Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0998/17
Data do Acordão:07/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:CÁLCULO DA PENSÃO
APOSENTAÇÃO
MACAU
Sumário: Tendo o A. prestado serviço na Administração portuguesa e na Administração do território de Macau, e tendo feito descontos para a CGA e para o FPM, o cálculo da sua pensão deverá ser feito por cada uma destas entidades em função dos descontos efectuados para cada uma delas e de acordo com a legislação aplicável, designadamente do DL n.º 357/93, de 14.10, do DL n.º 14/94/M, de 23.02 e do DL n.º 87/89/M, de 21.12.
Nº Convencional:JSTA00070793
Nº do Documento:SA1201807120998
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Recorrido 1:A......
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:APOSENTAÇÃO
Área Temática 2:DESCONTOS
Legislação Nacional:DL N.º 357/93, DE 14/10, DL N.º 14/94/M, DE 23/02 E DL N.º 87/89/M, DE 21/12
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório
1. Caixa Geral de Aposentações (CGA), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 01.06.17, que decidiu “negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida”.
Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAF do Almada, de 16.03.15, a qual, para o que mais interessa, assim decidiu:
Face, ao exposto, tudo visto e ponderado:
I. Julgo procedente o pedido de execução, declaro a nulidade dos atos praticados pela Executada e condeno-a a praticar todos os atos necessários, à execução da sentença proferida na acção administrativa especial nº 274/06.3 BEALM-A, incluído, o da fixação do valor da pensão do Exequente, com expressa explicitação de todos os cálculos efetuados.
(…)”.
No mencionado aresto, de 12.03.10, prolatado em sede de acção declarativa, decidiu-se do seguinte modo:
Face, ao exposto, tudo visto e ponderado:
I. Julgo parcialmente procedente, por provada a presente acção e condeno o R. a fixar a pensão ao A. considerando para o seu cálculo a contagem de todo o tempo de serviço com descontos para a CGA, devendo pagar o diferencial desde 2003-07-29, acrescido de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento.
(…)”.
Esta última decisão nunca foi apreciada quanto ao seu mérito, uma vez que o recurso para o TCAS não foi aceite, pois o meio adequado teria sido a reclamação, dado estar em causa uma decisão individual de juiz de 1.ª instância.
2. Inconformada com a decisão de TAF de Almada de 01.06.17, a executada CGA recorreu para o TCAS, o qual, delimitou deste modo as questões a apreciar e decidir:
As questões suscitadas pela RECORRENTE, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de facto ao dar como provado a matéria vertida na alínea E) do probatório e ao não ter consignado na matéria de facto assente o facto referido pela ora recorrente e constante na contestação como doc. n.º 9 e que reflecte a liquidação dos juros de mora calculados desde 29.07.2003 até 28.11.2014;
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito na aplicação do direito ao ter entendido que a Administração não cumpriu o dever de executar a sentença proferida na acção administrativa especial nº 274/06.3 BEALM, que dá título à presente execução”.
Quanto à primeira questão, do alegado erro de julgamento de facto, deu razão à recorrente, e, desta forma, determinou:
i) Relativamente à alínea E) do probatório, onde antes constava “E - Por despacho de 2014-06-20 foi atribuída ao A. uma nova pensão no valor de € 500,16 à data de 2003-07-29”, passará a constar “E - Por despacho de 2014-06-20, exarado no parecer emitido pelos serviços da CGA-AAC-6, foi atribuída ao A. uma pensão mensal no valor de € 500,16, com efeitos reportados a 2003-07-29 – cfr. Doc. 5, fls. 135 e Doc. 1, fls. 197 a 198 e fls. 178 e 179”.
ii) É acrescentada uma alínea G) ao probatório, com o seguinte teor: “G - Em Novembro de 2014 a CGA pagou ao Autor a quantia de € 17.880,71 – por admissão, a fls. 195 dos autos”.
Quanto à segunda questão, o TCAS, tal como foi já referido, por acórdão de 01.06.17, decidiu “negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida”.
