Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0964/11
Data do Acordão:04/19/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:REVISÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
RESPONSÁVEL SUBSIDIÁRIO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL
Sumário:I – A revisão administrativa da matéria colectável é o preliminar indispensável da impugnação judicial da liquidação com fundamento na errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável.
II – Se o pedido de revisão for formulado pelo responsável subsidiário, a liquidação não produz efeitos relativamente aos revertidos enquanto não houver decisão sobre o pedido de revisão.
III – O facto de na pendência da impugnação judicial ter sido proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão administrativa da matéria colectável, por ilegitimidade do revertido, nenhuma influência tem na validade e eficácia da liquidação objecto de impugnação, enquanto tal decisão não for impugnada e anulada através da acção administrativa especial.
Nº Convencional:JSTA00067543
Nº do Documento:SA2201204190964
Data de Entrada:10/28/2011
Recorrente:A... E B...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAC COIMBRA PER SALTUM
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPTRIB91 ART84 N1 N3
LGT98 ART22 N4 ART86 ART91 ART92
CPC96 ART684 N3 N4
CPPTRIB99 ART54 ART117
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC876/09 DE 2011/03/17; AC STA PROC984/10 DE 2011/03/02; AC STA PROC876/09 DE 2010/04/28
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS - IN CJA N17 PAG44.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A…… e B……, identificados nos autos, interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo de Coimbra que, por inimpugnabilidade, julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra as liquidações adicionais do IVA dos anos de 1994, 1995 e 1996 que contra si reverteram na execução fiscal nº 305099/102543.0.
Nas respectivas alegações, concluírem o seguinte:
a) Vem o presente recurso apresentado da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, padecendo, todavia a mesma, no entendimento do recorrente, de flagrante erro de julgamento.
b) Conforme consta do probatório, os ora recorrentes na sequência da sua citação como responsáveis subsidiários, requereram a abertura de um procedimento de revisão, o qual foi indeferido pela AF.
c) O responsável subsidiário pode formular pedido de revisão da matéria colectável apurada através de métodos indirectos na sequência da sua citação no processo executivo, data a partir da qual deve contar-se o prazo de trinta dias previsto para o efeito no n° 1 do artigo 91º da LGT.
d) Perante o pedido de revisão da matéria tributária que lhe foi formulado dentro do prazo de 30 dias a contar da citação dos responsáveis subsidiários, a Administração Tributária deveria ter dado seguimento a tal pedido e não, como o fez, arquivar o processo sem qualquer decisão, mantendo-se para todos os efeitos a fixação da matéria colectável por métodos indirectos antes efectuada e a sentença recorrida que avalizou tal procedimento incorreu em erro de julgamento.
e) Admitindo-se, como se admite, o pedido de revisão nestas circunstâncias temporais, a respectiva ilegítima rejeição por parte da Administração Tributária não pode deixar de consequenciar a ineficácia da liquidação, não obstante o vício verificado decorra de uma objectiva preterição de formalidade essencial que a deveria anteceder procedimentalmente, mas que “in casu” cronologicamente se lhe seguiu.

1.2. Não houve contra-alegações.
1.3. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso deve proceder.

2. A sentença deu como assente os seguintes factos:
1. A sociedade C……, L.da, foi objecto de uma acção inspectiva respeitante a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e a Imposto sobre o Valor Acrescentado, versando sobre os seus exercícios de 1994, 1995 e 1996 (ordem de serviço n°20575, de 24 de Julho de 1997) - (cfr. fls l04 ss.).
2. Iniciada por visita de fiscalização a 8 de Setembro e terminada a 16 desse mês de 1997, no seu relatório final de 24 de Outubro seguinte, para além do mais, viria a ser proposta a fixação da matéria tributável para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Imposto sobre o Valor Acrescentado por recurso a métodos indiciários e no que especificamente a este respeita, por presunção, por ser considerado que os elementos de contabilidade e de escrita necessários, formal e legalmente obrigatórios, estavam truncados por omissões, eivados de erros e de inexactidões no registo das operações, nomeadamente no que respeitava à grandeza das prestações de serviços e subsequentes ganhos (cfr. fls. 113 -117).
