Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02428/13.7BEPRT 0221/15
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:I - Do disposto no n.º 2 do art. 3.º do RJAT resulta, a contrario, que não é possível deduzir pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente ao mesmo acto tributário e com os mesmo fundamentos.
II - A pendência da impugnação judicial em simultâneo com o pedido de pronúncia arbitral, não tendo sido oportunamente deduzida a litispendência, nem o podendo ser agora por o processo arbitral já estar findo, constitui uma excepção dilatória inominada, excepção essa que tem como consequência a absolvição da instância, de acordo com o disposto os arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC.
III - Não padece de excesso de pronúncia a decisão judicial que conheça de questão que, não tendo sido colocada pelas partes, seja do conhecimento oficioso (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Nº Convencional:JSTA000P24252
Nº do Documento:SA22019022002428/13
Data de Entrada:03/04/2015
Recorrente:A... E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – A…………. e B…………, melhor identificados nos autos, vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou extinta a instância e os condenou nas custas.
Apresentam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«1. A sentença recorrida conclui pela declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide e condena os Impugnantes nas custas do processo.
2. Os ora recorrentes não concordam com esta decisão, mormente na parte em que se pronuncia indevidamente sobre uma excepção que não se suscita nem pode ser apreciada nos presentes, e porque, com base nisso, determina a condenação dos Impugnantes nas custas do processo.
3. Na medida em que se pronuncia sobre a excepção de litispendência, a sentença recorrida é nula, nos termos em conformidade com o disposto na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).
4. A sentença em crise, na parte em que condena os Impugnantes em custas assume de forma infundada e peremptória que, por um lado, havia uma situação de litispendência que invalidava esta lide de acção administrativa especial, e que, por outro lado, os Impugnantes incumpriram uma alegada obrigação de por termo à acção administrativa especial logo que apresentaram o pedido de constituição de tribunal arbitral — justamente porque assumem como pressuposto de raciocínio a verificação de uma excepção de litispendência, a qual, aliás, como vem dito, foi apreciada na sede própria, concluindo-se taxativamente pela sua não verificação.
5. O raciocínio que conduziu a juiz a quo a condenar os Impugnantes nas custas do processo — em benefício da Ré, que as deve assumir—, padece de clara petição de princípio e corporiza uma inexorável violação da regra ínsita no n.º 3 do artigo 536.º do CPC, consolidando um manifesto vício por erro de julgamento.
6. Ao condenar em custas os Impugnantes, descurando que tal responsabilidade cabe em exclusivo à Ré, a sentença enferma de erro na aplicação do direito, por manifesta violação do disposto no n.º 3 do artigo 536.º do sobredito CPC.
7. Admitir o contrário implicaria coarctar os direitos dos sujeitos passivos à sua tutela jurisdicional efectiva, tutelada constitucional no n.º 4 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa, e mesmo, no limite, uma denegação de justiça, frontalmente proibida pelo princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, regulado pelo artigo 20.º da Lei Fundamental.»
2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Ministério Público emitiu parecer a fls. 299 e seguintes concluindo, em síntese, que o «recurso é de proceder, sendo de revogar o decidido no que respeita à condenação em custas, as quais são de imputar à F.P., de acordo com o previsto no art. 536º n.º 3 do C.P.C. subsidiariamente aplicável, mas apenas pelas devidas em 1.ª instância.»

4. Por despacho do relator a fls. 302 dos autos, foram os autos remetidos à primeira instância, a fim de ser proferido despacho nos termos do nº1 e 5 do artigo 617º do CPC. Recebidos os autos no TAF do Porto veio o Meritíssimo Juiz sustentar “… que a sentença não padece da nulidade apontada, uma vez que este TAF não analisou nem se pronunciou sobre a excepção de litispendência, tendo apenas constatado que essa excepção não foi objecto de apreciação pelo Tribunal Arbitral, sem que dai retirasse qualquer consequência para o desfecho da presente demanda.”

