Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0484/13
Data do Acordão:04/17/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FERNANDA MAÇÃS
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
REVERSÃO
Sumário:I - Constituindo objecto das reclamações, apresentadas ao abrigo do art. 276º do CPPT, os actos proferidos pelo órgão da execução fiscal, não existe qualquer desarmonia ou discrepância entre o meio processual utilizado e a pretensão formulada de invalidação desses actos, pelo que o meio processual apresentado (reclamação) é em abstracto adequado a obter a revogação ou anulação do despacho reclamado.
II - Nesta situação, ainda que as concretas causas de pedir sejam adequadas a obter a invalidade do acto de reversão a deduzir através de oposição, não há erro na forma do processo, mas sim improcedência das invalidades imputadas ao despacho reclamado.
Nº Convencional:JSTA00068215
Nº do Documento:SA2201304170484
Data de Entrada:03/26/2013
Recorrente:A...... E MULHER
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART276 ART98 N4.
LGT ART97 N3.
CPC ART199 N1 N2 ART288 N1 B ART493 N1 N2 ART494 B
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01176/11 DE 2012/11/21; AC STA PROC0312/12 DE 2012/09/26; AC STA PROC0534/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0623/12 DE 2012/06/27; AC STA PROC01161/11 DE 2012/02/29; AC STA PROC01145/11 DE 2012/03/28
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I- RELATÓRIO

1. A……… E MULHER, B………, com os sinais dos autos, deduziram reclamação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo, que indeferiu o pedido de suspensão da venda judicial de imóvel, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o qual, por sentença proferida em 11 de Fevereiro de 2013, julgou a reclamação improcedente, mantendo o despacho recorrido.