3. Assim, no que a Imposto sobre o Valor Acrescentado se reflectiu, foram fixadas operações de que resultaram os seguintes montantes em falta a esse título: Exercício de 1994: 44.851$00 por cada um dos quatro trimestres — ou seja, 179.404$00; Exercício de 1995: 184.901$00 por cada um dos três primeiros trimestres, no último 184.902$00— um total de 739.605$00; e Exercício de 1996: 133.702$00 por cada um dos três últimos trimestres, no primeiro 133.701$00 — um total de 534.807$00; e no âmbito das operações intracomunitárias: Exercício de 1994: 0$00 (inexistentes) Exercício de 1995: um total de 80.634$00; e Exercício de 1996: um total de 168.446$00.
4. Fixada a matéria colectável nos termos referidos pelo Chefe da 2ª Repartição de Finanças de Coimbra, área da sede da sociedade, foi-lhe de tanto dado conhecimento, bem como dos seus reflexos em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e de Imposto sobre o Valor Acrescentado, a 3 de Setembro de 1998, na pessoa do seu gerente D……, do mesmo passo que foi informado, na mesma qualidade, da faculdade de ser requerido o apropriado procedimento de revisão (cfr. fls. 95 - 97 do processo administrativo).
5. Nessa sequência, além de liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no que concerne a Imposto sobre o Valor Acrescentado a Administração Tributária viria a elaborar, quanto ao exercício de 1994, pelo menos a liquidação adicional n° 98313333 e as de juros compensatórios n.° 98313329 [9403T], 98313330 [9406T], 98313331 [9409T] e 98313332 [9412T]. [cfr.fls.35, 22, 23, 24 e 25].
6. E no que concerne ao mesmo imposto, mas respeitando ao exercício de 1995, a Administração Tributária elaborou pelo menos as liquidações adicionais n.°s 98313338 e 98038049 e as de juros compensatórios n.°s 98313334 (9503T), 98313335 (9506T), 98313336 (9509T) e 98313337 (9512T) e ainda n.°s 98038047 (9509T), 98038048 (9512T) – (cfr. fls. 36, 35, 26, 27, 28, 29, 20 e 21)
7. E ainda no que concerne a Imposto sobre o Valor Acrescentado, mas respeitantes ao exercício de 1996, a Administração Tributária elaborou pelo menos a liquidação adicional n°98313343 e as de juros compensatórios n.ºs 98313339 (9603T), 98313340 (9606T), 98313341 (9609T) e 98313342 (9612T) - (cfr. fls. 37, 30, 31, 32 e 33).
8. A sociedade C……. tomaria conhecimento das liquidações supra-referidas, além de outras subsequentes à acção inspectiva, a 3 de Setembro de 1998, nos termos e pelo modo referido no ponto 4 – (cfr. fls. 98-118 do processo administrativo, cfr. ainda ofício interno da Administração Tributária de fls. 94 do processo administrativo).
9. As dívidas de imposto emergentes das liquidações já mencionadas supra não seriam satisfeitas nos respectivos prazos, pelo que no Serviço de Finanças de Coimbra 2 seria no ano de 1999 instaurado processo visando a sua cobrança coerciva, para além de outras dívidas de imposto e coimas – (cfr. 1-26 do processo administrativo).
10. Nessa execução, já em 2001, e depois de ter sido percorrida a tramitação do apropriado procedimento de reversão, os Impugnantes — A…… e B…… — na sua qualidade de gerentes da sociedade C……, foram considerados responsáveis em via subsidiária pelas dívidas emergentes (além de outras) daquelas discriminadas liquidações, num montante global de €13.324,42, por despacho de 26 de Julho de 2001 – (cfr. fls. 17 - 19 e fls. 3 - 4 do processo administrativo).