5 – Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

6 – O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«A…………. e B………….., m.i. nos autos, vieram impugnar a decisão de indeferimento da reclamação graciosa concernente a liquidação de I.R.S. relativa ao ano de 2012, no valor de Euro 65.807,98, com os fundamentos indicados na petição inicial, apresentada em 15/10/2013. Foi a presente impugnação recebida liminarmente, tendo a Fazenda Pública apresentado contestação. Posteriormente, por requerimento apresentado em 11/04/2014 (fls. 173 a 194), vieram os Impugnantes informar que apresentaram, em 25/11/2013, um pedido de pronúncia arbitral, processo n.º 266/2013-T, cuja decisão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), datada de 28/03/2014, declarou a ilegalidade do acto de liquidação impugnado, motivo pelo qual entendem que a presente acção perdeu “… qualquer efeito útil, tornando por isso desnecessário o seu prosseguimento”, ocorrendo “…impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ...", devendo a instância ser declarada extinta, pedindo ainda a condenação da Fazenda Pública nas custas, por entenderem que foi esta que deu causa à inutilidade.
A Fazenda Pública, notificada para se pronunciar sobre o pedido de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, veio apresentar requerimento no qual informa que a decisão arbitral ainda não transitou, em virtude de ter apresentado recurso para o TCA Sul.
Dada vista ao Ministério Público, emitiu o parecer ínsito a fls. 244, no sentido de que “A decisão do Centro de Arbitragem Administrativa sobre a mesma matéria em causa nos autos, torna inútil o prosseguimento da acção e decisão da causa, bem como de quaisquer excepções invocadas.", concluindo pela declaração da extinção da instância. Atento o exposto, cumpre apreciar e decidir a viabilidade e/ou utilidade do prosseguimento dos presentes autos.
Vieram os impetrantes suscitar a questão da inutilidade superveniente da lide, por, na pendência dos presentes autos, ter sido decidida favoravelmente a sua pretensão, em processo submetido ao tribunal arbitral.
Compulsados os autos, verifico, por um lado, que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pelos impetrantes quando a presente impugnação já se encontrava em curso e, por outro lado, que existe uma identidade de factos e fundamentos em ambas as acções, bastando comparar a petição inicial da presente acção (a fls. 2 a 30) com o teor da decisão arbitral, principalmente no que concerne ao "quadro factual" descrito nos seus pontos 8 e 9 (a fls. 203 e 204).
Ora, não se mostra legalmente possível que seja deduzido pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo acto tributário, quando os respectivos factos e fundamentos são os mesmos, conforme claramente decorre a contrário do n.º 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (em diante RJAMT - Decreto-Lei n.° 10/2011 de 20/01), o que bem se compreende face à regra da proibição da repetição de causas, que enforma, designadamente, os institutos da litispendência e de caso julgado.
Princípio, aliás, que se encontra ainda vertido no n.º 2 do artigo 24.° do RJAMT.
Assim, impera concluir que a apresentação de impugnação judicial preclude a possibilidade de apresentação de pedido de pronúncia arbitral e vice-versa, desde que versem sobre os mesmos factos e tenham os mesmos fundamentos (tratam-se, assim, de meios alternativos e não cumulativos).
De outro modo, se os contribuintes pudessem, em simultâneo, recorrer aos tribunais tributários e ao CAAD para reagir a um mesmo acto tributário, por um lado, correr-se-ia o risco de serem proferidas decisões contrárias sobre a mesma questão e, por outro, estaria frustrado o principal objectivo da instituição do regime da arbitragem — a diminuição das pendências nos tribunais tributários.
Perscrutado o RJAMT, verifico que apenas existem duas excepções a esta regra previstas:
- no n.º 3 do seu artigo 24.°: quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, é permitida a apresentação de impugnação; e
- no n.º 1 do seu artigo 30.º: foi permitida a apresentação de pedido arbitral no prazo de um ano a contar da entrada em vigor do RJAMT, relativamente a pretensões que tenham por objecto actos tributários que se encontravam pendentes de decisão em primeira instância nos tribunais judiciais tributários há mais de dois anos (mas note-se que mesmo neste caso, o impugnante deveria promover, junto do processo pendente no tribunal tributário, a alteração da causa de pedir ou a extinção da instância).
Ora, no caso em apreço, estas excepções são inaplicáveis, pelo que, conforme resulta do exposto, não estavam os impetrantes legalmente autorizados a interpor as duas acções.
Atento o exposto, tendo os Impugnantes (ao arrepio da lei) apresentado as duas acções (uma junto deste T.A.F. e outra junto do CAAD), deveria ter-se colocado, desde logo, a questão da litispendência no tribunal arbitral (pois a Fazenda Pública foi citada posteriormente nessa acção), questão que não foi analisada pois, conforme se constata pelo teor da decisão arbitral, nem os autores nem a Fazenda Pública levaram ao conhecimento do tribunal arbitral a existência da presente Impugnação.
Destarte, desconhecendo a presente acção, foi proferida decisão arbitral sobre o mérito da acção, pelo que, mesmo não tendo essa decisão arbitral transitado em julgado, incumbe a este Tribunal, no momento em que tomou conhecimento da existência do processo arbitral, decretar, a extinção da instância.
No que concerne às custas, entende este Tribunal que as mesmas são a cargo dos Impugnantes uma vez que a extinção da instância se deve à conduta processual que adoptaram.
Efectivamente, conforme já referido, estando pendente acção de impugnação, não poderiam os impetrantes ter apresentado pedido arbitral relativo ao mesmo acto de liquidação, com os mesmos factos e fundamentos.
Não obstante, tendo-o feito, impunha-se que, a partir do momento em que o processo arbitral se considerou iniciado, tivessem informado este tribunal, em tempo razoável, desse facto, uma vez que a presente lide não poderia ter prosseguido os seus termos, pois legalmente (nos termos do n.º 2 do artigo 3.°, a contrario, do RJAMT) não poderiam estar em curso as duas acções.
Pelo contrário, remeteram-se os Impugnantes ao silêncio e decidiram apenas informar este Tribunal da existência do processo arbitral quando obtiveram, no mesmo, uma decisão que lhes foi favorável, conduta que se mostra reprovável.
Atento o exposto, e embora legalmente nem pudessem ter apresentado o pedido arbitral, impunha-se aos impetrantes que, com o início do processo arbitral, tivessem promovido, então, a extinção da presente instância, extinção que lhes seria imputável, não podendo, assim, a responsabilidade pela extinção da instância, agora declarada, deixar de lhes ser atribuída.
Face ao exposto, verifica-se a extinção da instância, sendo as custas da responsabilidade dos Impugnantes.
2. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo extinta a presente instância.
Custas pelos impugnantes.»

