Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0311/13
Data do Acordão:09/11/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
RECURSO DE REVISTA
PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - O recurso de revista consagrado no artigo 150º do CPTA tem natureza absolutamente excecional, sendo apenas admissível nos precisos e estritos termos em que o legislador o consagrou, ou seja apenas deve ser admitido para viabilizar a reapreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo de questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
II- Deste modo, não é de admitir a requerida revista quando, como no caso dos autos, os Requerentes não demonstraram, como lhes competia, a verificação daqueles requisitos, como estes se não verificam ocorrer, já que a reiterada discordância com o sentido da decisão, por si só, embora suscetível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para este efeito jurídico processual manifestamente ineficaz.
Nº Convencional:JSTA000P16147
Nº do Documento:SA2201309110311
Data de Entrada:02/25/2013
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. “A…………, S.A.”, com os demais sinais dos autos, vem ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA recorrer do Acórdão TCA Sul de 26 de junho de 2012, que negou provimento ao recurso por si interposto da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente a ação administrativa especial deduzida contra o despacho do subdiretor Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo de 04.01.2007 que por sua vez ordenou o pagamento do beneficio fiscal não recebido, no montante de € 9.825.938, 72, acrescido de juros de mora legalmente devidos apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

Iª)- Quanto às questões de saber se foi violado o princípio constitucional e legal da legalidade tributária em matéria de benefícios fiscais, em virtude de na lei e no ato de reconhecimento não se estabeleceram limites quantitativos que foram estabelecidos arbitrariamente pela administração com base numa mera orientação da autoridade aduaneira formada a partir de uma opinião veiculada por um funcionário da comunidade europeia, pelo que padece de incompetência o despacho impugnado de 4 de janeiro proferido pelo subdiretor-geral das alfândegas e dos impostos especiais sobre o consumo por ter derrogado direitos carecendo de competência derrogatória dos atos dos membros do Governo nem de órgão hierarquicamente inferior - artº 138°, 140º, 142° e 143° do CPA; se o princípio do “pedido”, como fundamento capital do acórdão recorrido para afirmar a existência de um limite quantitativo é admissível ou pode operar em matéria de benefícios fiscais (isenção) e se o dito despacho viola as regras sobre aplicação da lei no tempo ao fundar-se em norma que só entrou em vigor em 2007 (o artigo 71.º-A do CIEC na redação que lhe foi dada pela lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de dezembro), quando deveria ter sido proferido ao abrigo de artigo 71.º-A na redação dada pelo Dec. Lei n.º 66/2006, atribuindo efeitos retroativos a norma posterior para regular para situações jurídicas já constituídas, de benefícios fiscais regularmente reconhecidos, em violação do artigo 103.º da CRP e o princípio da legalidade tributária e seus corolários da boa-fé, da proteção da confiança e do exclusivismo e da determinação, o que acarretará que o artigo 71.º-A do CIEC na redação que lhe foi dada pela lei n.º 53.º-A/2006, de 29 de dezembro, aplica-se nos seus exatos termos à ora recorrente para efeitos do ano de 2007, permitindo-lhe beneficiar da isenção parcial de ISP até ao limite de 50 000 toneladas e até ao termo de prazo do beneficio que lhe foi concedido, em março de 2007, verificam-se os requisitos que permitem a interposição de recurso de revista para o STA, nos termos do artº. 150° do CPTA.

IIª) - Ao que acresce que, seguindo o que se disse no Acórdão de 29/11/2006, proc. nº 0729/06, relativamente aos requisitos para a admissibilidade do recurso de revista, se entende e, daí a interposição do presente recurso, que tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do mesmo direito, dado que esta questão tem uma capacidade de se repetir num número indeterminado de casos futuros.

IIIª) - A questão de determinar se em matéria de benefícios (isenção) são admissíveis conceitos indeterminados que possam ser preenchidos discricionariamente pela administração com base ou no princípio do pedido e/ou em orientações por elas emitidas internamente - ainda que por influência de opiniões “externas”, maxime de funcionário da CE - e, com base naquelas, um subalterno derrogar atos de membros do Governo aplicando leis sobre matéria de incidência de impostos retroactivamente, assume particular relevância jurídica ou social, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros que têm uma forte probabilidade de poderem vir a acontecer, sendo certo, por outro lado, que a resposta a dar a essa questão pode interessar a um leque alargado de interessados.

IVª)- Isto tendo em conta não só a pertinência da questão jurídica centrada na determinação do regime da isenção, mas também, no facto de estar em causa a interpretação do conceito e extensão de projeto piloto ínsito na lei em que não se preveem limites quantitativos que vieram a ser impostos arbitrariamente pela administração de forma a gerar um entendimento e aplicação uniforme daquele mesmo conceito, bem como da inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade em matéria de benefícios fiscais e da não aplicação retroativa das leis constitucionalmente consagrados.

Vª) - E não resta qualquer dúvida de que a questão da constitucionalidade da lei naqueles termos apresenta complexidade e tem interesse geral e objetivo, dada a dificuldade da questão e a possibilidade de se colocar em outros processos, já que a decisão recorrida optou pelo entendimento de que é possível operar com conceitos indeterminados a preencher pela administração animando-se a orientações desta que não estão previstas na lei e ao princípio do pedido, postergando as regras de competência e fazendo aplicação retroativa da lei em matéria de benefícios fiscais, que o mesmo é dizer, em matéria de incidência objetiva da tributação, com desproteção das garantias do contribuinte, a posição adotada tem reflexos na possibilidade mais geral de tutela através da ação administrativa e assume assim relevância e alcance igual ao da mesma questão vista em termos de tutela definitiva.

VIª) - Acresce que igual relação de precedência e inseparabilidade da questão de constitucionalidade se verifica se a analisarmos sob o prisma de uma eventual especialização de matérias por tribunais em que se desse preferência ao recurso para o tribunal constitucional, em vez de transformar o recurso de revista numa instância comum da constitucionalidade para as matérias administrativas (um recurso excecional que afinal seria um recurso comum para as matérias de constitucionalidade). Isto é, como, em casos como o dos autos, a questão da constitucionalidade surge como condição de conhecimento relativamente à proteção que é pedida na ação ou na providência, ela não pode ser separada da questão de direito material infra - constitucional para efeitos de decidir sobre a admissão ou não da revista excecional.
Cfr. a este propósito, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-06-2012, Processo: 0604/12 - 1ª Secção, publicado em www.dgsi.pt.

VIIª) - Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal relativo ao conceito da legalidade em matéria de benefícios fiscais, sendo certo que esta questão pode interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, pelo que, o presente recurso servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito.

VIIIª) - Tanto mais que, tais questões assumem relevância jurídica, social e económica, aferida em termos de utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, decorrendo, da interposição do presente recurso a possibilidade da melhor aplicação do direito, tendo como escopo a uniformização do direito, dado que tal questão tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos futuros.

IXª) - Assim, tal questão assume particular relevância jurídica ou social e económica, atenta a necessidade de uma melhor aplicação do direito neste e em outros casos futuros, tendo em conta não só a pertinência das questões jurídicas centradas na determinação do regime de isenção fiscal e sua aplicação no tocante a uma área de importância económica, energética e ambiental no âmbito comunitário e de cumprimento das diretivas nele emanadas, com respeito pelos atinentes princípios constitucionais, que interessa a todos os sujeitos passivos dentro daquele ramo de atividade, mas também, no facto de estar em causa a interpretação do conceito de projeto piloto prismado pelos princípios da legalidade tributária e da não retroatividade da lei fiscal, de forma a gerar um entendimento e aplicação uniforme daquele mesmo conceito.