11. Viriam a ser citados para aqueles autos em Julho de 2004 (a 12 de Julho no caso do segundo Impugnante) e depois de haverem requerido certidão da fundamentação das supra-discriminadas liquidações em 15 e 23 desse mês, a qual lhes foi entregue em 19 de Agosto de 2004, requereram então a 6 de Setembro de 2004 a abertura de procedimento de revisão da fixação da matéria colectável – (cfr. fls. 1 - 4 do processo administrativo, fls. 68-70 dos autos e fls. 78 ss. do processo administrativo).
12. Tal requerimento, depois de dado cumprimento a 19 de Novembro de 2004, ao ensejo de os Impugnantes poderem pronunciar-se sobre a proposta de indeferimento, viria a ser indeferido por despacho do Director Distrital de Finanças de Coimbra de 20 de Dezembro de 2004, com fundamento em que «tendo sido a sociedade (principal devedora e executada) notificada (havia anos, das liquidações, entre outras, supra-discriminadas) não podem agora os gerentes contra quem reverteram as dívidas (delas emergentes) (...) solicitar o início do debate contraditório para discussão de uma matéria tributável que, por se ter tornado definitiva, produziu uma colecta certa, líquida e exigível. (...) (Quando o procedimento de revisão, que supõe um efeito suspensivo das liquidações) colocaria em causa a sua característica principal, que é o efeito suspensivo das liquidações (...) efectuadas» - (cfr. fls. 85-87 do processo administrativo).
13. Desta decisão foi aos Impugnantes dado conhecimento a 23 (B……) e a 28 (A……) de Dezembro de 2004 – (cfr. fls.90 - 93 do processo administrativo).
14. Todavia, então já eles haviam suscitado a presente impugnação, a 21 de Setembro de 2004 – (cfr. fls.1).
15. Em 2005 os Impugnantes suscitaram outra impugnação judicial, a que coube o n° 147/05.7BECBR (e que até 23 de Novembro de 2010 não tinha ainda decisão final), procedendo na qualidade de responsáveis por reversão na execução n° 3050-00/102850.2 e apensos, do já mencionado Serviço de Finanças, que entre outras visa cobrar uma dívida da mesma sociedade C……, L.da, proveniente da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado de 1996 com o n°98038052, cuja anulação ali pedem também, com fundamentos análogos aos invocados nos presentes autos - (cfr. fls.170-205).

3. Os recorrentes, citados como responsáveis subsidiários pela dívida de IVA e juros compensatórios dos anos de 1994, 1995 e 1996 em execução coerciva instaurada contra a empresa de que foram sócios-gerentes, solicitaram a revisão administrativa da matéria colectável fixada por métodos indirectos e interpuseram impugnação judicial da liquidação em que se baseou o título executivo.
Na revisão administrativa, intentada em 6/9/2004, os recorrentes aceitaram a verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável e impugnaram o quantum fixado do rendimento colectável por entenderem que sofre de “erro manifesto nos pressupostos de facto” (cfr. doc. de fls. 129 a 134).
Na impugnação judicial, instaurada em 21/9/2004, imputaram ao acto de liquidação as seguintes ilegalidades: (i) vício de procedimento, pelo facto de não ter sido designado no prazo de oito dias o perito da administração tributária para intervir no procedimento de revisão da matéria colectável, tal como se dispõe no nº 3 do art. 91º da LGT; (ii) inexistência de decisão final do director distrital de finanças a fixar definitivamente a matéria tributável e o IVA; (iii) se existiu essa decisão, a mesma não foi notificada à devedora originária para efeitos de se poder discutir em sede de revisão administrativa a fixação da matéria colectável; (iv) vício de falta de fundamentação, porque o relatório da inspecção nem explica porque é que se optou por um critério em detrimento de outros, nem explicita o modo de ponderação dos factores que influenciaram a determinação da matéria colectável; (v) o quantum fixado de rendimento colectável padece de “erro manifesto” nos pressupostos de facto, uma vez que se “desconsiderou a existência de situações como as de autoconsumos, desperdícios, por força dos testes realizados e de devoluções, cartuchos e toners secos por força do tempo, vendas com desconto a clientes”, sem que se tenha reconhecido qualquer percentagem de desperdícios para o ano de 1996 e procedido ao apuramento das compras estimadas; (vi) a devedora originária não foi notificada de qualquer liquidação de imposto.