7. Do objecto do recurso

As questões a decidir no presente recurso reconduzem-se a saber:
a) Se a sentença recorrida é nula, em conformidade com o disposto na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que alegadamente se pronuncia sobre a excepção de litispendência;
b) Se a sentença enferma de erro na aplicação do direito, por violação do disposto no n.º 3 do artigo 536.º do sobredito Código de Processo Civil, ao condenar em custas os Impugnantes.

8. Apreciando

8.1 Da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Sustentam os recorrentes que o Tribunal se pronunciou indevidamente sobre uma excepção - litispendência - que não foi suscitada nem pode ser apreciada nos presentes autos e que, por isso, a sentença recorrida é nula, nos termos do disposto na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC).

Neste Supremo Tribunal Administrativo o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronuncia-se no sentido de que não terá ocorrido a apontada nulidade porquanto a sentença recorrida não decidiu com base na excepção de litispendência.
Por sua vez a Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pronunciando-se sobre a arguida nulidade (fls. 308 e segs.) considerou que a mesma não se verificava porquanto «a sentença proferida determinou a extinção da instância, tendo tal decisão assentado única e exclusivamente no facto de a lei (em concreto, o disposto no nº 2 do artº 3º, a contrario, do RJAMT) não permitir que seja deduzido simultaneamente um pedido de impugnação judicial e um pedido de pronúncia arbitral relativamente ao mesmo acto tributário, quando os factos e os fundamentos sejam os mesmos» e que aquela decisão «não analisou nem se pronunciou sobre a excepção da litispendência, tendo apenas constatado que essa excepção não foi objecto de apreciação pelo tribunal Arbitral, sem que daí retirasse qualquer consequência para o desfecho da presente demanda».

Também assim entendemos.
Vejamos.
Nos termos do disposto nos arts. 125º, nº 1 do CPPT e 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Resulta também do artº 608º nº2 do Código de Processo Civil que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e que não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Não padece, pois, de excesso de pronúncia a decisão judicial que conheça de questão que, não tendo sido colocada pelas partes, seja do conhecimento oficioso (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT e art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil)
Cumpre desde já referir que, da leitura da decisão sob recurso resulta à saciedade que a litispendência não foi, enquanto tal, ali apreciada.
Como quer que seja importa notar que a lei entende constituir a litispendência excepção dilatória – de conhecimento oficioso, impeditiva do conhecimento do mérito e geradora de absolvição da instância (artigos 573º nº 2, 577º-i) e 578º do Cód. Proc. Civ.), excepção que, como é sabido, visa evitar que o tribunal contradiga ou mantenha decisão que a outro cabe proferir (artigo 580º nº 2 do mesmo diploma).

