Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0772/15.8BEBRG
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
DESVALORIZAÇÃO EXCEPCIONAL
Sumário:I - As perdas por imparidade que consistam em desvalorizações excecionais em ativos fixos tangíveis e que conduzam às perdas dos ativos no mesmo período de tributação só podem ser deduzidas para efeitos fiscais se forem aceites pela administração tributária.
II - A falta da comunicação prévia a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 38.º do Código do IRC (antes da sua revogação pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) e do subsequente acompanhamento pela administração da perda do ativo obsta ao reconhecimento desta e, por consequência, a que o valor líquido fiscal do ativo seja aceite como gasto do período.
Nº Convencional:JSTA000P30979
Nº do Documento:SA2202305100772/15
Data de Entrada:02/03/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga interpôs recurso jurisdicional da sentença daquele Tribunal que julgou totalmente procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas n.º ...46, referente ao exercício de 2011, no valor de € 63.231,06.

Impugnação esta que tinha sido interposta por A..., LDA., NIF ..., com sede no lugar ..., freguesia de ..., concelho ....

O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(...)


A- A presente impugnação tem por objeto a liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios do ano de 2011 no valor global de € 92.482,91, e valor a pagar (após compensação) de € 63.231,06.

B- Na douta sentença recorrida julgou-se procedente a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, com a consequente anulação da liquidação efetuada.

C- A Fazenda Pública, não se conformando com o deferimento total do pedido da Impugnante, entende que a douta sentença ora recorrida sofre de errada interpretação e aplicação da lei, vejamos;

D- Para a prolação desta decisão, na sentença recorrida fez-se constar a seguinte fundamentação:

“Na verdade, não sendo controverso, nos autos, os factos que originaram a desvalorização excecional e o abate físico, desmantelamento, o abandono ou inutilização dos bens (……) impõe-se, atendendo aos referidos princípios, fazer-se uma interpretação restritiva da al. c), do n.º 3, do artigo 38.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletiva, no sentido de a falta da comunicação aí referida, não implicar, por si só, a desconsideração da desvalorização excecional como gasto, pois é esta interpretação, partindo daquele pressuposto, que melhor permite alcançar a verdade material e a tributação do lucro real da empresa.

Pelo exposto, assiste razão ao Impugnante devendo considerar-se a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas ilegal, por padecer de erro nos pressupostos de direito (vício de violação de lei), devendo, pois, ser anulada, nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, em vigor à data dos factos (aprovado pelo decreto-lei n.º 442/91, de 15 de novembro, revogado pelo decreto-lei n.º 4/2015 de 7 de janeiro), atual artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo, aplicável ex vi artigo 4.º, al. d) do Código de Procedimento e Processo Tributário.

E- Determinava o artigo 38º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) na redação em vigor à data dos factos, na parte que para os presentes autos importa, o seguinte:

“c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles bens se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos.

F- Ora, o regime previsto no artigo 38.º, n.º 3, do CIRC obriga à apresentação de uma comunicação ao serviço de finanças onde se encontram os bens, do local da data e da hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos, sendo que os requisitos elencados na referida norma são cumulativos.

G- Tal conclusão resulta, aliás, da redação do preceito em causa, a qual refere que o auto comprovativo do abate, desmantelamento, abandono ou inutilização – referido na alínea a) – deve ser acompanhado de relação discriminativa dos elementos em causa – referida na alínea b) – devendo, ainda, haver comunicação ao serviço de finanças – conforme expressa a alínea c) da referida norma legal.

H- Neste sentido, veja-se, ainda, que o n.º 4 do normativo em causa refere que as condições previstas nas alíneas a) a c) do n.º 3 devem cumulativamente verificar-se na situação prevista no n.º 2 da referida norma.

I- Ou seja, é notório, assim, a necessidade de verificação cumulativa das condições previstas no n.º 3 do artigo 38º do CIRC.

J- Mais, da leitura do artigo 38º do CIRC dúvidas também não existem que resulta inequivocamente a possibilidade das desvalorizações excecionais serem aceites como gastos do período.

K- Ora, a necessidade de efetivação da comunicação ao serviço de finanças da área do local onde os bens se encontram, com a antecedência mínima de 15 dias, do local, data e hora do abate físico, do desmantelamento, do abandono ou da inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos, constitui, no entender da Fazenda Pública, condição sine qua non para a consideração de determinada desvalorização excecional como gasto do período.