Xª) - Deve, pois, ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que o mesmo versa sobre matéria acerca da qual é admissível existirem dúvidas interpretativas na aplicação do quadro legal relativo àquelas matérias, sendo certo que tais questões podem interessar a um leque alargado de interessados e eventuais casos pendentes em Tribunal, pelo que, o presente recurso servirá para uma melhor e, a partir da pronúncia do STA, uniforme aplicação do direito.

XIª) - Já sobre o mérito do recurso, diga-se, antes de mais, que de acordo com o princípio da legalidade do imposto, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal pelo que, como as verbas em causa podem e devem configurar-se como reporte da produção para o período coberto pela isenção e ocorrida antes da entrada em vigor da Lei Nova e em que nem sequer foram ultrapassados os limites quantitativos “ficcionados” pela Administração Aduaneira (AA), não é lícito e legal proceder ao seu alargamento por ficção do tipo fiscal “fazendo de conta” que os limites quantitativos fixados pela Lei Nova já tinham sido alcançados no âmbito da Lei Antiga e no domínio da vigência da isenção concedida, para não reconhecer a extensão do beneficio fiscal até ao fim de março de 2007 com o limite de produção de 50 toneladas, pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal.

XIIª) - A questão terá de ser apreciada exclusivamente face à lei, desde logo, porque em matéria de benefícios fiscais, vigora, como se disse e reafirma, o principio da legalidade, na sua vertente formal e material (artº 103-2 e 3 da CRP), o que significa que é a lei que tem que definir, os pressupostos da concessão de tais benefícios, sendo absolutamente irrelevante o que as entidades administrativas entendem ou deixam de entender nessa matéria, e, consequentemente, irrelevante será também qualquer critério de avaliação daqueles pressupostos, constante de circulares dos serviços administrativos da DGS ou da DGCI ou até mesmo - como parece ter sido o caso, ou se pretende fazer crer que o foi - da CE, se o mesmo não tiver cobertura legal, tanto mais que as circulares ou instruções administrativos não são lei, não têm força obrigatória geral, apenas vinculam na ordem interna de uma determinada hierarquia e, por isso, não vinculam os Tribunais, nem os particulares, apenas isentando estes de responsabilidade por atos praticados de acordo com essas instruções, quanto aos seus deveres fiscais acessórios, nos termos do art° 68º, nºs 5 e 6 da LGT.

XIIIª) - Sob esse prisma, o despacho sob censura, proferido pelo Subdirector-Geral das Alfândegas dos Impostos Especiais sobre o Consumo, cujo teor é “Nos termos do disposto da lei nº 53-A/2006, de 29/12, revogo o meu despacho de 2006.10.04, autorizando, em consequência, o reembolso do ISF dos biocombustíveis produzidos pela A………… no âmbito do projeto piloto, até ao limite de 50 000 t até ao termo do respetivo prazo de validade” tem de ser interpretado no sentido de que, na fase do processo em que o beneficio foi requerido, se verificavam os requisitos previstos na lei, dado o pedido de decisão se reportar a uma situação tributária já concretizada pois é isso que decorre da lei: uma vez que os pressupostos do benefício, isto é, os factos de cuja conjugação a lei faz depender o nascimento do benefício, estavam definidos na alínea j) do n.º 1 do art.º 71.º do Código dos IEC’s, e foram rigorosamente cumpridos, as 50 000 t previstas na Lei Nova (Lei nº 53-A/2006, de 29/12) são para ser aplicadas ”... até ao termo do respetivo prazo de validade “, ou seja, desde 1/1/2007, data da entrada em vigor da Lei, até ao até ao termo do respetivo prazo de validade assinalado na mesma Lei para o dia 22/3/2007.

XIVª) - Donde que a questão nuclear a apreciar e decidir seja a da impossibilidade da revogação da concessão do beneficio dada a verificação dos respetivos pressupostos integralmente à luz da Lei que os previa e fazia depender o seu reconhecimento efetuado pelo Despacho Ministerial Conjunto n° 279/2006, de 1 de março, publicado no “Diário da República” n° 59, de 23.3.2006, de S. Ex.as os Ministros das Finanças e da Administração Pública e do Ambiente e do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, o qual assegura à recorrente a natureza de projeto piloto de desenvolvimento tecnológico, não estabelecendo qualquer limite de ordem quantitativa, e concedendo-lhe uma isenção de ISF por um período de 12 meses sem limitação de quantidade, indo ao encontro das metas indicativas comunitárias, de que Portugal estava aquém.

XVª)- O despacho recorrido é ilegal por nele se consignar, contrariamente ao despacho de reconhecimento do beneficio, que não se mostram comprovados e verificados os pressupostos objetivos estabelecidos na alínea j) do nº 1 do art.º 71.º do Código dos IEC’s, visto que a contribuinte, no momento em que pediu a isenção reunia os requisitos legais, e não poderiam ser impostos limites quantitativos por não estarem previstos na lei e o reconhecimento da isenção foi pedido antes do limite das 50 000 que apenas foi previsto na Lei Nova e não poderia ser estendido “para trás” ao regime da isenção reconhecida.

XVIª) - Nos termos do artº. 12º do EBF, o momento em que se adquiriu o direito ao beneficio coincide com o momento da verificação dos respetivos pressupostos; porque assim, o reconhecimento feito pela Administração não é um ato constitutivo mas um simples ato declarativo, de acordo aliás com o princípio constitucional da legalidade e os respetivos corolários da tipicidade fechada e do exclusivismo.

XVIIª) - O direito ao reconhecimento da isenção em causa, tem de reportar-se à data em que esse pedido foi formulado, e, como nessa data a contribuinte reunia todos os requisitos determinados na lei para beneficiar da isenção, não pode ser recusado o reconhecimento desse direito tanto mais que a requerida isenção, porque regulada na integra pela lei e sem qualquer margem de livre apreciação por parte da entidade competente e se insere na categoria de atos ou poderes vinculados da Administração Fiscal, terá de ser por esta praticado porque o direito ao beneficio adquirido no domínio da Lei Antiga só na sua duração foi atingido pela Lei Nova.

XVIIIª) - A Lei Nova revogou a Antiga sem efeitos retroativos atento o disposto no n.º 1 do artigo 12° da LGT, que determina que as normas tributárias se aplicam aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroativos.

XIXº) - E, nos termos do artº. 12° da LGT, a proibição da retroatividade apenas abrange as normas de incidência fiscal e as normas que procedam à revogação ou à alteração dos pressupostos dos benefícios fiscais, após o momento em que tenham ocorrido pelo que deve considerar-se que a revogação operada pela Lei Nova (Lei do Orçamento para o ano de 2007) não tem efeitos retroativos.

XXª) - E a questão sub judice não pode ser apreciada com base em meras interpretações administrativas, antes devendo ser apreciada exclusivamente face à lei, pois que, em matéria de benefícios fiscais vigora o princípio da legalidade, nas suas vertentes formal e material (nº 2 do artº. 103° da CRP), o que significa que é a lei que tem que definir os pressupostos da concessão de tais benefícios, sendo irrelevante o que as entidades administrativas entendem ou deixam de entender nessa matéria e, por consequência, irrelevante qualquer critério de apreciação daqueles pressupostos, se tal critério não tiver cobertura legal, sendo que o direito ao beneficio fiscal aqui em causa foi pela contribuinte adquirido quando se encontra comprovada a factualidade descrita na hipótese legal (citados artigos do CIEC’s e do EBF), no domínio da lei que se encontrar em vigor e de acordo com esta.