2. Não se conformando com tal decisão, A……… E MULHER B……… interpuseram recurso para a secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, apresentando as Alegações, com as seguintes Conclusões:
“a) Os recorrentes interpõem recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a reclamação que, ao abrigo do art.° 276.º do CPPT, do despacho do Chefe de Finanças de Valongo 2° — Ermesinde, lhes indeferiu o pedido em que pretendiam ver confirmado a existência de irregularidades (a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação à devedora originária, mas cumprido agora esse formalismo, a liquidação não será notificada dentro do prazo da caducidade, e foi questionada a admissibilidade da efectivação da responsabilidade subsidiária por coimas através de processo de reversão).
b) O Tribunal a quo, fixou a sua decisão, na interpretação que os recorrentes invocam ilegalidades que constituem causa de oposição à execução, porquanto estas ilegalidades, não constituem fundamento para a suspensão da venda judicial e como tal, não são susceptíveis de afectar a legalidade e validade desse despacho.
e) Entendem por isso, os recorrentes que a sentença é nula, porquanto não conheceu as questões alegadas.
d) Deve, consequentemente, ser anulada, com a consequente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para reforma da decisão, nos termos do n.° 2 do art.° 731° do CPC.
e) A não se entender que ocorre a nulidade invocada, ou não se ordenar a baixa dos autos para a reforma da decisão, sempre terá de entender-se que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por alegada “falta de fundamentação ou de abstenção de pronúncia”, em virtude de não ter apreciado as questões levantadas na reclamação.
f) O meio processual utilizado (reclamação de despacho da Fazenda Pública que recaiu sobre requerimento dos ora recorrentes e que afectou direitos e interesses legítimos destes) é adequado, não tendo ocorrido erro na forma de processo.
g) A reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui, pois, uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
h) Os fundamentos para a impugnação do acto tributário se encontram referidos apenas a título exemplificativo pelo art.° 99.° do CPPT, podendo servir de base à mesma qualquer ilegalidade.
i) No caso dos autos, ao contrário do entendimento sustentado pela decisão recorrida, verifica-se a existência de irregularidades, que deviam ter sido apreciadas na presente reclamação (como acção impugnatória incidental que é)
j) Questões que contendem com a legalidade da dívida exequenda suscitada pelos recorrentes, e ao existir uma ilegalidade, consubstancia uma violação do princípio da legalidade das formas processuais, que contende com a decisão da marcação da venda judicial do prédio penhorado e com a sua suspensão.
k) Do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.12.2009, Processo 01074/09, podemos subtrair o seguinte: “Ora, no presente caso, as reclamações têm claramente por objecto os despachos de indeferimento proferidos pelo órgão da execução fiscal, visando, logicamente, a sua anulação, pelo que é por essa pretensão que se tem de aferir do acerto ou erro do meio processual utilizado para atingir tal desiderato. E não existindo qualquer desarmonia ou discrepância entre esse meio processual utilizado — a reclamação deduzida ao abrigo do art° 276.º do CPPT — e a pretensão implicitamente formulada de invalidação dos actos reclamados, não pode falar-se em erro na forma de processo. Não constituindo o despacho de reversão objecto dessas reclamações, não pode manter-se a decisão recorrida na parte em que julgou o contrário, isto é, na parte em que julgou que esse despacho constituía objecto da reclamação e que o meio adequado para reagir contra ele era a oposição à execução fiscal.”
l) No caso em apreço, não foi efectuada notificação da liquidação à devedora originária e foi instaurada a execução fiscal, logo está-se perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, entretanto revertida para os aqui recorrentes.
m) Na verdade, em todas as situações em que a execução fiscal foi instaurada sem prévia notificação do acto de liquidação, este acto é ineficaz e, por isso, não produz efeitos em relação aos seus destinatários (art.° 77,°, n.º 6 da LGT e 36.°, n.° 1, do CPPT), podendo com base nesse exigir-se coercivamente o pagamento da dívida liquidada.
n) De acordo com os factos apresentados, não foi efectuada nenhuma notificação da liquidação à devedora originária.
o) Esta falta de notificação deve considerar-se facto que afecta a eficácia do acto de liquidação, pugnando a final pela inexigibilidade da dívida exequenda.
p) Em regra, a fase executiva é precedida de uma fase administrativa prévia em que é feita a liquidação da divida exequenda, sendo esta notificada ao interessado, que a pode impugnar pelos meios administrativos e contenciosos previstos na lei, o que não se verifica no caso versado.
q) Sendo agora, cumprido esse formalismo, a liquidação em questão nos presentes autos, não será validamente notificada dentro do prazo da caducidade.
r) Os recorrentes questionam a admissibilidade da efectivação da responsabilidade subsidiária por coimas através de processo de reversão, efectuada no processo de execução fiscal.
s) Esta questão coloca-se, quando, o n.° 10 do art.° 32.° da C.P. assegura ao arguido, em processos sancionatórios (incluindo contra-ordenações), os direitos de audiência e de defesa, que não são assegurados aos revertidos.
t) Está-se, aqui, perante a invocação de um erro na forma de processo (de conhecimento oficioso, de harmonia com o disposto nos art. 199.° e 202.º do CPC), já que esta afirmação tem subjacente o entendimento de que, o meio processual adequado para efectivar a responsabilidade dos responsáveis subsidiários por dívidas de coimas não poderá ser a reversão da execução fiscal, que consideram não assegurar os direitos de audiência e de defesa, que a CRP impõe que sejam garantidos.
u) Não está prevista no art.° 148.° do CPPT, que define o âmbito da execução fiscal, a cobrança de dívidas derivadas de responsabilidade civil extracontratual e apenas em relação a dívidas enquadráveis neste artigo se prevê legitimidade do órgão da execução fiscal para a promoção da execução (art.° 152.º, n.º 1, do CPPT) e a possibilidade de reversão (art.° 153.°, n.° 1 e 2, do CPPT).
v) O aditamento da alínea c) ao n.º 1 deste art.° 148.° efectuado pela Lei n.º 3-B/2010, de 18 de Abril, não vem alterar esta situação.
w) De qualquer modo, o certo é que nesta alínea c) se prevê que sejam cobradas dívidas de coimas e sanções pecuniárias e não de responsabilidade civil, pelo que se mantém a situação acima referida de inexistência de norma que preveja a cobrança de dívidas de responsabilidade civil através de processo de execução fiscal.
x) Conclui-se assim, por todo o exposto que, os recorrentes têm razão quanto a esta questão da inadmissibilidade da reversão da execução fiscal por dívidas de responsabilidade subsidiária derivada de coimas. (Cfr. Acórdão do STA proferido em 23.02.2012, iN Processo 01147/99).
y) E a ser assim, é patente que não podia haver reversão como não podia haver venda judicial.
Z) A douta sentença recorrida deve ser revogada, devido à explanada errada aplicação do direito.
NESTES TERMOS.
E nos demais de direito e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser procedente por provado, e, consequentemente, se dê como provado erro no julgamento das questões colocadas e reforma da decisão. Porém, como sempre, V.Exas. farão a sempre acostumada JUSTIÇA.”