L- Porquanto, são essas condições formais que, devem constar do processo de documentação fiscal – n.º 6 do artigo 38º do CIRC – que possibilitam a sua aceitação como gasto do período.

M- Posto isto, e tendo sido dado como provado que não ocorreu qualquer comunicação ao serviço de finanças da área do local onde os bens se encontram, a questão que se coloca é da de saber se, ainda assim, poderia ou não a desvalorização excecional contabilizada pela impugnante ser considerada fiscalmente aceite como gasto.

N- Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a Fazenda Pública entende que não estavam reunidos todos os pressupostos legalmente exigidos para que a desvalorização excecional no valor de € 232.326,75, registado como gasto na conta 6873 – abates, fosse fiscalmente aceite como gasto.

O- No entanto, tendo a douta sentença decidido de forma diferente, incorreu em errada interpretação e aplicação da lei.

P- Desde logo porque, ainda que tendo a douta decisão considerado que os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 38º do CIRC têm natureza cumulativa, entendeu fazer uma interpretação restritiva e, consequentemente, considerar que o requisito previsto na alínea c) da referida norma não implica automaticamente a desconsideração do gasto.

Q- Ora, salvo o devido respeito por diferente opinião, não concorda a Fazenda Pública com tal entendimento.

R- Porquanto, sendo a comunicação um dos requisitos legalmente exigidos, apenas a verificação cumulativa de todos os requisitos permitiria a consideração da desvalorização excecional como custo fiscal.

S- Mais, quer se trate ou não de uma questão de prova, o legislador considerou, atenta a excecionalidade do custo, ser necessário a verificação cumulativa de vários requisitos.

T- Acresce que, não teria sido por mero acaso que o legislador foi particularmente exigente ao instituir as condições necessárias para que determinados gastos sejam aceites fiscalmente.

U- É que, ao contrário dos gastos resultantes da atividade normal de uma sociedade, os gastos que a impugnante quer ver aceites fiscalmente resultam de desvalorizações excecionais, provenientes de causas anormais, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações técnicas excecionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso.

V- Ou seja, atenta a excecionalidade dos gastos, o legislador determinou um enquadramento legal (artigo 38º do CIRC) mais exigente, sendo que, só com a verificação cumulativa de todos os requisitos é que o gasto poderá ser aceite fiscalmente.

W- Assim, não tendo ocorrido a comunicação, da qual dependia, nos termos da lei, a aceitação da desvalorização excecional como custo fiscal, andou bem a AT ao ter desconsiderado o referido gasto.

X- Destarte, a atuação da Administração Tributária foi conforme à lei, não se verificando o vício que é imputado ao ato tributário, sendo que este por ser legal, deverá manter-se.

Y- Tendo na douta sentença ora recorrida se decidido de forma diversa é inevitável que se conclua que foi violado o disposto no art. 38º nº3 do CIRC em vigor à data dos factos.

Z- Nestes termos, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por douto Acórdão que considere a impugnação improcedente.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

1 - A impugnação da recorrida tem por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o Rendimento das pessoas coletivas n.º ...15 relativa ao ano de 2011.

2 - A questão do presente recurso prende-se com uma questão de direito, mais propriamente com a interpretação do artigo 38 n.º3 do CIRC.

3 - Discorda por completo a Autoridade Tributária em sede de recurso com a sentença proferida pela meritíssima juiz “a quo”, na sequência da interpretação restritiva efetuada ao artigo 38 n.º 3 do CIRC.

4 - Entendeu a Meritíssima Juiz e bem, que a falta de cumprimento da obrigação de comunicação referida na Alínea C), do n.º 3 do artigo 38.º do Código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, por si só não implicava uma desconsideração do gasto, como pretendia a recorrente operar.

5 - A correção da recorrente/apelante fundamenta-se apenas na não consideração de desvalorizações excecionais provenientes de abates de valores registados nas contas de edifícios e outras construções e respetivas depreciações, por falta de cumprimento da obrigação de comunicação referida na Alínea C), do n.º 3 do artigo 38.º do Código do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, referindo que este artigo é uma condição sine qua non na determinação da desvalorização excecional como gasto do período e que os seus requisitos são cumulativos.

