Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02479/19.8BEPRT
Data do Acordão:05/10/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
NATUREZA
INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
AUXILIO DO ESTADO
Sumário:I - A Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM) tem sido, de forma reiterada, qualificada pelo Tribunal Constitucional como uma contribuição financeira anual constituindo receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tudo conforme resulta do disposto nos artºs.1 e 4, nº.1, al. b), do dec.lei 119/2012, de 15/06, e do artº.8, nº.1, da portaria 215/2012, de 17/07.
II - Não se verifica a inconstitucionalidade orgânica e material das normas constantes do regime da TSAM.
III - A sociedade recorrente, enquanto empresa do sector da distribuição, carece de legitimidade para suscitar o tema da violação do regime dos auxílios de Estado neste processo, dado não ser um operador económico que possa ver a sua posição concorrencial afectada pela isenção aos produtores pecuários de suportarem os custos da recolha e eliminação dos cadáveres de animais, financiados através da taxa SIRCA.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30987
Nº do Documento:SA22023051002479/19
Data de Entrada:12/06/2022
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
"A..., S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando o acto de o acto de liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais, referente ao ano de 2019 e no montante total de € 1.282.895,51.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.116 a 141-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Ao contrário do que resulta da Sentença recorrida, podemos actualmente concluir que a TSAM não pode ser qualificada dogmaticamente como uma contribuição financeira: os sujeitos passivos do tributo não são beneficiários nem causadores efectivos da actividade estadual a cujo financiamento o tributo se destina, pelo que, mesmo se da letra da lei se pudesse extrair em abstracto que aqueles sujeitos passivos são presumíveis causadores ou beneficiários da actividade em causa, sempre se tem de concluir, actualmente, que tal presunção se encontra ilidida.
B-Considerando apenas a razão de ser da medida, tal como se encontra formalmente inscrita na lei – constituir receita de um Fundo dedicado ao financiamento de políticas de protecção da segurança alimentar e da saúde do consumidor, verificamos que o Estado já exige às empresas sujeitas à TSAM o cumprimento de todas as obrigações de cuidado que considera indispensáveis, obrigações essas que, no caso da Recorrente, são objecto de cumprimento integral e escrupuloso, por si custeado – e, para além disso, acrescentado de controlos que a Recorrente promove por sua iniciativa. Quer isto dizer que o risco de saúde pública que se pretende neutralizar já é perfeitamente controlado nos termos que o próprio Estado entende ser necessário exigir à Recorrente (e empresas congéneres).
C-Uma vez que já exigia às empresas de distribuição tudo o que lhes era exigível, o Estado resolveu criar um tributo adicional (que até “mais” no nome) para, sobre a capa da participação daquelas no esforço público de garantia da qualidade e segurança alimentares, constituir um fundo de financiamento paralelo do sistema de recolha de cadáveres de animais mortos nas explorações (“SIRCA”), financiamento esse que está legalmente proibido por outra via que não um outro tributo próprio – a taxa do SIRCA.
D-Portanto, à luz do que hoje se sabe acerca da forma como a TSAM funciona – desde logo, aquilo que serve sobretudo para financiar –, temos de concluir que ela não foi criada para que os respectivos sujeitos passivos sejam dela efectivos beneficiários ou por serem efectivos causadores da actividade estadual financiada.
E-Assim, a única conclusão possível é a de que a TSAM é um imposto (um imposto especial sobre o rendimento das empresas de grande distribuição, conforme defendido pelo Prof. Casalta Nabais no seu Parecer junto aos autos): ela constitui o financiamento de uma actividade do Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas, assente mais na dimensão de solidariedade própria da figura dos impostos do que em qualquer vínculo de correspectividade específica, característico das taxas, ou presumida, típica das contribuições financeiras, os quais, como se disse, não são neste caso suficientemente discerníveis.
