Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01918/18.0BEPRT
Data do Acordão:05/29/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24611
Nº do Documento:SA22019052901918/18
Data de Entrada:01/09/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A…………….. E MINISTÉRIO PUBLICO
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. A Fazenda Pública interpõe recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 23/10/2018, que julgou procedente o recurso de impugnação judicial interposto pela sociedade .A……….. da decisão de aplicação de uma coima única, no montante de 4.800,00 €, por infracções aduaneiras previstas e punidas pelo art.º 111º-A do RGIT, corporizadas no transporte aéreo de mercadorias declaradas para exportação através de declarações electrónicas que a arguida apresentou na alfândega do aeroporto do Porto já após o transporte da mercadoria.

1.1. Aduziu alegações que terminou com as seguintes conclusões:

I. A notificação do Despacho de Acusação nos autos é feita em cumprimento do disposto no nº 1 do art.º 70º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei nº 15/2001, de 5 de Junho, nomeadamente informando dos factos apurados no processo de contraordenação e da punição correspondente, comunicando também que no prazo de 10 dias pode apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entender, bem como utilizar as possibilidades de pagamento antecipado da coima nos termos do artigo 75º ou, até à decisão do processo, de pagamento voluntário nos termos do artigo 78º.

II. O legislador do RGIT foi expresso na sua exigência quanto aos requisitos para aplicação dos regimes de excepção de redução, pagamento antecipado e voluntário da coima, designadamente na imposição da regularização da situação tributária em todos eles.

III. A AT deve estrita obediência à lei, não podendo fora dos casos expressa e legalmente excecionados, conceder um benefício, uma vantagem, fixando condições diversas ou desconsiderando as exigidas pela lei. Pelo que;

IV. Não regulando expressamente o RGIT a situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, por via do seu desprezo enquanto requisito para efeito dos institutos de redução de coima, de pagamento antecipado e voluntário, consignados nos artigos 30º, 75º e 78º, todos do dito diploma, não caberá à AT fazê-lo, pois não está legalmente habilitada para o efeito.

V. No RGIT benefícios de pagamento da coima reduzida (art.º 29º do RGIT) e do pagamento antecipado da coima (art.º 75º do RGIT) operam antes que tenha sido efetuada qualquer análise do mérito e da determinação da medida da coima em sede de Decisão Final, a qual só ocorre caso não estejam cumpridas as condições da operacionalidade daquelas normas.

VI. Na situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, ocorrerá a preclusão do direito do arguido, no processo de contraordenação, a beneficiar do pagamento antecipado (art.º 75º do RGIT) e do pagamento voluntário (art.º 78º do RGIT), resultando tal preclusão do facto de essa regularização consubstanciar (também) pressuposto do exercício daqueles direitos.

VII. Com efeito, à luz do disposto no artigo 75º nº 3 e no artigo 78º nº 3, ambos do RGIT, a aludida regularização da situação tributária constitui condição legal ao pagamento antecipado e ao pagamento voluntário da coima fixada.

VIII. Pelo que a douta Sentença, ao interpretar o artigo 75º do RGIT, nomeadamente os seus nºs 1 e 3, no sentido de que basta que o arguido pague no prazo para a defesa a coima reduzida devida pela prática da infracção simples para que, atendendo à impossibilidade de regularização tributária, esse pagamento antecipado não fique dependente de qualquer condição e opere a extinção do processo de contraordenação por pagamento, errou na aplicação do Direito.

IX. Sendo condição do pagamento antecipado da coima previsto no art.º 75º do RGIT a regularização da situação tributária (nº 3) e consubstanciando-se esta no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração (art.º 30º nº 3 do RGIT) há que concluir que se a infração não pode ser regularizada nos termos do RGIT, não pode o infractor beneficiar dos regimes de redução (art.º 29º, art.º 75º e artigo 78º) que o RGIT prevê.

X. Não é pois admissível a extinção da responsabilidade contraordenacional [art.º 61º al. c)] através do pagamento antecipado da coima, tal como vem previsto no artigo 75º do RGIT, em caso de não regularização da situação tributária, porquanto o n.º 3 da norma prevê que se o arguido não proceder à regularização da situação tributária, o processo prosseguirá para fixação da coima e cobrança da diferença.