No caso vertente o Tribunal recorrido decidiu extinguir a instância porque considerou que não se mostra legalmente possível que seja deduzido pedido de impugnação judicial e pedido de pronúncia arbitral relativamente a um mesmo acto tributário, quando os respectivos factos e fundamentos são os mesmos (do n.º 2 do artigo 3.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária a contrario).
Ponderou-se na decisão sindicada que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado pelos impugnantes quando a presente impugnação já se encontrava em curso e, por outro lado, que existe uma identidade de factos e fundamentos em ambas as acções, bastando comparar a petição inicial da presente acção (a fls. 2 a 30) com o teor da decisão arbitral, principalmente no que concerne ao "quadro factual" descrito nos seus pontos 8 e 9 (a fls. 203 e 204).
E por isso se concluiu que «desconhecendo a presente acção, foi proferida decisão arbitral sobre o mérito da acção, pelo que, mesmo não tendo essa decisão arbitral transitado em julgado, incumbe a este Tribunal, no momento em que tomou conhecimento da existência do processo arbitral, decretar, a extinção da instância».

Pese embora não se subscreva toda a fundamentação da decisão recorrida, nomeadamente na parte em que declara a extinção da instância, pelas razões que abaixo melhor se explicitarão, cumpre sublinhar que se entende que nada obstava a que o tribunal conhecesse de imediato da ilegalidade da instauração e pendência da presente impugnação judicial, que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso.

Resulta efectivamente do n.º 2 do art. 3.º do RJAT, a contrario, que não é possível deduzir pedido de pronúncia arbitral e impugnação judicial relativamente a um mesmo acto tributário com base nos mesmos fundamentos (Neste sentido também, JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág. 150.).
E, para além daquele normativo também no art. 24.º. n.º 2 do RJAT se estipula que «Sem prejuízo dos demais efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação».
Resultando ainda do n.º 4 do art. 13.º do mesmo diploma legal que «a apresentação dos pedidos de constituição de tribunal arbitral preclude o direito de, com os mesmos fundamentos, reclamar, impugnar, requerer a revisão, incluindo a da matéria colectável, ou a promoção da revisão oficiosa, ou suscitar pronúncia arbitral sobre os actos objecto desses pedidos ou sobre os consequentes actos de liquidação, excepto quando o procedimento arbitral termine antes da data da constituição do tribunal arbitral ou o processo arbitral termine sem uma pronúncia sobre o mérito da causa».
Estas disposições legais constituem solução paralela à consagrada no CPC para os institutos da litispendência e do caso julgado, respectivamente (vide, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 07.11.2018, recurso 443/17).

Ora como se constata do confronto da petição inicial (fls. 2 e segs.) com a decisão arbitral junta aos autos (fls.227 e segs.) pese embora se verifique uma identidade de sujeitos e identidade de causa de pedir, mas não uma completa identidade de pedidos, é inequívoco que os fundamentos invocados em ambos os meios impugnatórios são os mesmos.
De facto é inquestionável a manifesta identidade de sujeitos entre o pedido de pronúncia arbitral (que obteve decisão de mérito) e a presente impugnação, verificando-se também identidade quanto à causa de pedir (o facto jurídico comum é, em ambos os casos, o exercício da opção pelo regime da contabilidade organizada que a impugnante efectuou e do qual pretende retirar a consequência da ilegalidade da alteração oficiosa desse regime de tributação).
Por outro lado, se é certo que, não há completa identidade de pedidos – no processo arbitral o objectivo dos requerentes era a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS relativo ao ano de 2012, no processo de impugnação judicial impugnava-se a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa deduzida contra a declaração de substituição apresentada pelos reclamantes para o ano de 2012, na sequência do acto administrativo proferido pela Directora de Serviços da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento, nos termos do qual era confirmada a alteração oficiosa do seu regime de tributação dos rendimentos, pedindo-se, a final que se declarasse a ilegalidade de tal declaração de substituição, com a manutenção da primeira declaração de rendimentos apresentada (cf. reclamação graciosa a fls. 67 e segs.) - também não deixará de se concluir que em situações, como a do caso sub judice, os efeitos jurídicos pretendidos (pedidos) e os fundamentos invocados são os mesmos.
Com efeito o pedido de pronúncia arbitral tem como objecto imediato a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS de 2012 mas também, como objecto mediato a ilegalidade do acto de alteração oficiosa do regime da contabilidade organizada pelo qual os impugnantes tinham optado, sendo que, nesta medida e em relação a este acto, como bem se sublinha na decisão recorrida, os fundamentos e os factos são exactamente os mesmos que são invocados na presente impugnação.
Daí que se entenda que, por força do disposto no artº 3º nº 2 do RJAMT a instauração e a pendência da impugnação judicial em simultâneo com o referido pedido de pronúncia arbitral era ilegal.
Pois não há dúvida de que as decisões a proferir num e noutro processo colocarão o Tribunal a quo na situação ou de se contradizer ou de se repetir, sendo a essa situação que pretende obviar com as normas referidas (Como se pode ler no acórdão deste STA proferido no processo nº 154/14 de 17/06/2015, “quando os fundamentos invocados e os efeitos jurídicos pretendido num e noutro meio processual sejam (podendo ser) os mesmos, (…) justifica-se julgar procedente a excepção da litispendência, uma vez que existe a possibilidade de virem a ser proferidas decisões em sentido diverso ou repetidas.”).
Ora, como já ficou sublinhado no Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 07.11.2018, proferido no recurso 443/17, deve entender-se que a ilegal instauração e pendência da impugnação judicial em simultâneo com o pedido de pronúncia arbitral, não tendo sido oportunamente deduzida a litispendência, nem o podendo ser agora por o processo arbitral já estar findo, constitui uma excepção dilatória inominada, excepção essa que tem como consequência a absolvição da instância, de acordo com o disposto os arts. 278.º, n.º 1, alínea e), 576.º, n.ºs 1 e 2, 577.º e 578.º, do CPC – e não a extinção da instância decretada pelo Tribunal a quo.
E, como é sabido, as excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância, sendo de conhecimento oficioso (artº 578º do Código de Processo Civil).