3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. O Digno Representante do Ministério Público, junto do STA, emitiu douto parecer onde se conclui:
“…..Os reclamantes não imputaram qualquer vício específico à decisão proferida pelo órgão da execução fiscal de indeferimento do pedido de suspensão da venda judicial, limitando-se a invocar em sede imprópria fundamentos característicos da oposição à execução:
- falta de notificação da liquidação à devedora originária;
- ilegalidade do despacho de reversão;
- inadmissibilidade da reversão da execução fiscal para cobrança coerciva de quantias emergentes de responsabilidade civil subsidiária dos gestores por dívidas de coimas aplicadas às sociedades
As alegações de recurso limitam-se à reprodução do argumentário plasmado na petição de reclamação.
A convolação para a forma processual oposição à execução adequada está prejudicada pelo pedido formulado e pela intempestividade da petição, como acertadamente se pronuncia a sentença recorrida
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.”


II- FUNDAMENTOS

1-DE FACTO
A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
“1.º - Corre termos no Serviço de Finanças de Valongo 2, o processo de execução fiscal n.°3565200901066340 e aps., instaurado contra a sociedade C………, Lda., NIF: ………; por dívidas no valor de € 64.651,35.
2.° - O referido processo reverteu contra os ora reclamantes.
3.º - Os reclamantes, foram citados para o referido processo, por reversão, em 07.01.2011.
4°- Em 09.06.2011, foi efectuada a penhora do prédio urbano identificado sob o artigo 4392-B, na matriz predial urbana da freguesia de ……….
5.º - Em 01.07.2011, os ora reclamantes, foram notificados da data designada para a venda do prédio penhorado.
6.º - Em 14.07.2011 apresentaram reclamação nos termos do disposto no art.276° e segs. do CPPT, a qual foi autuada sob o n.°558/11.9BEPNF e correu termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, reclamando do despacho da marcação da venda.
7.° - A referida reclamação teve por objecto o processo de execução fiscal n.°3565200901066340 e aps.
8.º - Em causa, na presente reclamação, está o processo de execução fiscal n.°3565200901066340 e aps.
9.º - O processo de reclamação n.°558/11.9BEPNF, foi julgado improcedente.
10.º - Sentença que já transitou em julgado.
11.º - Na sequência da improcedência da referida reclamação, foi proferido despacho a designar nova data para a venda do imóvel supra referido, em 26.10.2012, na modalidade de leilão electrónico, para o dia 14.12.2012, pelas 12.00 horas.
12.° - Do referido despacho, foram notificados os ora reclamantes e o seu mandatário.
13.° - Em 12.12.2012, deu entrada no serviço de finanças de Valongo, um requerimento em que foi peticionada a suspensão da venda, alegando a ilegalidade da liquidação e pondo em causa os fundamentos da reversão.
14.° - O qual mereceu despacho de indeferimento, por parte do chefe do serviço de finanças de Valongo, datado de 14.12.2012 - cf. teor de fls.410 a 411, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
15.° - Os ora reclamantes, foram notificados do referido despacho por fax, no dia 14.12.2012.
16.º - Em 21.12.2012, apresentaram a presente reclamação.”


