Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02013/18.7BALSB
Data do Acordão:07/03/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT), não devendo, no entanto, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado/recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).
II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há menos de um mês sobre a questão, em acórdão proferido, ainda que com um voto em sentido contrário se, entretanto, não houve alteração alguma na composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.
Nº Convencional:JSTA000P24774
Nº do Documento:SAP2019070302013/18
Data de Entrada:02/22/2019
Recorrente:Z............. E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1 – Z………… e X………………, com os demais sinais dos autos, vêm ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, apresentar recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário neste Supremo Tribunal, com o fundamento na oposição entre a decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa de 16/11/2018, no processo nº 91/2018-T e o acórdão de Tribunal Central Administrativo Sul de 21/09/2010, no processo nº 03748/10.

2- Os recorrentes apresentaram as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) – A questão controvertida, quer na decisão arbitral recorrida, quer no douto acórdão fundamento, diz respeito a saber se na interpretação da norma fiscal em causa (art.º 2º n.º 4, alínea b) do CIRS) deve ser adotado um conceito de antiguidade em sentido amplo, tal como previsto no direito laboral, designadamente com base no que se encontra estipulado no instrumento de regulação coletiva, como pugna o douto acórdão fundamento (Ac. TCA Sul de 21/09/2010, proc. 03748/10) ou, pelo contrário, se o conceito de antiguidade previsto na referida norma se limita à antiguidade de funções prestadas na entidade pagadora com que acordou a cessação do contrato de trabalho, como pugna a decisão arbitral recorrida (decisão CAAD de 16/11/2018, proc. 91/2018-T).

B) – Existe similitude fática nas decisões, pois em ambas o sujeito passivo (requerente/impugnante) havia celebrado mais do que um contrato de trabalho para exercício de funções em entidades bancárias, em ambas as situações a relação laboral era regulada pelo Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário, em ambas as situações o sujeito passivo recebeu uma indemnização por cessação do contrato de trabalho, em ambas as situações a AT entendeu que a parte isenta de tributação correspondia ao proporcional ao tempo de trabalho prestado apenas na última entidade.

C) – Em ambas as decisões é apreciada a mesma norma fiscal e a mesma questão de direito – artigo 2º n.º 4 alínea b) do CIRS, a qual não sofreu alteração substancial.

D) – Na decisão ora recorrida foi perfilhada solução oposta e antagónica à do acórdão fundamento, o que resulta expresso da afirmação contida no ponto 59. da decisão recorrida: “Este Tribunal não acompanha, assim, a jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul que tem assumido que o legislador fiscal não define, para efeitos de aplicação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2º do Código do IRS, o conceito de antiguidade do trabalhador (cfr., neste sentido, os seguintes acórdãos do TCAS: (...) acórdão de 21/09/2010, proferido no âmbito do processo n.º 03748/10; (...)”.

E) – Existe, assim, uma evidente oposição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento, pois tendo por base situações fácticas idênticas foram tomadas decisões dissonantes relativamente à mesma questão fundamental de direito.

F) – Acresce que, para além da contradição entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, e da similitude da situação de facto em ambos, a decisão recorrida não está em sintonia com a demais jurisprudência proferida designadamente do Tribunal Central Administrativo-Sul, no douto acórdão de 11/05/2004, proferido no processo 06002/01.

G) – Por último, verifica-se ainda o requisito de não ter havido alteração substancial na regulamentação jurídica em causa.

H) – Entende-se que a posição adotada no douto acórdão fundamento é a que faz uma correta interpretação da lei, e que deve ser acolhida e utilizada para a uniformização de jurisprudência.

I) – Com efeito, entende-se que na interpretação da norma fiscal em causa (art.º 2º n.º 4 do CIRS) deve ser adotado um conceito de antiguidade em sentido amplo, tal como previsto no direito laboral (em termos de integrar o anterior tempo de serviço adquirido noutras entidades patronais), sendo que no caso concreto a antiguidade deve ser aferida com base no que se encontra estipulado no instrumento de regulação coletiva, designadamente no Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário, outorgado pelo recorrente marido e pela entidade patronal.

Termos em que deve ser ordenado o prosseguimento do presente recurso, com as legais consequências.»