6 - Por sua vez a recorrida sempre discordou da posição da Autoridade tributária entendendo que o incumprimento da formalidade de comunicação (artigo 38.º n.º 3 C)) invocada pela apelante/recorrente não justifica a redução dos prejuízos dedutíveis ao resultado fiscal do ano de 2011 e consequentemente, as correções aritméticas efetuadas e que estiveram na base da liquidação objeto de impugnação, atendendo sobretudo ao princípio da verdade material.

7 - A meritíssima juiz no âmbito da sentença refere o seguinte:

“verdade, não sendo controverso, nos autos, os factos que originaram a desvalorização excecional e o abate físico, desmantelamento, o abandono ou inutilização dos bens (pois, em momento algum a Administração Tributária diz que os mesmos não se verificaram), o que sendo ponto de discórdia caberia ao sujeito passivo o ónus de provar (Cfr. Artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária) impõe-se, atendendo aos referidos princípios, fazer-se uma interpretação restritiva da C), do n.º 3, do artigo 38.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no sentido de a falta da comunicação aí referida, não implicar por si só, a desconsideração da desvalorização excecional como gasto, pois é esta interpretação, partindo daquele pressuposto, que melhor permite alcançar a verdade material e a tributação do lucro real da empresa”

8 - No modesto entendimento da recorrida ainda que a douta decisão tenha considerado que os requisitos previstos no n.º 3 no artigo 38.º do CIRC têm natureza cumulativa, entendeu a meritíssima Juiz do Tribunal “ A quo” fazer uma interpretação restritiva, e nessa medida considerar que o requisito previsto na Alínea C) do artigo supra referenciado, não implicava uma desconsideração do gasto, até porque a Recorrente em momento algum coloca em causa a veracidade das desvalorizações e do abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens.

9 - Ora, tal interpretação restritiva vai ao encontro dos princípios da descoberta da verdade material e do Princípio do inquisitório, a que está vinculada a Autoridade tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 58 da Lei Geral Tributária, e que foram sustentados pela recorrida no âmbito da impugnação.

10 - À recorrente incumbia realizar oficiosamente todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público, à descoberta da verdade material e ao princípio da tributação do lucro Real das empresas, nos termos do artigo 104, n.º 2 da CRP, o que não se verificou no caso em concreto.

11 - Não se verifica qualquer violação ao disposto no artigo 38 n.º 3 do CIRC em vigor à data dos factos, como pretende a recorrente fazer valer no âmbito do presente recurso.».

Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, onde concluiu que o presente recurso merece provimento.

Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir.


◇◇◇

2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga relevou e deu como provados os seguintes factos:

A) Pela ordem de serviço n.º ...08, foi determinada uma ação inspetiva à Impugnante ao exercício de 2010, da qual resultou uma redução no prejuízo fiscal apurado pelo sujeito passivo de €234.575,32, para €2248,67€ (Cfr. Relatório da ação de inspeção, a fls. 22 a 33 do Processo Administrativo, a fls. 72 da paginação eletrónica).

B) Na sequência da ação inspetiva, referida na al. A), pela ordem de serviço n.º ...93, de 17/07/2014, foi determinada uma ação inspetiva à Impugnante, que incidiu sobre Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, referente ao ano de 2011 (Cfr. Relatório da ação de inspeção, a fls. 22 a 33 do Processo Administrativo, a fls. 72 da paginação eletrónica).

C) Em consequência da ação inspetiva, referida na al. B), resultaram correções meramente aritméticas à matéria tributável e ao imposto sobre o rendimento, com base na fundamentação constante do ponto III, do relatório de inspeção, do qual se infere, no que releva para os presentes autos:

II.3.4 Enquadramento em sede de IRC [Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas] e IVA [Imposto sobre o Valor Acrescentado]

Enquadra-se, em sede de IVA, no Regime Normal de periodicidade trimestral e, em sede de IRC, no Regime Geral de Tributação.