2- DO DIREITO

2.1. A……… e Mulher, notificados, na qualidade de revertidos do despacho de 26/10/2012, proferido no processo de Execução Fiscal nº 3565200901066340 instaurado contra a devedora originária (C………, Ldª) por dívidas de coimas aplicadas em 2009 e IRC do ano de 2007, através do qual foi ordenada a venda dos bens penhorados, na modalidade de leilão electrónico, vieram requerer, ao Chefe do Serviço de Finanças de Valongo, a suspensão da venda marcada para o dia 14 de Dezembro de 2012, pelas 12 horas, argumentando, em síntese: falta de notificação da liquidação à devedora originária, com a consequente inexigibilidade da dívida exequenda; falta de notificação no prazo de caducidade; e a inadmissibilidade da efectivação da responsabilidade subsidiária por coimas através do processo de reversão. Os reclamantes terminam pedindo a suspensão da venda judicial.
Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Valongo, de 14 de Dezembro de 2012, foi aquele pedido indeferido com fundamento no facto de não ter sido, em tempo, discutida a exigibilidade das dívidas peticionadas.
Notificados de tal despacho vieram os ora recorrentes, nos termos do art.276° e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), deduzir reclamação, argumentando, em síntese: (i) a falta de notificação da liquidação à devedora originária; (ii) a ilegalidade do despacho de reversão; (iii) e a inconstitucionalidade da reversão das dívidas por coimas.
Por sentença proferida, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, em 5/2/2013, a Mmª Juíza “a quo” julgou a reclamação improcedente.
Para tanto, ponderou, entre o mais, que, constituindo os fundamentos invocados causa de oposição à execução, a deduzir no prazo de 30 (trinta) dias, contados da citação pessoal, nos termos da alínea a), do n° 1, do art. 203°, do CPPT, e tendo os reclamantes, sido citados da execução, na qualidade de executados revertidos em 07.01.2011 (cf. resulta de fls.96 e 97 dos autos), o prazo para a dedução de oposição há muito que se encontrava esgotado.
Contra este entendimento se insurgem os recorrentes, argumentando, em síntese, que a sentença é nula, porquanto não conheceu as questões alegadas, ou pelo menos incorre em erro de julgamento, por alegada “falta de fundamentação ou de abstenção de pronúncia”, em virtude de não ter apreciado as questões levantadas na reclamação.
Para “os recorrentes o meio processual utilizado (reclamação de despacho da Fazenda Pública que recaiu sobre requerimento dos ora recorrentes e que afectou direitos e interesses legítimos destes) é adequado, não tendo ocorrido erro na forma de processo”.
Alegam ainda, tal como na petição inicial: (i) falta de notificação da liquidação à devedora originária; (ii) ilegalidade do despacho de reversão; (iii) e a inadmissibilidade da reversão da execução fiscal para cobrança coerciva de quantias emergentes de responsabilidade civil subsidiária dos gestores por dívidas de coimas aplicadas às sociedades.
Em face das conclusões, que delimitam o âmbito e o objecto do presente recurso, nos termos do disposto nos arts. 684º, nº 3, e 685º-A/1, do CPC, as questões a apreciar e decidir traduzem-se em saber se ao julgar improcedente a reclamação a Mmª Juíza “a quo” incorreu em erro de julgamento, o que pressupõe que se indague também se andou bem quando conclui que não existe, no caso em apreço, erro na forma do processo em termos de justificar a convolação da reclamação objecto do presente recurso para o meio processual adequado (oposição).
Preliminarmente importa averiguar se subsiste a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

3. Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Como vimos, os recorrentes suscitam a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nas alíneas b) e c) das Conclusões, referindo que “O Tribunal a quo, fixou a sua decisão, na interpretação que os recorrentes invocam ilegalidades que constituem causa de oposição à execução, porquanto estas ilegalidades, não constituem fundamento para a suspensão da venda judicial e como tal, não são susceptíveis de afectar a legalidade e validade desse despacho”, logo, “(…)” a sentença é nula, porquanto não conheceu as questões alegadas”.
Não assiste, porém, qualquer razão aos recorrentes.
Vejamos.
Constitui jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que só haverá omissão de pronúncia quando o tribunal deixa de apreciar e decidir uma questão que haja sido chamado a resolver, a menos que o seu conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, dado que lhe incumbe o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (cfr. o art. 660º, nº 2, do CPC) (Cfr., entre outros, os seguintes Acórdãos do STA: de 25/1/2012, proc nº 802/2011; de 8/2/2012, proc nº 937/2011; e de 16/11/2011, proc nº 584/2011. ).
Ora, no caso em apreço, a Mmª Juíza “a quo” não apreciou as ilegalidades invocadas porquanto entendeu que, tendo em conta os fundamentos invocados, o meio processual adequado não seria a reclamação prevista no art. 276º ss. do CPPT, mas sim a oposição.
Por outro lado, tendo o Tribunal recorrido concluído pela impossibilidade de convolação, não podemos deixar de concluir que, ao contrário do alegado pelos recorrentes, as questões suscitadas foram devidamente apreciadas e decididas dentro dos limites do processualmente admissível, pois havendo lugar a erro na forma do processo com impossibilidade de convolação, a Mmª Juíza “a quo” não podia apreciar o mérito da mesma, sob pena de excesso de pronúncia (cfr. o Acórdão do STA de 30/10/2010, recurso nº 199/2010.