Foram apresentadas contra alegações com o seguinte quadro conclusivo:

«I. O "conceito" de antiguidade - "antiguidade" de per se, sem qualquer qualificativo - em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um hiato juridicamente relevante com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final.

II. Embora sobretudo os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aduzam vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho (seja o atual, seja o anterior) não define o que seja "antiguidade" nem apresenta uma qualificação unívoca dela, detetando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de "antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho.

III. Conforme o artigo 339.º do Código do Trabalho de 2009 [cf. artigo 383.° do Código do Trabalho de 2003], interpretando a expressão "indemnização" também como "compensação", em matéria de cessação do contrato de trabalho podem os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho regular os critérios de definição de indemnizações (compensações) e os prazos de procedimento e de aviso prévio, podendo ainda regular os valores de indemnizações (compensações) mas, neste caso, dentro dos limites fixados no Código; matérias que estão excluídas da disponibilidade das partes no contrato de trabalho.

IV. Da caducidade do contrato de trabalho, do despedimento por causas objetivas, da substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento ou da resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em ato ilícito do empregador - isto é, das situações que dão origem às referidas compensações ou indemnizações - tem de distinguir-se o acordo de distrate/revogação do contrato individual de trabalho, em que não está limitada a liberdade contratual e, assim, a autonomia negocial entre as partes, podendo estas acordar entre si contrapartidas pecuniárias várias pela cessação contratual, porventura traduzidas numa compensação pecuniária global que, não tendo de respeitar limites legais, está na inteira disponibilidade das partes.

V. Mesmo não entrando na análise do âmbito subjetivo de aplicação dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objetivas, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em ato ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho; matérias que estão, portanto, arredadas dos efeitos normativos emergentes da tal Cláusula 17.ª tão simplesmente por não integrarem "todos os efeitos previstos" em tais instrumentos.

VI. Ao regime do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS subjaz uma notória vocação anti abuso, própria das cláusulas especiais preventivas da evasão fiscal, vocação que tem especial razão de ser, pois não seriam em qualquer caso aceitáveis acordos que dispusessem sobre antiguidade laboral reconhecendo antiguidades meramente artificiais e impondo tal reconhecimento para efeitos de delimitação negativa da incidência de imposto.

VII. O recurso à norma do artigo 11.º, n.º 2, da LGT pressupõe - face ao inciso final desta "salvo se outro decorrer diretamente da lei" - a inexistência na norma da atual alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS de um qualquer sentido próprio de antiguidade, algo que o Acórdão de 21-09-2010 parece ter dado a priori por assente; já os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-05-2004 e de 12-03-2013, embora detetando naquela norma do IRS um tal sentido próprio, logo este obnubilaram para, sem se darem conta do ilogismo em que caiam, justificarem com o artigo 11.º, n.º 2, da LGT a busca de um sentido considerado menos restritivo.

VIII. O recurso à norma do artigo 11.º, n.º 2, da LGT sempre implicaria, logicamente, a assunção prévia de um critério metodologicamente válido que permitisse optar por uma das múltiplas qualificações de antiguidade existentes no âmbito laboral, com exclusão de todas as demais, algo que aqueles Acórdãos não expressaram de todo.

IX. A questão que se coloca é a de saber se a norma da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.° do IRS, enquanto titular de um sentido próprio de "antiguidade na empresa" que se comprove existir, pode ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas em instrumentos jurídicos de natureza negocial, bilaterais ou coletivos, que imponham à entidade devedora da prestação pecuniária referida nessa norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual outorgada por tal entidade.

X. A razão por que o legislador conjugou, alternativa e inclusivamente, as expressões "de antiguidade" "ou" "de exercício de funções" tem a ver com a necessidade de uma previsão normativa abrangente, de molde a acolher as múltiplas situações geradoras dos rendimentos de trabalho dependente, respetivamente o contrato de trabalho ou de prestação de serviços, por um lado, e o exercício de função, serviço ou cargo público, por outro lado.

XI. O espírito da lei não apenas reclama aquele sentido de "antiguidade na entidade devedora" ou "antiguidade na empresa" como não admite, de todo, que nesta antiguidade empresarial se considerem, para além da antiguidade inerente à efetiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade devedora, majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.

