Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01481/14
Data do Acordão:04/15/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VALOR PATRIMONIAL
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
PRÉDIO URBANO
IMÓVEL DESTINADO À HABITAÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.° do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.° 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.° 55- A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional. (*)
Nº Convencional:JSTA00069150
Nº do Documento:SA22015041501481
Data de Entrada:12/05/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..........,S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - SELO
Legislação Nacional:TGIS2014 ART28.1.
TGIS2012 ART28.1.
CIS2012 ART67 N2.
CIMI2012 ART6 ART45 N1 N2 ART41.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01870/13 DE 2014/04/09.; AC STA PROC048/14 DE 2014/04/09.; AC STA PROC0270/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC0271/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC0272/14 DE 2014/04/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.

I. Relatório

1. A………. – …………, S.A., identificada nos autos, deduziu impugnação judicial no TAF de Loulé, contra a liquidação do imposto de selo nº. 2013 000292515, de 21/03/2013, referente ao período de 2012, que apurou uma colecta total de € 254.349,34, fixando a 3ª prestação no valor de € 84.783,11, nos termos do artigo 99º e segs. do CPPT, invocando duplicação de colecta.

Naquele Tribunal decidiu-se julgar procedente a impugnação, anulando-se a liquidação em causa, porquanto o facto de o prédio da impugnante ser um prédio urbano, por se tratar de um terreno para construção, isso não implica uma afectação habitacional subsumível à verba 28.1. da Tabela do Imposto de Selo.

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para o STA, formulando as seguintes conclusões das suas alegações:

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pela Lei n.° 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art.° 6.° n.° 1 al. f) i) dessa mesma Lei;
b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.° 28 da TGIS);
c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art.° 67.° n.° 2 do CIS redacção dada pela Lei n.° 55-A/2012);
d) O art.° 2.° n.° 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art.° 6.° n.° 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;
e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;
f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art.° 38.° do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art.° 41.° desse código;
g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.° 2 do art.° 45.° do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);
h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.° 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;
i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art.° 6.° n.° 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;
j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art.° 45º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;
k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor
l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;
m) O Legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:
n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art.° 45.° n.° 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;
o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art.° 40.° n.° 4 do CIMI;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;
q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art.° 37.° do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;
r) O entendimento da ÁT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.° 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,
s) O legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.° 6.° n.° 1 al. a) do CIMI;
t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;
u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;
v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto o acórdão do STA de 18/11/2009, no proc. 0765/09, onde ficou decidido que “I-Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção há que observar o disposto no artigo 46. ° do Código do IMI, não havendo lugar à consideração de coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq)” consideramos que,
w) Salvo melhor opinião, tal entendimento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;
x) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.° 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos art.°s 41.°, 45.°, 37.° e 38.° todos do CIMI, art.° 9.° n.° 1 do CC e art.° 11.º n.° 1 da LGT.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

3. A recorrida veio contra-alegar, concluindo nos seguintes termos:

A. A disposição transitória constante do artigo 6°, número 1, alínea f), da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro, estabelece as taxas aplicáveis para os prédios com afectação habitacional, pelo que sendo o imóvel objecto da liquidação impugnada um terreno para construção, sempre estaria excluído da norma constante da alínea f) do número 1 do art.° 6.° da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro.
B. Um terreno para construção não é um prédio com afectação habitacional, como aliás resulta inequivocamente da classificação dos prédios urbanos constante do art.°, n.° 1, do CIMI.
C. A classificação de um prédio urbano como terreno para construção não obedece a qualquer afectação, donde, a remissão legal para a afectação habitacional só pode ter como consequência que não estarão abrangidos pela norma de incidência constante da alínea do número 1 do art.° 6.° da Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro os terrenos para construção, pelo que sempre será a liquidação de IS impugnada nula, conforme decidiu a sentença recorrida.
D. Um prédio é classificado como terreno para construção sempre que se verifiquem um conjunto de circunstâncias, em regra correspondentes à aplicação de normas pertinentes do regime jurídico que regula as edificações urbanas ou o fraccionamento de prédios rústicos, que, em qualquer caso, indiciem a intenção de nele se construir, salvo se, por força de legislação aplicável, tal intenção não seja passível de efectiva concretização.
E. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
F. Na esteira do aresto recorrido, conclui-se que terreno para construção “não integra necessariamente o conceito de afetação habitacional para efeitos de determinação do valor patrimonial e para sujeição à verba 28.1 da Tabela do Imposto do Selo, ainda mais, no caso sub judice, no qual, ainda nem sequer existe um processo de licenciamento para construção de edifício. Sendo que, mesmo que existissem enquanto não houvesse edificações no mesmo, continuaria a não poder ser sujeito à verba referida”.
G. A expressão “com afectação habitacional” inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6°, n.° 1, alínea a), do CIMI. Tal interpretação não teria apoio legal, face aos princípios contidos os arts. 9.° do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.
H. Se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.° do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o faz, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.
I. Resultando do art. 6°, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como “prédios com afectação habitacional”.
J. A idênticas conclusões chegaram os Senhores Árbitros do Centro de Arbitragem administrativa, no âmbito dos Processos n.°s 49/2013-T e 53/2013-T, bem como o Supremo Tribunal Administrativo, nos seus arestos recentes de 9 Abril e de 23 de Abril, afirmando que resulta do artigo 6.° do Código do IMI «uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”», não podendo, assim, estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba 28.1 da TGIS, na sua redação originária, que lhe foi conferida pela Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro.
K. A liquidação ora impugnada configura uma verdadeira duplicação de colecta face à liquidação referida no número precedente, pois incidem ambas sobre o mesmo período temporal.
L. Uma vez liquidado o Imposto do Selo respeitante ao exercício de 2012, nos termos da verba 28 da TGIS, não pode a Administração Tributária voltar a liquidar o mesmo imposto, com base no mesmo imóvel e facto temporal, só porque o proprietário se manteve em 31 de Dezembro do mesmo ano.
M. Conforme decidiu o TCA Sul em 02/06/2009, “a duplicação de colecta, por referência a um elemento temporal e estrutural, verifica-se quando, estando paga uma colecta, se liquida e exige outra da mesma natureza, em relação ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo.”
N. O diploma que introduziu as alterações ao Código do Imposto do Selo (‘CIS’) a fim de nele consagrar a tributação em sede daquele imposto da propriedade de prédios urbanos, através da verba n.° 28 — Lei 55-A/2012, de 29 de Outubro —, padece de invalidade insanável porquanto está em clamorosa oposição com os princípios constitucionais da igualdade, que se manifesta nomeadamente através do princípio da capacidade contributiva, e da protecção da confiança.
O. Porque as medidas não têm um carácter temporário, mas antes permanente, não colhe o argumento, tantas vezes utilizado em outras ocasiões, de que o novo imposto visou assegurar necessidades extraordinárias de receita, com o que violou o legislador o princípio constitucional da proporcionalidade, sendo este o critério último para aferir da tutela jurídico-constitucional da confiança.
P. O entendimento plasmado nas presentes contra-alegações já foi adotado em vários acórdãos recentes do Supremo Tribunal Administrativo.
Termos em que o presente recurso não deve merecer provimento.
Assim se fará inteira JUSTIÇA!

4. O magistrado do Ministério Público emitiu o parecer que se segue:

O objecto do recurso é a interpretação do previsto na verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto de Selo (T.G.I.S.), na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 em articulação com o previsto no seu art. 6.º, em termos de abranger também os terrenos para construção para o que argumenta a recorrente, nomeadamente, que, tendo-se feito depender a tributação ainda da afetação habitacional.
Tal seria assim de considerar de acordo com as normas aplicáveis à avaliação que no caso dos ditos terrenos são de aplicar incluindo quanto ao coeficiente de afetação, relativa a edificações autorizadas ou previstas.
Ora, os factos concretos assentes na sentença recorrida no seu ponto III-1 (fls. 92 e 93), não foram postos em causa pela recorrente, resultando que para a impugnante, proprietária de um terreno para construção, o qual tinha sido avaliado em 2006 com um valor de € 25.434.934, foi emitida em 21/3/13 uma liquidação de imposto relativa à 2ª prestação do dito imposto.
Contudo, de fls. 25 e dos autos resulta que a liquidação impugnada é relativa à 3ª prestação.
Quanto ao direito aplicável, que é o objeto do recurso, e quanto à norma em causa, que é de incidência, não se pode através da via interpretativa afirmar um resultado que não se encontra expresso na lei.
Tal o que resulta, desde logo, do princípio da legalidade previsto no art. 103.º n.º 2 da C.R.P..
Acresce que, através da consulta da proposta da dita Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, disponível no Diário da Assembleia da República, I série, nº 9/XII/2, de 11 de outubro de 2012, e da respetiva discussão, se constatam as referidas as necessidades de obter receitas para fazer face à situação orçamental deficitária, sendo apenas ainda referido que o dito imposto é de aplicar quanto a “casas”.
O S.T.A. tem também vindo a decidir, como pelos já referidos acórdãos proferidos a 9-4-2014 e 23-4-14 nos processos n.ºs 1870/13-30 e 272/14, acessíveis em www.dgsi.pt, no sentido de não ser de acolher a interpretação que se defende no recurso interposto.Concluindo:
O recurso é de improceder, sendo apenas de considerar, em face do referido erro material que resulta quanto à referência efetuada à 2ª prestação a que julgou se referir a liquidação posta em causa, a possibilidade de ser de mandar apreciar se a mesma não dirá respeito à 3ª prestação, com vista a se proceder à respetiva retificação, nos termos do art. 614.º do C.P.C..