Foi deste acórdão do TCAS, na parte em que decaiu, que a ora executada recorre.
2. A A., ora recorrente, apresentou alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. fls. 357 a 359):
“ 1.ª Verificam-se, no caso, os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista para o STA, nos termos do disposto no art.º 150.º do CPTA, já que, como melhor exposto supra em Alegações, estamos em face de uma matéria complexa, com um enquadramento normativo especialmente intricado, sendo importante a intervenção do STA para a boa administração da justiça, por estar em causa a apreciação de uma relevante questão de caráter previdencial que carece de uma melhor aplicação do direito.
2.ª Acresce que o pedido do Recorrido, de quase meio milhão de euros (para além dos valores futuros), constitui um encargo de elevado valor, absolutamente desproporcional por não tem qualquer correspondência com os descontos efetuados para a CGA.
3.ª Em execução da Sentença proferida em 2010-03-12 pelo TAF de Almada (a que se refere a alínea B) dos Factos Assentes) a CGA fixou ao Exequente uma pensão considerando para o seu cálculo todo o tempo de serviço com descontos para a CGA, com efeitos reportados a 2003-07-29 e pagando os juros de mora (alíneas E) e G) da Matéria Assente, na redação que lhe foi dada no acórdão recorrido).
4.ª Não obstante, consideraram as instâncias recorridas que, para além da fixação ao interessado de uma pensão com base em todo o tempo de serviço com descontos para a CGA, a execução incluirá ainda a consideração de tempo de serviço e contribuições realizadas pelo exequente para o Fundo de Pensões de Macau, baseada numa decisão judicial decisão proferida em 1999-12-03 pelo Tribunal Superior de Justiça de Macau, dirigida ao Fundo de Pensões de Macau, na qual a Caixa não foi parte.
5.ª Mais decidindo impor à CGA "...o dever de ser explicitados todos os cálculos realizados que servem de base ao apuramento do valor da pensão mensal afixar ao RECORRIDO e com efeitos reportados a 29.07.2003".
6.ª Não se compreende como se possa – ao mesmo tempo – impor à aqui Recorrente que fixe uma pensão com base em todos os descontos efetuados para a CGA e ainda que explicite cálculos decorrentes da aplicação de um sistema previdencial cujos descontos não foram efetuados para a CGA, e absolutamente alheio a esta.
7.ª A matéria de facto considerada assente na decisão recorrida, designadamente a constante nas alíneas E) e G), demonstra que a decisão judicial proferida pelo TAF de Almada (a que se refere a alínea B) dos Factos Assentes), encontra-se integralmente cumprida.
8.ª Pois segundo resulta de E) dos Factos Assentes: «Por despacho da Direção da CGA de 2014-06-20, exarado no parecer emitido pelos serviços da CGA – AAC-6, foi atribuída ao Autor uma pensão mensal no valor de € 500,19, com efeitos reportados a 2003-07-29.», sendo que, como mais detalhadamente se explica no 2.° parágrafo de pág. 8 do Acórdão recorrido, esse despacho de 2014-06-20 foi proferido sobre uma informação elaborada pelo Gabinete Jurídico da CGA segundo a qual a pensão ao A. é fixada em função de "...todo o tempo de serviço com descontos para a CGA. (...) desde 2003-07-29, acrescido de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento. ".
9.ª Por outro lado, e como também se transcreve na mesma pág. 8 do Acórdão recorrido, o mesmo despacho de 2014-06-20 explicita que a pensão atribuída "será acumulável com a que se encontra presentemente a ser auferida pelo identificado utente, fixado pelo Fundo de Pensões de Macau no contexto do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro"..."
10.ª Sendo que, tal como resulta de G) dos Factos Assentes, a CGA pagou ao Autor a quantia de € 17.880,71, valor que, tal como a CGA provou documentalmente – através do Doc.º 9 que juntou aos autos – refere-se aos juros de mora calculados desde 2003-07-29.
