Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0790/15
Data do Acordão:07/13/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS
INTERPRETAÇÃO DA LEI FISCAL
Sumário:I - Como resulta do art. 11.º da LGT, na interpretação da lei fiscal devem seguir-se as regras da hermenêutica jurídica prescritas no art. 9.º do Código Civil.
II - Não há motivo algum para excluir as pessoas singulares do conceito de entidades com as quais existam relações especiais a que alude o n.º 3 do art. 32.º do EBF (na redacção aplicável), tanto mais que, para o preenchimento do conceito, a norma remete para o n.º 4 do art. 58.º do CIRC (na redacção aplicável), no qual, depois de dizer que «[c]onsidera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra», inclui no rol exemplificativo das situações que integram as relações especiais, as relações entre «[u]ma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes» [alínea c)].
Nº Convencional:JSTA00069808
Nº do Documento:SA2201607130790
Data de Entrada:06/20/2015
Recorrente:A..................S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - MAIS VALIAS / IRC
Legislação Nacional:EBF ART32 N2 N3.
CIRC ART58 N4.
LGT ART1 ART11.
CCIV66 ART9.
Referência a Doutrina:DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA - LEI GERAL TRIBUTÁRIA ANOTADA E COMENTADA 4ED PAG60.
BAPTISTA MACHADO - INTRODUÇÃO AO DIREITO E AO DISCURSO LEGITIMADOR PAG182 PAG189.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1100/12.0BELRA

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “ A……………., S.A.” (a seguir Impugnante ou Recorrente) recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), referente ao exercício de 2010, que lhe foi efectuada por a Administração tributária (AT) ter entendido que as mais-valias resultantes da venda de acções detidas há mais de um ano, mas há menos de três anos e adquiridas a entidades com as quais a Contribuinte mantinha relações especiais, não estavam excluídas de tributação.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«1- O período de detenção de 3 anos previsto no artigo 32.º do EBF não é aplicável às transmissões de acções entre pessoas singulares e SGPS, na medida em que, no ordenamento jurídico fiscal português, conforme os múltiplos exemplos indicados nestas alegações, quando o legislador se refere a entidades, está-se a referir tão-somente a pessoas colectivas sociedades ou entes a elas legalmente equiparáveis.

2- Mas, ainda que fosse esse o caso, isto é, o conceito de entidade incluir pessoas singulares, o que se assume sem, porém, conceder, o efeito que a norma pretenderia atingir – utilização das SGPS com o fim único de diminuir a carga fiscal incidente sobre a transmissão de partes de capital – era ineficaz quanto às pessoas singulares, pois à data da ocorrência dos factos (entre 2008 e 2010), o regime fiscal aplicável, em sede de IRS, aos ganhos com as transmissões de partes de capital, nomeadamente com acções, era mais favorável que o regime fiscal das SGPS.

3- Daí se poder afirmar, de forma inequívoca, que não foi este o tipo de operações que o legislador pretendeu penalizar quando criou o artigo 32.º do EBF, o que só vem, aliás, reforçar a tese da Recorrente que o âmbito de aplicação daquela norma era prevenir, ou melhor, evitar, quando se tratasse da alienação de participações sociais, a utilização abusiva de SGPS por pessoas colectivas e não por pessoas singulares, pois estas tinham, à data um regime fiscal mais favorável.

4- Desta forma, conclui-se que o legislador ao utilizar no âmbito do artigo 32.º do EBF, e à semelhança do que faz em todo o ordenamento jurídico-fiscal, a expressão “entidades”, apenas está a considerar pessoas colectivas ou entes equiparáveis.

5- Assim sendo, deve-se considerar que o período de detenção aplicável a esta situação será o período de um ano igualmente previsto no artigo 32.º do EBF, pelo que a transmissão de acções pela Recorrente deve beneficiar do regime de exclusão de tributação previsto nesse preceito, devendo, pois, ser revogada a decisão ora recorrida e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de IRC objecto de impugnação».

