra-alegou.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. A questão que é concretamente colocada – e que foi decidida no TCA Sul – prende-se com a interpretação do art. 22º, 1 do Dec. Lei 118/2006, o qual refere:

As entidades que se encontrem licenciadas ou autorizadas a utilizar lamas de depuração para fins agrícolas à data da entrada em vigor do presente decreto – lei devem apresentar um pedido de actualização dessas licenças ou autorizações junto da respectiva autoridade emitente no prazo máximo de três meses contado a partir da presente data”.

Na primeira instância decidiu-se que “o n.º 1 do art. 22º ao dizer junto da respectiva entidade emitente refere-se à Direcção Regional de Agricultura competente (da área territorial competente), entidade que emite actualmente as licenças de utilização de lamas em solos agrícolas (cfr. art. 11º do DL 118/06), não à entidade que a emitiu antes (o Instituto de Resíduos)”.

No TCA Sul entendeu que o art. 22º, 1, do Dec. Lei 118/2006, de 21/6, ao remeter para as entidades emitentes de licenças não “estará certamente a referir-se a uma anterior licença de utilização de lamas em solos agrícolas, pois tal regime não era exigido até á entrada em vigor do Dec. Lei 118/2006, de 21/6 (cf. também artigo 10º do Decreto Lei n.º 446/91, de 22/11). Estará o legislador, antes, a referir-se às licenças conjuntas indicadas no art. 4º do Dec. Lei 446/91, de 22/1, a emitir pela DRA e IRN, relativamente a lamas tratadas em solos com PH inferior a 5,5 ou a injecção ou enterramento no solo de lamas não tratadas. (…)

Mais entendeu o TCA Sul que a ora recorrente tem uma autorização de actividade de gestão de resíduos por valorização agrícola. Ora – diz o acórdão – “esta autorização para a actividade de gestão de resíduos não pode ser entendida como uma licença previamente conferida para a utilização de lamas tratadas em solos com PH inferior a 5,5, ou para injecção ou enterramento no solo de lamas não tratadas, ou como uma autorização para a utilização de lamas em solos agrícolas (utilização que o próprio recorrente diz que era feita apenas pelos agricultores e não por si). Trata-se de um diferente processo de autorização, que visa apenas a regulação de resíduos, aqui a gestão de resíduos por valorização de lamas, e não com vista á sua específica utilização no solo agrícola (…).

Daí que tenha concluído: “Assim, o licenciamento previsto no Decreto - Lei 118/2006, de 21/06, constitui para o recorrente uma exigência nova, não algo que possa depender apenas da actualização de uma anterior autorização, que no seu caso visava apenas poder exercer uma actividade de gestão de resíduos por valorização de lamas.”

Na revista o recorrente insurge-se contra a interpretação do art. 22º, 1 do Dec. Lei 118/2006, de 21/6, pois entende que a autorização que detém cabe na previsão daquele preceito quando este refere as “…entidades que se encontrem licenciadas ou autorizadas a utilizar lamas de depuração para fins agrícolas”.

Como decorre do exposto a questão dos autos é restrita ao caso concreto da recorrente, decorrendo a sua solução do âmbito da autorização que detém para uma actividade de gestão de resíduos e valorização de lamas, sem repercussões relevantes em outros casos. De notar ainda que a norma do art. 22º, 1 do Dec. Lei 118/2006, de 21/6, é uma norma de direito transitório procurando regular, como se diz na respectiva epígrafe, “as situações existentes”, portanto, com o âmbito de aplicação subjectiva limitado no tempo. Não existe, deste modo, nem relevância social nem jurídica especialmente relevante.

Finalmente, o acórdão do TCA mostra-se fundamentado, com uma cuidada análise das disposições legais pertinentes não evidenciando qualquer erro manifesto a exigir claramente uma intervenção do STA com vista á melhor aplicação do direito.

4. Decisão

Face ao exposto não se admite a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 09 de Outubro de 2014. – São Pedro (relator) – Vítor Gomes – Alberto Augusto Oliveira.