XXIª) - A criação de impostos está disciplinada na Lei Fundamental nos normativos da CRP contidos na al. i) do nº 1 do artº 168° na sua concatenação com o artº 103°, n°s. 2 e 3 da CRP que estabelece que «Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes ».
Há, com efeito, um princípio de «numerus clausus» em matéria de impostos que tem ainda como decorrência a completa descrição nos tipos legais dos elementos necessários à determinação do montante da prestação devida e das garantias dos contribuintes, sendo o desrespeito de tal princípio é sancionado nos termos do artº 103°, nº 3, da CRP ao determinar que: «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição...», consequência jurídica que já derivava daqueloutros princípios da constitucionalidade e da conformidade dos atos do Estado com a Constituição ínsitos no artº 3°, nº 3 da CRP.

XXIIª) - Acresce que vigora no Direito Fiscal o princípio da legalidade que se traduz no brocado «nullum tributum sine lege» e, uma das decorrências do princípio da legalidade fiscal, como se disse já, é a proibição de pagamento de impostos que não tenham sido estabelecidos de harmonia com a Constituição, que se inscreve no quadro das garantias individuais, por isso revestindo as normas atinentes caráter precetivo (cfr. artº 18° da C.R.P.).
Donde que, de acordo com o princípio da legalidade, só podem ser cobrados os impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, observadas as garantias dos contribuintes na lei estabelecidas como modo de reação, não sendo lícito e legal proceder a derrogações de tais garantias como direitos adquiridos na vigência de certa lei (a LA, ou seja Lei Antiga) pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal.

XXIIIª) - Tem, pois, de assentar-se que a Lei Nova não atribui eficácia retroativa às suas normas como decorre do disposto no nº 1 do artº 12° do C.C. ao estabelecer que a lei só dispõe para o futuro, salvo se essa eficácia lhe for atribuída pelo legislador caso em que se presumem ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. E também ao nº 2 do mesmo preceito legal que estatui que quando a lei dispuser sobre os efeitos dos factos, a lei nova só visa, em caso de dúvida, os factos novos.

XXIVª) -A Lei Nova respeita integralmente as situações jurídicas constituídas «ex lege», por força da verificação dos factos previstos na sua estatuição e, por tal razão, além de acobertada dentro da ressalva da parte final do nº 1, também se acha englobada na previsão do nº 2 , primeira parte, do referido artº 12° do C. Civil.

XXVª) - Deve por isso concluir-se que a Lei Nova ao dispor sobre os efeitos dos factos, apenas visa os factos novos e que, assim, é inaplicável às situações por ele previstas cujos pressupostos, segundo a lei antiga, ocorreram sob o domínio desta lei, só se aplicando aquele às situações que se tenham constituído pela ocorrência dos factos integradores da respetiva previsão legal a partir do início da sua vigência.

XXVIª) - Numa outra perspetiva, as orientações comunitárias sobre biocombustíveis estavam já expressas na Diretiva n.°2003/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 8 de maio, que estabelecia a meta de proceder, até ao final de 2005, à substituição de 2% dos combustíveis convencionais, em particular dos derivados do petróleo, usados no setor dos transportes rodoviários, por combustíveis alternativos, e que foi transposta para o direito interno através do Decreto Lei n° 62/2006, de 21 de março, apontando como valor de referência de 2% de toda a gasolina e gasóleo rodoviário colocados no mercado em 31.12.2005.
XXVIIª) - Ora os 2% como valor de referência representavam, no caso português e relativamente ao gasóleo, cerca de 100 000 toneladas para o ano que se encontra em causa, sendo certo que, tendo em conta a natureza de projeto piloto de desenvolvimento tecnológico da contribuinte, não vigorava em relação a esta qualquer limite de ordem quantitativa, pelo que, reunidos os pressupostos da isenção de ISP, esta valeria por um período de 12 meses sem limitação de quantidade, indo ao encontro das metas indicativas comunitárias, de que Portugal estava aquém, na consideração de que não decorria da lei interna, na redação em vigor ao tempo dos factos – alínea j) do n.º 1 do art.º 71.º do Código dos IEC 's -, qualquer limitação de ordem quantitativa para a referida isenção para os projetos piloto, pelo que a mesma não podia ser, nem foi efetivamente, sujeita a nenhuma limitação dessa natureza.

XXVIIIª) - Consequentemente, foi a Administração que, ancorando-se num “entendimento” veiculado pelo funcionalismo comunitário, que “criou” as limitações quantitativas a que se reporta a decisão impugnada, indo ao ponto de sustentar que as 50 000 t referidas na Lei Nova era o limite máximo para o período da concessão, quando é certo que nenhum limite impunha a lei à luz da qual a isenção foi reconhecida, correspondendo a tese da AA ora contestada, à aplicação retroativa da lei em afronta a princípios constitucionais e legais.

XXIXª) - Provando-se que a indicação fornecida tem uma natureza estritamente informativa de caráter negativo - indicando, exatamente, que não existe a nível da EU um valor de referência -, à qual se soma uma menção de caráter meramente pessoal do funcionário que escreveu um e-mail, enunciando fontes que nem sequer identifica, sendo certo que o valor de 1% não se acha validado por nenhuma decisão legalmente tomada, por qualquer instância comunitária, pelo que não tem valor legal, nem pode ser tomada como base para a decisão de que se recorre.

XXXª) - Impõe-se, pois e quanto a esse aspeto, concluir que, a haver má-fé, ela provém de uma autoridade pública que procura estabelecer limites quantitativos onde eles não existem, seja na lei interna, seja na comunitária, que profusamente invoca, mas que, afinal, se traduz em mera opinião particular de um funcionário, já que os órgãos próprios da UE não produziram nenhuma lei, regulamento ou mera instrução que haja estabelecido o limite pretendido de 1% ou 50 000 toneladas.

XXXIª) - Noutra vertente, o subdiretor-geral das Alfândegas não possui competência derrogatória dos atos praticados pelos membros do Governo, pois que, segundo as regras gerais aplicáveis, tal competência pertence ao autor do ato a revogar ou ao seu superior hierárquico, nos termos do disposto nos artigos 138.º e 140.º e segs. e 142.º e 143.º do CPA, sob pena de subversão do princípio da hierarquia.

XXXIIª) - A norma do art.º 79.º nº1 da LGT enuncia que o ato decisório pode revogar total ou parcialmente ato anterior ou reformá-lo, ratificá-lo ou convertê-lo nos prazos da sua revisão.

XXXIIIª) - E na atividade administrativa tributária é operável a chamada revogação administrativa implícita; a “revogação” é o ato administrativo que se destina a extinguir os efeitos de outro ato administrativo anterior pelo que, ainda que implicitamente, a liquidação impugnada sempre assumirá a natureza de “revogatória” quando faz extinguir os efeitos jurídicos do ato tributário de liquidação anterior.

XXXIVª) - Pertencendo a revogação à categoria dos denominados atos secundários ou atos sobre atos, necessariamente que os seus efeitos jurídicos recaem sobre um ato anteriormente praticado, sendo inconcebível a sua prática desligada desse ato pré - existente.