XII. É que, por um lado, vários são os momentos histórico-sistemáticos e teleológicos que, ao nível infraconstitucional, só são compatíveis, seja com a "antiguidade na entidade devedora", seja com a inadmissibilidade da consideração nesta antiguidade, correspondente à efetiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, de majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.

XIII. Por outro lado, existem pujantes momentos do sistema constitucional — inerentes, seja ao princípio da igualdade, seja ao princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal, cujos corolários de igualdade, responsabilidade e segurança reclamam uma intensa determinabilidade — que inequivocamente pressupõem na norma da atual alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS uma "antiguidade" referenciada à "entidade devedora" e que não admitem, face ao elemento teleológico aferido pela finalidade da exclusão da incidência fiscal estatuída naquela mesma norma, que instrumentos jurídicos negociais se permitissem, através de majorações da antiguidade inerente à efetiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, delimitar voluntariamente a amplitude dessa exclusão da incidência fiscal.»

O Ministério Público veio emitir parecer que tem o seguinte conteúdo:

«1 - O Mº Pº notificado, nos termos e para o efeito do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, nos autos supra referenciados, vem emitir parecer nos termos que seguem:

2 – Z………….. E X………………. vêm interpor recurso para uniformização de jurisprudência da Decisão Arbitral, proferida em 16.11.2018, no âmbito do processo nº 91/2018-T, invocando, para o efeito o disposto no artigo 152º, nº 1, al. a) do C.P.T.A., aplicável “ex vi” artigo 25º, nº 2 do R.J.A.T.- ver fls. 3 e segs.

3 – Recurso que se mostra admitido nos termos do disposto no artigo 152º do C.P.T.A., por douto despacho de fls. 139.

4 – A recorrida apresentou contra-alegações a fls. 144 e segs., pugnando, a final, no sentido do deliberado na decisão arbitral ora recorrida.

5 – São requisitos de admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152º do CPTA:

- a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento;

- que a contradição se verifique relativamente à mesma questão de direito;

- se verifique o trânsito em julgado de ambas as decisões;

- que a orientação perfilhada no acórdão impugnado não esteja em conformidade com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

6 – Ora, da análise fáctico-jurídica constata-se que em ambas as situações a questão de direito prende-se com a aplicação do disposto no artigo 2º, nº 4 al. b), do CIRS, sendo as decisões díspares, não constando não terem as mesmas transitado, não constando sobre esta questão decisões deste STA.

Assim sendo, e quanto ao mérito da questão decidenda colocada a juízo oferece-nos dizer: A questão de fundo prende-se com a interpretação do conceito de antiguidade e a sua implicação, para efeitos de liquidação em sede de IRS - artigo 2º, nº 4, al. b), do CIRS - aquando do pagamento de indemnização por cessação do contrato de trabalho por parte de um trabalhador e a respectiva entidade patronal.

E, constata-se que sobre tal questão as decisões examinadas, a decisão arbitral, posta aqui em causa, a do acórdão fundamento proferido pelo TCA/S, de 21.09.2010, no processo nº 03748/10, mostram posições díspares quanto à interpretação dada ao conceito de antiguidade com consequências para efeitos de aplicação do artigo 2º, nº 4, al. b), do CIRS.

A decisão arbitral, baseando-se em doutrina que cita, aduz que a liquidação adicional impugnada não enferma de quaisquer vícios de violação da lei ao interpretar como fazendo depender a delimitação negativa de incidência do IRS aí prevista, da não aplicabilidade ao trabalhador de regras previstas em acordos coletivos de trabalho ou em contratos individuais.

Concluindo que a interpretação da alínea b) do nº 4 do artigo 2º do CIRS é a que foi feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira e que está subjacente à liquidação impugnada, de que, para todos os trabalhadores, a antiguidade a atender é a antiguidade na entidade devedora da indemnização.

E é com base em tal pressuposto que decide “julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral e absolver a Requerida do pedido, com todas as consequências legais”.

Por sua vez, no acórdão fundamento proferido no citado processo nº 03748/10, de 21.09.2010, do TCA/S, envereda-se por fundamentação diversa que levou a desiderato oposto em situação similar. Aqui, fundamentou-se que:

“(…)

2. Não tendo o legislador fiscal, ele próprio, definido para este efeito, o conceito de antiguidade do trabalhador, temos de nos socorrer do conteúdo desse conceito tal como vigora no direito laboral.

