Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01273/19.0BELSB
Data do Acordão:02/06/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL
PEDIDO
Sumário:I - Perante pedido de protecção internacional, o SEF, numa abordagem liminar, deverá determinar se o respectivo requerente preenche as condições para poder beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para protecção subsidiária;
II - Se o SEF, nessa abordagem liminar, constatar, nomeadamente, que o requerente, ao apresentar o pedido e ao expor os factos, invoca apenas razões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para poder ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária, sujeita tal análise a tramitação acelerada e considera como infundadoo pedido, competindo ao director do SEF proferir a respectiva decisão, de forma fundamentada, no prazo de 30 dias a contar da data da apresentação do mesmo.
Nº Convencional:JSTA000P25546
Nº do Documento:SA12020020601273/19
Data de Entrada:11/27/2019
Recorrente:A......
Recorrido 1:SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS, DIR.REG. DE LISBOA, VALE DO TEJO E ALENTEJO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
1. A………… - devidamente identificada nos autos - interpôs este recurso de revista - per saltum - da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], datada de 13.09.2019, que julgou totalmente improcedente a acção de impugnação por si intentada contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA [MAI] na qual pede a «anulação» da decisão do DIRETOR NACIONAL ADJUNTO DO SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF], de 26.06.2019, que considerou «infundados o pedido de asilo e o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária por si apresentados».

Culmina assim as suas alegações de revista:

1) A requerente apresentou pedido de protecção internacional, formalizado em 10.05.2019;

2) Pedido que veio a ser considerado infundado pelo SEF;

3) Dentro do prazo, e com todas as limitações decorrentes da falta de contacto entre autora e defensor, dela recorreu pela presente acção administrativa;

4) Pela sentença ora recorrida, a acção foi julgada totalmente improcedente por não se verificar a invalidade do acto impugnado, que, no seu entender, deve ser mantido;

5) Inconformada, e porque entende conforme supra exposto que colaborou com as autoridades portuguesas em tudo quanto lhe foi possível, e dentro daquilo que lhe foi solicitado, e não mais, por insuficiência de meios, interpõe este recurso para que possa o tribunal ad quem introduzir uma nova variável na equação que permita suscitar a dúvida que a versão dos factos merece;

6) Sendo esta a questão a saber e que não pode deixar de suscitar o benefício da dúvida: saber porque teria a autora e família apresentado espontaneamente documento que considera falso, mas que aparenta ser Mandado de Captura em nome de seu marido, quando solicita residência e apoio humanitário em Portugal;

7) Para todos os efeitos a família estaria a pedir refúgio para um fugitivo à justiça, o que não se concebe.

Termina pedindo o provimento do recurso de revista, a revogação da sentença, e a sua substituição por decisão que julgue procedente o pedido formulado na acção.

2. A entidade recorrida não apresentou contra-alegações.

3. O recurso de revista «per saltum» foi admitido - artigo 151º do CPTA.

4. O Ministério Público entende que deverá ser negado provimento à revista - artigo 146º, nº1, do CPTA.

Reagindo a esta pronúncia a recorrente veio responder que «não lhe foi proporcionada a oportunidade de se pronunciar, em tempo útil, sobre o sentido provável da decisão» - invoca o acórdão deste STA de 18.05.2017, in Rº0306/17.

5. Sem vistos, por se tratar de processo urgente, cumpre apreciar e decidir a revista - artigo 36º, nº2, do CPTA.

II. De Facto

São os seguintes os factos dados como provados na sentença recorrida:

1. Em 08.05.2019, a autora, o seu cônjuge e os 2 filhos menores, de ambos, foram transferidos da Alemanha para Portugal, ao abrigo do Regulamento de Dublin - folhas 4 a 11 e 40 a 45 do PA, dadas por reproduzidas;

2- Em 10.05.2019, a autora, o seu cônjuge e os 2 filhos menores, de ambos, apresentaram pedido de protecção internacional no Gabinete de Asilo e Refugiados do SEF - acordo e folhas 1, 8 a 10, e 15 a 18 do PA, dadas por reproduzidas;