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO

iii.1.IRC

iii.1.1 – Prejuízo para efeitos fiscais utilizado em 2011 respeitante ao período de 2010

O SP registou em 2010-12-31, na conta 6873 – Abates, a título de desvalorização excepcional, o abate de valores registados nas contas 43211 – Edifícios e outras construções (411.625,53 EUR) e 43812 – Depreciações de Edifícios e outras construções (179.298,78 EUR), o valor de 2323.326,75 EUR.

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 38.º do CIRC [Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas], podem ser aceites como perdas por imparidade as desvalorizações excecionais referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 35.º provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, designadamente, desastres, fenómenos naturais, inovações excecionalmente rápidas ou alterações significativas, com efeito adverso no contexto legal.

Determina a alínea c) do n.º 3 do artigo 38.º do CIRC que, quando os factos que determinaram as desvalorizações excepcionais dos ativos e o abate físico ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos ativos, corrigido de eventuais valores recuperáveis, pode ser aceito como gasto do período desde que para além de outros requisitos, seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles bens se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou inutilização e o valor líquido fiscal dos mesmos.

Do processo individual do SP arquivado no Serviço de Finanças de Braga – 1 e nesta Direção de Finanças, não consta qualquer comunicação do abate dos bens em análise.

Questionado o SP sobre a realização desta comunicação de abate ao Serviço de Finanças, o mesmo esclareceu através de declaração efetuada por AA, na qualidade de sócio gerente que: “…declara que não efectuamos a comunicação de destruição de bens do imobilizado em 2010, no valor de € 232.326,75, conforme relação em anexo.”.

Deste modo, de acordo com o n.º 1 e n.º 3 do art.º 38.º do CIRC, o valor de 232.326,75 EUR, registado como gasto na conta 6873 – Abates, a título de desvalorização excecional não é fiscalmente aceite como gasto.

Assim sendo, a correção em sede de IRC efetuada em 2010 ascendeu a 232.326,75 EUR.

Em resultado desta correção o prejuízo para efeitos fiscais apurado no ano de 2010 ascendeu a 2.248,57 EUR, contrariamente ao valor de 234.575,32 EUR apurado pelo SP.

No apuramento da matéria coletável respeitante ao exercício de 2011, no valor de 113.921,49 EUR, o SP deduziu prejuízos fiscais no valor total de 305.635,33 EUR, dos quais 234.575,32 EUR respeitam ao exercício de 2010, cujos cálculos se apresentam em seguida:
Exercícios
Lucro tributável declarado
Prejuízos fiscais apurados
Prejuízo fiscal deduzido pelo SP
Matéria coletável declarada
2006
0,00 €
40.144,08 €
2008
0,00 €
23.798,18 €
2009
0,00 €
6.117,75 €
2010
0,00 €
234.575,32 €
2011
418.556,82 €
304.635,33 €
113.921,49 €

Tal como já foi referido o SP deduziu ao lucro tributável de 2011 prejuízos no valor de 304.635,33 EUR dos quais 234.575,32 EUR respeitam ao exercício de 2010, corrigidos para 2.248,67 EUR através da ...08, pelo que a matéria coletável corrigida ascende a 346.248,24 EUR, conforme se demonstra em seguida:
Lucro tributável declarado
Prejuízos fiscais corrigidos
Prejuízo fiscal dedutível após correções
Matéria coletável apurada
2006
0,00 €
40.144,08 €
2008
0,00 €
23.798,18 €
2009
0,00 €
6.117,75 €
2010
0,00 €
2.248,57 €
2011
418.556,82 €
72.308,58 €
346.248,24 €

(Cfr. Relatório da ação de inspeção, a fls. 22 a 33 do Processo Administrativo, a fls. 72 da paginação electrónica, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).


D) A Impugnante, no âmbito da ação inspetiva, através do seu sócio, declarou que não comunicou ao serviço de finanças da área do local onde os bens se encontravam, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização e o total do valor líquido fiscal dos mesmos (Cfr. Relatório da ação de inspeção, a fls. 22 a 33 do Processo Administrativo, a fls. 72 da paginação eletrónica).

E) A presente impugnação judicial deu entrada no dia 24/02/2015 (Cfr. email a fls. 1 da paginação eletrónica).