1.3 A Fazenda Pública não contra alegou.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…] O objecto do recurso tem a ver com a aplicação do regime do revogado art. 32.º, n.º 3 do EBF e, muito concretamente, com a questão de saber se a expressão “entidades com as quais existam relações especiais” apenas se refere a pessoas colectivas ou entes equiparáveis ou se no seu âmbito também se incluem as pessoas singulares.
A tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS obedecia, à data dos factos, a um regime específico que entre outros normativos se encontrava regulado nos n.ºs 2 e 3 do art. 32.º do EBF, entretanto revogado pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dez.
Afastava aquele primeiro normativo da concorrência para a formação do lucro tributável as mais e menos-valias realizadas pelas SGPS na transmissão onerosa de partes de capital de que fossem titulares, desde que detidas por período não inferior a 1 ano e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.
Esse regime não tinha, no entanto, aplicação relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital fossem detidas, pela SGPS, por período inferior a 3 anos, e houvessem sido adquiridas a entidades com as quais existissem relações especiais, nos termos do n.º 4 do art. 58.º do CIRC ou a entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável ou residentes em território português e sujeitas a um regime especial de tributação (n.º 3 do art. 32.º do EBF, ao tempo vigente).
No caso vertente, como decorre do probatório, o lote de 10 acções que a Impugnante, ora Recorrente, alienou haviam sido adquiridas a membros do seu conselho de administração e foram por ela detidas por período inferior a 3 anos (cfr alíneas B e C dos factos provados).
Ora, de acordo com a norma para a qual remetia o n.º 3 do art. 32.º do EBF (art. 63.º, n.º 4 do CIRC, correspondente ao art. 58.º, n.º 4, na anterior redacção) as relações especiais que podiam excluir a aplicação do n.º 2 do citado art. 32.º do EBF não se reconduziam unicamente às relações entre pessoas colectivas ou entes equiparáveis, materializando-se também no relacionamento com pessoas singulares, designadamente, entre “uma entidade e os membros dos seus órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes” (al. c) do n.º 4, do art. 63.º do CIRC).
Não beneficiavam, pois, do regime do art. 32.º, n.º 2 do EBF, as mais-valias apuradas pela Impugnante, ora Recorrente, com a venda das 10 acções a que alude a al. C do probatório, não merecendo censura a sentença que assim decidiu».

1.5 Os Conselheiros adjuntos tiveram vista.

1.6 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida fez errado julgamento quando considerou a ora Recorrente não podia beneficiar da isenção de tributação em IRC relativamente às mais-valias resultantes da alienação de acção por ela detidas há mais de um ano, mas há menos de três, porque as tinha adquirido a entidades com que tinha relações especiais, o que passa por indagar se as pessoas singulares integram ou não o conceito de entidades previsto no n.º 3 do art. 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), na redacção aplicável à data.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«A. A Impugnante é uma sociedade gestora de participações sociais (SGPS) - acordo;

B. Em 03.03.2008, a Impugnante adquiriu o total de 20 acções da sociedade B………, S.A. através de dois contractos de compra e venda de acções, pelos quais adquiriu:
- 10 acções, pelo preço de € 10.000, ao Sr. C……….., presidente do conselho de administração da Impugnante; e,
- 10 acções, pelo preço de € 10.000, ao Sr. D……….., vogal do conselho de administração da Impugnante – acordo;

C. Em 17.03.2010, a Impugnante alienou 10 das acções que adquiriu na sociedade B………, S.A., através de escritura realizada no Cartório Notarial do Notário E………., pelo valor total de € 850.000,00 – acordo;

D. Em 22.03.2012, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º 201200885, foi iniciada uma acção de inspecção à Impugnante em sede do IRC, referente ao exercício de 2010, a qual foi concluída em 28.03.2012 – cf. fls. 4 do relatório de inspecção tributária (RIT), que consta de fls. 2 a 10 do PAT, e que se dá por integralmente reproduzido;

E. No seguimento da realização da acção de inspecção referida no ponto D. que antecede, foi elaborado o RIT, no qual, para além do mais, consta o seguinte:

Face ao disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (redacção à data)

2- As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
3- O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou a entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro dos Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e desde que tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos (...).