A sentença recorrida julgou que os actos de liquidação são inimpugnáveis, por falta da “reclamação prévia” para a comissão de revisão. Considera-se que, nos termos do artigo 84º nº 1 e 3 do anterior CPT, da decisão que fixe a matéria tributável cabe reclamação dirigida à comissão de revisão quando se funde em errónea quantificação, sendo esse procedimento “condicionante” da possibilidade de recurso aos meios contenciosos. Diz-se ainda que o indeferimento do pedido de revisão administrativa, fundado na intempestividade do pedido e ilegitimidade dos requerentes, assumiu a natureza de uma rejeição, em sentido próprio, o que corresponde a ausência de procedimento de revisão, e que não foi intentada acção especial que revogasse tal decisão.
Os recorrentes, reproduzindo a jurisprudência constante do Acórdão do STA de 17/3/2011, no recurso nº 876/09, defendem que há “erro de julgamento”, porque o artigo 22º, nº 4 da LGT dá-lhes o direito de solicitar a revisão da matéria colectável e que a “ilegítima rejeição por parte da Administração Tributária não pode deixar de consequenciar a ineficácia da liquidação, não obstante o vício verificado decorrer de uma objectiva preterição de formalidade essencial que a deveria anteceder procedimentalmente, mas que “in casu” cronologicamente se lhes seguiu”.
Se bem se entende a matéria do recurso, os recorrentes defendem que o indeferimento do pedido de revisão administrativa da matéria colectável tem como efeito a ineficácia da liquidação e que por isso a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao não lhe reconhecer tal efeito. Na verdade, as conclusões do recurso limitam-se a dizer o seguinte: (i) o responsável subsidiário pode formular pedido de revisão da matéria colectável apurada através de métodos indirectos (conclusão c); (ii) a administração tributária não podia arquivar o procedimento sem qualquer decisão, mantendo a fixação da matéria colectável por métodos indirectos (conclusão d); (iii) a ilegítima rejeição por parte da administração tributária não pode deixar de consequenciar a ineficácia da liquidação (conclusão e).
Como o recurso é delimitado objectivamente pelas conclusões das alegações e como os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (cfr. nºs 3 e 4 do art. 684º do CPC), a sentença recorrida apenas está em reexame na parte em que se considera que a rejeição da revisão administrativa não projectou quaisquer efeitos na impugnação judicial.
Portanto, não está em discussão se os recorrentes, na qualidade de responsáveis subsidiários, tinham ou não o direito de revisão da matéria colectável, nem a eventual nulidade a sentença por não ter conhecido das ilegalidades imputadas exclusivamente ao acto de liquidação e que nada tenham a ver com a determinação da matéria colectável.
A sentença seguiu o entendimento de que não é admissível impugnar judicialmente a errónea quantificação da matéria colectável sem previamente se solicitar a revisão administrativa da matéria colectável, considerando que a falta do pressuposto processual inominado previsto no artigo 86º, nº 5 da LGT determina a inimpugnabilidade do acto de liquidação.
E os recorrentes não contestam directamente que podiam impugnar judicialmente sem prévia apresentação do pedido de revisão da matéria colectável, até porque toda a sua argumentação é baseada no acórdão do Pleno do STA de 173/2011 (rec nº 876/09) que, revogando um acórdão que defendia aquela possibilidade, decidiu pela admissibilidade e obrigatoriedade do revertido lançar mão do procedimento de revisão se pretender discutir na impugnação judicial a quantificação da matéria colectável e/ou os pressupostos da avaliação pelos métodos indirectos.