XXXVª) - Ao fazê-lo, pratica a AT um ato revogatório implícito, ou seja, um ato administrativo que, não declarando expressamente suprimir os efeitos de ato anterior, produz na realidade consequências jurídicas que, sendo incompatíveis com os efeitos produzidos pelo ato anterior de liquidação adicional, conduzem à eliminação destes.

XXXVIª) - Com o ato impugnado, foi estabelecida uma nova regulamentação material sobre situação já regulada por ato anterior, ou seja, resulta uma incompatibilidade implícita entre a nova regulamentação e os efeitos do ato anterior.

XXXVIIª) - E quando o órgão administrativo altera o conteúdo de um ato administrativo anterior, modificando o seu objeto ou algum dos requisitos deste, se a hipótese não se enquadrar em qualquer das figuras da reforma ou da conversão, tem de entender-se que a parte alterada do ato é nova, quer tenha havido aditamento à primitiva declaração, quer substituição de algum aspeto do objeto. Deste modo, as alterações ou modificações que não consistam em mera retificação de erros de cálculo ou de escrita, não produzem efeito retroativo: o ato primitivo, não revogado, produz os seus efeitos até ao momento da eficácia da alteração ou da modificação nele introduzidas. E estas só são válidas se não contrariarem as regras gerais do regime da revogação.

XXXVIIIª) - Retira-se do exposto que, na ausência de normas jurídicas especiais que permitam a alteração de situações criadas por ato definitivo, qualquer extinção subsequente de toda ou parte dos respetivos efeitos de direito cai sempre sob a alçada dos preceitos legais que estabeleçam o regime geral da revogação do ato administrativo, sendo indispensável à qualificação de um ato como revogatório, não a declaração expressa de revogação, mas apenas a contradição, entre o conteúdo do ato em questão e os efeitos decorrentes de ato anterior.

XXXIXª) - Acresce que o beneficio fiscal que foi reconhecido a contribuinte constitui um direito adquirido, sujeito às regras gerais disciplinadoras dos benefícios fiscais em geral, constantes no artigo 12.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), dispondo em especial o seu n.º 4, segundo o qual “o ato que conceda um beneficio fiscal não é revogável nem pode rescindir-se o respetivo acordo de concessão, ou ainda diminuir-se, por ato unilateral da administração tributária, os direitos adquiridos, salvo se houver inobservância imputável ao beneficiário das obrigações impostas, ou se o beneficio tiver sido indevidamente concedido, caso em que aquele ato pode ser revogado.

XLª) - À luz do princípio da legalidade tributaria e em decorrência do disposto nos 8°, nº 1 da LGT e 103°, n°2 e 165° nº l i) da CRP, a renúncia total ou parcial dos créditos tributários referentes a impostos, porque contende com a incidência dos mesmos terá de ser prevista em lei da Assembleia da República ou DL aprovado ao abrigo de autorização legislativa.

XLIª) -Acresce que, por injunção do nº 2 do artº 36° da LGT, os elementos essenciais da relação jurídica tributária não podem ser alterados por vontade das partes.

XLIIª) -Assim, nem o objeto da obrigação, nem os juros, nem o prazo de pagamento, etc., podem ser alterados por vontade das partes pois a isso se opõe a referido princípio de legalidade dos impostos e o princípio da legalidade da atividade administrativa; a vontade das partes, seja da Administração, seja dos contribuintes, não tem relevância jurídica, o que vale por dizer que, uma vez preenchidos os pressupostos de facto, nasce a obrigação estritamente vinculada e, mesmo no âmbito de conceitos indeterminados, está-se perante o seu preenchimento em obediência à lei e não aos interesses das partes.

XLIIIª) - Do que vem dito, resulta claramente que, mesmo que o autor do ato impugnado dispusesse de competência não podia, como implicitamente o fez, alterar o ato anterior de reconhecimento da isenção.

XLIVª) - Destarte, não podem subsistir dúvidas de que com o reconhecimento da isenção, tem de afirmar-se a ocorrência de um ato constitutivo de direitos, para a requerente, ora Autora, só passível de revogação nos moldes positivados pelo artº. 141.º n.º 1 CPA, isto é, “com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo do respetivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”; sendo este, para a generalidade da doutrina, o prazo de um ano seguinte à data em que se formou o deferimento tácito, face à previsão do artº. 58.º, n.º 2 al. a) CPTA.

XLVª) - E, se é certo que nem o órgão competente poderia revogar o ato em causa, por mor do princípio da hierarquia, muito menos o poderia fazer o subdiretor-geral das Alfândegas por não estar nas suas atribuições e, visto tratar-se de um despacho “conjunto” de dois ministérios, o mesmo padece até de nulidade porque é estranho às atribuições de um dos ministérios ou das pessoas coletivas referidas no artº 2° do mesmo Código em que o autor se integra.

XLVIª) - A atribuição de competência para decidir e proceder à prática do ato de revogação, tinha, pois e sempre, de operar-se com a ressalva das limitações relacionadas com a salvaguarda de direitos adquiridos.

XLVIIª) - Ademais, o ato em causa também invadiu a esfera jurídica do outro Ministério (que não ao das Finanças) entidade juridicamente autónoma, em cuja esfera de atribuições se inseria a matéria a definir por atos do tipo e natureza daquele que foi praticado.

XLVIIIª) - É nulo e de nenhum efeito (nulidade absoluta ou nulidade) o ato praticado por um órgão administrativo sobre matéria estranha às suas atribuições.
XLIXª) - A incompetência absoluta consiste na prática de um ato quando a competência pertence a um órgão de outra pessoa coletiva da Administração, ou quando o seu autor excede as atribuições que devia prosseguir; gera nulidade.

Lª) - É que, mesmo a entender-se que aos atos que violem anterior caso decidido ou caso resolvido devem ser considerados como revogações administrativas (implícitas), nem sequer aos próprios autores do ato era lícito revogar o ato de reconhecimento da isenção.

LIª) - Consequentemente, o ato impugnado não só está eivado do vício de incompetência relativa em razão da hierarquia, mas também padece de nulidade por incompetência absoluta nos termos do artigo 133°, n°2, alínea b), do CPA.

LIIª) - Por fim, a nosso ver e com todo o respeito, a sentença e o acórdão que a confirmou, mostram-se desfasados em relação à questão nuclear posta na p.i. e que era a de saber quais os limites temporais de aplicação da Lei Nova visto que não estava compreendido na questão sub judice todo o argumentário que foi utilizado na sentença, em manifesta e fiel adesão à tese da entidade demandada para sustentar a legalidade do despacho recorrido, quando o objetivo da Autora era o de promover a “destruição” de tal ato fundamentalmente porque, traduzindo-se o mesmo na revogação (ainda que implícita) de um ato válido constitutivo de direitos, o mesmo ter sido praticado por quem não detinha competência para o efeito e fazendo uma interpretação ilegal e inconstitucional em virtude da aplicação retroativa da Lei para impedir que a Autora continuasse a fruir da isenção no período que a lei Nova veio estender em relação ao beneficio regularmente reconhecido à contribuinte.

LIIIª) - A retroatividade “autêntica”, em que a norma pretende ter efeitos sobre o passado (eficácia ex tunc), deve distinguir-se a “retroactividade aparente”“(parcial ou inautêntica)”, também denominada retrospectividade ou retroatividade quanto a efeitos jurídicos (cfr. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 1998, p. 255).