1.2. O Magistrado do Ministério Público junto do TAF do Porto apresentou contra-alegações para sustentar a manutenção do julgado e que rematou com as seguintes conclusões:

1º Nos autos foi proferida sentença em que se julgou a impugnação da coima apresentada procedente, declarando extinto o procedimento contraordenacional, pelo facto de a arguida ter procedido ao pagamento antecipado da coima nos termos dos artigos 61º/al. c) e 75/nº 1, ambos do RGIT.
2º A arguida foi condenada na coima única impugnada pelo facto de não ter apresentado manifesto de voo das mercadorias embarcadas em transporte aéreo, e apesar de ter procedido ao pagamento da coima reduzida nos termos do art.º 75º nº 1 do RGIT, foi igualmente condenada em coima "atendendo a que a regularização da situação é impossível (manifestação de mercadoria já transportada no manifesto de voo já realizado), pelo que não é aplicável o regime do artigo 75º do RGIT".

3º Na sentença recorrida considerou-se não ser aplicável o disposto no art.º 75º- n° 3 do RGIT, porquanto não há lugar a qualquer regularização e essa nem será já possível, tal como reconhece a autoridade tributária na decisão de aplicação de coima impugnada, pelo que declarou extinto o procedimento contra-ordenacional, pelo facto de a arguida ter procedido ao pagamento antecipado da coima nos termos dos artigos 61 - al) c) e 75 – nº1, ambos do RGIT.

4º Inconformada, recorre a FP alegando que a arguida não regularizou a situação tributária por não ser sequer possível, pelo que não haveria lugar à aplicação do disposto no art.º 75 – nº 3 do RGIT e teria pois fundamento legal a condenação em coima tal como decidido pela ATA, pelo que foi violado o disposto no art.º 75 – nº 3 do RGIT.

5º Está absolutamente certa e em obediência à lei a sentença recorrida, tal como defendem os autores citados (Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508).

6º Com efeito, a regularização tributária de que nos fala o nº 3, do art.º 75º do RGTT é a que vem definida no nº 3, do art.º 30 do RGIT (neste sentido, também os citados autores), ou seja, "o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração" e essencialmente o pagamento dos tributos em dívida.

7º Ora não se podendo já proceder a regularização tributária, por não ser possível manifestar uma carga aérea já embarcada, em que a autoridade alfandegária já não teria possibilidade de fiscalizar essa mercadoria, tal como se reconhece na decisão de aplicação de coima impugnada, continua a arguida a poder beneficiar do disposto no art.º 75 nº 1 do RGIT, pelo que não nos merece qualquer censura a sentença recorrida.

1.3. A Recorrida apresentou igualmente contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

1. A sentença recorrida faz uma apreciação ajustada dos preceitos e dos princípios aplicáveis ao pagamento antecipado de coima, quando refere que não é pelo facto de a regularização da situação tributária da Arguida ser impossível que lhe deve ser negado o direito a pagar antecipadamente a coima fixada.

2. A doutrina dominante, tal como se viu, acolhe esta mesma posição, dizendo que em casos como este que aqui nos detém deverá ser concedida aos infratores a possibilidade de pagar antecipadamente a coima sem que tal esteja condicionado por uma sua anterior regularização da situação tributária.

3. Nesses termos padece, efetivamente, a decisão final que fixou uma segunda coima à aqui Recorrida, no valor de € 4.800,00, do vício de violação de lei, visto que colide com a interpretação acertada que deve ser feita do art.º 75.º do RGIT.

4. A isto acresce o facto de o art.º 61.º al. c) do RGIT referir que o procedimento contraordenacional se extingue nos casos em que o infrator procede ao pagamento voluntário das coimas.

5. Tendo a aqui Recorrida procedido ao pagamento antecipado e voluntário da coima que lhe foi notificada por via do despacho de acusação, deve considerar-se extinto e arquivado o processo de contraordenação respetivo.