◇◇◇

3. A questão que vem colocada no presente recurso é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que a falta da comunicação prévia a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 38.º do Código do IRC (antes da sua revogação pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) não obsta à dedução, para efeitos fiscais, das perdas por imparidade decorrentes de desvalorizações excecionais em ativos fixos tangíveis, se a perda dos ativos correspondentes não tiver sido posta em causa pela administração.

A esta questão respondemos afirmativamente.

Vamos por partes. As perdas por imparidade que consistam em desvalorizações excecionais em ativos fixos tangíveis podem ser deduzidas para efeitos fiscais se forem aceites pela administração tributária.

É o que resulta do n.º 1 do artigo 38.º do Código do IRC (disposição geral, aplicável a toda as situações previstas na norma).

E é o que resulta, também do seu n.º 3, ao dispor que «o valor líquido fiscal dos ativos (…) pode ser aceite como gasto do período» (sublinhado nosso).

Entende-se por aceitação para efeitos fiscais o reconhecimento administrativo da ocorrência dos factos que determinaram as desvalorizações excecionais, como deriva do seu n.º 2 (que regula, em geral, as situações de perda extraordinária do valor do bem face ao seu valor de uso).

Sendo que este reconhecimento administrativo é feito através de um procedimento que se encontra ali especialmente regulado e que se destina, na essência, a assegurar a verificação prévia (antes da dedução), pela administração, daqueles factos.

Isto sucede porque o regime legal das desvalorizações excecionais dos ativos (no caso, dos ativos fixos) contrapõe ao regime das depreciações e amortizações.

No sentido de que a lei reconhece, para efeitos fiscais, os gastos que derivam do deperecimento normal ou ordinário dos ativos fixos, mas subordina à verificação ou intervenção prévia da administração o reconhecimento, para efeitos fiscais, das perdas ditas extraordinárias.

Aliás, já era assim no regime pregresso. Na versão do Código do IRC que vigorou até 2009, a lei distinguia, globalmente, entre as depreciações (normais) e as desvalorizações (excecionais) de bens do ativo imobilizado.

As depreciações (normais) eram as diminuições do valor dos elementos do ativo imobilizado (ativos fixos) sujeitos a deperecimento, decorrentes do desgaste normal provocado pelo seu uso. Sendo por isso que só eram praticadas, em princípio, a partir da sua entrada em funcionamento.

As desvalorizações (excecionais) ocorriam quando circunstâncias imprevisíveis geravam quebras de valor dos ativos, isto é, quando a fonte da diminuição do valor não era o seu uso regular.

As primeiras refletiam a evolução previsível do valor líquido do ativo no balanço, enquanto as segundas refletiam as quebras ímpares desse valor.

Nessa altura, tanto as depreciações como as desvalorizações eram relevadas fiscalmente através do mecanismo das amortizações (nos termos do qual a diminuição o valor do ativo tinha como contrapartida o incremento de um custo ou de uma perda).

Mas não eram relevadas do mesmo modo. Porque enquanto o custo fiscal das amortizações regulares (as causadas pelo deperecimento normal dos elementos do ativo) era reconhecido à partida pelo legislador (e sem prejuízo da verificação posteriori dos pressupostos da sua dedução) o reconhecimento fiscal das amortizações extraordinárias dependia da validação prévia pela administração.

Isto sucedia, por um lado, porque a valorização das perdas extraordinárias constituía muitas vezes um processo de elevada complexidade técnica e, por outro lado, porque abria as portas à manipulação do resultado fiscal.

Na prática, isto significava que, aos pressupostos substantivos do reconhecimento fiscal da desvalorização extraordinária, o legislador acrescentava um pressuposto de natureza formal-procedimental.

Ora, a situação não mudou significativamente com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de julho. Aliás, o seu preâmbulo já anunciava que eram mantidas as características essenciais do regime das depreciações e amortizações, adaptando-se apenas a definição do respetivo âmbito de aplicação à nova terminologia contabilística.

Sendo que, na nova terminologia, as desvalorizações extraordinárias de elementos do ativo imobilizado passaram a ser designadas como «perdas por imparidade» em «ativos fixos», estando a sua regulação incluída no artigo 38.º do Código.

Assim, o reconhecimento fiscal de perdas por imparidade decorrentes de desvalorizações excecionais de bens do ativo fixo continua a depender da intervenção prévia da administração e em todas as situações previstas em todo o artigo 38.º.