Nos termos do disposto no mencionado n.º 4 do artigo 63.º (ex artigo 58.º) do Código do IRC:

4- Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nos decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
a) Uma entidade e os titulares do respectivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, directa ou indirectamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;
(…)
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

Face ao exposto, o sujeito passivo deveria ter acrescido a mais-valia fiscal da venda daquelas acções, uma vez que, sendo adquiridas há menos de três anos a entidades com as quais existiam relações especiais, o resultado daquela alienação, não se encontra excluído de tributação em sede de IRC, concorrendo para a formação do lucro tributável da SGPS, nos termos dos artigos 17.º e 20.º n.º 1 alínea h) do Código do IRC. (…)” – cf. fls. 5 e 6 do RIT;

F. Em 01.05.2012, foi emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira a liquidação de IRC n.º 2012 8310002358, referente ao exercício de 2010, com o valor a pagar de € 195.472,00 – cf. documentos de fls. 15 a 17 dos autos em suporte físico, que se dão por integralmente reproduzidos».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Está em causa nos autos a tributação das mais-valias resultantes da venda em 2010 de acções que a ora Recorrente, que é uma sociedade gestora de participações sociais, detinha na sociedade denominada “ B…………, S.A.” e que comprou, em 2008, ao presidente e a um vogal do seu conselho de administração.
Sendo a regra a da não tributação dos ganhos realizados pelas sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) com a alienação de participações sociais, desde que detidas há mais de um ano, este prazo sobe para três anos no caso das participações terem sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais (cfr. art. 32.º, n.ºs 2 e 3, do EBF, na redacção aplicável).
Foi com o fundamento de que no caso concreto o prazo de detenção mínima das participações sociais exigido para a não tributação das mais-valias era de três anos, uma vez que a aquisição das acções foi feita a entidades com as quais a ora Recorrente mantinha relações especiais, que a AT procedeu à liquidação adicional aqui impugnada.
O que se discute nos autos é apenas se as pessoas singulares a quem adquiriu as acções integram ou não o conceito de entidades com relações especiais a que alude o n.º 3 do art. 32.º do EBF, na redacção aplicável.
Na afirmativa, a Impugnante, para beneficiar da não tributação dos ganhos resultantes da venda das acções, deveria tê-las detido por período superior a 3 anos, havendo motivo para a liquidação adicional de IRC ora impugnada; na negativa, um ano de detenção daqueles títulos, que está verificado, será o suficiente para que a Impugnante usufrua do benefício fiscal em causa, motivo por que aquele acto não poderá subsistir na ordem jurídica.

2.2.2 DA INTERPRETAÇÃO DO N.º 3 DO ART. 32.º DO EBF: ALCANCE DA EXPRESSÃO ENTIDADES COM AS QUAIS EXISTAM RELAÇÕES ESPECIAIS AÍ EMPREGUE

Dizia o art. 32.º, n.ºs 2 e 3, do EBF, na redacção aplicável à data ( Que é a que lhe foi dada pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010).):

«2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
3. O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou a entidades com domicílio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e desde que tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número, relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão».

Por sua vez, o referido n.º 4 do art. 58.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), também na redacção aplicável ( Que é a que lhe foi dada pelo n.º 1 do art. 44.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2006).), dizia na parte que ora nos interessa considerar:

«4. Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:
[…]
c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes;
[…]».
De acordo com os referidos preceitos legais, as mais-valias obtidas por SGPS na alienação de participações sociais são tributadas caso tais participações tenham sido adquiridas a entidades com as quais se tem relações especiais, se essas participações forem detidas por um período inferior a três anos.
A tese da Recorrente assenta no entendimento que o n.º 3 do art. 32.º do EBF – que consagra uma excepção à regra prevista no n.º 2 do mesmo artigo, da não tributação das mais-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano –, quando menciona entidades com as quais existam relações especiais, pretende apenas referir-se «a pessoas colectivas sociedades ou entes a ela legalmente equiparáveis» e já não a pessoas singulares.
Em abono dessa sua tese invoca diversas normas da legislação fiscal das quais entende resultar uma distinção clara entre o conceito de pessoas singulares e entidades, concluindo que a unidade do sistema fiscal impõe que «os conceitos utilizados pelo legislador tenham o mesmo sentido e, acima de tudo, o mesmo conteúdo e significado». Invoca também que a teleologia do n.º 3 do art. 32.º do EBF – evitar a «utilização das SGPS com o fim único de diminuir a carga fiscal incidente sobre a transmissão de partes de capital» – não colhe no caso da alienação ser efectuada por pessoas singulares, «pois à data da ocorrência dos factos (entre 2008 e 2010), o regime fiscal aplicável, em sede de IRS, aos ganhos com as transmissões de partes de capital, nomeadamente com acções, era mais favorável que o regime fiscal das SGPS», não sendo «o tipo de operações que o legislador pretendeu penalizar quando criou o artigo 32.º do EBF».
A questão a dirimir, como ficou dito, passa pela interpretação do conceito de “entidades com as quais existam relações especiais” a que alude o n.º 3 do art. 32.º do EBF.
Como bem salientaram o Juiz do Tribunal a quo e o Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, há que ter em conta que aquele mesmo normativo indicou qual o critério para preencher o conceito, afirmando expressamente que aquelas entidades eram as definidas nos termos do n.º 4 do art. 58.º do CIRC. Ora, neste último preceito, depois de se definir relações especiais como sendo as existentes «entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra», considera-se que as mesmas se têm por verificadas, designadamente, quando se trate de relações «[u]ma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes» [alínea c)]. Ou seja, o referido preceito legal, não só não exclui do âmbito do conceito de entidades as pessoas singulares, como expressamente admite que estas possam integrar aquele conceito, designadamente os «membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes».
Perante esta expressa consagração legal de que se devem ter como relações especiais as que se estabeleçam entre uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais ou os familiares destes, podemos concluir, sem necessidade de outros considerandos, que a situação foi bem enquadrada pela AT na previsão do n.º 3 do art. 32.º do EBF, não merecendo censura a sentença que também assim o julgou.
É certo que o termo entidade, que significa «ente; ser; indivíduo» ( Cfr. http://www.priberam.pt/dlpo/entidade.), «aquele ou aquilo que tem existência distinta e independente; ente; ser» ( Cfr. http://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/entidade.), aparece referido em várias normas tributárias – muitas das quais referidas pela Recorrente – em sentido que não se confunde com o de pessoas singulares. Mas não existe nas normas tributárias, nem delas resulta inequívoco um conceito de entidade, e muito menos com o sentido que a Recorrente lhe aponta, de entidades legalmente equiparadas a pessoas colectivas, com exclusão das pessoas singulares. Salvo o devido respeito, o n.º 2 do art. 1.º da Lei Geral Tributária (LGT), que estipula que, para os efeitos previstos nesta lei «consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas», não permite concluir que qualquer lei tributária quando se refira a entidade pretenda significar entidade legalmente equiparada a pessoa colectiva. Na verdade, o referido preceito apenas pretende delimitar o âmbito subjectivo das relações jurídico-tributárias e a «referência […] a pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas é abrangente, embora se deva situar dentro dos valores e da lógica do sistema tributário, excluindo as entidades excluídas pela lei por não referência a elas quando são previstas outras semelhantes. Compreender tais entidades seria aplicar a analogia» ( DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição, anotação 4 ao art. 1.º, pág. 60. ).
Esse conceito (de entidade) também não o conhecemos nem na ordem jurídica em geral nem em qualquer ramo do direito em especial, que permita sustentar a sua interpretação com esse sentido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 11.º da LGT, disposição legal que dispõe que «[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».