3- Os pedidos da autora e dos seus 2 filhos deram origem, respectivamente, aos processos de protecção internacional nºs 726J/19, 727J/19 e 728J/19, tratados em conjunto, tendo o do cônjuge sido tratado em separado, com o nº725J/19 - ver folhas 32, 33 e 58 a 74 do PA, dadas por reproduzidas;

4- Em 18.06.2019, no âmbito do processo de protecção internacional nº726J/2019, a autora foi ouvida quanto aos fundamentos do seu pedido de protecção, e prestou declarações, sendo ainda notificada para, querendo, pronunciar-se por escrito no prazo de 5 dias, o que a autora veio a fazer, por requerimento de 25.06.2019 - ver folhas 40 a 45, 56 e 57 do PA, dadas por reproduzidas;

5- Em 26.06.2019, foi elaborada a Informação nº1162/GAR/19, no âmbito da qual se propõe, em suma, e pelos motivos aí constantes, que quer o pedido de asilo quer o pedido de protecção subsidiária sejam considerados infundados, nos termos da alínea e) do nº1 do artigo 19º da Lei do Asilo - ver folhas 58 a 71 do PA;

6- Em 26.06.2019, foi proferido despacho pelo Director Nacional Adjunto do SEF, em suplência da Directora Nacional, com o seguinte teor:

«[…]

De acordo com o disposto na alínea e), do nº1, do artigo 19º, e no nº1, do artigo 20º, ambos da Lei nº27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº26/14, de 5 de Maio, com base na informação nº1162/GAR/19 do Gabinete de Asilo e Refugiados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, considero o pedido de asilo apresentado pela cidadã, A………., nacional de Angola, nascida aos 04.12.1989, extensível aos seus filhos menores de idade, B………., nacional de Angola, nascida aos 28.04.2006 e C……….., nacional de Angola, nascido aos 27.05.2013, infundado.

Com base na mesma informação e nos termos das disposições legais acima citadas, considero o pedido de autorização de residência por protecção subsidiária, apresentado pela mesma cidadã infundado.

Notifique-se a interessada nos termos do nº3 do artigo 20º da Lei nº27/08, de 30 de Junho, alterada pela Lei nº26/2014 de 5 de Maio. […]» - ver folha 74 do PA, dada por reproduzida;

7- Em 27.06.2019, a autora foi notificada da decisão referida em 6 - ver folha 75 do PA;

8- Em 27.06.2019, foi apresentado requerimento para apoio judiciário à autora - ver folhas 77 a 84 do PA, dadas por reproduzidas;

9- No processo de protecção internacional relativo ao cônjuge da autora [processo nº725J/2019] foi o pedido considerado infundado e a decisão impugnada por processo que corre termos neste tribunal sob o nº1249/19.8BELSB [consulta no SITAF];

10- Em Angola, foi emitido um mandado de captura em nome do cônjuge da autora, datado de 20.12.2018, com fundamento, em síntese, em desobediência e não cumprimento das regras estabelecidas - ver folha 46 do PA, dada por reproduzida;

11- Em 12.07.2019 deu entrada, via correio electrónico, a presente acção de impugnação - ver folha 1 dos autos.

III. De Direito

1. O SEF considerou o pedido de «protecção internacional» que lhe foi formulado pela autora - envolvendo-a a ela e aos seus dois filhos menores de idade - como infundado, quer como pedido de asilo quer como de autorização de residência por protecção subsidiária. E fê-lo com base nos artigos 19º, nº1 alínea e), e 20º, nº1, da Lei nº27/08, de 30.06, na redacção dada pela Lei nº26/14, de 05.05 [designada, doravante, «Lei do Asilo»].

A autora pediu ao TAC de Lisboa a anulação desta decisão administrativa, por entender que o SEF violou os artigos 7º e 19º da «Lei do Asilo», pois que, pelo menos, deveria ter-lhes concedido protecção subsidiária nos termos da alínea c) daquele artigo 7º.