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

a) Em 12/02/2018 a recorrente veio informar a Alfândega do Aeroporto do Porto, através de várias cartas enviadas nesta data que "(...) devido a problemas informáticos existentes no nosso sistema, a carga relativa à carta de porte supra citada não foi manifestada aquando da sua saída ... " (cf. fls. 9/28 do processo físico).

b) Em 14/02/2018 a A…………….. em Portugal apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf fls. 29/50 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

c) Em 19/02/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 51/97 do processo físico).

d) Em 21/02/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 98/102 do processo físico).

e) Em 13/03/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 103/109 do processo físico).

f) Em 14/03/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 110/114 do processo físico).

g) Em 15/03/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 115/119 do processo físico).

h) Em 21/03/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fls. 120/131 do processo físico).

i) Em 23/03/2018 a recorrente apresentou participação junto da Alfândega do Aeroporto do Porto (cf. fIs. 132/142 do processo físico).

j) Em resultado das participações a que se alude nas alíneas anteriores foi instaurado em 28/03/2018, o processo de contra ordenação nº 020-0077-18 e proferido em 02/04/2018 despacho pelo Director da Alfândega do Aeroporto do Porto de onde decorre o seguinte: "O(a) arguido(a) vem acusado de ter praticado o(s) seguinte(s) facto(s): A companhia Aérea transportou as mercadorias declaradas para exportação pelas declarações electrónicas (MRN) e ao abrigo das cartas de porte aéreo com os números referidos no quadro anexo sem que as tenha manifestado no voo BCS8213 das datas referidas no qual informou tê-las embarcado (...)" (cf fIs. 143/144 do processo físico que aqui se tem por reproduzido).

k) Em 02/04/2018 a Alfândega do Aeroporto do Porto remeteu a A………………….. em Portugal o oficio nº 2018S000072239 de onde decore o seguinte: "(...) Fica ainda notificado de que (...) poderá utilizar a possibilidade de pagamento antecipado da coima, nos termos do art.º 75º do RGIT, ou seja, o pagamento da coima c/ redução para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contraordenação € 3.600,00 e da redução a metade das custas processuais € 63,75 (...)" - (cf. fIs. 145 do processo físico).

l) Em 12/04/2018 pela recorrente foi pago o montante de € 3.663,73 respeitante ao processo de contraordenação a que se alude na alínea j) (cf. fIs. 148 dos autos).

m) Em 19/04/2018 o Director da Alfândega do Aeroporto do Porto proferiu despacho com o seguinte teor: "(...) Notificada legalmente da acusação, em 2018-04-05, a arguida procedeu no dia 2018-04-12, ao pagamento antecipado da coima, correspondente ao mínimo legal para a infracção acrescida de metade das custas devidas nos termos do artigo 75.º do RGIT.

(...)

Dos factos: (...)

- A arguida apresentou as provas de saída da mercadoria do Território Aduaneiro da União, nos termos do artigo 335º AE-CAU conforme solicitara a Autoridade Aduaneira, e as exportações que haviam sido indevidamente certificadas estão devidamente certificadas - cfr. participação a fls. 2.

Nestes termos,

Julgo procedentes as acusações formuladas, pelo que dou por provada a prática de vinte e quatro violações ao disposto no artigo 59º § único, conjugado com o artigo 116º do Regulamento das Alfândegas, aprovado pelo Decreto nº 31730, de 15-12-1941, o que constitui contraordenação aduaneira prevista pelo artigo 111-A do (...) RGIT (...) Condeno a Arguida A…………….. em Portugal, no pagamento de uma coima que fixo no montante de € 200,00 cada, por cada uma das 24 infracções praticadas, num total de € 4.800,00 (...) (ao qual deverá ser descontado o montante já pago de € 3.600,00). (...)" - (cfr. fIs. 149/153 do processo físico).

3. O presente recurso vem interposto da sentença que julgou procedente o recurso judicial que A……………… interpôs da decisão administrativa de aplicação de coima no montante de 4.800,00 €, por infracções aduaneiras previstas e punidas no art.º 111º-A do RGIT, corporizadas no facto de ter transportado mercadorias declaradas para exportação ao abrigo de cartas de porte aéreo sem que as tenha manifestado no voo no qual informou posteriormente tê-las embarcado (informação que prestou à alfândega após ao transporte e onde invocou um problema no sistema informático para a falta cometida).

No recurso que interpôs da decisão de aplicação de coima, a arguida invocara, em suma, que a alfândega a notificara para pagar a coima nos moldes previstos no nº 1 do art.º 75º do RGIT, o que cumpriu, e que isso torna ilegal a sua condenação na coima aplicada no processo de contraordenação. Na sua óptica, apesar das operações de trânsito não serem já susceptíveis de regularização, por impossibilidade de apresentar os manifestos emitidos nas declarações de voo, as exportações foram certificadas em devido tempo, como, aliás, se mostra provado, devendo considerar-se a situação regularizada e preenchido o pressuposto previsto no nº 3 do art.º 75º do RGIT.

O Mmº Juiz, dando-lhe razão, julgou procedente o recurso e declarou extinto o procedimento contraordenacional.

E é dessa decisão que recorre a Fazenda Pública, que invoca unicamente não haver lugar à aplicação do nº 1 do art.º 75 do RGIT em face do disposto no nº 3, isto é, por ser imprescindível a regularização da situação tributária e esta não ser viável em face da impossibilidade de manifestar uma mercadoria já transportada.

A questão que se coloca consiste, assim, e apenas, em saber se na sentença se incorreu em erro ao julgar-se que a arguida podia beneficiar do regime previsto no nº 1 do art.º 75º numa situação em que não era objectivamente possível proceder à regularização da situação tributária, já que não são, nem nunca foram, discutidos os requisitos previstos no nº 2 do art.º 75º - como seja o valor da prestação tributária ou o valor da mercadoria.

O artigo 75º do RGIT dispõe o seguinte:


Antecipação do pagamento da coima

1 - Tratando-se de contra ordenação simples, o arguido que pagar a coima no prazo para a defesa beneficia, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contraordenação e da redução a metade das custas processuais.

2 - O pagamento antecipado da coima não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a € 15.000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a € 50.000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.

3 - Caso o arguido não proceda, no prazo legal ou no prazo que seja fixado, à regularização da situação tributária, perde o direito à redução previsto no n.º 1 e o processo de contra-ordenação prossegue para fixação da coima e cobrança da diferença.

Uma leitura conjugada do nº 1 e do nº 3 do preceito leva a concluir que o direito à redução da coima fica condicionado à regularização da situação tributária. Mas visto que essa regularização se traduz no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração - em conformidade com o estatuído no art.º 30º nº 3 do RGIT - a questão que logo se coloca é a de saber se o preceito pode ser aplicado a situações em que não é objetivamente possível proceder a essa regularização, como acontece no caso, por ser impossível manifestar uma carga aérea já embarcada e entregue.

Segundo a posição adoptada por JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, na obra "Regime Geral das Infracções Tributárias", 4ª Ed., pág. 508, «Há situações em que não lugar ou não é já possível efectuar tal regularização (...). Nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no nº 3 deste art.º 75º, e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».

E foi essa a posição acolhida na sentença e que ditou a procedência do recurso, tendo-se acrescentado que «seria de todo injusto impedir a Recorrente de beneficiar do pagamento voluntário quando foi a própria que informou a Alfândega do Aeroporto do Porto da irregularidade cometida e a Alfândega a notificá-la para proceder ao pagamento nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT, sendo que após ter apresentado provas de saída da mercadoria do Território Aduaneiro da União, nos termos do artigo 335º AE-CAU, as exportações que haviam sido indevidamente certificadas, foram devidamente certificadas.».

Posição que igualmente sufragamos, não só pelas razões que o Ministério Público bem evidencia nas suas contra-alegações, como pela argumentação aduzida no acórdão desta Secção de 23/01/2019, no proc. n.º 0578/18.2BEPRT, e plenamente aplicável ao caso vertente - em que a arguida transportou as mercadorias declaradas para exportação sem as ter manifestado nos voos respectivos, mas logo depois participou o facto à alfândega e apresentou as provas de saída da mercadoria do território aduaneiro da União, o que levou a autoridade aduaneira a considerar as exportações devidamente certificadas e a notificar a arguida para proceder ao pagamento da coima nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT.

Como se deixou explicitado nesse aresto, «ocorrendo impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida de proceder ao pagamento voluntário da coima nos termos e condições previstas nos outros números do art.º 75º do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados.