11.ª Ou seja, a decisão exequenda tem de considerar-se integralmente cumprida, na medida em que a CGA fixou ao Exequente uma pensão com base em todo o tempo de serviço com descontos para a CGA, com efeitos reportados a 2003-07-29 e pagando os juros de mora.
12.ª Pois, para além do considerado não existe outro tempo com descontos para a CGA.
13.ª Mas as instâncias recorridas consideram que a execução incluirá ainda a consideração de tempo de serviço e contribuições realizadas pelo exequente para o Fundo de Pensões de Macau, baseada numa decisão judicial proferida em 1999-12-03 pelo Tribunal Superior de Justiça de Macau, dirigida ao Fundo de Pensões de Macau, na qual a Caixa não foi parte.
14.ª Na prática, pretende-se, ainda, que a CGA calcule uma pensão com base em regras legais próprias de um Fundo de Pensões, estranho ao seu regime previdencial e relativamente ao qual não houve descontos para a CGA.
15.ª Mas as instâncias recorridas não desconhecem que a pensão fixada pela CGA com base em todo o tempo de descontos para a CGA: é ainda "...acumulável com a que se encontra presentemente a ser auferida pelo identificado utente, fixado pelo Fundo de Pensões de Macau no contexto do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro"..." (cfr. 2.º parágrafo de pág. 8 do Acórdão recorrido), e que essa mesma pensão, estava há muito fixada pelo Fundo de Pensões de Macau (circunstância que – note-se – deu origem à decisão de 1999-12-03 do Tribunal Superior de Justiça de Macau).
16.ª Nem que, nos termos do Decreto-Lei n.º 353/93 apenas foi transferida a responsabilidade pelo seu pagamento para a CGA (cfr. art.º 10.º daquele diploma), por força da passagem da administração daquele território para a República Popular da China.
17.ª Pelo que não podiam as instâncias recorridas ir para além do decidido que, insiste-se, condenou ao cálculo de uma pensão com base em todo o tempo de descontos para a CGA.
18.ª Até porque nenhuma das instâncias alguma vez ponderou o facto de não existirem descontos para a CGA referentes ao aludido tempo de Macau nem a circunstância desse tempo de Macau ter já sido objeto da fixação de uma pensão (pelo território de Macau, cujo pagamento foi posteriormente transferido para a CGA).
19.ª São, aliás, omissas quanto ao regime legal e à fórmula de cálculo a observar no cálculo de uma pensão que inclua o tempo de Macau. Isto é, não explicam como relevar o tempo de descontos para o Fundo de Pensões de Macau no regime da CGA, qual a taxa de formação da pensão e quais as remunerações que devem sobre ela incidir, mas, paradoxalmente, impõem à CGA "...o dever de ser explicitados todos os cálculos realizados...".
20.ª Como bem assinala o Parecer subscrito em 2010-06-15 pelo Dig.mo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Central Administrativo Sul (que a CGA juntou à Contestação como Doc. n.º 2) "...a decisão de 3 de Dezembro de 1999 vertida no Acórdão do Tribunal Superior de Justiça de Macau não põe em causa este entendimento já que se dirigia ao Fundo de Pensões de Macau não sendo de aplicação directa à CGA, sendo certo que, ali, se não analisa toda a legislação pertinente para a decisão do caso em sede da acção da CGA".
21.ª Em suma, tal como resulta provado, designadamente a constante nas alíneas E) e G) da matéria de facto assente, em 2014-06-20 a CGA deu cumprimento à decisão exequenda, atribuindo ao Exequente uma pensão de aposentação com base em todos os descontos que efetuou para a CGA, sendo certo que o Recorrido não tem outros descontos para a CGA para além dos considerados na pensão calculada em execução do decidido.
22.ª Outro entendimento equivale à violação do disposto nos artigos 28.º, 33.º, 40.º e art.º 51.º e ss do Estatuto da Aposentação, do art.º 5.º da Lei n.º 60/2005, de 29/12, do art.º 10.º do DL n.º 357/93, de 14/10, do art.º 173.º do CPTA e do art.º 580.º do CPC, (ex vi art.º 1.º do CPTA).