LIVª) - esta última não cabe a situação dos autos em que uma lei pretende vigorar para o futuro, mas acaba por tocar em situações, direitos ou relações jurídicas desenvolvidas no passado, pois, in casu verifica-se a violação do princípio da proibição da retroatividade, consagrado no artº. 103°, nº 3, da CRP, dado que ocorreu retroatividade autêntica, ou seja, a lei nova foi aplicada a um facto passado, inteiramente decorrido ao abrigo da lei antiga.

LVª - E ocorre ainda a violação do princípio da proteção da confiança, na vertente da segurança jurídica porquanto, como foi expendido no Acórdão do STA de 28/9/2011, aliás na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, para averiguar se há violação destes princípios há que proceder «a um justo balanceamento entre a proteção das expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam ‘tocadas’ relações ou situações que, até então, eram regidas de outra sorte». “Sendo que só uma retroatividade intolerável, que afete de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de proteção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito.”

LVIª) - Sucede que no presente caso pode afirmar-se que a afetação das expectativas da recorrente quanto ao limite da produção no ano de 2006 foi arbitrária e deve considerar-se demasiado onerosa.

LVIIª) - Por isso que a solução dada ao caso pela AA e sufragada na decisão recorrida se afigura intolerável e constitucionalmente inadmissível, porquanto, na senda da jurisprudência do Tribunal Constitucional, consagrada no citado aresto, não existe fundamento material (um interesse público relevante) capaz de justificar a mutação operada na ordem jurídica - uma mutação que apresenta, na interpretação dada no despacho recorrido e no acórdão sob censura e que confirmou a sentença recorrida que também a acolheu, como imprevisível e injustificada, não podendo os cidadãos contar com ela, por isso se verificando a invocada inconstitucionalidade do sentido decisório da acórdão recorrido, pelo que procede, também, nesta parte, a argumentação da recorrente.

LVIIIª) - Demonstrando-se que os fundamentos em que se baseou o ato impugnado e nos quais também se ancorou a sentença não têm guarida na lei tem de entender-se que houve erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito e que a Constituição e a Lei impõem a procedência dos fundamentos da ação invocados na p.i., o que implica que não pode manter-se na ordem jurídica o despacho impugnado. Só assim se realizando a JUSTIÇA!

Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido o presente recurso de revista e, analisado o mérito do recurso, deve ser dado provimento ao mesmo, revogando-se o Acórdão recorrido, com todas as legais consequências.

2. A Fazenda Pública apresentou as suas contra alegou, para concluir da seguinte forma:

A)- Não é admissível o recurso de revista porque:

A.1) - De acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 150.º do CPTA apenas é admissível Recurso para o Supremo Tribunal Administrativo com base na relevância jurídica ou social da questão em apreciação que se revista de importância fundamental ou quando a sua admissão seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

A.2) - O recurso de revista reveste-se de uma natureza excecional, pugnando a jurisprudência desse Venerando Tribunal, e a doutrina, pela intervenção do STA apenas quando se afigura útil em matérias de maior importância, independentemente de alçada, de modo a servir de orientação para os tribunais inferiores, funcionando como válvula de segurança do sistema.

A.3) - O caso em apreço, não apresenta relevância jurídica ou social que lhe confira uma importância fundamental que deve ser aferida em face do interesse objetivo, da utilidade jurídica da revista, da capacidade de ultrapassar os limites da situação singular.

A.4) - Tratando-se de uma questão inerente a um beneficio fiscal em concreto e condições relativas à sua concessão, não revela especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia quanto a casos futuros do mesmo tipo, não extravasando os limites do caso concreto.

A.5) - A Recorrente, fundamentando-se no erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, não demonstra que a apreciação jurídica não se reduz à presente situação, pelo contrário, com elevado grau de certeza se afirma não existir situação controvertida idêntica à dos autos, não tendo surgido dúvidas quanto à isenção prevista na alínea j) do n.º 1 do art.º 71.° do Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 566/99, de 22 de dezembro, em vigor à data dos factos.

A.6) - A Recorrida justifica a admissibilidade do recurso com os mesmos motivos com que ataca a decisão, invocando o erro de julgamento, que não se inclui nos requisitos do art.º 150.° do CPTA, acrescendo que, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, a revista só pode fundamentar-se na violação de lei substantiva ou processual, o que exclui o erro de julgamento quanto à matéria de facto, cfr. resulta, designadamente, dos Acórdãos de 22.07.2011 (proc. 0740/11) e de 03.03.2010 (proc. 01168/099).

A.7) - E, tal como decorre do n.º 3 do art.º 150.°, o tribunal de revista aplica aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido o regime que considere adequado, não podendo, de acordo com o n.º 4, ser objeto de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

A.8) - Na senda do que tem vindo a ser defendido por esse Venerando Tribunal, também não se justifica a admissão da revista quando a decisão não evidencie erro grosseiro, se revele ilógica e juridicamente insustentável, cfr., designadamente, o vertido nos Acórdãos de 11.10.2012 (Proc. 0773/12) e de 11.10.2012 (Proc. 0751/ 12).

A.9) - No caso sub judice não se suscitam dúvidas geradoras de incerteza e instabilidade na resolução dos litígios que pudessem fundamentar a apreciação pelo STA, também, porque, a decisão do tribunal a quo encontra-se devidamente fundamentada, verificando-se uma adequada aplicação do direito aos factos fixados.

A. 10 - Constata-se que a Recorrente pretende, tão só, submeter a questão a uma outra instância, não obstante a ausência dos pressupostos processuais dos quais a lei faz depender a sua admissão, pelo que, não pode, a Recorrente, interpor o presente Recurso de Revista com base em absoluta falta de fundamento legal em virtude da não verificação dos requisitos previstos no art.º 150.º do CPTA para a sua admissibilidade.
Mas, mesmo que assim se não entenda sem prescindir, mais se dirá que:

B) - Quanto ao presente recurso de Revista:

B.1) - Sem imputar quaisquer vícios à sentença recorrida, a Recorrente vem aduzir os mesmos argumentos, já refutados em 1ª e 2ª instâncias, defendendo “que houve erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito e que a Constituição e a Lei impõem a procedência dos fundamentos da ação invocados na p.i.”, não se entende, todavia, a insistência em contradizer os mesmos factos uma vez que já se encontra assente a matéria de facto considerada como provada, cfr. resulta de A) a V) - 3.1 - do probatório do Acórdão recorrido.

B.2) -. Relativamente aos requisitos de admissibilidade de revista para o STA nos termos do art.º 150.º, afirma que a questão assume relevância jurídica e social limitando-se a declarar que a mesma tem capacidade para se repetir num número indeterminado de casos, o que não conseguiu demonstrar, não se alcançando a sua utilidade jurídica.

B.3) - De facto, revela-se pouco provável a existência de situações controvertidas idênticas à dos autos, não se tendo colocado noutros casos, ao contrário do alegado, dúvidas de interpretação quanto ao regime fiscal e conceito de projeto-piloto, tanto mais que a norma do CIEC, o art.º 71.°, n.º 1, alínea j), ao abrigo da qual foi concedida a isenção, foi revogada pela Lei do Orçamento para 2007, inviabilizando a ocorrência de casos futuros.

