Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0298/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
Sumário:Não é de admitir a revista quando o fundamento do indeferimento do pedido cautelar foi a inexistência de periculum in mora e as razões que determinaram esse indeferimento foram ponderadas e nada indica que as mesmas sejam erradas.
Nº Convencional:JSTA000P23168
Nº do Documento:SA1201804120298
Data de Entrada:03/16/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:CM DE LISBOA E B... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:
I. RELATÓRIO
A…………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o Município de Lisboa, providência cautelar, pedindo:
- suspensão de eficácia do ato administrativo que aprovou o pedido de informação prévia constante do processo 1924/EDI/2015 assim como a anulação do Anexo II do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbana da Madragoa, no que diz respeito ao prédio sito nos n.ºs 21 a 23 da Rua ……….., tornejando para a Travessa ………. n.ºs 2 a 6 e Rua ……….., sem número …. .
- subsidiariamente, condenação de um diretor municipal e de um verador a prestarem uma caução de 3 milhões de euros, como garantia de indemnização dos danos que ocorram no futuro.
Indicou como contra-interessada B…………, L.dª.

Por sentença de 29.06.2017, o TAC julgou o pedido improcedente, por não provado.

O Requerente apelou para o TCA Sul e este, por Acórdão datado de 23.11.2017, negou provimento ao recurso.
É desse Aresto que aquele recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. O Recorrente requereu a suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 11/05/2016, que aprovou a homologação do parecer favorável ao pedido de informação prévia referente às obras de alteração e ampliação no prédio sito na Rua ……….., 21/23, freguesia da Estrela, em Lisboa.
O TAC indeferiu essa pretensão com uma fundamentação de que se destaca o seguinte:
“O pedido de informação prévia foi favorável à “proposta” que “preconiza a viabilidade da recuperação do edifício da antiga emissora nacional para o adaptar ao uso habitacional (habitação plurifamiliar) com três fogos”. Não se provou que aquela recuperação daquele edifício ponha em causa o valor patrimonial do mesmo. É que quais vão ser as concretas adaptações ainda não foi definido. E não constam do PIP. Da mesma forma nada ali foi dito quanto a projectos de água, electricidade, gás e outras especialidades.
….
O requerente está apreensivo com a possibilidade da realização daquela escavação no prédio confinante com o seu prédio (o n.º 25, da rua ……….), um prédio com cerca de 200 anos construído sem aço e betão, que se situa numa zona de encosta. E de que a escavação lhe vir a causar danos no prédio.
Mas não provou que a realização da escavação venha a provocar necessariamente danos no seu prédio.
É que tal escavação terá de ter lugar com os cuidados inerentes ao acto de ser uma escavação confinada, numa zona história da cidade, em colina/encosta. E terá de ser feita com recurso ao método construtivo adequado.

Não se provou que exista uma falha geológica no prédio sito nos n.ºs 21/23 rua do ……… em Lisboa. Ou que o solo em causa seja incompetente para a realização da obra em causa.
Não se vê assim qual o prejuízo de difícil reparação ou situação de facto consumado que decorra ou possa decorrer para o requerente da mera aprovação e publicação do pedido de informação prévia em causa.
Pelo que cabe julgar não verificado o requisito periculum in mora.”

O Requerente recorreu para o TCA Sul mas este confirmou a decisão do TAC com o seguinte discurso fundamentador:
“…
O requerente e recorrente vive em edifício contíguo àquele a que respeita a informação prévia favorável concedida, a qual se refere a uma reconstrução e ampliação de um edifício, envolvendo algumas demolições.
O TAC de Lisboa, após considerar desnecessária a inspeção judicial, considerou impugnável (e suscetível de suspensão de eficácia) a aprovação municipal do pedido de informação prévia para edificação, previsto no RJUE.
Para tal, invocou sumariamente os artigos 54º/1-b), 55º e 51º/1 do CPTA, o artigo 148º do CPA e os artigos 14º, 17º e 4º/2-f) do RJUE e concluiu que não ficou demonstrado o periculum in mora …. .
Em consequência (aparentemente) não se pronunciou, por inutilidade, sobre o fumus boni iuris …. . Seria, naquele contexto de falta de periculum in mora, uma inútil atividade processual, e, logo, prejudicada.
Portanto, conclui-se que não há erro de julgamento quanto ao fumus boni iuris, porque o TAC não o abordou.
Nem há, consequente e logicamente, omissão de pronúncia sobre a construção no logradouro, em sede de fumus.
1.1. Mas, pode ter havido erro quanto ao periculum in mora.
…..
A verdade, porém, é que da factualidade concreta alegada e dada como provada é impossível concluir por um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal.
Com efeito, além de o recorrente não ter invocado e cumprido o artigo 640º/1 do CPC, os factos provados referem-se a outros casos e os meios de prova sublinhados no recurso configuram meras conclusões ou opiniões sobre hipóteses e problemas futuros incertos relacionados com demolições e escavações.
Pelo que, apesar de o recorrente muito escrever sobre esta questão, a verdade é que o processo não adquiriu matéria de facto de onde se pudesse e possa concluir pelo periculum in mora; de todo.
E daí ter sido e ser desnecessário analisar o fumus boni iuris, segundo requisito a que se refere o artigo 120º/1 cit.
…...”

4. Esta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que as mesmas constituem uma regulação provisória, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão deste recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica da situação apreciada no processo cautelar.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas por cada uma das partes e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).

No caso, está em causa o indeferimento da suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Lisboa, de 11/05/2016, que aprovou o pedido de Informação prévia para obras de alteração e ampliação no prédio sito na Rua ……….., em Lisboa, contíguo a um prédio do Requerente. Decisão que decorreu das instâncias, por unanimidade, terem entendido que se não provara que aquele indeferimento pudesse provocar danos dificilmente reparáveis no prédio do Requerente. O que significava que se não verificava o periculum in mora e que tal inviabilizava o deferimento da pretensão do Requerente.
E tudo indica que essa decisão está certa. E isto porque as razões que justificaram o indeferimento da requerida providência foram largamente ponderadas, nada indicando que as mesmas sejam erradas.
De resto, esse indeferimento fundou-se na insuficiência da prova reunida nos autos e é sabido que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto da Recorrente revista (art.º 150.º/4 do CPTA).
Finalmente, a situação retratada nos autos não só é muito particular e muito circunscrita como a razão de direito que determinou o contestado indeferimento vai ser reapreciada, desta vez de forma mais aprofundada, na acção principal.

Decisão.
Termos em que, em conformidade com o exposto, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 12 de Abril de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.