23.ª Não se compreende, finalmente, qual o alcance da asserção vertida no 2.º parágrafo de pág. 15 do Acórdão recorrido, pois, na verdade, nunca o TCA (com exceção do Parecer subscrito em 2010-06-15 pelo Dig.mo Magistrado do Ministério Público, que a CGA juntou à Contestação como Doc. n.º 2), o STA ou o Tribunal Constitucional alguma vez apreciaram a matéria em litígio ou proferiram decisão judicial sobre aquela, limitando-se a apreciar, apenas, a questão da aplicação do tristemente célebre art.º 27.º. n.º 1, al. i) do CPTA, hoje felizmente erradicado do processo administrativo.
24.ª Sendo que a decisão em execução é a decisão proferida por juiz singular em primeira instância, cujo recurso não foi admitido à CGA com base no mencionado preceito do CPTA.
Nestes termos e com o douto suprimento de V.ª Ex.ªs deve o presente recurso jurisdicional ser julgado procedente, declarando-se que a CGA deu integral execução à decisão em que foi condenada, com as legais consequências”.
3. O recorrido A………… produziu contra-alegações, sem, contudo, apresentar um quadro conclusivo.
4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 11.10.17 (fls. 394 a 396 ), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:
“3.2. O presente litígio emerge das seguintes ocorrências processuais:
- O ora recorrido intentou uma acção administrativa especial visando o reconhecimento do direito à pensão de reforma “em substituição do acto que decidiu o não cumprimento do acórdão de 1999-12-03” do Tribunal Superior de Justiça de Macau e a consequente condenação da CGA ao pagamento da quantia de € 357.235,32.”
- Naquele processo (274/06.3BEALM) foi proferida sentença nos seguintes termos: “Julgo parcialmente procedente, por provada, a presente acção e condeno o R. a fixar a pensão ao A. considerando para seu cálculo a contagem de todo o tempo de serviço com descontos da CGA, devendo pagar o diferencial desde 2003-07-29, acrescido de juros à taxa legal até efectivo pagamento”.
- Em cumprimento dessa sentença a Executada/recorrente, proferiu despacho datado de 20-06-2014, atribuindo à autora uma pensão no valor de € 500,19 e creditou na conta bancária do Exequente/recorrido o valor global de € 65.078,97.
- O ora recorrido (então autor) considerando que o despacho exarado em 20-6-2014 e pagamento da referida quantia não davam integral cumprimento à sentença intentou a presente acção executiva.
- A primeira instância julgou a acção procedente, declarou a nulidade dos actos praticados pela executada e condenou-a a “praticar todos os actos necessários, à execução de sentença proferida na acção administrativa especial n.º 274/06.03BEALM, incluindo, o de fixação do valor da pensão do Exequente, com expressa explicitação de todos os cálculos”.
- No recurso para o TCA Sul a CGA sustentou ter dado integralmente cumprimento ao julgado visto que “a CGA não tem competência para alterar a pensão que o Fundo de Pensões de Macau já paga ao Exequente, nem a sentença proferida no processo principal elucida o “quanto ao regime e à formula de cálculo a ser observada pela CGA”.
- O TCA Sul por entender que a sentença da primeira instância não incorreu em erro de julgamento negou provimento ao recurso, e daí a presente revista.
3.3. O presente caso reveste contornos muito particulares que o tornam especialmente complexo. Com efeito, o autor não logrou ver o acórdão do Tribunal Superior de Macau de 23-12-1999, ser executado, devido à alteração do Estatuto político de Macau, decorrente da transferência de poderes para a República Popular da China em 20 de Dezembro de 1999. O referido acórdão tinha reconhecido que o montante da pensão do autor não deveria ser calculado apenas em função do tempo de serviço prestado em Macau (4 anos) quando o mesmo havia prestado 28 anos de serviço e ordenou a fixação da pensão e o cálculo do seu montante por todo o tempo de serviço.