4. Da análise do erro de julgamento

4.1. Da adequação do meio processual utilizado (reclamação) contra o indeferimento do pedido de suspensão da venda judicial

Como vimos, os recorrentes utilizaram o meio processual previsto no art. 276º do CPPT, que tem como objecto obter a revogação ou anulação de uma decisão proferida pelo órgão de execução fiscal e que, no caso, se traduz no despacho que indeferiu o pedido de suspensão da venda judicial.
Acontece que, quer no requerimento apresentado pelos reclamantes a pedir a suspensão da venda (requerimento de fls. 392 a 399), quer na petição inicial desta reclamação, os reclamantes não invocam nenhuma ilegalidade concreta desse despacho.
No caso sub judice, como ficou dito, os pedidos formulados em juízo são: (i) falta de notificação da liquidação à devedora originária; (ii) ilegalidade do despacho de reversão; (iii) e a inadmissibilidade da reversão da execução fiscal para cobrança coerciva de quantias emergentes de responsabilidade civil subsidiária dos gestores por dívidas de coimas aplicadas às sociedades.
Em face do exposto, ponderou-se, na sentença recorrida, que tais ilegalidades não constituem fundamentos válidos para alcançar a suspensão da venda, pois “Não tendo sido, em tempo, discutida a exigibilidade das dívidas em causa no processo de execução fiscal, nem a legalidade dos despachos de reversão, os fundamentos invocados na reclamação, não constituem qualquer ilegalidade que possa ser imputada ao despacho reclamado, que se limitou a indeferir um pedido de suspensão da venda do bem imóvel penhorado.
Acresce que, de nenhuma irregularidade padece a penhora. A mesma cumpre a legalidade prescrita no CPPT”.
E conclui-se na sentença recorrida que os fundamentos invocados constituem causa de oposição à execução. Na verdade, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, vazada, entre outros nos Acórdãos do STA de: 21/11/2012 proc n°1176/11; 26/09/2012 proc n°312/12; 11/07/2012 proc n°534/12; e 27/06/2012 proc n°623/12, que “a oposição à execução fiscal constitui o meio processual adequado para o responsável subsidiário apresentar a sua defesa e para discutir a cobrança coerciva das quantias de natureza indemnizatória emergentes da responsabilidade civil dos gerentes pela falta de pagamento das coimas aplicadas às sociedades geridas”.
Em face do exposto, podemos concluir, desde já, que as ilegalidades suscitadas não constituem fundamentos válidos para alcançar a suspensão da venda e a revogação do despacho objecto de reclamação.
Assim sendo, a questão que se impõe averiguar é a de saber se há ou não erro na forma de processo que possa sustentar eventual convolação.