É verdade, em todo o caso, que essas situações não são todas iguais.

Umas vezes, as ditas causas anormais (desastres, fenómenos naturais, obsolescência) conduzem apenas a que existam imparidades (desvalorizações excecionais) geradoras de perdas de valor de bens do ativo fixo que, todavia, continuam em uso.

Outras vezes (nas situações mais graves), essas causas anormais conduzem a que existam imparidades geradoras de perdas dos próprios ativos (abate, desmantelamento, abandono ou inutilização).

Parece lógico que, nestas outras situações, os mecanismos de verificação sejam mais rigorosos. Afinal, não se trata de verificar e reconhecer as perdas de valor, mas também as perdas dos próprios ativos.

Assim, quando à desvalorização venha a suceder a perda do ativo, à verificação e aceitação da quebra do valor seguir-se-á a verificação ou comprovação do abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização do bem (nos termos consignados nas três alíneas do n.º 3). É o que resulta do n.º 4 do mesmo dispositivo legal.

Mas pode dar-se o caso de os factos que determinaram a perda de valor e a perda do bem ocorram no mesmo período de tributação (de resto, a situação que vem descrita nos autos).

Aí, já não se trata de apurar as perdas de valor extraordinárias e o valor remanescente de uso, mas o valor líquido do ativo perdido, com referência ao momento do abate, do desmantelamento, do abandono ou da inutilização.

Por isso, o procedimento de aceitação da imparidade servirá, simultaneamente, para comprovação dos factos que conduzem à perda do ativo.

Pelo que, na interpretação que fazemos do artigo 38.º, n.º 3, do Código, a concorrência, no mesmo período de tributação dos factos que conduzem à imparidade e à perda do bem não conduz à dispensa do procedimento de aceitação e reconhecimento prévio da imparidade, mas à sua agilização. Nada impedindo que a comprovação da perda do bem preceda a aceitação do valor líquido fiscal do ativo perdido.

Desde que seja precedida da comunicação a que alude a sua alínea c).

É que não faria sentido nenhum que, rodeando de especiais cautelas o reconhecimento das perdas por imparidade, através de um mecanismo particularmente rigoroso e exigente, o legislador viesse a dispensá-lo precisamente nas situações mais agudas e extremas, em que essas cautelas mais se justificam.

E, na fixação do sentido e alcance da lei, o julgador deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas – artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.

Assim – e em conclusão – as perdas por imparidade que consistam em desvalorizações excecionais em ativos fixos tangíveis e que conduzam às perdas dos ativos no mesmo período de tributação (também) só podem ser deduzidas para efeitos fiscais se forem aceites pela administração tributária.

Por outro lado, se os factos que conduzem à perda do bem (o abate físico, o desmantelamento, o abandono ou a inutilização) precederam o próprio procedimento de validação e aceitação do valor líquido fiscal do ativo e não forem atempadamente comunicados à administração (e, por consequência, esta não tenha tido a oportunidade de os acompanhar), a perda do ativo já não vai poder ser reconhecida.

Em consequência, a imparidade também não vai poder ser aceite.

Nestas circunstâncias, a comunicação prévia constitui um pressuposto necessário da «aceitação», como gasto do período, do valor líquido fiscal do ativo.

É o que resulta, desde logo, da letra da lei. Ao dispor que «o valor líquido fiscal dos ativos (…) pode ser aceite como gasto do período, desde que: (…)». A conjugação do verbo transitivo «pode» com a locução subordinativa condicional «desde que» indica que estamos perante uma condição que é oposta ao exercício da faculdade correspondente.

Mas é também a conclusão lógica do sobredito: o valor do ativo perdido não pode ser aceite como gasto do período se não for possível comprovar a perda do ativo.

A este propósito, o tribunal de primeira instância começou por defender que o não cumprimento da formalidade correspondente não impede a desconsideração do gasto, se for possível a comprovação (posterior, subentende-se) do abate físico, desmantelamento, abandono ou da inutilização dos bens.

Mas acabou por não tirar todas as consequências do seu raciocínio, visto que nunca chegou a concluir que, no caso, era possível a comprovação posterior destes factos.