Ora, não fornecendo a lei geral qualquer noção de entidade, o mais razoável é que quando a lei fiscal utiliza o conceito, e na ausência de determinação em contrário, nele se englobem quer pessoas singulares, quer pessoas colectivas, quer outras entidades equiparadas a estas últimas.
Note-se que a letra da lei, não constituindo o único, nem sequer o mais importante elemento a considerar na tarefa hermenêutica, é o que constitui o seu ponto de partida e «[c]omo tal cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei» ( J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182. O mesmo Autor, na pág. 189, explicita: «A letra (o enunciado linguístico) é, assim o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, n.º 2: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter de proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação».), como resulta do disposto no n.º 2 do art. 9.º do Código Civil.
Ou seja, ainda que o n.º 3 do art. 32.º do EBF não fornecesse, como fornece, por remissão para o n.º 4 do art. 58.º do CIRC, a chave para descodificar o que deve entender-se por “entidades com as quais existam relações especiais”, impunha-se que na interpretação desta expressão se respeitassem as regras e princípios gerais de interpretação das normas jurídicas, como decorre do n.º 1 do art. 11.º da LGT.
Por outro lado, a teleologia do n.º 3 do art. 32.º do EBF também não fornece elemento algum em sentido diverso.
Argumenta o Recorrente que a norma decorrente dos n.ºs 2 e 3 do art. 32.º do EBF «tem o carácter e a natureza de uma verdadeira norma anti-abuso, com o objectivo de evitar a utilização fraudulenta por parte de uma determinada entidade (SGPS), para aproveitar o regime especial de isenção de mais-valias na alienação de partes sociais», «[i]mpondo limites, sobretudo, a que entidades que estejam em situação de relações especiais com essa SGPS, visando impedir a sua utilização de uma forma abusiva e com fins meramente de redução ou diminuição da carga fiscal que lhes seria aplicável numa determinada operação». E daí retira a conclusão de que, atento o regime fiscal em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares em vigor à data, a considerar-se que o conceito de entidade incluiria «as pessoas singulares», o que não concede, então a «utilização da SGPS foi, de um ponto de vista fiscal, altamente penalizadora», o que tudo «contribui para reforçar o entendimento […] de que a regra estabelecida no n.º 3 do art. 32.º do EBF apenas era aplicável quando a aquisição pela SGPS tenha sido feita a uma pessoa colectiva que com ela tivesse relações especiais».
É certo que são considerações e preocupações relacionadas com a prevenção da fuga aos impostos que justificam que o n.º 3 do art. 32.º do EBF excepcione a exclusão da tributação consagrada no n.º 2 do mesmo artigo. Mas, salvo o devido respeito, a Recorrente, ao colocar a tónica na tributação dos alienantes das participações sociais, despreza aquela que nos parece ser uma das finalidades da norma, qual seja a de obviar a que as SGPS, através da aquisição de partes de capital a entidades com ela relacionadas e ulterior alienação (num período inferior a três anos) consigam diminuir artificialmente o respectivo lucro tributável. Não cumpre sequer averiguar se no caso concreto houve ou não existiu uma vantagem fiscal abusiva, uma vez que o legislador optou por não relevar a existência dessa vantagem como requisito para o funcionamento da excepção prevista no n.º 3 do art. 32.º do EBF.
Ora, esse desígnio prosseguido pela norma não depende da natureza da entidade de quem a SGPS adquiriu as participações sociais – tanto dando que se trate de pessoa singular, colectiva ou entidade equiparada a esta –, mas antes da existência de relações especiais entre ambas.
Assim, também o elemento racional ou teleológico não pode, a nosso ver, ser convocado a favor da tese da Recorrente.
Face ao exposto, o recurso não merece provimento, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Como resulta do art. 11.º da LGT, na interpretação da lei fiscal devem seguir-se as regras da hermenêutica jurídica prescritas no art. 9.º do Código Civil.
II - Não há motivo algum para excluir as pessoas singulares do conceito de entidades com as quais existam relações especiais a que alude o n.º 3 do art. 32.º do EBF (na redacção aplicável), tanto mais que, para o preenchimento do conceito, a norma remete para o n.º 4 do art. 58.º do CIRC (na redacção aplicável), no qual, depois de dizer que «[c]onsidera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra», inclui no rol exemplificativo das situações que integram as relações especiais, as relações entre «[u]ma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direcção, gerência ou fiscalização, e respectivos cônjuges, ascendentes e descendentes» [alínea c)].

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3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 13 de Julho de 2016. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Casimiro Gonçalves.