Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:038/19.4BCLSB
Data do Acordão:07/09/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:É de admitir a revista do acórdão do TCA que manteve decisão do TAD - que havia julgado procedente o pedido de anulação das multas aplicadas pelo Conselho de Disciplina da FPF [abrigo dos arts. 112.º e 136.º do Regulamento Disciplinar da LPFP] e impostas a dirigentes desportivos por causa de declarações e escritos capazes de descredibilizar as competições futebolísticas e de ferir a honra e a consideração dos visados - porque o aresto primo conspectu terá decidido ao arrepio e afrontando a jurisprudência do Supremo na matéria.
Nº Convencional:JSTA000P26212
Nº do Documento:SA120200709038/19
Data de Entrada:07/01/2020
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A............E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. «FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL» [FPF], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 16.04.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante «TCA/S»] [cfr. fls. 105/117 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que havia negado provimento ao recurso que a mesma havia deduzido por inconformada com a decisão arbitral do TAD [proferida no processo n.º 17/2017 e datada de 06.02.2019], que tinha julgado procedente o pedido de anulação das multas aplicadas ao abrigo dos arts. 112.º e 136.º do Regulamento Disciplinar da LPFP no processo disciplinar n.º ….. movido contra A……….. e B………...

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 127/157] na relevância social e jurídica objeto de litígio e, bem assim, a necessidade de «uma melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, mormente dos arts. 112.º e 136.º do Regulamento Disciplinar da LPFP.

3. Os recorridos não produziram contra-alegações [cfr. fls. 161 e segs.].
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAD julgou procedente a impugnação que os aqui recorridos haviam dirigido e anulou a deliberação do Conselho de Disciplina da «FPF - Secção Não Profissional», datada de 28.03.2017, proferida no processo nº ……., [que havia condenado o arguido A……… na sanção de suspensão de 113 dias e na sanção acessória de multa de 2.869,00 € e o arguido B………….. na sanção de suspensão de 75 dias e na sanção acessória de multa de 1.913,00 €] [cfr. fls. 03 e segs.].

7. O TCA/S manteve tal juízo.

8. A aqui recorrente para além da relevância social e jurídica do litígio, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se, neste segmento, contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

9. Em situações envolvendo a discussão de questões similares às que constituem objeto da presente revista a Formação de Admissão Preliminar deste Supremo vem admitindo tais recursos [cfr., entre outros e no mais recentes, os Acs. de 02.04.2020 - Proc. n.º 0154/19.2BCLSB, de 23.04.2020 - Proc. n.º 0139/19.9BCLSB, de 21.05.2020 - Proc. n.º 0156/19.9BCLSB, todos consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta»].

10. Assim, e no que releva extrai-se, nomeadamente da motivação do primeiro dos acórdãos citados, que aqui se acolhe por plena valia também para o caso sub specie, respeitante a declarações e escritos de dirigentes desportivos de clubes, que «O TAD “revogou” o ato punitivo. (…) E o TCA manteve esse “julgado anulatório”, fazendo-o por razões centradas na “liberdade de expressão”. (…) Na sua revista, a FPF critica o acórdão recorrido porque a temática dos autos - que é de índole puramente disciplinar - deve enquadrar-se e resolver-se à luz da norma “in casu” aplicada (o art. 112.º do Regulamento Disciplinar da Liga) - que o TCA terá negligenciado. (…) “Primo conspectu”, e face à dita norma regulamentar, a solução do TCA é muito controversa. (…) Por outro lado, a questão colocada no recurso é relevante; pois importa saber até que ponto se pode disciplinarmente reagir - com base em normas regulamentares, aliás similares às do estrangeiro - contra declarações dos clubes que, para além de excitarem anormalmente os ânimos dos seus adeptos e assim induzirem comportamentos rudes, contribuam para o descrédito das competições desportivas e do negócio que as envolve. (…) Justifica-se, portanto, que o assunto seja reapreciado pelo Supremo».


11. E, por outro lado, a decisão recorrida parece afastar-se da jurisprudência deste Supremo [vide, nomeadamente, os Acs. de 29.02.2019 - Proc. n.º 066/18.7BCLSB, de 04.06.2020 - Proc. n.º 0154/19.2BCLSB, e de 02.07.2020 - Proc. n.º 0139/19.9BCLSB], donde se segue a necessidade de recebimento do recurso, para reanálise do assunto com vista a uma esclarecida aplicação do direito.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em admitir a revista.
Sem custas. D.N..

Lisboa, 09 de julho de 2020
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos, e Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho