Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0578/08
Data do Acordão:02/11/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:IVA
CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL NÃO ADUANEIRA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:A “falta de entrega da prestação tributária, a que se reporta o art. 114º, 1, do RGIT, não abrange os casos de não recebimento do imposto pelo sujeito passivo.
Nº Convencional:JSTA00065537
Nº do Documento:SA2200902110578
Data de Entrada:06/27/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LEIRIA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:CIVA84 ART26 N1 ART40 N1 A ART95.
RGIT01 ART114.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC279/08 DE 2008/05/25.; AC STA PROC524/08 DE 2008/12/10.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO interpôs recurso para este Supremo Tribunal da sentença do Mm. Juiz do TAF de Leiria, que julgou procedente o recurso interposto pela arguida A…, da coima de € 962,64, que lhe foi aplicada pelo Chefe de Finanças da Direcção de Finanças de Leiria.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
1. Os artºs. 26º n. 1 e 40º n. 1 al. b) do CIVA obrigam o sujeito passivo a entregar ao Estado o IVA facturado, após a respectiva dedução do imposto suportado, conjuntamente com a respectiva declaração, e independentemente do recebimento, ou não, do valor de IVA facturado.
2. A não entrega do IVA assim deduzido, implica a prática da infracção ao art. 114º, n. 1, do RGIT.
3. A douta sentença recorrida violou assim, e em consequências, as normas legais referidas nos nºs. 1 e 2 que antecedem.
4. Razão pela qual deve ser revogada, e substituída por outra que mantenha a condenação da arguida.
Não houve contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.
2. É a seguinte a matéria de facto fixada na instância:
A. No dia 28/10/2003, foi elaborado o Auto de Notícia de fls. 2, que se dá por integralmente reproduzido, do qual se destaca o seguinte:
“Quadro 01 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO INFRACTOR (...)
“Quadro 02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO …
B. Em 13.10.2003, a recorrente apresentou a declaração periódica de IVA, referente ao mês de Fevereiro de 2003, em que apurou o montante de IVA a entregar ao Estado de 4.613,21€, desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
C. Por despacho de fls. 128 a 129, datado de 11.05.2007, a recorrente foi condenada por infracção ao disposto nos Art. 26°, n. 1 e 40°, n. 1, al. a) do C/VA, punível pelos Art. 114°, n. 2 e 26.°, n. 4 do RGIT, na coima de 922, 64 €.
3. A questão a decidir, que divide o Mm. Juiz e o recorrente, é esta:
A não entrega ao Estado do IVA facturado implica a prática de uma infracção ao art. 114º, 1, do RGIT.
O Mm. Juiz entende que não, de passo que o recorrente defende posição contrária, alicerçando a sua fundamentação nos artºs 26º, n. 1 e 40º, n. 1, al. b) do CIVA.
Vejamos a lei.
Dispõe o Art. 26.°, n. 1 do CIVA:
Sem prejuízo do regime especial referido nos artigos 60.° e seguintes, os sujeitos passivos são obrigados a entregar o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19° a 25º e 71.°, na Direcção de Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado, simultaneamente com as declarações a que se refere o artigo 40.°, ou noutros locais de cobrança legalmente autorizados”.
Estatui, por sua vez, o Art. 40.°, n. 1, alínea a) do mesmo Código:
1. Para efeitos do disposto na alínea c) do n. 1 do artigo 28°, a declaração periódica deve ser enviada por via postal ao Serviço de Administração do IVA, por forma que dê entrada nos seguintes prazos:

a) Até ao dia 10 do 2.° mês seguinte àquele a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios igualou superior a € 498 797,9, no ano civil anterior …”.
Finalmente é do seguinte teor o Art. 114.° do RGIT:
1 - A não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
2 - Se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 10% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.
3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela, bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja”.
Traçado o quadro legal, importa agora saber se foi ou não praticada a infracção de que o arguido vinha acusado e sobre o qual impendeu a condenação proferida pela competente autoridade tributária.
Constata-se que a arguida foi punido por haver entregue a declaração periódica de IVA desacompanhada do respectivo meio de pagamento.
Para decidir pela procedência do recurso, discreteou o Mm. Juiz a quo do seguinte modo:
Ora, no caso vertente, não está em causa qualquer prestação tributária deduzida nos termos da lei (situação prevista pelo n. 1 deste Art. 114.° do RGIT), mas antes uma prestação tributária de que existe obrigação legal de liquidar, em conformidade com o disposto no Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado.
Sucede que, de acordo com o n. 3 do citado Art. 114° do RG/T e quando esteja em causa a obrigação legal de liquidar o imposto, para efeitos do disposto nos seus nºs 1 e 2, apenas se considera prestação tributária aquela que haja sido recebida.