O TAC, na sentença, equacionou assim a «questão» a decidir: - saber se a decisão ora impugnada deve ser anulada, e, em caso afirmativo, se deve o pedido de protecção internacional apresentado pela autora ser admitido e sujeito à tramitação prevista na Secção III da «Lei do Asilo» - página 2 da sentença, «in fine». E, após apreciação do provado à luz das pertinentes normas legais, respondeu negativamente a tal «questão», ou seja, julgou totalmente improcedente a acção, subsistindo, na ordem jurídica, a decisão que foi tomada pelo SEF.

Agora na qualidade de recorrente, a autora aponta à sentença «erro de julgamento de direito» uma vez que, a seu ver, dever-lhes-á ser concedido, pelo menos, protecção subsidiária.

Ao conhecimento deste «erro de julgamento de direito» se reduz, pois, o objecto deste recurso de revista.

2. A «Lei do Asilo» regula - além do mais - as «condições e procedimentos de concessão de protecção internacional», em ordem à concessão do «estatuto de refugiado» e do «estatuto de protecção subsidiária» - transpondo para a ordem jurídico um conjunto de directivas comunitárias enumeradas no seu artigo 1º.

A protecção internacional, a ser conferida, poderá, pois, sê-lo mediante a atribuição do estatuto de refugiado ou do estatuto de protecção subsidiária - alínea ab) do artigo 2º da «Lei do Asilo».

A atribuição do estatuto de refugiado significa o reconhecimento - por parte das autoridades portuguesas competentes - «de um estrangeiro ou de um apátrida como refugiado, e nessa qualidade seja autorizado a permanecer em território nacional» - alínea j) do artigo 2º da «Lei do Asilo». Sendo que se entende por refugiado o estrangeiro ou apátrida que receando com razão ser perseguido em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social ou nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana ou em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a protecção desse país ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o disposto no artigo 9º - alínea ac) do artigo 2º da «Lei do Asilo».

A atribuição do estatuto de protecção subsidiária significa o reconhecimento - por parte das autoridades portuguesas competentes - «de um estrangeiro ou de um apátrida como pessoa elegível para concessão de autorização de residência por protecção subsidiária» - alínea i) do artigo 2º da «Lei do Asilo». Sendo que se entende como elegível para protecção subsidiária o nacional de país terceiro ou um apátrida que não possa ser considerado refugiado, mas em relação ao qual se verificou existirem motivos significativos para acreditar que não pode voltar para o seu país de origem ou, no caso do apátrida, para o país em que tinha a sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos que aí se verifique, quer por correr um risco real de sofrer ofensa grave na acepção do artigo 7º, e ao qual não se aplique o nº1 do artigo 9º, e que não possa ou, em virtude das referidas situações, não queira pedir a protecção desse país - alínea x) do artigo 2º da «Lei do Asilo».

E tendo em conta estes conteúdos significantes, estipula o artigo 3º da «Lei do Asilo» - que faz parte integrante do capítulo II sobre Beneficiários de protecção internacional - que é garantido o direito de asilo a estrangeiros e apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência de actividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana [nº1], e acrescenta que têm, ainda, direito à concessão de asilo os estrangeiros e os apátridas que, receando com fundamento ser perseguidos em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas ou integração em certo grupo social, não possam, ou, por esse receio, não queiram voltar ao Estado da sua nacionalidade ou residência habitual [nº2].

A concessão deste direito de asilo nos termos acabados de referir, por parte do Estado português, confere ao beneficiado o estatuto de refugiado nos termos da «Lei do Asilo».