F-Sendo um imposto, dúvidas não restam de que, antes de mais, a TSAM é organicamente inconstitucional porque viola o princípio da legalidade tributária. De facto, em desrespeito” pelo estipulado na alínea i) do artigo 165º da Constituição, o tributo não foi aprovado por lei parlamentar ou por decreto-lei autorizado (e, nessa medida, ao abrigo da primeira parte do referido n.º 3 do artigo 103º da Constituição, inexigível).
G-Mais: no caso vertente a violação do princípio da legalidade revela-se até com um elevadíssimo grau de intensidade, na medida em que não só o tributo foi criado por decreto-lei não autorizado como uma boa parte dos seus elementos essenciais se encontra vertida apenas em portarias (quer a Portaria n.º 215/2012 quer a Portaria n.º 200/2013).
H-A inconstitucionalidade da TSAM verifica-se também for via material, em face da violação do princípio da capacidade contributiva (concretização do princípio da Igualdade – artigo 13º da Constituição).
I-Assim é, em primeiro lugar, porque a sua base de incidência subjectiva não atinge todos os contribuintes que com a receita da contribuição criada pelo Governo o Estado alegadamente se propõe beneficiar.
J-Desde logo, se, de acordo com o Governo, interessa que todos os agentes económicos do sector alimentar contribuam para o financiamento da actividade de segurança alimentar, que a todos beneficia, e se a TSAM, em concreto, foi criada para incluir nesse esforço (todos) os operadores do sub-sector da distribuição, então não existe qualquer justificação para que dela estejam isentos os estabelecimentos com uma área inferior a 2000m2 ou pertencentes a microempresas desde que não pertençam a uma empresa que utilize uma ou mais insígnias, ou a um grupo, que disponham, a nível nacional, de uma área de venda acumulada igual ou superior a 6000m2. Não é legítimo tamanho afunilamento da base subjectiva: só é possível configurar uma participação equitativa neste concreto encargo público se todos os operadores da cadeia do sector alimentar – e não só os distribuidores retalhistas de grande dimensão – forem enquadrados nessa obrigação de participação.
K-Por outro lado, para além da discriminação inexplicada entre os operadores da distribuição retalhista e os restantes, o regime da TSAM viola ainda o princípio da capacidade contributiva, na dimensão da escolha da base de incidência subjectiva, quando estatui que aquela se aplica apenas a algumas empresas de comércio alimentar a retalho: por exemplo, a natureza proporcional do tributo não implica que uma empresa com área de venda acumulada de 5500m2, um super-mercado de média dimensão ou um pequeno talho não possam a ele estar também sujeitos.
L-Assim sendo, para cabal cumprimento dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, exigir-se-ia que o imposto (ou a contribuição) em questão dispusesse de uma base tributável subjectiva bem mais ampla do que a que foi estatuída.
M-No seu Parecer, o Prof. Casalta Nabais é bastante claro quanto a este aspecto, criticando as discriminações presentes nas regras de incidência da TSAM, em termos tais que elas significam mesmo que o que o legislador quis foi, tão-só, a pura arrecadação de receita, tendo em conta a especial capacidade contributiva dos grandes operadores do sector da distribuição, e nunca, verdadeiramente, a criação de um tributo pensado exclusivamente como a contraprestação de um serviço público.
N-Aliás, na senda dos recentes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 03/05/2017 (processo n.º 914/16) e 17/05/2017 (processo 01000/16) – acerca da taxa do SIRCA – também se deve concluir que, se a TSAM fosse uma verdadeira contribuição, então, não sendo as empresas de distribuição efectivas ou presumíveis beneficiárias do SIRCA (pelo menos de modo significativamente diferente do que o é a generalidade da comunidade), o tributo é materialmente inconstitucional.
O-Por outro lado, na sua pretensão de capturar a capacidade contributiva dos sujeitos passivos a que dirigiu a TSAM, o Governo escolheu como base de incidência do tributo a capacidade instalada dos operadores em causa, isto é, a medida em que os estabelecimentos de cada um deles, em função das respectivas áreas, podem gerar vendas de bens alimentares. A intenção que prevaleceu foi, pois, a de criar um imposto sobre o rendimento, exigível consoante o lucro de cada um dos operadores do sector da distribuição abrangidos.