A sentença exequenda determinou que a pensão do autor tivesse em conta todo o tempo de serviço prestado com descontos para a CGA foi interpretada pelo TCA Norte como significando que o autor/exequente tem direito a que a CGA lhe fixe uma pensão mensal global. A CGA sustenta que este entendimento está a ir para além do caso julgado, dado que a decisão exequenda a condenou a calcular a pensão com base em todo o tempo de serviço com descontos para a CGA e a pensão que calculou teve como base todos os descontos efectuados para a CGA.
A nosso ver deve ser admitida a revista, desde logo, por não ser muito claro o sentido da decisão exequenda e também não resulta muito clara a justificação da CGA relativamente ao montante a que chegou para calcular a pensão e em que termos existe, como alega, uma pensão cumulável, fixada pelo Fundo de Pensões de Macau (fls. 4 das suas alegações).
Acresce que a pretensão do autor, como refere a recorrente, é de valor elevado aproximando-se de meio milhão de euros.
Tudo ponderado e com vista a uma melhor aplicação do direito, justifica-se admitir a presente revista de modo a que a obrigação da CGA neste caso seja claramente delimitada e, desse modo, haver a certeza de que o julgado anulatório foi ou não integralmente cumprido”.
5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer que, em síntese, assim entendeu: “Assim, ao atribuir ao autor uma pensão com base nos 24 anos de descontos efectuados para a CGA, esta entidade executou a sentença condenatória, pelo que deverá conceder-se provimento ao recurso de revista, nesta parte, mantendo-se a parte referente à obrigação desta de informar o recorrido detalhadamente, das operações que efectuou para achar o montante em que fixou a pensão mensal daquele bem como os juros de mora em dívida” (cfr. fls. 403 a 406).

Esta pronúncia, objecto de contraditório, mereceu a resposta resposta discordante do aqui recorrido (fls. 409 a 414).
6. Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:
O acórdão recorrido manteve a generalidade dos factos provados em 1.ª instância, alterou o facto dado como provado na alínea E) e acrescentou uma alínea G), modificações que aqui damos por reproduzidos e que serão mencionados adiante.

2. De direito:
2.1. Cumpre apreciar a questão suscitada pela ora recorrente CGA – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, qual seja, a de saber se se pode considerar que, com os actos de cálculo e fixação do montante de pensão que praticou e que foram impugnados, foi ou não integralmente executada a decisão do TAF de Almada de 12.03.10.
Vejamos.
A decisão do TAF de Almada de 12.03.10, proferida no âmbito da acção declarativa, não é totalmente clara quanto ao seu alcance, tal como, aliás, não é muito claro o raciocínio que levou a essa mesma decisão, designadamente quanto ao tratamento que deu à questão da execução da decisão do Superior Tribunal de Macau de 1999, não dando relevância ao despacho de execução de sentença proferido pelo Secretário da Economia e Finanças da RAEM – que, segundo se diz na mencionada decisão, veio remeter novamente, pelas razões aí expostas, para o primeiro despacho que entretanto fora invalidado pelo Superior Tribunal de Macau – e às decisões do Tribunal de Segunda Instância e do Tribunal de Última Instância de Macau, posteriores à transição da administração do território de Macau para a República Popular da China, que apreciaram e julgaram o pedido de impugnação do mencionado despacho.
Não obstante, não cabe no âmbito da acção de execução de sentença questionar a bondade da decisão de 1.ª instância prolatada em sede acção declarativa. Pelo que apenas nos poderemos pronunciar sobre saber se essa decisão foi ou não integralmente executada pela CGA, o que se fará seguidamente.
Para melhor compreender se a decisão do TAF de Almada prolatada em sede de acção declarativa foi ou não executada, é conveniente relembrar o seu teor:

“I. Julgo parcialmente procedente, por provada a presente acção e condeno o R. a fixar a pensão ao A. considerando para o seu cálculo a contagem de todo o tempo de serviço com descontos para a CGA, devendo pagar o diferencial desde 2003-07-29, acrescido de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento”.
Esta decisão, que, como afirmámos supra, não é totalmente clara, deverá ser lida à luz do que se compreende do raciocínio que a antecedeu. E, em breves palavras, o que se depreende da sentença de 12.03.10 é o seguinte:
i) aí se entende que o acórdão do Superior Tribunal de Macau de 1999 não foi devidamente executada porque foi executado após a transição! (“Acontece que a execução do Acórdão supra, ocorreu depois da transição da administração do território de Macau para a República Popular da China” e “Assim, o que deve ser apreciado e decidido é se, um cidadão nacional, ao qual foi reconhecido um direito pelas instâncias jurisdicionais de Macau em sede declarativa, direito que não foi devidamente executado, por tal ter ocorrido no período de transição de soberania e, por superveniente alteração do estatuto político de Macau, deve ou não merecer tutela”);
ii) ademais, baseia-se na suposição de que “se o Acórdão tivesse sido executado, antes da transferência de poderes de Macau para a República Popular da China, a pensão de aposentação do A. teria sido fixada pelo Fundo de Pensões de Macau e, já com o seu montante actualizado, teria sido transferida para a Caixa Geral de Aposentações”;
iii) mais ainda, admite-se “as autoridades portuguesas não estão vinculadas ao cumprimento ao Acórdão do Superior Tribunal de Justiça de Macau, tal não exclui que a situação do A. seja objecto de tutela jurídica”;
iv) mediante a convocação genérica de uma série de princípios constitucionais e administrativos, conclui que “importa reconhecer o direito à fixação da pensão mensal global conforme decorre do Acórdão do Superior Tribunal de Justiça de Macau, o que porém, apenas deve ser considerado, desde 2003-07-29, apelando à normatividade do mesmo princípio [princípio da justiça], por constituir a data do registo na CGA do requerimento subscrito pelo ora A.”.
Cumpre, deste modo, analisar o Acórdão do Superior Tribunal de Justiça de Macau de 1999 (o qual consta do ponto E da matéria de facto da sentença do TAF de Almada de 16.03.15):
“(…)
Quer isto tudo dizer que, conforme é também entendimento já expresso pela CGA, no seu fax de 12.7.96 (…), o que se afigura correcto e legal é que a pensão de aposentação do recorrente tem que ser fixada globalmente pela Administração de Macau, tendo em conta todo o tempo de serviço prestado em serviço público de Portugal ou da antiga Administração Ultramarina e relativamente ao qual tenham sido efectuados os respectivos descontos, nele se incluindo o tempo de serviço prestado pelo recorrente no quadro próprio de Macau, tudo de acordo com a lei vigente sobre a matéria neste território, após o que será operada a necessária divisão de encargos entre a CGA e FPM. Termos em que, ocorrendo violação de lei, se concede provimento ao recurso e se anula o acto recorrido” (negrito nosso).
Da leitura deste aresto pode extrair-se que o FDM deveria fixar a pensão global, deveria fazê-lo “de acordo com a lei vigente sobre a matéria neste território”, e, em função disso, deveria operar a “necessária divisão de encargos entre a CGA e FPM”.