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto

A) A Impugnante é proprietária do lote de terreno para construção, denominado Lote AL-1, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Almancil sob n.° 11475 (cfr. fls. 26 dos autos);
B) O prédio referido na alínea anterior está descrito na caderneta predial com “com o valor patrimonial tributário de € 25.434.934, determinado no ano de 2010” e ‘Tipo de coeficiente de localização: Habitação.” (cfr. fls. 26 dos autos);
C) Por avaliação feita em 22/09/2006, o Serviço de Finanças de Loulé-1 fixou o valor patrimonial em €25.434.934 (cfr. fls. 26 dos autos);
D) O imóvel descrito na alínea A) é um terreno para construção (cfr. fls. 26 dos autos);
E) Em 21/03/2013 foi emitida a liquidação nº 201300029515 (2ª prestação), no valor de €84.783,11 (cfr. fls. 25 dos autos).

De Direito:

Considerando o mº juiz “ a quo” que o terreno para construção fora objecto da incidência da norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 incidência cuja legalidade a impugnante questionava, entendeu face aos factos dados como provados que esta norma de incidência não abrangia os terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, pelo que a liquidação deste imposto violou essa mesma norma e, por ilegal, este acto administrativo não podia manter-se na ordem jurídica, razão pela qual o anulou.

A Fazenda Pública como se pode ver das suas alegações e conclusões de recurso sustenta que a incidência desse imposto decorre da abrangência do conceito de prédio urbano ínsita no artigo 2 nº 1 do CIMI cujas espécies o artigo 6º do mesmo diploma legal distingue e onde os terrenos para construção aparecem qualificados como sendo também prédios urbanos para efeitos do CIMI.
Refere que sendo os terrenos para construção tidos como prédios urbanos em sede IMI nada obsta que tendo presente que o conceito de prédios com afectação habitacional a que alude o disposto na verba nº 28 da TGIS compreenda também os terrenos para construção pois esse conceito não implica necessariamente a existência prévia de edifícios ou construções.
A sentença recorrida porque interpretou o disposto na verba 28 do TGIS de forma a excluir a afectação habitacional dos terrenos para construção enferma de erro de julgamento de direito pelo que deve ser revogada.

A recorrida considera que o Tribunal “a quo” fez uma correcta interpretação do disposto na verba n.28 do TGIS pelo que a sentença recorrida é de manter.
Vejamos então:

Trata-se de questão que foi já por várias vezes apreciada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que considerando estar em causa a interpretação da norma de incidência objectiva constante da verba 28.1 da TGIS na redacção da Lei 33-A /2012 de 29 de Outubro ou seja na redacção anterior à lei do Orçamento de Estado para 2014 que veio a integrar de modo expresso os terrenos para construção na referida verba no 28 do TGIS.
Efectivamente antes da Lei do Orçamento de Estado para 2014 os terrenos para construção não eram abrangidos directamente na verba 28 da TGIS.
E porque o legislador não tem uma definição de prédio urbano com afectação habitacional nem a lei do Orçamento para o ano de 2014 tem carácter interpretativo há que decidir da bondade da sentença recorrida e das razões do recurso.
Porque a questão tem sido objecto de múltiplas decisões desta Secção do Contencioso Tributário do STA, como se referiu anteriormente, e não se vê razão alguma para decidir diferentemente chamamos à colacção a doutrina do acórdão do STA de onde interviemos como adjunto e que passaremos a transcrever na parte que ao caso importa:

“A questão que se coloca no presente é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, particularmente se ela inclui terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba.

A sentença recorrida, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o acto de liquidação de Imposto do Selo relativo a 2012, no valor de €6.572,41,anulando-o e determinando a restituição à impugnante do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, no entendimento segundo o qual naquela norma de incidência estão abrangidos os terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional, como alegadamente resulta da letra da lei.
A recorrida defende a manutenção do julgado recorrido.

Vejamos.

Desde já se adianta que o presente recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelas razões que ficaram devidamente explicitadas nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14, 271/14 e 272/14 (Sendo que nos quatro primeiros acórdãos citados o ora relator interveio como 2º Adjunto) nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)

Reitera-se esta jurisprudência, uma vez que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme a orientação jurisprudencial supra assinalada.

Conclui-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.
A sentença ora sob recurso ao julgar procedente a impugnação fez uma interpretação de acordo com a jurisprudência exposta.

E essa interpretação é de confirmar.

DECISÃO:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente Fazenda Pública.

Lisboa, 15 de Abril de 2015. Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da SilvaPedro Delgado.