Por seu turno, estipula o artigo 7º desta mesma lei, acerca da protecção subsidiária, que é concedida autorização de residência por protecção subsidiária aos estrangeiros, e apátridas, a quem não sejam aplicáveis as disposições do citado artigo 3º, e que sejam impedidos ou se sintam impossibilitados de regressar ao país da sua nacionalidade ou da sua residência habitual, quer atendendo à sistemática violação dos direitos humanos, que aí se verifique, quer por correrem o risco de sofrer ofensa grave [nº1], sendo que se considera ofensa grave, para o efeito, nomeadamente: a) A pena de morte ou execução; b) A tortura ou pena ou tratamento desumano ou degradante do requerente no seu país de origem; ou c) A ameaça grave contra a vida ou a integridade física do requerente, resultante de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos [nº2].

Quanto ao «procedimento», constatamos, como marcos estruturais, que ele inclui uma fase inicial, que culmina, em princípio, com a decisão da sua admissão ou inadmissão [artigos 10º, 19º-A, 20º e 27º, da «Lei do Asilo»], da competência do director nacional do SEF [artigos 20º e 27º, da «Lei do Asilo»], e, no caso de decisão positiva, uma fase de instrução [21º, 27º e 28º da «Lei do Asilo»], que culmina com a elaboração, pelo SEF, de proposta fundamentada de concessão ou recusa de protecção internacional, sobre a qual o requerente é ouvido e poderá pronunciar-se [artigo 29º da «Lei do Asilo»]. A decisão final, de concessão ou recusa, compete ao membro do Governo responsável pela Administração Interna [artigo 20º nº5 da «Lei do Asilo»].

Perante o «pedido de protecção internacional» dirigido ao SEF - que este regista, entregando ao requerente uma declaração comprovativa do mesmo, a qual o autoriza a permanecer em território nacional enquanto o seu pedido estiver pendente [artigos 13º e 14º da «Lei do Asilo»] -, esta entidade deve determinar, «em primeiro lugar», se o respectivo requerente preenche as condições para beneficiar do estatuto de refugiado e, caso não preencha, se é elegível para protecção subsidiária [artigo 10º, nº2, da «Lei do Asilo»].

E quando o SEF, mediante essa primeira análise do pedido, constatar, nomeadamente, que o requerente, ao apresentar o pedido e ao expor os factos, invoca apenas razões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para poder ser considerado refugiado ou pessoa elegível para protecção subsidiária [artigo 19º, nº1 alínea e) da «Lei do Asilo»], sujeita essa análise a tramitação acelerada e considera como infundado o pedido, competindo ao director do SEF proferir a respectiva decisão, de forma fundamentada, no prazo de 30 dias a contar da data da apresentação do mesmo [artigo 20º, nº1, da «Lei do Asilo»].

Foi exactamente o que se passou no caso que nos ocupa: o pedido formulado pela ora recorrente - envolvendo-a a ela e aos seus dois filhos menores de idade - foi considerado infundado - quer como «pedido de asilo» quer como de «autorização de residência por protecção subsidiária» - ao abrigo dos artigos 19º, nº1 alínea e), e 20º, nº1, da «Lei do Asilo».

3. Impõe-se apreciar, assim, se face aos factos expostos pela requerente da protecção internacional foi correcto o entendimento do SEF, corroborado pela sentença recorrida, de que ela invoca apenas razões não pertinentes ou de relevância mínima para analisar o cumprimento das condições para ser considerada - ela e filhos menores - como refugiada, ou como pessoa elegível para protecção subsidiária. Se a conclusão dever ser positiva, a sentença deverá manter-se, e com ela a decisão administrativa impugnada. E, se for negativa, a revista deverá obter provimento, a sentença será revogada, e o SEF deverá «prosseguir na tramitação do pedido da requerente», referente a ela e seus dois filhos menores.

Avançamos, desde já, que a sentença recorrida decidiu bem, ao manter a decisão que foi tomada pelo SEF, de considerar o «pedido de protecção internacional da recorrente como infundado».