4. 2. Da análise do erro na forma do processo

Dispõe o art. 2º, nº 2, do Código de Processo Civil, que “a todo o direito (…) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo”. E em termos semelhantes refere o art. 97º, nº 2, da LGT, que “a todo o direito de impugnar corresponde o meio processual mais adequado de o fazer valer em juízo”.
Como ficou consignado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 8/3/2006, proc nº 042/06, “Em face dessa correspondência entre direito e a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, haverá apenas um determinado meio processual que, em cada caso, pode ser utilizado para obter a tutela judicial. É à face do pedido ou conjunto de pedido formulados pelo interessado que se afere a adequação das formas de processo especiais e, consequentemente, se ocorre erro na forma de processo”.
O erro na forma do processo traduz-se numa nulidade que consiste na utilização de meio processual impróprio, aferindo-se tal erro pela adequação do meio processual utilizado ao fim por ele visado: se o pedido, ou seja, a concreta pretensão de tutela solicitada pelo autor ao tribunal não se ajusta à finalidade abstractamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre erro na forma do processo (Cfr., neste sentido, entre outros, os Acórdãos do STA de 28/3/2012, proc nº 1145/11, e de 29/2/2012, proc nº 1161/2011.).
Como se pode ler no Acórdão deste Supremo Tribunal de 29/2/2012, proc nº 1161/11, o erro na forma do processo constitui uma nulidade de conhecimento oficioso e impõe a convolação do processo para a forma adequada, nos termos do disposto no art. 98º, nº4, do CPPT, e art. 97º, nº 3, da LGT, “com a anulação apenas dos actos que não possam aproveitar-se para a forma processual adequada sem diminuição das garantias de defesa (art. 199º, nºs 1 e 2, do CPC), sendo que se não for possível a sanação da nulidade, o erro na forma do processo determina o indeferimento da petição inicial, se verificada na fase liminar, ou, se já ultrapassada a fase liminar, a anulação de todo o processado, com a absolvição do réu da instância (cfr. arts. 288º, nº1, alínea b), 493º, nºs 1 e 2, e 494º, alínea b), todos do CPC).”
No caso sub judice, verifica-se que os reclamantes, ora recorrentes, solicitaram ao Órgão de Execução Fiscal a suspensão da venda judicial e, na sequência do seu indeferimento, deduziram contra o mesmo reclamação, pedindo, tal como se pode ler pelo transcrito no ponto 4.1, a revogação/anulação do despacho recorrido.
Assim sendo, o meio processual apresentado (reclamação) é em abstracto adequado a obter a revogação ou anulação do despacho reclamado. Nesta sequência, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que, constituindo o objecto das reclamações, apresentadas ao abrigo do art. 276º do CPPT, “os actos proferidos pelo órgão da execução fiscal, não existe qualquer desarmonia ou discrepância entre o meio processual utilizado e a pretensão formulada de invalidação desses actos, pelo que não pode falar-se em erro na forma de processo” (cfr., entre outros o Acórdão deste Supremo Tribunal de 16/12/2009, proc nº 1074/09).
Por conseguinte, no caso em apreço, o meio processual (reclamação) é o adequado ao pedido.
O problema que se coloca está na causa de pedir, uma vez que da análise da petição de reclamação resulta claramente, como ficou dito, que os reclamantes não invocam invalidades susceptíveis de originar a revogação do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da venda. Pelo contrário, as ilegalidades invocadas pelos reclamantes seriam as adequadas a atacar, na qualidade de responsáveis subsidiários, o despacho de reversão proferido no âmbito do processo de execução fiscal, deduzido contra a executada originária.
Não obstante o exposto, tal como se decidiu no Acórdão proferido por este Supremo Tribunal, em 20 de Fevereiro de 2013, proc nº 114/13, que versou situação idêntica, não existe aqui erro na forma do processo, devendo concluir-se pela improcedência das invalidades imputadas ao despacho reclamado.
Com efeito, os fundamentos (ilegalidades invocadas) não podem ter como consequência jurídica a convolação para a forma processual oposição à execução, mas sim a improcedência da reclamação, por ineficácia dos fundamentos invocados para a obtenção da tutela judicial requerida.
De qualquer modo, ainda que assim não se entendesse, a haver erro na forma do processo, haveria que ponderar da possibilidade da convolação, nos termos do disposto nos arts.98º, nº 4, do CPPT e 97º, nº 3, da LGT, da presente reclamação na oposição, que está dependente da verificação de dois pressupostos, a saber:
a) Que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, neste caso, a oposição;
b) Que o pedido formulado seja compaginável com a forma de processo adequado.
Ora, no que respeita à tempestividade, concorda-se com o decidido na sentença recorrida, no sentido de que “tendo os reclamantes sido citados da execução, na qualidade de executados revertidos em 07/01/2011, o prazo para a dedução da oposição há muito se encontra esgotado”, pelo que a eventual convolação da petição de reclamação para petição de oposição à execução estaria precludida em consequência da sua manifesta extemporaneidade.
Em face do exposto, a sentença recorrida, que decidiu no sentido da improcedência da reclamação, deve ser confirmada, ainda que com distinta fundamentação.
Nesta sequência, improcedem as alegações dos recorrentes, devendo ser negado provimento ao recurso.


III- DECISÃO

Termos em que os Juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 17 de Abril de 2013. - Fernanda Maçãs (relatora) - Casimiro Gonçalves - Francisco Rothes.