3. E neste direito, encontrando-se tal conceito definido no ACT aplicável ao sector de actividade em causa (bancário), que por força da norma do artº 2º da LCCT constitui fonte imediata do direito laboral, é o conteúdo deste conceito tal como aqui se encontra definido, que é o aplicável em sede de incidência do IRS.”

Aliás no mesmo sentido se decidiu no processo nº 06002/01, embora em situação factual diferente, mas cuja doutrina que daí emana é enquadrável ao caso em apreço e que, em seu abono, passamos a citar do sumário expresso no mesmo e na parte que aqui interessa: “1. O art. 2º nº 4 do CIRS prevê um regime especial de tributação que beneficia as importâncias atribuídas pela cessação do vínculo laboral ou pela cessação do exercício de funções de gestor, administração ou gerência, excluindo de tributação uma determinada quantia calculada com base na antiguidade ou no número de anos de exercício daquelas funções.

2. Porque a antiguidade constitui um conceito laboral, é no direito laboral que deve procurar-se a solução da questão de saber a antiguidade estabelecida no contrato de trabalho se impõe apenas inter partes, não obrigando terceiros, ou se impõe também à A. Fiscal para efeitos de aplicação do art. 2º nº 4 do CIRS, sabido que constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no art. 11º da LGT) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.

3. O direito laboral prevê um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, por forma a que ele seja admitido sem prejuízo da antiguidade ali adquirida, pois que tal não é proibido nem pelas normas referidas no nº 1 do art. 12º da LCT nem pelos princípios da boa fé, sendo uma prática atendida nalguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas.

4. Pelo que o estabelecimento de uma antiguidade anterior à admissão na empresa tanto pode ser obtida por lei (art. 37º da LCT por exemplo), como por contrato colectivo de trabalho.

5. Estipulando-se no próprio contrato de trabalho do impugnante que o tempo de serviço prestado noutra empresa conta para efeitos de antiguidade, esta não pode ser posteriormente restringida, para efeitos indemnizatórios, ao tempo de serviço prestado nesta última empresa.

6. Nada sugere ou indicia que o conceito de “antiguidade” contido no nº 4 do art. 2º do CIRS não tenha sido usado em toda a sua amplitude, que não possa ter em conta o tempo de serviço (antiguidade) alcançado noutra empresa desde que tal tenha sido expressamente estipulado no contrato laboral pela entidade devedora.

7. Não resultando da lei que esse conceito se refira restritivamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, aquela noção mais lata de antiguidade deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de IRS.”

Face ao exposto, e por não se ver razão para discordância da doutrina emanada e à qual se adere, entendemos que assiste razão aos recorrentes devendo o recurso proceder.

7 – Em suma, emite-se parecer no sentido da procedência do recurso, devendo ser proferido acórdão considerando que há manifesta oposição sobre a mesma questão de facto e de direito entre a decisão arbitral aqui em controvérsia e o acórdão proferido no âmbito do processo nº 03748/10, de 21.09.2010, do TCA/S e que seja uniformizada jurisprudência no sentido da perfilhada no acórdão fundamento.»

Os Juízes Conselheiros desta Secção do Contencioso Tributário do STA tiveram vista dos autos.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

Foram dados como provados na decisão arbitral sob recurso, os seguintes factos:

I. O Requerente Z………. iniciou funções no Banco Millennium BCP, entidade onde trabalhou até ao dia 10 de junho de 2007.

II. Por sua vez, ainda no decurso do mês de junho do ano 2007, o Requerente iniciou funções na Sociedade Barclays – Sucursal em Portugal (“Banco Barclays”).

III. Em 14 de junho de 2013, o Requerente cessou a sua relação contratual com o Banco Barclays, tendo recebido, a título de indemnização, a quantia ilíquida de Euro 89.020,17, previamente estipulada no Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho celebrado entre ambas as partes.

IV. Refira-se, a título adicional, que tanto o Requerente Z………. como o Banco Barclays são outorgantes Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (doravante “ACT do Setor Bancário”).