Sucede que a legislação do território, lida conjugadamente, determinava que, para efeitos do requerimento de aposentação antecipada prevista no n.º 2 do artigo 9.º do DL n.º 357/93, de 14.10 deveria ser contabilizado todo o tempo de serviço, portanto, de 1970 a 1995 (rectius, os 28 anos que foram contabilizados), mas, para o cálculo da pensão, apenas se contabilizariam os quatro anos de serviço prestados após a integração nos quadros de pessoal da Administração de Macau, altura em que o ora exequente passou a estar inscrito no Fundo de Pensões de Macau (FPM)
Com efeito, o ora exequente não preenchia o segundo dos pressupostos previstos no artigo 20.º (Salvaguarda de direitos) do DL n.º 87/89/M, de 21.12 (Estatuto dos Trabalhadores da AP de Macau) – “4. O tempo de serviço prestado em serviço público de Portugal ou da antiga administração ultramarina é contado para efeitos de aposentação, pensão de sobrevivência e antiguidade, desde que o trabalhador se encontrasse a exercer funções em 1 de Janeiro de 1986. 5. A manutenção dos direitos previstos neste artigo pressupõe a inscrição no Fundo de Pensões à data da entrada em vigor do presente diploma e a satisfação dos correspondentes encargos”. Pressuposto esse que veio, aliás, a ser reafirmado pelo artigo 1.º do DL n.º 43/94/M, de 15.08 (o qual, na sequência do DL n.º 357/93, de 14.10, e do DL n.º 14/94/M, de 23.02, veio consagrar medidas que permitem acolher no ordenamento jurídico de Macau soluções mais justas e coerentes relativamente ao processo de transição, dando-se também resposta oportuna a determinadas questões que careciam de clarificação no âmbito do regime jurídico da função pública”) – “1. É contado para o efeito de ser completado o tempo necessário para o reconhecimento das opções previstas nos artigos 3.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 14/94/M, de 23 de Fevereiro, por acréscimo ao tempo de subscritor do Fundo de Pensões de Macau (FPM), o tempo de serviço prestado em serviço público de Portugal ou da antiga Administração Ultramarina, relativamente ao qual tenham sido efectuados os respectivos descontos. 2. O tempo de serviço prestado nos termos referidos no número anterior não influi no cálculo do valor da pensão de aposentação, salvo no caso do pessoal que, sendo subscritor do FPM, já se encontrava a exercer funções no Território em 1 de Janeiro de 1986, nem no cálculo do valor da compensação pecuniária. 3. O disposto no presente artigo aplica-se ao pessoal que, nos termos do Decreto-Lei n.º 357/93, de 14 de Outubro, reúna condições de integração nos serviços da República Portuguesa”.

Que retirar de tudo isto?
À luz da “lei vigente sobre a matéria neste território”, o encargo pelo pagamento da pensão de aposentação do ora exequente deveria ser dividido pelo FPM (pelos quatro anos de serviço prestado quando já integrado nos quadros da Administração de Macau) e pela CGA (pelos 24 anos de serviço prestados em Portugal e em Angola), devendo cada uma destas entidades calcular a parte da pensão que lhe cabia pagar em função da legislação pertinente. Ora, de acordo com o regime da CGA então vigente, o ora exequente ainda não tinha os 36 anos exigidos para a reforma. Assim sendo, o FPM, ao ser obrigado pela decisão do Superior Tribunal de Justiça de Macau de 1999 a fixar uma pensão global, mais não podia do que, novamente, dar conta, apenas, do valor que correspondia ao seu encargo, não podendo responder pelo encargo da CGA, designadamente, não podendo substituir-se a ela e calcular um valor de uma pensão que ainda não era legalmente devida à luz da legislação portuguesa. Talvez por isso o despacho de execução do acórdão Superior Tribunal de Justiça de Macau de 1999 tenha remetido implicitamente para o método de cálculo que serviu de base ao cálculo da pensão fixada no primeiro despacho, que foi impugnado pelo ora exequente. Talvez por isso, tendo o segundo despacho sido impugnado nas instâncias judiciais da Região Autónoma Especial de Macau (RAEM), não tenha sido dada razão ao ora exequente. Seja como for, parece-nos que esta leitura que fazemos do regime jurídico aplicável ao caso dos autos não destoa do teor da decisão proferida pelo TAF de Almada de 12.03.10. Assim:
i) mal ou bem – não se discute – a CGA deve fixar ( fixar e não calcular) uma pensão global;
ii) deve contabilizar, nessa fixação, todos os descontos para a CGA (ou seja, os 24 anos correspondentes ao serviço prestado em Portugal e Angola);
iii) deve mencionar o valor global que resulta da soma do valor da pensão calculada e fixada pelo FPM com o valor da pensão a calcular e fixar pela CGA, de acordo com os respectivos encargos.
iv) só lhe cabendo, no entanto, e como é lógico, pagar o diferencial (igual à subtração ao valor global da pensão do valor da pensão paga pelo FPM), desde 29.07.03 (por coincidência, quando já perfazia, ou se aproximava dos 36 anos de serviço), acrescidos de juros de mora à taxa legal até efectivo e integral pagamento;
v) afigura-se igualmente óbvio que os 4 anos de serviços prestados após a integração nos quadros da Administração de Macau e da consequente inscrição no FPM, em relação aos quais o ora exequente já beneficia de uma pensão, não poderão ser contabilizados pela CGA, porque, não só isso implicaria que fossem contabilizados para efeitos de cálculo de duas distintas pensões, como, nesses anos, o ora exequente descontou para o FPM e não para a CGA.
