Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0729/15
Data do Acordão:11/18/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
TAXA
Sumário:A norma constante do n.º 5 do art. 16.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL), prescrevendo que a impugnação judicial das taxas para as autarquias locais depende da necessária e prévia dedução da reclamação prevista no n.º 2 do mesmo artigo, não viola os parâmetros constitucionais protectores dos princípios da confiança, da segurança, da tutela jurisdicional plena e efectiva e da garantia do acesso aos tribunais.
Nº Convencional:JSTA00069427
Nº do Documento:SA2201511180729
Data de Entrada:06/08/2015
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TT1INST LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:DL 555/99 DE 1999/12/16 ART116 ART117 ART23 N6 ART54 ART113 N3.
RGTAL06 ART6 N1 A N7 ART16 N5.
Jurisprudência Nacional:AC TC PROC958/07 DE 2005/10/11.; AC STA PROC0296/08 DE 2008/06/18.; AC STA PROC045/14 DE 2015/06/25.; AC STA PROC0206/13 DE 2015/01/28.; AC STA PROC01611/13 DE 2014/12/17.; AC STA PROC0452/13 DE 2013/10/09.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A…………, SA, inconformada, recorreu da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 11 de Março de 2015, que julgou verificada a excepção dilatória de inimpugnabilidade dos actos tributários de liquidação e cobrança de taxas urbanísticas, objecto de impugnação por esta, contra o Município de Lisboa.
Alegou, tendo concluído como se segue:
1ª. Na douta sentença recorrida decidiu-se que, “de acordo com o n.º 5 da norma supra citada [art. 16° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (Lei n.º 53-E/2006 de 29/12)] verifica-se a insusceptibilidade de impugnação judicial autónoma em matéria de taxas cobradas pelas Autarquias Locais - cfr. texto nºs. 1 a 10;
2ª. Esta decisão é manifestamente improcedente e inconstitucional enfermando de diversos erros de julgamento e violou frontalmente o disposto nos arts. 2°, 9°, 13°, 18°, 20°, 204°, 212°, 266° e 268°/4 da CRP nos arts. 99º e segs. do CPPT no art. 9° do C. Civil e no art. 16° do RGTAL - cfr. texto nºs. 1 a 10;
3ª. Como decorre expressis et apertis verbis do teor literal do ad. 16°/1 do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (doravante RGTAL) aprovado pela Lei 53-E/2006, de 29 de Dezembro, “os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação” (v. art. 9° do C. Civil e art. 11° da LGT) cabendo ao sujeito passivo a faculdade de optar pelo exercício de um ou outro dos referidos meios impugnatórios alternativos (cfr. arts. 20°, 212° e 268°/4 e 5 da CRP), pelo que:
a) Optando o contribuinte pela impugnação judicial do acto de liquidação (art. 16°/1 do RGTAL) está sujeito ao processo e prazos estabelecidos nos arts. 99° e segs. do CPPT;
b) Optando o sujeito passivo por deduzir reclamação (v. art. 16°/2 do RGTAL) a lei confere-lhe a possibilidade de impugnar judicialmente o indeferimento tácito ou expresso da reclamação (v. n°s. 2 a 4) que, neste caso específico constitui pressuposto necessário de tal impugnação (v. n°. 5);
c) As normas dos n°s. 2 a 5 do art. 16° do RGTAL constituem assim um significativo alargamento das garantias dos contribuintes pois permitem que o indeferimento tácito ou expresso da reclamação deduzida pelo contribuinte seja impugnado no prazo de 60 dias (v. art. 1 6°/4), quando tal prazo seria apenas de 15 dias caso lhe fosse aplicável o regime geral constante do art. 102°/2 do CPPT — cfr. texto nºs. 1 e 2;
4ª. O art. 16° do RGTAL sempre será inaplicável in casu pois os actos tributários sub judice respeitam à liquidação de impostos ou contribuições especiais e não de qualquer taxa (v. Ac. STA de 1994.05.11, Proc. 1731, Ap. DR, Acs. 2° Sec. STA, 1994)— cfr. texto n°. 3;
5ª. Mesmo que se considere que o legislador consagrou regimes contraditórios e perplexos - o que só em mera hipótese se admite - estabelecendo no art. 16°/1 do RGTAL que aqueles meios são alternativos - “podem reclamar ou impugnar” - e no art. 16°/5 que a reclamação seria afinal sempre obrigatória temos de concluir que a ora recorrente “não pode pura e simplesmente ser prejudicada por eventual erro do legislador (v. Ac. RL de 2004.07.08, Proc. 5294/2004-7; cfr. no mesmo sentido, Ac. STA de 2005.12.14, Proc. 479/05, ambos in www.dgsi.pt), sendo manifesta a admissibilidade do presente meio processual (v. arts. 20° e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 4 e 5;
6ª. A interpretação e aplicação do art. 16°/5 do RGTAL, com o sentido e dimensão normativa que lhe foi atribuído pela douta sentença recorrida, é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, confiança, segurança e da tutela jurisdicional plena e efectiva e da garantia do acesso aos Tribunais (arts. 2°, 9°, 18°, 20°, 266° e 268°/4 da CRP) - cfr. texto n°s. 6 a 10.