Esta parece ser a melhor interpretação que respeita e resulta dos ditames do art.º 9º do C. Civil designadamente o seu número 3 pois que não faria sentido que o legislador consagrasse um requisito que não podia ser cumprido, por impossibilidade objectiva, para daí obstar ao pagamento antecipado da coima com benefício. Aliás, nesta situação não pode ser fixado prazo para cumprimento pela Administração Aduaneira e a referência da lei desde a primeira versão do RGIT (Lei 15/2001 de 05/06) sempre nos mesmos termos "no prazo legal ou no prazo que for fixado, à regularização da situação tributária" leva-nos também a entender, que só obstam ao pagamento antecipado da coima com benefício para o arguido, aquelas situações em que existe prazo legal ou este é fixado pela Administração Aduaneira através de notificação e mesmo assim a arguida não regulariza a sua situação tributária não fazendo sentido que o fixasse para um caso de impossibilidade objectiva de regularização da referida situação tributária.

Ora, reitera-se, no caso dos autos não existe prazo legal ou notificação para regularização da situação tributária dada a situação objectiva e especial já supra descrita e, daí que entendamos que a limitação constante do nº 3 do artº 75º do RGIT não tenha aplicação.

Naturalmente que em apoio desta posição acolhemos também a doutrina citada pelo Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, no parecer supra destacado, consistente em "Como afirma Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508 "há situações em que não há lugar ou não é já possível efectuar tal regularização [...] nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste art.º 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».

Pelo que fica exposto, e sem necessidade de outras considerações, concluímos que a sentença não merece censura e que é de negar provimento ao recurso.

4. Termos em que acordam os juízes do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 29 de Maio de 2019. - Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes - Ana Paula Lobo (vencida segundo voto que anexo).


VOTO DE VENCIDA

Não acompanho a decisão que logrou vencimento pelas razões que passo a indicar:

A antecipação do pagamento da coima regulada no art.º 75.° do Regime Geral das Infracções Tributárias não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a (euro) 15 000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a (euro) 50 000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.

Tal resulta de forma expressa da lei desde a entrada em vigor da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro. Antes, na versão original dada pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho não havia tratamento divergente entre infracções tributárias e infracções aduaneiras quanto à antecipação do pagamento da coima com a consequente redução desta para o mínimo legal. Porém o legislador expressamente decidiu alterar esse regime quanto às infracções aduaneiras com a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro.

Segundo a posição adoptada por JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, in "Regime Geral das Infracções Tributárias", 4ª Ed., pág. 507 e 508, nota 1 «(...) a Lei n° 67-A/2007, de 31 de Dezembro, veio afastar a possibilidade de pagamento antecipado da coima em relação às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a € 15.000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a € 50.000. Como esta alteração legislativa não foi acompanhada de qualquer alteração dos referidos art.s 30.º e 78.º do RGIT, reintroduziu-se, assim, um regime algo incongruente em relação a estas contra-ordenações aduaneiras, em que não é permitido o pagamento antecipado, mas será admissível a redução da coima e o pagamento voluntário.

O objectivo desta alteração terá sido o de «excluir a possibilidade de extinção do processo contra-ordenacional nos termos previstos no art. 75.°, nas condutas objectivamente enquadráveis como crime e que frequentemente envolvem elevados montantes da prestação tributária mas que, não se provando o dolo do agente, são puníveis apenas como contra-ordenação (veja-se o contrabando ou a introdução fraudulento no consumo, art.s 92.º e 96, s e as correspondentes contra-ordenações, nºs 1 dos art.s 108.° e 109.º do RGIT), numa perspectiva de punição e dissuasão de comportamentos tributários ilícitos graves (e não apenas de cobrança de imposto).

Estabelece-se no número 2 do art.º 75.º um regime próprio para as contra-ordenações aduaneiras, completamente diverso do previsto para as infracções fiscais, dividindo-as em dois grandes grupos:

1. contra-ordenações aduaneiras em que haja lugar a prestação tributária - tributo a liquidar pelos serviços / autoliquidação - possível a antecipação do pagamento da coima para prestações tributárias de valor igual ou inferior (euro) 15 000.

2. contra-ordenações aduaneiras em que não haja lugar a prestação tributária - como as contra-ordenações em causa nestes autos em que há impossibilidade de regularizar a situação aduaneira - é possível a antecipação do pagamento da coima quando a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro igual ou inferior (euro) 50 000.

Em qualquer dos casos, à semelhança do que ocorre no art.º 30.º, também aqui a operacionalidade do referido benefício depende de estar regularizada a situação tributária, aqui não fiscal mas aduaneira. Mas a situação tributária, como vimos só pode ser regularizada quando esteja em causa uma de duas situações:

1. entrega da prestação tributária

2. entrega do documento ou declaração em falta.