B.4) - No que concerne à questão da retroatividade, ainda que ao despacho impugnado tivessem sido atribuídos efeitos retroativos, o que não se verificou, tendo ficado demonstrada a situação largamente vantajosa para a Recorrente, o princípio da não retroatividade da lei fiscal previsto no n.º 3 do art.º 103.º da Constituição da República Portuguesa não se aplicaria porque, no caso em apreço, resultaria mais favorável para o contribuinte (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em CRP Anotada, Coimbra Ed. Vol. 1, 4ª edição, pág.1093).

B.5) - Mas, nem sequer se levanta a questão da eventual aplicação retroativa do despacho impugnado porquanto os efeitos do Despacho Conjunto que reconheceu o beneficio já se tinham produzido antes de ter sido proferido o referido despacho impugnado, pois, à data da prolação do despacho impugnado, a Recorrente já tinha ultrapassado a quantidade autorizada ao abrigo da isenção concedida.

B.6) - Tratando-se de um beneficio dependente de reconhecimento, a isenção foi concedida à então requerente/interessada após a formulação do pedido junto da administração aduaneira, verificados os respetivos pressupostos, nos termos e na medida em que foi solicitada, tendo-lhe sido atribuído o efeito/providência que pretendia obter, defendendo agora a Recorrente uma posição que, por contradizer uma conduta assumida em momento anterior, vem, violando os princípios da boa-fé, ilidir a presunção prevista no n.º 2 do art.º 59.º da Lei Geral Tributária.

B.7) - Foi, pois, o operador que desencadeou todo o procedimento (cfr. descrito no probatório, e processo instrutor junto aos autos, tendo o tribunal tomado em consideração todas as provas produzidas em conformidade com o disposto no art.º 515.º do Código de Processo Civil), estando ciente dos pressupostos inerentes à isenção, e bem assim do limite quantitativo das 18.000 t., cujo pedido foi efetuado com referência a este, pretensão que lhe veio a ser concedida.

B.8) - E, subscrevendo o Acórdão recorrido, o despacho impugnado do Subdiretor-Geral não afetou os efeitos jurídicos do Despacho Conjunto que concedeu o beneficio à Recorrente, os quais já se tinham produzido aquando da prolação daquele despacho e, a revogação da alínea j) do n.º 1 do art.º 71.º do CIEC efetuada pela Lei n.º 53-A/2006, só produz efeitos para o futuro, não afetando as situações jurídicas antes constituídas.

B.9) - Dispondo a lei nova (Lei n.º 53-A/2006) apenas para o futuro, não se verifica a aplicação retroativa a facto passado, não obstante aquela, com vista à salvaguarda da segurança jurídica, tenha incluído uma norma destinada à proteção dos direitos adquiridos.

B.10) - E, ainda que os efeitos jurídicos decorrentes do benefício não se tivessem esgotado, de qualquer modo, a Recorrente sempre estaria numa situação mais favorável.

B.11) - Razões que sustentam a improcedência da alegada violação do principio da legalidade, bem como da invocada violação do princípio da proibição da retroatividade e do princípio da proteção da confiança.

B.12) - Ao contrário do alegado pela Recorrente, a sentença recorrida teve em consideração toda a matéria de facto e de direito, tendo procedido a uma correta delimitação e aplicação ao caso concreto.

3. O MP emitiu parecer que consta a fls. 609 dos autos, no qual refere que não se pronuncia sobre apreciação preliminar sumária do recurso, mas somente na “…sua eventual admissão e quanto ao mérito do recurso, de acordo com o previsto no artº 146º, nº 1 e 2 do CPTA.”

4. Colhidos os vistos legais cabe agora decidir.

5. Com interesse para a decisão, foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos:

A) Em 23.02.2004 foi apresentada pela ora Autora uma exposição ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, idêntica a uma outra dirigida, em 12.03.2004, à Diretora-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na qual informa planear a construção de uma fábrica que “permitirá a produção de 100.000 Tons. (aproximadamente 113.000.000 Litros) anuais de BIODIESEL, o que equivale a aproximadamente 2% do gasóleo fóssil consumido”, solicitando esclarecimentos sobre o enquadramento fiscal da atividade (cfr. doc. de fls. 21 a 23 e 33 ta 35 do processo instrutor apenso aos autos);

B) Em 19.03.2004 foi efetuada a informação n.º 104 (P.° 3.1.1.5/340-1/2002), da Direção de Serviços dos Impostos Especiais sobre o Consumo, sancionada pelo despacho da Diretora-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 22.03.2004, da qual consta, além do mais, o seguinte (cfr. doc. de fls. 203 a 206 do processo instrutor apenso):
“Sobre as exposições referenciadas no ponto 1. da presente informação, constata-se que foram já desenvolvidas algumas ações tendentes à consolidação do projeto de produção de biodiesel. De acordo com a empresa, foram desenvolvidas diversas ações tendentes à implantação da nova indústria em Portugal, sendo que a planificação da produção aponta para uma previsão anual de 113 000 000 litros de biodiesel, o equivalente a 2% aproximadamente, do consumo anual de gasóleo fóssil. (...)
Um dos requisitos para o enquadramento da atividade como projeto-piloto consiste no respeito da percentagem de 1% do mercado nacional de gasóleo fóssil. Ainda que o âmbito do conceito de projeto piloto não esteja definido ao nível comunitário, a representação portuguesa na Comissão Europeia obteve da TAXUD um esclarecimento sobre a matéria: quando a comercialização do biocombustível ultrapasse a percentagem de 1% do mercado nacional de óleos minerais, o projeto deixa de estar enquadrado no conceito de projeto-piloto. Ora a previsão da empresa aponta uma percentagem de 2% do mercado nacional de gasóleo, pelo que a sua atividade não poderá ser reconhecida como projeto-piloto. Importa solicitar uma confirmação junto da empresa, quanto à interpretação da informação prestada.
Face ao exposto, e sem prejuízo da apresentação de novos dados que contrariem a previsão de produção atrás referida, entende-se que a A………… não reúne, de momento, os requisitos para que a sua atividade de produção de biodiesel seja reconhecida como projeto-piloto.”;

C) Em 12.04.2004 deu entrada na Direção-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo o documento junto a fls. 47 do processo instrutor apenso, enviado pela Autora, no qual consta o seguinte:
“Tendo em conta o V. oficio 3.1.1.5/340-112002, de 22.03.04, a A…………, SA., vem por este meio informar que o projeto por nós apresentado (vide nossa carta Ref 063/A DMIJRIGS, de 12.03.04) não se enquadra nos projetos-pilotos, dado que a produção planificada do biodiesel será equivalente a 2% do consumo anual de gasóleo fóssil
Desta forma, rejeitamos, como consta do V oficio acima referido, a isenção fiscal relativa aos projetos-pilotos e esperamos, com caráter de urgência, a transposição da Diretiva 2003/96/CE, do Conselho, de 27 de outubro de 2003, para o ordenamento jurídico português, tendo em conta que é esse o enquadramento que satisfaz os interesses desta Empresa”;

D) Em 22.11.2005 a Autora solicitou, em requerimento apresentado no Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, a isenção do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP), com fundamento na alínea j) do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, indicando uma capacidade de produção da unidade piloto de produção de biodiesel de 18.000 toneladas ano (cfr. doc. de fls. 185 a 188 do processo instrutor apenso);