P-Não se trata, contudo, de um imposto apurado através de uma aproximação directa ao lucro real das empresas, mas sim mediante uma aproximação indirecta ou presumida: a área de venda é, na lógica do legislador, um dado suficiente para a aferição da susceptibilidade de gerar lucros. Trata-se de uma aproximação ou presunção fantasiosa, puramente conjecturada do rendimento real, que facilmente conduzirá a resultados arbitrários: é que o facto de uma empresa dispor de capacidade de gerar um rendimento não significa que o gere efectivamente, nem muito menos que gere um rendimento líquido (um lucro) – conforme é exigido que ocorra para se poder falar de uma tributação conforme ao princípio da capacidade contributiva.
Q-Do que vem dito resulta que a TSAM tem um efeito de sobreposição ao IRC que é inaceitável, até porque potencia também, em benefício do Estado, um efeito de “fraude” à tributação em sede do referido imposto: o Estado pode apurar uma colecta sobre lucros ainda que nenhuma capacidade contributiva se revele efectivamente nessa forma.
R-Finalmente, ao constituir um mecanismo de tributação de lucros (apurados de forma presuntiva), que funciona paralela e simultaneamente com o IRC, acaba por representar a consagração sistemática da dupla tributação jurídica: os sujeitos passivos da TSAM serão tributados duas vezes sobre o mesmo rendimento (os lucros), em IRC e neste novo imposto ou contribuição especial.
S-A TSAM tem servido para financiamento do SIRCA, por via do Fundo ao qual se dirige a receita obtida pelo tributo, financiamento esse que viola o direito da União, nomeadamente as regras relativas aos auxílios de Estado, na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE.
T-Com efeito, o financiamento do SIRCA através da TSAM constitui um verdadeiro auxílio de Estado uma vez que se encontram preenchidos todos os critérios cumulativos estabelecidos pelo artigo 107º do TFUE: a medida determina a concessão de uma vantagem económica e selectiva aos produtos pecuários, uma vez que os isenta de suportar custos inerentes à sua actividade económica; é imputável ao Estado Português e assegurada por recursos estatais provenientes das contribuições obrigatórios através das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em especial da TSAM (sendo que estas taxas, enquanto modo de financiamento do auxílio, constituem uma parte integrante da medida); e, por último, o auxílio afecta as trocas comerciais entre Estados-Membros, na medida em que isenta os produtores pecuários portugueses de custos inerentes à sua actividade económica, o que tem um impacto na posição dos produtos portugueses num sector no qual se verifica um elevado nível de trocas intercomunitárias, sendo ainda susceptível de falsear a concorrência por determinar a obtenção de uma vantagem que não seria obtida em condições normais de mercado.
U-Constituindo a medida um auxílio de Estado na acepção do n.º 1 do artigo 107º do TFUE, o Estado Português executou-a em violação da obrigação de notificação à Comissão decorrente do n.º 3 do artigo 108º do TFUE, o que determina a ilegalidade do auxílio, nos termos da alínea f) do artigo 1º do Regulamento (UE) 2015/1589.
V-De acordo com a jurisprudência reiterada do TJUE, o n.º 3 do artigo 108º produz efeito directo nas jurisdições dos Estados-Membros, pelo que pode ser invocado por particulares junto dos tribunais nacionais, que devem conhecer da existência e ilegalidade do auxílio.
W-Os tribunais nacionais são ainda competentes para determinar diversas medidas, nomeadamente para impedir o pagamento de auxílio ilegal e impor o reembolso dos montantes cobrados ao abrigo das taxas que constituem receitas próprias do Fundo, em particular da TSAM. A ilicitude do auxílio contamina a validade da taxa sempre que esta faça parte integrante daquele, consistindo no modo do seu financiamento, como é indubitavelmente aqui o caso.