E muito menos que fosse possível alcançar um grau de certeza equivalente. Não podemos olvidar que estamos perante uma norma que previne a manipulação fiscal, numa área extremamente sensível e onde não deve ser admitida nenhuma interpretação da norma que implique a redução dos poderes de verificação tributária.

Em concreto, a Recorrida tinha alegado que os bens perdidos eram benfeitorias em imóvel arrendado (designadamente, uma cobertura de esplanada) que não teria sido possível desmontar (e que, por isso, se perderam a favor do proprietário do imóvel).

Nada disto foi levado aos factos provados. De qualquer modo, observamos, de passagem, que a comunicação prévia serviria precisamente para que o serviço de finanças pudesse confirmar a existência da cobertura, o seu estado e a perda da mesma no momento da entrega das chaves.

O verdadeiro (e único) fundamento que suporta a decisão do tribunal de primeira instância (e que o levou a dar razão à ali impugnante) radica no facto de a administração tributária nunca ter posto em causa, no procedimento, os factos que originaram a desvalorização excecional.

O raciocínio da Mm.ª Juiz a quo parece ter sido o seguinte: embora caiba ao sujeito passivo a comprovação dos factos que originaram a desvalorização excecional, a administração também tem o dever de os investigar e de diligenciar pelo apuramento da verdade material, só devendo opor ao sujeito passivo a falta de cumprimento dessa formalidade numa situação em que essas diligências não colham frutos ou sejam inconclusivas (ou seja, numa situação de non liquet).

Deve, porém, contrapor-se desde já que este raciocínio tem subjacente o entendimento segundo o qual a comunicação prévia constitui um dever do sujeito passivo, equivalente aos deveres de declaração, de escrituração e de documentação (deveres extraprocedimentais) ou de prestação de informações e de esclarecimento da situação tributária (deveres endoprocedimentais).

Deveres cujo incumprimento pode e deve ser colmatado através de diligências administrativas necessárias à satisfação do interesse público e da descoberta da verdade material.

Ora, não é assim. Desde logo, porque não estamos perante o cumprimento de um dever por parte do sujeito passivo. Até porque também não existe o dever de deduzir o valor líquido fiscal dos ativos perdidos, mas a faculdade de o fazer, mediante o cumprimento certas condições.

Vem ao caso a distinção entre ónus e dever jurídico: no primeiro caso, opõe-se a observância de determinado comportamento a quem pretenda aceder a uma vantagem ou evitar uma desvantagem; no segundo, impõe-se a observância de um determinado comportamento a favor de outrem e associa-se a sua inobservância a uma sanção.

A dedução, como gasto, do valor correspondente a uma desvalorização excecional não está associado ao cumprimento de uma obrigação por parte do sujeito passivo, mas ao preenchimento de um ónus de natureza procedimental: o ónus de desencadear o procedimento que conduz à aceitação do gasto pela administração e permite aceder à correspondente vantagem fiscal.

Pelo seu lado, a administração também não tem o poder-dever de apurar (oficiosamente) as perdas que não lhe forem comunicadas. O seu poder de agir (e, consequentemente, de apuramento dos factos em que se sustenta a dedução do gasto correspondente) só existe se lhe for dirigida uma pretensão pelo sujeito passivo e pelo meio próprio.

O que, no caso, manifestamente não sucedeu, até porque a Recorrida reconhece expressamente que «não foi efetuada qualquer comunicação» (ver artigo 30.º da douta p.i.).

Pelo que a douta sentença não pode manter-se e deve ser revogada.


◇◇◇


4. Conclusão


4.1. As perdas por imparidade que consistam em desvalorizações excecionais em ativos fixos tangíveis e que conduzam às perdas dos ativos no mesmo período de tributação só podem ser deduzidas para efeitos fiscais se forem aceites pela administração tributária.


4.2. A falta da comunicação prévia a que alude a alínea c) do n.º 3 do artigo 38.º do Código do IRC (antes da sua revogação pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro) e do subsequente acompanhamento pela administração da perda do ativo obsta ao reconhecimento desta e, por consequência, a que o valor líquido fiscal do ativo seja aceite como gasto do período.


◇◇◇

5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação.

Custas em ambas as instâncias pela Recorrida.

D.n.

Lisboa, 10 de maio de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Isabel Cristina Mota Marques da Silva.