E) Idêntico requerimento foi dirigido ao Gabinete do Ministro de Estado e das Finanças (cfr. doc. de fls. 195 a 198 do processo instrutor apenso);

F) Neste requerimento afirma a ora Autora que “(...) A A………… tem já em fase de testes de funcionamento uma unidade de piloto de produção de biodiesel, cuja tecnologia foi e está a ser desenvolvida na própria empresa.
A capacidade de produção desta unidade será de 18.000 (dezoito mil) toneladas ano, de biodiesel, pelo que se insere no atual conceito de projeto-piloto de desenvolvimento tecnológico” (carregado no original);

G) Em apreciação do referido requerimento, foi proferida a informação n.º 50/2006, de 17.02.2006 (P.° 3.1.1.5/340-1/2002), da Divisão do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos, constante de fls. 217-218 do processo instrutor apenso, sancionada por despacho de concordância do Diretor-Geral das Alfândegas e dos Impostos sobre o Consumo, com a mesma data, a qual concluía o seguinte:
Considerando que:
A capacidade produtiva prevista (18.000 toneladas/ano) enquadra-se no requisito quantitativo estabelecido;
Foram preenchidas as demais condições fixadas ao longo de todo o processo;
A validade do reconhecimento é de 12 meses, tendo em conta a iminente entrada em vigor do diploma que transpõe a Diretiva 2003/30/CE, sobre os biocombustíveis;
O despacho conjunto se encontra assinado por S. Ex”. o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional;
Entendo estarem reunidas as condições para o reconhecimento formal por parte de S. EXª. o Ministro de Estado e das Finanças.”

H) Este entendimento teve a concordância do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e do Ministro de Estado e das Finanças, conforme consta nos seus despachos n.º 309/2006-XVII, de 21.02.2006 e 226/06/MEF, de 01.03.2006, respetivamente (cfr. doc. de fls. 321 do processo instrutor apenso);

I) Sobre o requerimento mencionado em D) e E) foi proferido o despacho conjunto n.º 279/2006, de 01 de março, do Ministro de Estado e das Finanças e do Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, publicado no Diário da Republica, II Série, n.º 59, de 23 de março de 2006, cujo teor se passa a transcrever (cfr. de fls. 44-45 dos autos):
“A A…………, S.A., pretende dedicar-se à produção de biocarburantes, nomeadamente biodiesel, a partir de óleos alimentares usados e de gorduras animais impróprias para outros usos industriais, no âmbito de um projeto piloto de desenvolvimento de produtos menos poluentes, para o qual solicitou e instruiu o pedido de reconhecimento do projeto, nos termos e para os efeitos previstos na alínea j) do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo.
(...)
Considerando que a requerente reúne os requisitos previstos na lei para beneficiar da isenção prevista na alínea f) do n.º1 do artigo 71.º CJEC:
Assim, ao abrigo da alínea j) do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, o Ministro de Estado e das Finanças e o Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional determinam o seguinte:
1 - É reconhecido como projeto piloto, nos termos e para os efeitos previstos na alínea j) do n.º 1 do artigo 71.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo, a unidade piloto de produção de biodiesel da A…………, S. A., nas suas instalações sitas na …………, freguesia de …………, concelho Franca de Xira.
2 - A isenção de ISF decorrente do presente reconhecimento tem a validade de 12 meses a contar da notificação da mesma à A…………, S.A.
3 - A isenção de ISF pode ser revogada a todo o tempo, caso a A…………, S.A., deixe de cumprir os procedimentos de controlo instaurados pela DGAIEC. “;

J) Em 18.08.2006 a Autora apresentou ao Diretor-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo o requerimento constante de fls. 323 do processo instrutor apenso, solicitando que “no espírito da Diretiva Comunitária 2003/96/CE e do enquadramento nacional da atividade de biodiesel e dos projetos-piloto, fosse dada como interpretação pela V/ Direção Geral ao referido despacho conjunto, que a A………… se encontra isenta de ISF para as quantidades produzidas até ao limite dos volumes previstos no enquadramento dos projetos-piloto, ou seja, até 1% dos volumes dos combustíveis que se pretende que sejam substituídos, que se estima em 48.565 ton, de gasóleo equivalente, e num período que não pode ultrapassar os 12 meses”.

K) No seguimento do despacho n.º 11 97/2006-XVII, do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, o qual se manifestou no sentido do indeferimento do requerimento mencionado em J), foi proferido o despacho do Subdiretor-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, de 04.10.2006, o qual tem o seguinte teor (cfr. doc. do processo instrutor apenso):
“À DS 6.2 para conhecimento e dar instruções às Alf de Alverca e Setúbal para não autorizarem o reembolso do ISF a partir das 18.000 T, a não ser que venham a ser dadas instruções expressas em contrário.”

L) Por fax recebido pela ora Autora em 16.10.2006, foi a esta dado conhecimento do referido despacho (cfr. doc. de fls. 405 do processo instrutor apenso);

M) Do mesmo despacho apresentou a Autora, em 20.12.2006, a reclamação constante de fls. 406 a 411 do processo instrutor apenso, solicitando a revogação do referido despacho e que seja “integralmente aplicado” o despacho ministerial mencionado em l) que antecede;

N) Em resposta a esta reclamação, em 04.01.2007, foi proferido pelo Subdiretor-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo o despacho impugnado, que incidiu sobre a informação n.º 3/2007 (P. 3.1.1.5/340-1/2002), o qual tem o seguinte teor (cfr. doc. de fls. 38-39 dos autos):
“Nos termos do disposto no artigo 70.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, revogo o meu despacho de 2006.10.04, autorizando, em consequência, o reembolso do ISF dos biocombustíveis produzidos pela A………… no âmbito do projeto piloto, até ao limite de 50 000 t. e até ao termo do respetivo prazo de validade.
Notifique-se a A………… c/c às alfândegas de Alverca e de Setúbal ”;

O) A Entidade Demandada não procedeu à audição da Autora previamente à emissão do despacho impugnado (acordo);

P) Pelo fax n.º 22, enviado em 05.01.2007 à Autora, foi a esta comunicada a decisão referida em N) (cfr. doc. de fls. 415-416 do processo instrutor apenso);

Q) Encontra-se junto a fls. 431 do processo instrutor apenso um mau enviado pelo Presidente do Conselho de Administração da Autora e dirigido ao Subdiretor-Geral das Alfandegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, do qual consta, além do mais, o seguinte: “Foi com muita satisfação que recebemos por fax o Oficio n.º 00022 datado de 5 de janeiro, pelo qual nos é comunicado que, face ao disposto no nº 2 do artigo 70.º da Lei nº 53-A /2006 de 29/12 (Lei do OE 2007) V. Exia revogou o seu despacho de 2006/10/04, “sendo por consequência autorizado o reembolso do ISP dos biocombustíveis produzidos pela A…………... “;

R) Tendo a Autora requerido que lhe fossem certificados os fundamentos do ato administrativo ora impugnado, foi à mesma entregue, em 21.02.2007, certidão acompanhada de fotocópia do referido despacho e da informação 3/2007, onde aquele foi exarado (cfr. doc. de fls. 449 do processo instrutor apenso);

S) A percentagem de 1% do mercado nacional de gasóleo fóssil, no período em referência nos autos, não excede as 50.000 toneladas/ano (acordo).

6. Conforme acima referido, o presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artº 150º do CPTA, tendo este STA aceitado pacífica e uniformemente a aplicação desta norma em processo judicial tributário.

Tal norma estabelece o seguinte:

“1. Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2. A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3. Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5. A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo”.

6.1. Interpretando aquele transcrito nº 1, tem este Supremo Tribunal vindo a acentuar, repetidamente, que, pela sua estrutura, pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade e ainda e principalmente, pela nota de excecionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve aquele recurso ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva (Neste sentido, v. o Acórdão desta Secção do STA de 24/05/05 - Processo nº 579/05).

Deste entendimento comunga também, o Profº Mário Aroso, quando escreve que “não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios”, cabendo ao STA “dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema”. (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição, p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss.)

Deste modo, a admissão deste tipo de recurso depende:
a) Da necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental;
b) De a apreciação do recurso ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Ocorrerá o 1º requisito quando se verificar uma relevância prática que tenha como ponto obrigatório de referência, o interesse objetivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular e não uma mera relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas.

Quanto ao 2º requisito - a melhor aplicação do direito - há de resultar da possibilidade de repetição, num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito (Neste sentido, v., entre outros, os Acórdãos desta Secção do STA de 20/05/09 - Processo nº 295/09 e de 29.06.2011- Processo nº 0568/11).

Ainda de acordo com o que ficou escrito no Acórdão desta Secção do STA de 30/05/07- Processo n.º 0357/07:
“(…) o que em primeira linha está em causa no recurso excecional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excecional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses. Em primeira linha, o que se visa é submeter à apreciação do tribunal de revista excecional a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, tenha importância fundamental; ou permitir a pronúncia desse mesmo tribunal quando ela seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

Finalmente, e na mesma senda da doutrina anterior, o acórdão deste STA de 19.09.2012, veio reafirmar o seguinte:
“A jurisprudência das duas Secções deste Supremo Tribunal Administrativo (Contencioso Administrativo e Contencioso Tributário) perante o disposto no n.º 1 daquele preceito da lei adjetiva “Das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito”, vem acentuando repetida, uniforme e pacificamente o caráter estritamente excecional deste recurso jurisdicional,
Pois que se não trata de recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.º 92/VII e 93/VIII, de uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu,
Quer dizer, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos pelo legislador, a saber: relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem doutrinando e sublinhando que apenas se verifica ocorrer aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis.

E no que concerne à clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito a jurisprudência sublinha, concordante e uniformemente, que há de resultar da capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios…(Neste sentido, os acórdãos de 31.03.2011, processo n.º 232/11, da 1ª Secção e de 30.12.2012, processo n.º 182/12, desta Secção de Contencioso Tributário).”

6.2. Ora, no caso presente, não pode deixar de concluir-se, sem necessidade de longas divagações, que os Requerentes não lograram demonstrar a verificação daqueles requisitos/pressupostos legais de admissão da requerida revista excecional tal como a consagra o invocado artigo 150º do CPTA e a jurisprudência convocada a vem clarificando no seu alcance e aplicação concreta.

Com efeito a relevância jurídica ou social que haverá de permitir qualificar as questões enunciadas como de importância fundamental, para este efeito processual – a admissão desta revista excecional -, há de resultar ou emergir de situações em que “ ... a questão a apreciar seja de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis”.

E a clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito apenas ocorrerá quando se verifique que a questão assim bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.

Ou quando suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.

Ora, o aresto em causa nos autos e a sentença do TT de 1ª Instância que aquele confirmou, por unanimidade dos seus julgadores e perante opinião concordante do Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal Superior, constituem antes bem fundamentadas, esclarecidas e esclarecedoras soluções de direito para as questões jurídicas em causa nos autos, mediante criteriosa subsunção dos factos apurados ao direito aplicável.

Daí que não possa deixar de concluir-se que não só não era especialmente complexo o quadro normativo que as instâncias tiveram que aplicar, como se não verifica também ocorrer qualquer divisão jurisprudencial ou doutrinal suscetível de fragilizar o sentido do decidido em termos de demandar a requerida sindicância jurisprudencial extraordinária.

Ao contrário, importa antes concluir que, tal como os autos exuberantemente evidenciam, os Requerentes não só não demonstraram, como lhes competia, a verificação dos requisitos legais de admissão da revista (art.º 150º do CPTA), como estes se não verificam ocorrer na situação subjacente.

É que o alegado erro de julgamento, traduzido na manifestada e reiterada discordância com o sentido do decidido, por si só, embora suscetível de legitimar/motivar recurso jurisdicional ordinário, se e quando admissível, revela-se antes e para o efeito jurídico processual que cumpre – admissibilidade desta revista excecional – manifesta e processualmente ineficaz, pois, “ ... não estamos perante um 3º grau de jurisdição, extinto na jurisdição tributária pelo DL 229/96, de 29 de novembro. “.

E a insuficiente alegação/demonstração da verificação dos requisitos legais de admissão do recurso de revista excecional, só por si, não obstaria porém a que o tribunal, por esta especial formação, porventura o admitisse.

Ponto seria que, ainda assim e apesar disso, se mostrassem verificados aqueles requisitos.

Porém, no ajuizado caso dos autos, tal não se verifica ocorrer, repete-se.

Na verdade, não só as questões enunciadas não integram, bem manifesta e notoriamente, questões de relevância jurídica ou social de importância fundamental, tal como a jurisprudência as vem caracterizando, como as questionadas decisões judiciais se não revelam ostensivamente errada (s) ou juridicamente insustentável (eis), em termos de poderem qualificar-se como suscetíveis de integrar “erro grosseiro ou decisão descabidamente ilógica e infundada …”, ou, no mínimo, passíveis de suscitar dúvidas fundadas emergentes de divisões de correntes jurisprudenciais ou doutrinais.

Ao contrário, é antes seguro que aquelas se mostram juridicamente bem fundamentadas e integram, constituindo, soluções plausíveis de direito à luz dos preceitos legais aplicáveis convocados em sede da sua fundamentação, soluções que, aliás, a jurisprudência dos Tribunais Superiores vêm reiteradamente afirmando.

Por outro lado, também não se antevê que a expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente por o caso concreto se revelar como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros.

Aliás, como bem refere o recorrido na conclusão B.3, revela-se pouco provável a existência de situações controvertidas idênticas à dos autos, não se tendo colocado noutros casos, ao contrário do alegado, dúvidas de interpretação quanto ao regime fiscal e conceito de projeto-piloto, tanto mais que a norma do CIEC, o art.º 71.°, n.º 1, alínea j), ao abrigo da qual foi concedida a isenção, foi revogada pela Lei do Orçamento para 2007, inviabilizando a ocorrência de casos futuros.

Dir-se-á ainda que na conclusão LVIIIª) a recorrente invoca, como corolário de todas as anteriores conclusões, que “tem de entender-se que houve erro de julgamento sobre a matéria de facto …”.Ora, de acordo com o nº 4 do artº 150º transcrito, “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Assim sendo, e concluindo, não estamos perante caso em que se possa lançar mão da válvula de segurança do sistema pretendido pelo recorrente, especial e extraordinário meio processual de recurso jurisdicional de revista consagrado pelo invocado art.º 150º do CPTA.

7. Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes desta formação – art.º 150º, n.º 5 do CPTA – da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir a requerida revista.

Custas pelos Requerentes.

Lisboa, 11 de setembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Dulce Neto – Casimiro Gonçalves.