Na verdade, ponderado o conteúdo do provado - bem como o conteúdo dos documentos que aí são dados por reproduzidos - facilmente se conclui que a ora recorrente e seus filhos fogem de uma situação de insegurança para eles «gerada em Angola», e aí receiam regressar devido à mesma. Tal situação de insegurança surgiu porque a culpa de um acidente de viação, do qual resultaram cinco mortos, é imputada ao seu marido, o que levou a uma invasão da sua casa e à sua agressão por presumíveis familiares das vítimas. Devido a esta situação o seu marido, que chegou a estar preso, fugiu, e sob ele pende, ao que tudo indica, um mandado de captura.

A referida invasão, e agressão, foi participada às autoridades angolanas, mas mesmo assim a recorrente e filhos receiam regressar a Angola pois temem pela sua integridade física por «correrem o risco de sofrer ofensa grave».

Note-se que a própria recorrente, enquanto autora, e como sobressai da leitura do seu articulado inicial, concede que não preenchem as condições para lhes ser atribuído o «estatuto de refugiado», e nessa base lhes ser concedido direito de asilo. E que assim é resulta claramente da confrontação da situação factual que ela invoca com parte das normas supra citadas, nomeadamente com as alíneas j) e ac) do artigo 2º, e nºs 1 e 2, do artigo 3º, ambos da «Lei do Asilo».

Mas ela insiste que, pelo menos, lhes deveria ser concedido o direito de asilo com base no reconhecimento do «estatuto de protecção subsidiária» ao abrigo da alínea c), do artigo 7º, da «Lei do Asilo», também supra citada.

Acontece que a ofensa grave que releva para a concessão de autorização de residência por protecção subsidiária, que é exigida e exemplificada no artigo 7º da «Lei do Asilo», pressupõe, na referida alínea c), que a ameaça grave seja contra a vida ou a integridade física do próprio requerente da protecção internacional [1ª parte da alínea], e que resulte de violência indiscriminada em situações de conflito armado internacional ou interno ou de violação generalizada e indiscriminada de direitos humanos [2ª parte da alínea c)].

Ora, no caso da requerente, e seus filhos, não se verifica nem uma coisa nem outra. É que, pelos factos por ela expostos, quem está sob «ameaça grave contra a integridade física» é verdadeiramente o seu marido, e não directamente ela ou os seus filhos. E tal ameaça de modo algum preenche a «2ª parte da alínea», já que resulta de eventuais represálias devidas a um acidente rodoviário, com 5 vítimas mortais, de que ele poderá ser culpado, e a respeito do qual, tudo indica, pende processo judicial em Angola.

Tanto basta para que o erro de julgamento de direito deva ser julgado improcedente, com a consequente manutenção do decidido na sentença recorrida, que, por sua vez, manteve na ordem jurídica a decisão administrativa do SEF.

4. Não esquecemos que no âmbito desta «revista», mais propriamente aquando da sua resposta à pronúncia do Ministério Público - artigo 146º, nº2, do CPTA - a recorrente ensaiou a alegação de uma nova questão, queixando-se de que não lhe foi proporcionada, pelo SEF, «a oportunidade de se pronunciar, em tempo útil, sobre o sentido provável da decisão».

Note-se, porém, que o objecto deste recurso de revista «per saltum» é constituído pela sentença que foi proferida pela 1ª instância, é essa a decisão impugnada, na qual não foi apreciada, porque não tinha sido invocada na acção, a referida «questão nova». E, mesmo que o tivesse sido, para constituir objecto do recurso de revista exigir-se-ia que a falta de julgamento ou o julgamento errado de tal questão tivesse sido invocada, nas conclusões da mesma, a título de nulidade ou de erro de julgamento de direito. Nada disto aconteceu, razão pela qual não poderá o tribunal de revista alargar o seu objecto, de modo a conhecer da mesma «ex novo» [artigos 140º, 144º, nº2, 150º e 151º do CPTA].

IV. Decisão

Nos termos do exposto, decidimos negar provimento a este recurso de revista, e, em conformidade, manter a sentença recorrida.

Sem custas - artigo 84º da Lei nº27/2018, de 30.06, redacção dada pela Lei nº26/2014, de 05.05.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2020. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Cláudio Ramos Monteiro.