X-Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 119/2012, de 15 de Junho, passou a existir uma afectação obrigatória de ambas as taxas, Taxa SIRCA e TSAM, ao financiamento do SIRCA. Isto é, com a criação do Fundo como instrumento intermédio para a arrecadação de receita para o financiamento de medidas específicas no quadro da proteção da segurança alimentar, o produto da Taxa SIRCA e da TSAM passaram a constituir receitas próprias do Fundo, as quais são direccionadas para as medidas por aquela financiadas, e de entre as quais o SIRCA detém um peso primordial.
Y-Isto porque toda a ratio da criação do Fundo e da TSAM se prendeu com a necessidade de suprimento das insuficiências de financiamento do SIRCA pela sua taxa, através da qual nunca foi possível auto-financiar os custos com estes serviços, o que se torna manifesto ao se verificar que a TSAM constitui efetivamente a receita mais significativa do Fundo, representando a esmagadora maioria do montante das suas receitas próprias.
Z-Assim sendo, é indubitável a existência de uma afectação obrigatória da TSAM à medida de auxílio, no sentido em que o montante do auxílio, decorrente do aumento dos custos com estes serviços, determina necessariamente o montante das receitas provenientes da TSAM que são utilizadas para o financiamento desta medida.
X
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.167 a 169 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.103 e 104 do processo físico):
A-Por ofício datado de 17/06/2019, foi a Impugnante notificada pela Direção Geral de Alimentação e Veterinária para pagar a taxa de segurança alimentar relativa ao ano de 2019 (1ª prestação), no valor de € 1.282.895,51, nos seguintes termos:


[IMAGEM]


- Cf. fls. 59 e ss do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B-A presente impugnação deu entrada em 14/10/2019 - Cf. fls. 2 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem quaisquer outros factos provados ou não provados relevantes para a boa decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A convicção do Tribunal na consideração dos factos provados alicerçou-se no teor dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve o acto de liquidação de Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), referente ao ano de 2019 e objecto do presente processo (cfr.al.A) do probatório supra).
X
Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a TSAM não pode, actualmente, ser dogmaticamente qualificada como uma contribuição financeira. Que o respectivo regime padece dos vícios de inconstitucionalidade orgânica (violação do princípio da legalidade) e material (violação do princípio da capacidade contributiva), além de, igualmente, violar o regime da União Europeia relativo aos auxílios de Estado. Que a sentença recorrida, ao decidir em contrário, deve ser revogada (cfr.conclusões A) a Z) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Em primeiro lugar, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac. S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac. S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac. S.T.A. - 2ª.Secção, 16/09/2020, rec. 387/17.6BEMDL; ac. S.T.A. - 2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
A revisão constitucional de 1997 introduziu, a propósito da delimitação da reserva legislativa parlamentar, a categoria tributária das contribuições financeiras a favor das entidades públicas, dando cobertura constitucional a um conjunto de tributos parafiscais que se situam num ponto intermédio entre a taxa e o imposto (cfr.artº.165, nº.1, al.i), da C.R.Portuguesa). As contribuições financeiras constituem um "tertium genus" de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que compartilham, em parte, da natureza dos impostos, porque não têm, necessariamente, uma contrapartida individualizada para cada contribuinte e, noutra parte, da natureza das taxas, porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam colectivamente de uma actividade administrativa (cfr.ac.S.T.A. - 2ª.Secção, 2/02/2022, rec. 810/18.2BESNT; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I vol., Coimbra Editora, 4ª. Edição, pág.1095; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª. edição, Editora Encontro da Escrita, 2012, pág.72 e seg.; Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.82 e seg.).
O regime da TSAM foi criado pelo dec.lei 119/2012, de 15/06, diploma que concebeu, igualmente, o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais. Este, por sua vez, tem como objectivos, entre outros, o financiamento de custos referentes à execução de controlos oficiais, no âmbito da segurança alimentar, da protecção e sanidade animal, da protecção vegetal e fitossanidade e no apoio à prevenção e erradicação das doenças dos animais e plantas. De entre as receitas do mencionado fundo, encontra-se a TSAM.