V. No âmbito de uma ação inspetiva levada a cabo pelos Serviços de Inspeção da Direção de Finanças do Porto à Sociedade Barclays Bank PLC – Sucursal em Portugal (“Banco Barclays.”) por referência ao exercício fiscal de 2013, foi notificada aos ora Requerentes a Ordem de Serviço n.º OI2016..., na qual a Requerida procedeu à alteração da matéria coletável dos Requerentes, em sede de IRS.

VI. Como fundamento para a presente alteração, considerou a Requerida que a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS se encontrava a ser erradamente aplicada pelas partes, e que, consequentemente, para efeitos do cálculo da parte da indemnização que deveria estar excluída de tributação de IRS, deveria ter-se tomado em consideração apenas o número de anos ou a fração de antiguidade ou do exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos.

VII. Do montante de Euro 89.020,17, a Requerida entendeu, assim, que deveria estar sujeito a tributação o valor de Euro 61.456,41, ao invés do valor inicialmente considerado pelos ora Requerentes na sua Declaração de Rendimentos Modelo 3, de Euro 14.204,25.

VIII. Na sequência da referida Ordem de Serviço, foram os Requerentes notificados para proceder à apresentação de uma Declaração de Rendimentos Modelo 3 de substituição, onde deveria figurar, no quadro 4-A, o montante corrigido de Euro 47.252,16 correspondente ao valor da indemnização que não foi tributado no passado; ou, em alternativa, apresentar Direito de Audição face a estas correções.

IX. Na falta da entrega da referida Declaração de substituição ou do Direito de Audição, procedeu a Requerida à emissão da liquidação adicional de IRS n.º 2016..., no montante de Euro 21.471,24.

X. Notificados da aludida liquidação, e inconformados com a mesma, os Requerentes interpuseram Reclamação Graciosa na qual propugnaram pela anulação da mesma, em virtude da Requerida não estar a incluir todos os anos de serviço em entidades bancárias prestados pelo Requerente Z………….. para o cálculo da parcela da indemnização que estaria excluída de tributação em sede de IRS.

XI. Sobre esta Reclamação Graciosa veio a Requerida proferir-se pelo seu indeferimento, através de despacho notificado à Requerente na data de 2 de novembro de 2017.

XII. Neste contexto, a Requerente optou por pagar o imposto devido, não obstante prosseguir pelos meios administrativos disponíveis para a anulação da referida liquidação, tendo apresentado Recurso Hierárquico no dia 27 de novembro de 2017, o qual foi indeferido após apreciação pelos órgãos competentes.

XIII. Tendo em conta o enquadramento factual supra exposto, vieram os Requerentes solicitar ao presente Tribunal Arbitral que se decida pela ilegalidade dos despachos de indeferimento do Recurso Hierárquico e da Reclamação Graciosa, ambos deduzidos com vista à anulação da liquidação de IRS n.º 2016..., e reembolsado o montante de Euro 21.471,24 pago a título de imposto e acrescido dos respetivos juros compensatórios.

O acórdão fundamento do TCA Sul tem a seguinte matéria de facto:

A) Em 26/5/1988, ................., ora Impugnante celebrou com o B........ - Banco ............., SA, um contrato de trabalho a prazo, com início em 30/5/1988 - cf. fls. 30 dos autos;

B) No ano de 1988 o ....... - Banco ............, SA, procedeu aos descontos no vencimento do Impugnante para o Sindicato e para o SAMS - cf. documento de fls. 47;

C) O B.... - Banco .............., SA, foi incorporado no Banco ............, SA, a que lhe sucedeu o Banco ........, .........., SA - cf. fls. 30 e 35;

D) Em 28/6/2000, o Impugnante apresentou ao banco ....... P........, SA, um pedido de demissão com efeitos a partir de 21/8/2000-cf. fls. 46 e 35;

E) Em 14/6/2000, o ora Impugnante celebrou com o Banco de ............, SA, um contrato de trabalho com efeitos reportados a 22/8/2000 donde constam, entre outras, as cláusulas seguintes: “Cláusula 2ª (Categoria Profissional) O segundo Contratante será admitido ao serviço do ……….. com a categoria de Director, Grupo 1, nível 16, nos termos estabelecidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas (de ora em diante" ACTV"). (...)