Contra-alegou o recorrido, tendo concluído:
1ª O art. 16.° do RGTAL é perfeitamente claro, quanto ao alcance e função do seu n.º 5, o qual não contém qualquer contradição, face ao restante teor da norma, que pretende disciplinar, no âmbito da liquidação de taxas municipais, os correlativos meios de reação, bem como as respetivas formas e prazos;
2ª Perante liquidações de taxas municipais, impõe-se o disposto no RGTAL, lei especial para aquelas, face ao CPPT, que se assume como lei geral e cuja aplicabilidade assume teor subsidiário, desnecessário no caso concreto, atenta a previsão, clara, do 16.º do RGTAL;
3ª Da interpretação integral do art. 16.º do CPPT resulta que a reclamação graciosa prévia é necessária, relativamente à (eventual) posterior impugnação judicial, constituindo aquela uma condição de admissibilidade desta e, logo, de impugnabilidade da liquidação de taxas municipais, inexistindo qualquer contradição e tratando-se, inclusivamente, da reintrodução pelo legislador de um regime que havia já vigorado na Lei das Finanças Locais, quanto à liquidação de taxas municipais;
4ª A douta Sentença recorrida é conforme, com a doutrina e a jurisprudência, no sentido do aludido requisito de admissibilidade da impugnação judicial e da aplicação, genérica, do 16.º do RGTAL, relativamente às liquidações de taxas municipais (cfr., os doutos Acórdãos do STA, de 12/01/2012, Proc. 0751/10, de 09/10/2013, Proc. 0452/13, ou de 17/12/2014, Proc. 01611/13);
5ª A opção legislativa, de reintrodução da reclamação graciosa, prévia e necessária, no âmbito do contencioso da liquidação de taxas municipais, no art. 16.º do RGTAL, não é inconstitucional, não impedindo a impugnação de tais atos, como afirma a Recorrente;
6ª A impugnação da liquidação de taxas municipais é disciplinada no RGTAL, no qual o legislador pretendeu instituir um regime próprio, especial face ao definido no CPPT e que não configura qualquer limitação aos direitos constitucionais dos sujeitos passivos daquelas taxas, antes constituindo a disciplina do exercício dos mesmos, concretizada pelo legislador no pleno uso dos poderes que lhe são confiados, ab initio pela própria CRP, não ocorrendo pois, qualquer violação da Lei Fundamental e, nomeadamente, dos seus arts. 20.°, 266.° ou 268.°/4.
Nestes termos e nos demais de Direito se conclui, invocando o douto suprimento de V.Exªs, pela manutenção da douta Sentença recorrida, assim se fazendo a devida e, já costumada, JUSTIÇA.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pela procedência do recurso, e baixa dos autos à 1ª instância para apreciação das questões colocadas pela impugnante.
No essencial, entende que a impugnação judicial da liquidação de taxa de realização de infraestruturas urbanísticas notificada à Recorrente em 2008, não dependia de prévia impugnação administrativa dirigida ao órgão autárquico, pois no seu entender o disposto no nº 5 do artº 16º do RGTAL, não é de aplicar ao caso mas sim o regime previsto no CPPT para o qual remete o artº 117, nº 3 do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como provada a seguinte factualidade concreta:
I. A Impugnante, A…………, SA., tomou conhecimento, na pessoa do seu representante, por carta que lhe foi dirigida pela Chefe de Divisão da Divisão de Equipamentos Públicos e Licenciamentos Especiais do Departamento de Projetos Estratégicos — Direção Municipal de Gestão Urbanística da Câmara Municipal de Lisboa, datada de 07/0502008, do deferimento do seu pedido de licenciamento de obra da Agência Europeia de segurança Marítima e do Observatório Europeu da droga e Toxicodependência, a realizar na Av Ribeiro das Naus — Proc. n.º 1141/EDI/2006 — cfr. fls. 12 dos autos - Doc. 1 à petição inicial.
II. Relativamente ao processo n.° 1141/EDI/2006 foi emitido pela Câmara Municipal de Lisboa o recibo de cobrança n.° 190000747691, em nome da impugnante relativamente a “Taxa Realização Infraest. Urbanist.” no montante de € 889.144,83, que foi pago por cheque em 24/07/2008 — cfr. fls. 12 dos autos - Doc. 2 à petição inicial.
III. A presente impugnação foi deduzida em 169/10/2008 — cfr. fls. 2 dos autos.
«» «»
Dos autos não resulta provado que tenha sido deduzida qualquer reclamação.