Em face do exposto entendemos que deve manter-se a sentença recorrida, embora por fundamentação não inteiramente coincidente, com a ressalva de que o efeito jurídico a retirar da ilegal interposição e pendência do processo de impugnação judicial é a absolvição da instância por verificação de uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, improcedendo, pois, a arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Diga-se, finalmente, que não se vislumbra que deste entendimento resulte qualquer violação dos princípios da tutela jurisdicional efectiva e do acesso ao direito.
Como vem afirmando a jurisprudência do Tribunal Constitucional se o legislador constitucional exige que a lei ordinária preveja meios de reacção perante os tribunais contra todas as actuações da Administração lesivas de direitos ou interesses legalmente protegidos, já não impõe que a mesma lei coloque ao dispor dos administrados uma pluralidade de meios para esse fim.
A este respeito o Tribunal Constitucional tem concluído, em jurisprudência consolidada, que, no campo do processo civil e, bem assim, em processo laboral e administrativo, «o direito à tutela jurisdicional (…) assegura apenas em termos absolutos, e num campo de estrita horizontalidade, o acesso aos tribunais para obter a decisão definitiva de um litígio» (Acórdão n.º 65/88) ou o "direito a ver solucionados os conflitos, segundo a lei aplicável, por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade no que diz respeito à defesa dos respectivos pontos de vista [...]" (Acórdão n.º 638/98).»

6.2 Do alegado erro de julgamento na condenação em custas

Neste segmento do recurso alegam os recorrentes que ao condenar em custas os Impugnantes, descurando que tal responsabilidade cabe em exclusivo à Ré, a sentença enferma de erro na aplicação do direito, por manifesta violação do disposto no n.º 3 do artigo 536.º do sobredito CPC.

Entendemos, porém, que também nesta parte improcederá a sua alegação.

Com efeito os recorrentes partem do errado pressuposto da aplicação do artº 536º, nº 3 do Código de Processo Civil que se refere à repartição das custas nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.
Ora no caso vertente a instância não foi extinta por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide mas sim por ilegal instauração e pendência da impugnação judicial em simultâneo com o pedido de pronúncia arbitral.
E não se tratando, portanto, de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, não se vislumbra, assim, a aplicabilidade da regra de custas enunciada no nº 3 do citado art. 536º.
Será pois aplicável o art. 527º do Código de Processo Civil que, sob a epígrafe «Regra geral em matéria de custas», dispõe:
«l. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3. (...)»
Esta regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção.
Ora no caso sub judice resulta dos autos que a responsabilidade pelas custas não pode ser imputada à Fazenda Pública mas sim aos recorrentes cuja actuação deu origem ao facto que a determinou.

Isto porque, como bem se assinala na decisão recorrida, estando pendente acção de impugnação, não poderiam os impugnantes ter apresentado pedido arbitral relativo ao mesmo acto de liquidação, com os mesmos factos e fundamentos.
E, tendo-o feito, impunha-se que, a partir do momento em que o processo arbitral se considerou iniciado, tivessem informado o tribunal, em tempo razoável, desse facto, uma vez que a presente lide não poderia ter prosseguido os seus termos, pois legalmente (nos termos do n.º 2 do artigo 3.°, a contrario, do RJAMT) não poderiam estar em curso as duas acções, sendo, assim, de imputar aos Autores a responsabilidade pela extinção da instância.

Improcede, pois, também nesta parte, o recurso.

9. Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Pedro Delgado (relator) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.