Cláusula 9ª (Situações Omissas) O presente contrato fica sujeito, em todo o omisso, às disposições do ACTV, bem como às disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que o revejam ou substituam, nos precisos termos em que o B.. a eles aderir." - cf. fls. 36;

F) Em 29/5/2001 foi celebrado entre o Impugnante e o Banco de .........., SA, um acordo de rescisão de contrato de trabalho que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde se extrai por súmula o seguinte: "1 - O Banco e o Segundo Outorgante estão de acordo em fazer cessar as relações laborais emergentes do Contrato de Trabalho entre si celebrado, o qual produziu efeitos a partir de 31 de Maio de 1988" - cf. fls. 44;

G) Na sequência de acção de fiscalização externa, ao Banco .........., SA, apurou a Inspecção Tributária que o Impugnante recebeu em 2001 uma indemnização no valor de e 215 868,33, considerando não ter declarado e 101922,69 - cf. fls. 141 do PAT e fls.15 dos autos;

H) Na sequência da audiência prévia do Impugnante, em 6/12/2005, pela Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e sua Defesa, da Direcção de Finanças de Lisboa, foi prestada informação donde se extrai por súmula o seguinte: "( . . .) 5 - A entidade devedora é o B...., pelo que para o cálculo da parte da indemnização isenta de IRS é o período de tempo que o contribuinte esteve vinculado a esta entidade que conta. Pelo exposto propõe-se que não sejam atendidas as razões do contribuinte, mantendo-se as correcções à declaração de rendimentos do ano de 2001 (.. .)" – cf. documento de fls. 49;

I) Sobre a referida informação, recaiu despacho de concordância datado de 7/12/2005 - cf. fls. 49;

J) Foi efectuada liquidação adicional de que resultou um apuramento de imposto a pagar pelo Impugnante relativo a IRS de 2001, no valor de € 36 568,38 - cf. fls. 58 e 59.

DECIDINDO NESTE STA

Os Recorrentes vieram, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do RJAT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD- Centro de Arbitragem Administrativa, de 16/11/2018, no processo nº 91/2018-T alegando contradição entre essa decisão e o acórdão (fundamento) da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul de 21 de Setembro de 2010, proferido no processo n.º 3748/10, relativamente à interpretação da norma constante do art. 2.º, n.º 4, alínea b), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), na redacção em vigor à data.

Nos termos daquele n.º 2 do referido art. 25.º do RJAT, «[a] decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é […] susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que a esse recurso «é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

Assim, como, reiteradamente, tem dito este STA, o regime de interposição do recurso da decisão arbitral para o Supremo Tribunal Administrativo difere do regime do recurso previsto no art. 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre da alínea a) do n.º 2 do referido art. 152.º (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, pág. 230).

Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso sub judice.

Assim, e não havendo dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade do Recorrente e tempestividade do recurso), ocorre em primeiro lugar verificar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso e só em caso afirmativo, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

DOS REQUISITOS SUBSTANCIAIS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Como se expressou no acórdão do Pleno deste STA de 05/06/2019 tirado no recurso 724/18.6BALSB, o qual seguiremos de perto, nos termos do referido art. 25.º, n.º 2, do RJAT, que remete, com as devidas adaptações, para o art. 152.º do CPTA, os requisitos de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i) que exista contradição entre essa decisão e um acórdão proferido por algum dos tribunais centrais administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito, ii) que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;

ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;

iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos então se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados, à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.

A questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, é relativa à interpretação da norma constante do art. 2.º, n.º 4, alínea b), do CIRS, na redacção em vigor à data.

DA OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

A questão enunciada foi resolvida pelo acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal de 8 de Maio de 2019, proferido no processo n.º 407/18.7BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3edee71bb29b325a802583f900535209.), no qual além do mais se referiu:

“(…) Já vimos que a razão da discordância entre o acórdão fundamento e a decisão recorrida reside no facto de o primeiro entender a expressão antiguidade constante do artigo 2º, n.º 4, al. b) do CIRS, fazendo apelo ao ACT, como se referindo à totalidade da antiguidade do trabalhador, enquanto que na decisão recorrida fazendo-se apelo ao texto legal se entende tal antiguidade como se referindo apenas àquela a que se refere o vínculo laboral que liga o trabalhador à entidade devedora da quantia sujeita a tributação.