Nas contra-ordenações aduaneiras é frequente que a infracção não possa, como aqui não pode, ser regularizada por nenhuma das formas antes indicadas porque o manifesto de carga tinha que ser apresentado antes da expedição da mercadoria por avião com vista a que as estâncias aduaneiras pudessem verificar se as indicações exaradas nas cópias dos manifestos conferiam com as que figuravam nas guias dos despachos, e proceder nos termos legais perante as divergências verificadas. O transporte de mercadorias por via aérea exige que as instâncias aduaneiras possam controlar as cargas, o que foi inviabilizado por a mercadoria não ter sido manifestada, independentemente dos direitos aduaneiros que possam ser pagos tendo em conta o regime aduaneiro a que estavam submetidas.

Não estamos face a uma situação que possa ser resolvida por interpretação extensiva de qualquer outra norma, face à expressa e legítima opção legislativa de dar um tratamento diversificado às contra-ordenações aduaneiras atenta a sua específica natureza jurídica.

Por outro lado, o pagamento antecipado de coima e a sua consequente redução não deve ser olhado como um direito do contribuinte no sentido de, por aplicação do princípio constitucional da igualdade, lhe ser extensível. Trata-se de um benefício, de um privilégio e não de um direito que deve ser concedido quando objectivamente se mostrem reunidos os pressupostos que o legislador estabeleceu para a sua concessão. As relações jurídicas tributárias são, na essência, muito diversas das relações jurídico aduaneiras, tanto mais que fazemos parte da EU e temos obrigações aduaneiras a cumprir em nome dos demais estados-membros da EU por fazermos parte de um espaço sem barreiras aduaneiras internas, mas com barreiras comuns face aos estados terceiros.

Para além disso, contrariamente ao indicado pela empresa arguida não foi ela só notificada para, querendo proceder ao pagamento antecipado da coima nos termos do art.º 75.º para beneficiar da redução da coima. Tal notificação, constante de fls. 180 do processo físico, seguindo um figurino padronizado aplicável a qualquer infracção fiscal aduaneira indica igualmente de que o direito à redução da coima se perde caso esteja em causa uma situação em que é impossível regularizar a situação tributária, como aqui ocorre.

Na presente situação em que se desconhece se a mercadoria objecto de infracção era ou não de valor aduaneiro igual ou inferior (euro) 50 000 não dispõe, em meu entender, o processo de elementos suficientes para se poder decidir se era ou não possível o pagamento antecipado de coima com a consequente redução da coima, o que deveria ser averiguado.

Lisboa, 2019.05.29

Ana Paula Lobo

Segue acórdão de 29 de Setembro de 2019:

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Fazenda Pública, notificada do acórdão que, negando provimento ao recurso que interpusera da sentença proferida no âmbito de meio impugnatório de decisão de aplicação de coima em processo de contraordenação, a condenou nas custas do recurso, vem requerer a sua reforma quanto a custas ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 616º e nº 1 do art.º 666º, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi alínea e) do art.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

1.1. Rematou a sua argumentação com a seguinte conclusão:
«Atento a tudo o quanto se explicitou, no que respeita à responsabilidade da FP por custas nos processos de contraordenações tributárias e aduaneiras, acompanha-se a orientação jurisprudencial, que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) nº 03044/12.6BELRS, de 2019-01-23, de que, "Por força das disposições conjugadas dos art.º 66º do RGIT e 94º, nºs 3 e 4 do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, num processo de contraordenação tributária, como o dos presentes autos, em que tenha sido verificada a nulidade insuprível prevista no artigo 63º/1/ d), ex vi do artigo 79º/1/ b) e c) e 27º do RGIT e anulada a decisão de aplicação da coima, NÃO SÃO DEVIDAS CUSTAS PELA FAZENDA PÚBLICA».

1.2. A Requerida não respondeu.

1.3. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser deferido o pedido.