Esta leitura, diga-se ainda, vai ao encontro do entendimento que consta do Parecer da Provedoria da Justiça relativo ao regime jurídico que decorre dos vários diplomas que estão em causa nos presentes autos (http://www.provedor-jus.pt/?action=5&idc=68&idi=3521).
Reportemo-nos, agora, ao caso concreto. A CGA não fixou de forma global a pensão do ora exequente, pelo que deverá fazê-lo, pois só assim estará a cumprir integralmente a sentença do TAF de Almada de 16.03.15. Embora não esteja exigido de forma expressa na sentença declarativa, deverá ainda explicitar como se alcança o montante global a fixar, cabendo aí ter em conta que o ora exequente já recebe uma pensão cujo encargo, segundo o disposto no artigo 60.º, n.º 2, al. d) do Estatuto Orgânico de Macau (EOM), era/é da Região Administrativa Especial de Macau - RAEM (que, nos termos da lei – arts. 13.º, 14.º e 15.º do DL n.º 14/94/M, de 23.02 –, transfere as respectivas quantias), mas cuja responsabilidade pelo pagamento é da CGA (veja-se o articulado 17.º do requerimento executório relativo à acção de execução: “Macau paga a pensão que foi fixada, desde 7 de Novembro de 1995, relativa ao trabalho prestado no seu território, mas em Portugal o autor, não recebe pensão de 28 anos se serviço”). Por razões óbvias, não compete à CGA calcular o valor da pensão fixada pelo FPM, porque se trata de encargo desta última entidade, cabendo-lhe a ela esse cálculo de acordo com a aplicação de respectiva legislação. Acresce que, o que também resulta óbvio, deverá a CGA ter o cuidado de não contar duas vezes o mesmo tempo de serviço para efeitos de cálculo de pensão. Se o exequente tem 28 anos de descontos, 4 deles para o FPM, pelos quais recebe uma pensão, ao calcular a pensão devida para efeitos de fixação global, não poderão ser contabilizados 32 anos (28+4), como parece pretender o exequente, mas apenas os 28 (24+4), sendo que apenas os primeiros 24 podem servir para o cálculo da pensão devida pela CGA – não se compreendendo, ademais, a alegação do exequente, a fls. 194, de que fez mais de 40 anos de descontos para a CGA! Em todo o caso, sublinha-se, deverá ser referido o montante da pensão a cargo da RAEM que já está a ser auferida pelo exequente. Deverá também a CGA explicitar a menção na Informação que consta do doc. n.º 8 junto aos autos, caso se afigure necessário, ao Turismo de Portugal, IP.
2.2. Em face de todo o exposto, deve considerar-se improcedente o presente recurso, pois a CGA, ao não fixar de forma global a pensão do ora exequente, não deu integral execução ao decidido pelo TAF de Almada pela sua sentença de 12.03.10.
A decisão do TAF de Almada de 16.03.15 (“I. Julgo procedente o pedido de execução, declaro a nulidade dos atos praticados pela Executada e condeno-a a praticar todos os atos necessários, à execução da sentença proferida na acção administrativa especial nº 274/06.3 BEALM-A, incluído, o da fixação do valor da pensão do Exequente, com expressa explicitação de todos os cálculos efetuados”) deverá ser lida e interpretada à luz de tudo quanto dito supra.
III – Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em negar provimento ao recurso, e, em consequência, manter o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Julho de 2018. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Alberto Acácio de Sá Costa Reis – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.