Relembremos então a redacção da norma em questão:

4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

a) Pela sua totalidade, na parte que corresponda ao exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente;

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

Seguindo as regras estabelecidas nos artigos 9º do Cód. Civil e 11º da LGT, bem como o princípio de que os termos próprios de outros ramos do direito, v.g. do direito do trabalho, devem manter o seu sentido originário, surpreende-se com facilidade que a norma em apreço visa tributar as prestações recebidas pelo trabalhador quando ocorre a cessação do contrato de trabalho (não está agora em causa a cessação de uma relação de emprego publico ou de “funcionalismo”) e, portanto, a noção de antiguidade usada nesta norma fiscal terá que estar relacionada com as normas do direito laboral que prevêem o pagamento de quaisquer quantias monetárias em caso de ocorrência da cessação da relação laboral, independentemente do que seja estipulado pelas partes no caso de cessação por mútuo acordo, uma vez que o direito laboral não dá uma noção exacta do que se deve entender por antiguidade.

A cessação da relação laboral pode ocorrer, nos termos legais, por diversas formas, entre outras, despedimento ilícito, colectivo, por extinção de posto de trabalho, por inadaptação, rescisão pelo trabalhador com justa causa, rescisão pelo trabalhador com aviso prévio e, ainda, como no caso dos autos por mútuo acordo.

Não relevando agora as situações em que o trabalhador não tem legalmente direito a qualquer compensação por cessação da relação laboral, v.g. a rescisão com aviso prévio, resulta do Código do Trabalho, na redacção à data, artigos 366º, 372º e 379º que a compensação pela cessação do contrato de trabalho correspondente a x dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, artigos 391º e 392º, que a compensação se fixa entre x e y dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade e artigo 396º, o trabalhador tem direito a indemnização, a determinar entre x e y dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

Em todas estas situações da cessação do contrato de trabalho a antiguidade refere-se ao período de tempo em que o trabalhador esteve ao serviço da entidade patronal devedora da compensação ou indemnização a que se referem tais normas, não se refere a toda a antiguidade do trabalhador desde que iniciou funções na sua profissão, independentemente da entidade patronal.

Ou seja, a compensação atribuída pela cessação do contrato de trabalho é calculada em função da antiguidade do trabalhador ao serviço da entidade devedora da compensação, isto é, por referência à antiguidade na empresa, cfr. FILIPE FRAÚSTO DA SILVA e CLÁUDIA REIS DUARTE em Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), publicado na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, página 440.

Tal como nestas normas do direito laboral, na norma fiscal o legislador usou uma redacção em tudo semelhante para fazer referência ao período de tempo que deve ser contabilizado para o cálculo do imposto, número de anos ou fração de antiguidade, tendo-lhe acrescentado o esclarecimento que tal período é o referente à entidade devedora -na verdade o legislador definiu claramente no mesmo artigo 2º, n.º 10 que para efeitos deste imposto, do IRS, considera-se entidade patronal toda aquela que pague ou coloque à disposição remunerações que constituam rendimentos de trabalho dependente nos termos deste artigo, tendo por sua vez especificado na norma em análise que a antiguidade se reportava à entidade devedora.

Acresce que a cláusula 17ª do ACT, que a recorrente invoca em seu favor, apenas disciplina a determinação, ou modo de cálculo, da antiguidade para os efeitos previstos no mesmo ACT, como bem resulta do corpo do respectivo n.º 1 onde se refere expressamente -1. Para todos os efeitos previstos neste Acordo-, sendo certo que neste ACT não se encontra regulamentada a matéria da cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, nomeadamente a sua livre revogação pelas partes, bem como a forma de cálculo dos montantes indemnizatórios ou compensatórios que possam ser devidos pela entidade patronal a esse propósito, os quais podem mesmo resultar da livre determinação pelas partes, cfr. artigo 349º, n.º 5 do Código do Trabalho que disciplina a cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo entre o empregador e o trabalhador (aliás, como reforço deste entendimento, o n.º 4 artigo 140º do ACT ao mandar aplicar o disposto no artigo 17º às situações de cessação do contrato de trabalho, restringiu-as às que se encontram previstas no nº 1 do mesmo artigo, ou seja, às situações em que o trabalhador é colocado na situação de reforma por invalidez ou invalidez presumível).