O recurso centra-se pois exclusivamente nos efeitos que a decisão de rejeição da revisão administrativa tomada na pendência do processo de impugnação pode ter na liquidação impugnada ou no desenvolvimento do processo de impugnação. Enquanto os recorrentes alegam que tal decisão «não pode deixar de consequenciar a ineficácia da liquidação», a sentença recorrida julgou que «não tendo também sido intentada acção especial que revogasse aquela decisão administrativa de rejeição, está-se aqui, em rigor, perante a material ausência e não apenas formal, de uma reclamação em procedimento de revisão».
Ora, na forma como os revertidos reagiram ao acto de liquidação, a decisão recorrida está certa.
Os recorrentes/revertidos usaram simultaneamente dois meios de impugnação autónomos: a impugnação administrativa da matéria colectável e a impugnação judicial da liquidação. Ora, tendo a sentença recorrida partido do pressuposto de que a impugnação do acto tributário com base em erro na quantificação da matéria colectável depende de prévia apresentação de revisão da matéria colectável, de acordo como o nº 5 do art. 86º da LGT e nº 1 do art. 117º do CPPT, não podia deixar de considerar verificada essa excepção, uma vez que à data da interposição da impugnação judicial ainda não havia qualquer decisão quanto à impugnação administrativa.
Na pendência da impugnação judicial foi rejeitada a impugnação administrativa, por intempestividade e ilegitimidade dos revertidos. E não consta dos autos que os impugnantes tenham reagido contra esta decisão, seja através da acção administrativa especial, seja através da modificação objectiva da instância do presente processo impugnatório.
O procedimento de revisão da matéria colectável, tal como está previsto na lei (arts. 86º, 91º e 92º da LGT e 117º do CPPT) é um sub-procedimento integrado e funcionalmente dependente do procedimento de liquidação. Com efeito, o pedido de revisão administrativa tem efeito suspensivo da liquidação do tributo (cfr. nº 2 do art. 91º da LGT) e a impugnação jurisdicional da determinação da matéria colectável fundada em métodos indirectos está dependente da sua prévia impugnação ou revisão administrativa. Portanto, a decisão da revisão administrativa não se apresenta como o acto final do procedimento de liquidação, susceptível de afectar a esfera jurídica do contribuinte, mas sim um acto preparatório do acto de liquidação. Por isso, em princípio, dada a natureza preparatória e instrumental do acto de liquidação e de acordo com o princípio da impugnação judicial unitária dos actos tributários (cfr. 54º do CPPT), o acto que decide a impugnação administrativa necessária não é susceptível de impugnação autónoma.
Em função deste regime, a revisão administrativa da matéria colectável é o preliminar indispensável da impugnação judicial da liquidação com fundamento na errónea quantificação da matéria colectável e/ou na não verificação dos pressupostos de determinação indirecta da matéria colectável. A revisão administrativa funciona assim como uma “impugnação pré-contenciosa”, que condiciona o acesso aos tribunais e cuja justificação se encontra nos próprios critérios em que assenta a determinação da matéria colectável através de métodos indirectos, Como refere Casalta Nabais, «guiando-se estes por critérios de natureza essencialmente técnica, compreende-se que antes de a sua legalidade ser questionada e discutida nos tribunais, sejam os mesmos objecto de apreciação e decisão por órgãos de natureza técnica constituídos por peritos. Pois estes, para além de poderem levar a cabo uma tutela mais ampla ao contribuinte, encontram-se também em melhores condições técnicas do que os tribunais para uma primeira apreciação da legalidade da determinação da matéria colectável por métodos indirectos» (cfr. in Justiça Administrativa, nº 17, pág. 44).