Este tributo está previsto no artº.9, do referido diploma, mais sendo configurado como "contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar", sendo sujeitos passivos do mesmo os estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados (cfr. Diogo Barros Pereira, O Sector da Distribuição e a Taxa de Segurança Alimentar, in Taxas e Contribuições Sectoriais, Coordenação Sérgio Vasques, Almedina, 2013, pág.165 e seg.).
A questão que se coloca, em primeiro lugar, prende-se com a configuração da TSAM, enquanto tributo, o qual a recorrente defende tratar-se de um imposto.
Em sede jurisprudencial, a TSAM tem sido, de forma reiterada, qualificada pelo Tribunal Constitucional como uma contribuição financeira anual constituindo receita do Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar Mais, tudo conforme resulta do disposto nos artºs.1 e 4, nº.1, al.b), do citado dec.lei 119/2012, de 15/06, e do artº.8, nº.1, da portaria 215/2012, de 17/07 (cfr.por todos, acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional, 20/10/2015, rec.539/15). Em arestos mais recentes, já teve oportunidade de reexaminar o Regime da TSAM, concluindo pela não inconstitucionalidade das diversas interpretações normativas suscitadas pelos respectivos sujeitos passivos, nomeadamente, a sua inconstitucionalidade orgânica e material (cfr.v.g.ac.Tribunal Constitucional 596/2019, de 21/10/2019; ac.Tribunal Constitucional 519/2020, de 20/10/2020; ac.Tribunal Constitucional 681/2022, de 20/10/2022).
Também este Tribunal, de forma constante, tem concluído que a TSAM reveste a natureza de contribuição financeira (cfr.v.g. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/06/2020, rec. 141/13.4BEMDL; ac. S.T.A.- 2ª.Secção, 7/09/2022, rec. 2413/17.0BEPRT; ac. S.T.A.- 2ª.Secção, 11/01/2023, rec.430/20.1BEPRT; ac. S.T.A.- 2ª.Secção, 12/04/2023, rec. 1854/20.0BEPRT).
Avançando, as questões que se colocam no presente recurso prendem-se, por um lado, com a inconstitucionalidade orgânica (violação do princípio da legalidade tributária, em desrespeito pelo estipulado no artº.165, nº.1, al.i), da Constituição da República Portuguesa) e material (violação do princípio da capacidade contributiva - concretização do princípio da igualdade - artº.13, da Constituição da República Portuguesa) da TSAM, e por outro, com a violação do regime da União Europeia relativo aos auxílios de Estado.
Ora, verifica-se que todas as questões colocadas no presente recurso foram já apreciadas por este Tribunal em diversos acórdãos, nomeadamente, no aresto de 11/01/2023, proferido no rec. 430/20.1BEPRT, tal como no acórdão datado de 12/04/2023, rec. 1854/20.0BEPRT (consultáveis em www.dgsi.pt), com idênticas partes e conclusões de recurso iguais às presentes.
Com estes pressupostos, tendo em conta o disposto no artº.8, nº.3, do C.Civil, e usando da faculdade concedida pelo artº.663, nº.5, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.T., porque concordamos com o que, nos identificados arestos, ficou decidido e respectiva motivação, remetemos para a fundamentação jurídica/de direito adoptada nos mesmos, em apoio da decisão que se seguirá (com as devidas e necessárias compatibilizações).
Por outro lado, considerando que os citados acórdãos, ambos da Secção de Contencioso Tributário deste S.T.A., se encontram disponíveis, na íntegra, "on-line", na base de dados da D.G.S.I., dispensa-se a junção das respectivas cópias.
Face à motivação jurisprudencial para a qual se remete, impõe-se negar provimento ao recurso.
Resta acompanhar, igualmente, a jurisprudência deste Tribunal quanto a considerarem-se verificados, no caso concreto, os requisitos de "menor complexidade" a que alude o artº.6, nº.7, do Regulamento das Custas Processuais, não merecendo também censura a conduta processual das partes, razão pela qual se decide dispensar totalmente o pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, nº.1, do C.P.Civil), mais se dispensando do pagamento do remanescente da taxa de justiça, nesta instância de recurso.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 10 de Maio de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.