Não é, assim, coerente que se possa interpretar com um sentido diferente as expressões usadas para editar a norma que visa tributar a compensação pela cessação do contrato de trabalho daquele que serve para interpretar as expressões usadas para editar as normas que definem o modo pelo qual se fixa a indemnização/compensação pela cessação do contrato de trabalho, uma vez que são idênticas e são utilizadas com o mesmo sentido.

Aliás e como já vimos, sendo o princípio da igualdade um princípio fundamental da tributação, não permite que as normas fiscais sejam interpretadas por apelo a conceitos resultantes de contratos individuais de trabalho ou resultantes de acordos colectivos de trabalho que abrangem unicamente os cidadãos que se encontram enquadrados em determinado sector de actividade, só assim a interpretação das normas tributárias respeita a unidade do sistema jurídico, cfr. Manuel Faustino, Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2º, n.º 4 do Código do IRS, Fiscalidade, n.º 13/14, pág. 10.

Conclui-se, assim, que o recurso não merece provimento(…)”.

Verifica, pois que, enquanto que no acórdão fundamento se entendeu que o montante de remuneração para efeitos de tributação, independentemente do critério utilizado entre as partes, é sempre o que exceda essa remuneração correspondente a um mês e meio multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade na entidade devedora, desta forma relevando o número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, pelo que a antiguidade do trabalhador, prestada na profissão ou sector de actividade, encontrada no âmbito laboral, releva em sede fiscal, por expressa determinação legal da respectiva norma de incidência, já na decisão ora recorrida entendeu-se que a melhor interpretação desta norma do CIRS é a que foi feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira no sentido de que, para todos os trabalhadores, a antiguidade a atender é a antiguidade na entidade devedora da indemnização, à semelhança do que sucede com os gestores.

Ocorrendo, assim, uma contradição clara das duas soluções jurídicas encontradas para a mesma questão, está este Supremo Tribunal autorizado a dirimir o conflito de interpretação da norma constante do artigo 2.º, n.º 4, al. b) do CIRS na redacção em vigor à data, uma vez que ocorre oposição de julgados.

Da situação excepcional que obsta ao conhecimento da oposição:

Ocorrência de orientação seguida no acórdão recorrido de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada

Mas, se a oposição é inequívoca, verifica-se um obstáculo à admissão do recurso: a orientação perfilhada pelo acórdão arbitral está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que sobre a questão foi proferido no dia 8 do passado mês de Maio um acórdão pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário (Ver nota anterior.), que decidiu uniformizar jurisprudência no seguinte sentido: «A antiguidade a que se refere o disposto no artigo 2º, n.º 4, al. b) do CIRS respeita unicamente à antiguidade do trabalhador na entidade devedora da compensação/indemnização pela cessação do contrato de trabalho».

A existência desse acórdão, tirado pelo Pleno há menos de um mês, embora com um voto de vencido, na ausência de alterações na composição da Secção de Contencioso Tributário e não havendo outras circunstâncias que permitam antever a alteração do aí decidido, significa que ele corporiza a existência de jurisprudência recentemente consolidada.

Não se verificam, pois, os pressupostos de que depende o conhecimento do mérito do recurso, uma vez que a decisão arbitral recorrida é plenamente conforme à jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, espelhada no referido recente acórdão do Pleno da Secção, motivo por que há que não admitir o presente recurso.

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (n.º 2 do art. 25.º do RJAT), não devendo, no entanto, o recurso ser admitido se, não obstante a existência de oposição, a orientação perfilhada no acórdão impugnado/recorrido estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (n.º 3 do art. 152.º do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT).

II - É de considerar que existe jurisprudência recentemente consolidada da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando o Pleno da Secção se pronunciou há menos de um mês sobre a questão, em acórdão proferido, ainda que com um voto em sentido contrário se, entretanto, não houve alteração alguma na composição da Secção, nem a verificação de quaisquer outras circunstâncias que permitam antever a possibilidade de alteração do sentido decisório aí consignado.

4- DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não admitir o recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 3 de Julho de 2019. – José da Ascensão Nunes Lopes (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves – Dulce Manuel da Conceição Neto.