No caso dos autos, contudo, a recorrente alega que o IVA não entregue não foi por si recebido, sendo certo que inexiste nos autos qualquer prova desse recebimento que, de resto, constitui pressuposto legal da infracção, consubstanciada na falta de entrega do IVA juntamente com a declaração periódica correspondente e pela qual a recorrente vem punida.
Conclui-se, assim, pela inverificação dos pressupostos legais de que depende a punição da recorrente, pelo que esta deve ser absolvida”.
Que dizer?
Pois bem.
Esta questão tem recebido uma unânime decisão deste Supremo Tribunal, no sentido de que o citado art. 114º, 1, do RGIT (que pune como contra-ordenação fiscal a falta de entrega da prestação tributária), não abrange, na sua previsão legal, situações em que o imposto que deva ser entregue não esteja em poder do sujeito passivo, por este não o ter recebido ou retido Vide, a título meramente exemplificativo, os acórdãos deste STA de 18/9/2008, rec. n. 483/08, de 15/10/2008 (rec. n. 481/08), de 12/11/2008 (rec. n. 577/08), de 26/1/2008 (rec. n. 513/08) e de 10/12/2008 (rec. nºs. 524/08 e 579/08).
Na verdade, e como se referiu no acórdão deste STA de 28/5/2008 (rec. n. 279/08), com a utilização da expressão “prestação tributária deduzida” pretendeu-se aludir a todas as situações em que é apurada uma prestação tributária pelo sujeito passivo através de uma subtracção de uma quantia global e essa quantia deduzida tem de ser entregue à administração tributária (é o que sucede, por exemplo, nas situações de retenção na fonte previstas nos artigos 71.º e 98.º do CIRS).
No caso do IVA, no respectivo Código não se refere qualquer situação em que o sujeito passivo tenha de entregar imposto que tenha deduzido, apenas se falando de dedução de imposto relativamente ao imposto que o sujeito passivo tem a receber, nos termos dos artigos 19.º a 25.º do CIVA.
O que há, na verdade, é a obrigação de os sujeitos passivos procederem à sua liquidação e adicionarem o valor do imposto liquidado ao valor das mercadorias ou prestações de serviços, incluindo-o na factura ou documento equivalente, para efeitos da sua exigência aos adquirentes das mercadorias ou utilizadores dos serviços (artigos 35.º e 36.º, n.º 1 do CIVA).
O imposto que deve ser entregue não é, contudo, o imposto que foi liquidado, mas sim o eventual saldo positivo a favor da administração tributária que se registe após confrontação do volume global do imposto liquidado com o que foi pago pelo sujeito passivo aos seus fornecedores ou prestadores de serviços (artigos 19.º a 25.º do CIVA).
É certo que pode haver situações em que o sujeito passivo recebeu de terceiros IVA que liquidou e não procedeu à sua entrega à administração tributária, havendo obrigação dessa entrega por se comprovar que há um saldo positivo a favor desta no confronto da globalidade do imposto liquidado com o imposto pago pelo sujeito passivo em determinado período.
Só que tais situações não se enquadram nos números 1 e 2 do preceito em análise mas sim na parte final do seu n.º 3 que refere prestação tributária “que tendo sido recebida, haja obrigação legal de liquidar nos casos em que a lei o preveja”.
E, como aí resulta claramente do texto da lei, apenas é sancionado como contra-ordenação o comportamento de quem tem obrigação de liquidar na sequência de recebimento da quantia do imposto.
Aliás, como se salienta no aresto citado, “a conduta de quem não entrega IVA liquidado nas facturas mas não recebido dos adquirentes das mercadorias ou utilizadores de serviços estava expressamente punida no art. 95.º do CIVA, em que se previa como transgressão “a falta de entrega ou a entrega fora dos prazos estabelecidos de todo ou parte do imposto devido”.
“Porém, este art. 95.º, inserido no Capítulo VIII do CIVA, está expressamente revogado pela alínea c) do art. 2.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Por outro lado, as referências à “prestação tributária que nos termos da lei deduziu” e à “prestação tributária deduzida nos termos da lei”, que se utilizam no art. 114.º do RGIT, têm um evidente alcance restritivo em relação à expressão “imposto devido”, que era utilizada no referido art. 95.º do CIVA, pois as primeiras apenas abrangem situações em que o sujeito passivo procede à dedução do imposto, subtraindo-a de uma quantia global.”.
No caso dos autos, contudo, e como refere o Mm. Juiz a quo, inexiste qualquer prova do recebimento do imposto, sendo que a arguida alega que o IVA não entregue não foi por si recebido.
E, assim sendo, não tendo havido recebimento do imposto anterior à entrega à administração tributária da declaração periódica referida no ponto B) do probatório, está afastada a possibilidade de punição da arguida por não verificação dos pressupostos legais previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT.
A decisão recorrida não merece pois censura.
4. Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o MP.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009. - Lúcio Barbosa (relator) - Jorge Lino - Jorge de Sousa.