No quadro do sistema de garantias dos contribuintes, em que se insere a revisão administrativa da matéria colectável, a relação entre este meio de reacção e a impugnação judicial altera-se quando a decisão que lhe põe termo se fundamenta na falta de pressupostos procedimentais, como é o caso da intempestividade ou ilegitimidade. Neste caso, a decisão é imediatamente lesiva do impugnante, na medida em que, além de fazer cessar o efeito suspensivo da liquidação, impede a intervenção da “comissão de revisão” e a possibilidade da realização de um acordo quanto ao valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação. Assim sendo, o acto de indeferimento do pedido de revisão administrativa já não se pode qualificar como meramente “interlocutório” para efeito de impugnação unitária, devendo os interessados impugnar tal decisão através da acção administrativa especial (cfr. al. p) do nº 1 do art. 97º do CPPT), sob pena de se formar «caso decidido ou resolvido» sobre a matéria colectável anteriormente fixada.
A natureza do acto de indeferimento não muda pelo facto da revisão administrativa ser iniciada pelo responsável subsidiário. O regime da revisão está todo delineado para a intervenção do devedor originário e não para o responsável subsidiário, contra quem reverteu a dívida. Em face do nº 4 do artigo 22º da LGT, é controverso saber se os revertidos também têm o direito de revisão da matéria colectável, como se pode ver nos acórdãos do STA sobre esta matéria, designadamente os de 17/3/2010 (rec. nº 0999/09), de 28/4/2010, (rec. nº 0876/09) de 2/3/2011 (rec. nº 0984/10) e de Pleno de 17/3/2011 (rec. nº 0876/09).
A questão é complexa porque, na perspectiva da relação com a impugnação judicial, a revisão administrativa da matéria colectável é mais um ónus do que um direito do contribuinte, pois na sua falta a determinação da matéria colectável pelos métodos indirectos, nos seus pressupostos e quantificação, não pode ser discutida na impugnação judicial e daí que, havendo já liquidação, se devesse dispensar o revertido desse ónus. Mas, pelo ângulo das garantias dos contribuintes, pode ter alguma coerência possibilitar ao revertido o uso de um meio reactivo que o devedor originário não usou, possibilitando-lhe o acesso a um debate contraditório entre peritos, de que pode resulte alteração, para menos, do valor da matéria tributável a considerar para efeitos de liquidação.
Seja como for, na hipótese de se reabrir o procedimento de liquidação por efeito do pedido de revisão da matéria colectável, não se pode considerar que tal pedido vai impedir a prática do acto de liquidação quando ele já foi praticado. O pedido de revisão tem efeito suspensivo da liquidação do tributo, mas apenas, como reconhece alguma da jurisprudência citada, quanto à sua eficácia. Enquanto não houver decisão sobre o pedido de revisão, a liquidação não produz efeitos relativamente aos revertidos.
O efeito suspensivo cessa com a decisão que for tomada no procedimento de revisão, qualquer que ela seja. Deste modo, se a revisão não for admitida por falta de pressupostos procedimentais, também cessa o efeito suspensivo da liquidação. Verifica-se precisamente o contrário daquilo que defendem os recorrentes, pois a decisão de rejeição da revisão não “consequencia” a ineficácia da liquidação, mas sim faz cessar o efeito suspensivo da liquidação constituído pelo pedido de revisão.
Na impugnação judicial, que foi interposta antes de ter sido tomada qualquer decisão sobre a impugnação administrativa, não se podia analisar a legalidade do acto que indeferiu o pedido de revisão e os seus efeitos na liquidação impugnada, pois ele não faz parte do objecto do processo impugnatório. A rejeição da revisão administrativa é uma circunstância superveniente que só releva na medida em que o seu destinatário o determinar. Se os recorrentes não reagiram ao indeferimento da revisão, interpondo a competente acção administrativa especial, manteve-se a matéria colectável anteriormente fixada, sem possibilidade de a discutir na impugnação judicial.
Em suma: o facto de na pendência da impugnação judicial ter sido proferida decisão de indeferimento do pedido de revisão administrativa da matéria colectável, nenhuma influência tem na validade e eficácia da liquidação objecto de impugnação, enquanto tal decisão não for impugnada e anulada.

4. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes.
Lisboa, 19 de Abril de 2012. – Lino Ribeiro (relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.