1.4. Com dispensa de vistos, dada a simplicidade da questão, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Como se viu, a Fazenda Pública pretende a reforma quanto a custas do acórdão que nestes autos foi proferido em 29.05.2019.
No que lhe assiste inteira razão face à jurisprudência que sobre a matéria se consolidou neste Supremo Tribunal - cfr. os acórdãos de 24/02/2016, no proc. nº 01408/15; de 23/11/2016, no proc. nº 01106/16; de 13/09/2017, no proc. nº 0702/17; de 13/09/2017, no proc. nº 0702/17; de 17/01/2018, no proc. nº 0616/17; de 24/01/2018, no proc. nº 01089/17; de 31/01/2018, no proc. nº 01239/17; de 07/02/2018, no proc. nº 01353/17; de 28/02/2018, no proc. nº 01151/17; de 14/03/2018, no proc. nº 01355/17; de 19/09/2018, no proc. nº 0353/18; de 19/09/2018, no proc. nº 0171/17; de 10/10/2018, no proc. nº 0721/18; de 10/10/2018, no proc. nº 01442/17; de 10/10/2018, no proc. nº 173/18; de 28/11/2018, no proc. nº 0781/18; e de 23/01/2019, no proc. nº 03044/12.6BELRS.
Termos em que nos limitaremos a reproduzir o que ficou dito no acórdão proferido em 23/11/2016, no processo nº 01106/16.
«Como é sabido, por força do disposto no art. 4.º, nºs 4 e 5, do citado Dec.Lei n.º 324/2003, a Fazenda Pública perdeu a isenção de custas nos processos judiciais tributários a partir de 01.01.2004.
Todavia no caso em apreço estamos perante um recurso de decisão de aplicação de coimas e sanções por contra-ordenações tributárias que, sendo um «meio processual tributário» (art. 101.º, alínea c), da LGT), não está incluído, actualmente, no conceito de «processo judicial tributário», pois deixou de estar incluído na lista de processos judiciais tributários que consta do art. 97.º, n.º 1, do CPPT.
Como sublinham Lopes de Sousa e Simas Santos (Ob. citada, pág. 458.) «embora esta lista não seja exaustiva (como se vê pela alínea q) do mesmo número), a comparação da lista que consta deste art. 97.º, com a que constava da norma equivalente do CPT (que era o art. 118.º, n.º 2, em que expressamente se integrava o recurso judicial das decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias entre os «processos judiciais tributários»), revela inequivocamente que se pretendeu excluir este recurso do âmbito do conceito de processo judicial tributário, opção legislativa esta que, aliás, está em consonância com a adoptada no RGIT, de aplicar subsidiariamente ao processo contra-ordenacional tributário o RGCO e a respectiva legislação complementar e não o CPPT, limitando a aplicação deste último Código apenas à execução das coimas».
Ora, em matéria de custas dos processos de contra-ordenações tributárias, a primeira norma a atender, por ter natureza especial, é a do art. 66.º do RGIT.
Dispõe aquele normativo que, sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns, as custas em processo de contra-ordenação tributário regem-se pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT).
Sucede que o n.º 6 do art. 4º do DL nº 324/2003, de 27 de Dezembro, revogou o RCPT, com excepção das normas relativas a actos da fase administrativa.
Assim, não havendo na legislação aprovada por aquele Decreto-Lei normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias, haverá que fazer apelo à primeira parte do referido artº 66º do RGIT, o que conduz à aplicação subsidiária do regime de custas previsto no RGCO para as contra-ordenações comuns, nomeadamente o disposto nos artigos 92.º a 94.º do RGCO. (Vide, neste sentido, Lopes de Sousa e Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª edição, pág. 458.).
Ora nos termos do nº 3 do artº 93º do RGCO, há lugar a pagamento de taxa de justiça sempre que houver uma decisão judicial desfavorável ao arguido. E resulta também do nº 3 artº 94º do RGCO que as custas são suportadas pelo arguido em caso de aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória, de desistência ou rejeição da impugnação judicial ou dos recursos de despacho ou sentença condenatória, sendo que, nos demais casos, as custas serão suportadas pelo erário público (nº 4 do mesmo normativo).
Em suma do regime legal de custas aplicável em processo de contra-ordenação tributária é manifesto que inexiste norma legal que preveja a condenação da Fazenda Pública em custas».
Assistindo razão à Fazenda Pública, impõe-se deferir a sua pretensão.

3. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em deferir a requerida reforma e determinar que o recurso fique sem custas.
Sem custas.
Lisboa, 25 de Setembro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Suzana Tavares da Silva.