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
A questão que se coloca no presente recurso passa por saber se a impugnação judicial da liquidação da Taxa de Realização de Infraestruturas Urbanísticas emitida pela Câmara Municipal de Lisboa, encontra-se, ou não, condicionada pela prévia reclamação para o órgão que efectuou a liquidação.
Que as taxas deste tipo cobradas pelos Municípios devem ser qualificadas como uma verdadeira Taxa e não como um imposto ou contribuição especial, já há muito se pronunciou o Tribunal Constitucional, podendo ver-se, por todos, o acórdão datado de 11/10/2005, proc. n.º 958/07, não havendo, por isso, que discutir agora a natureza jurídica de tal Taxa (também já há muito este STA se pronunciou no mesmo sentido, cfr. entre outros, acórdão datado de 18/06/2008, recurso n.º 0296/08).
Assim, vejamos o que dispõem as normas legais com pertinência para o caso concreto.
Dispunha à data da emissão da liquidação da taxa em questão o artigo 116º do DL n.º 555/99, de 16/12, sob a epígrafe “Taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas”:
1 - A emissão dos alvarás de licença e de autorização de utilização e a admissão de comunicação prévia previstas no presente diploma estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se refere a alínea b) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Janeiro.
2 - A emissão do alvará de licença e a admissão de comunicação prévia de loteamento estão sujeitas ao pagamento das taxas a que se refere a alínea a) do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Janeiro.
3 - A emissão do alvará de licença e a admissão de comunicação prévia de obras de construção ou ampliação em área não abrangida por operação de loteamento ou alvará de obras de urbanização estão igualmente sujeitas ao pagamento da taxa referida no número anterior.
4 - A emissão do alvará de licença parcial a que se refere o n.º 6 do artigo 23.º está também sujeita ao pagamento da taxa referida no n.º 1, não havendo lugar à liquidação da mesma aquando da emissão do alvará definitivo.
5 - Os projectos de regulamento municipal da taxa pela realização, manutenção e reforço de infra-estruturas urbanísticas devem ser acompanhados da fundamentação do cálculo das taxas previstas, tendo em conta, designadamente, os seguintes elementos:
a) Programa plurianual de investimentos municipais na execução, manutenção e reforço das infra-estruturas gerais, que pode ser definido por áreas geográficas diferenciadas;
b) Diferenciação das taxas aplicáveis em função dos usos e tipologias das edificações e, eventualmente, da respectiva localização e correspondentes infra-estruturas locais.
6 - O disposto nos números anteriores aplica-se igualmente às operações urbanísticas objecto de comunicação prévia.
Também com interesse, dispunha o artigo 117º, do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Liquidação das taxas”:
1 - O presidente da câmara municipal, com o deferimento do pedido de licenciamento, procede à liquidação das taxas, em conformidade com o regulamento aprovado pela assembleia municipal.
2 - O pagamento das taxas referidas nos n.ºs 2 a 4 do artigo anterior pode, por deliberação da câmara municipal, com faculdade de delegação no presidente e de subdelegação deste nos vereadores ou nos dirigentes dos serviços municipais, ser fracionado até ao termo do prazo de execução fixado no alvará, desde que seja prestada caução nos termos do artigo 54.º
3 - Da liquidação das taxas cabe reclamação graciosa ou impugnação judicial, nos termos e com os efeitos previstos no Código de Procedimento e de Processo Tributário.
4 - A exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, de mais-valias não previstas na lei ou de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença ou comunicação prévia para a realização de operação urbanística, quando dê cumprimento àquelas exigências, o direito a reaver as quantias indevidamente pagas ou, nos casos em que as contrapartidas, compensações ou donativos sejam realizados em espécie, o direito à respetiva devolução e à indemnização a que houver lugar.
5 - Nos casos de autoliquidação previstos no presente diploma, as câmaras municipais devem obrigatoriamente disponibilizar os regulamentos e demais elementos necessários à sua efetivação, podendo os requerentes usar do expediente previsto no n.º 3 do artigo 113.º
Por sua vez, dispunha à data o artigo 16º da Lei n.º 53-E/2006 de 29/12, sob a epígrafe “Garantias”:
1 - Os sujeitos passivos das taxas para as autarquias locais podem reclamar ou impugnar a respectiva liquidação.
2 - A reclamação é deduzida perante o órgão que efectuou a liquidação da taxa no prazo de 30 dias a contar da notificação da liquidação.
3 - A reclamação presume-se indeferida para efeitos de impugnação judicial se não for decidida no prazo de 60 dias.
4 - Do indeferimento tácito ou expresso cabe impugnação judicial para o tribunal administrativo e fiscal da área do município ou da junta de freguesia, no prazo de 60 dias a contar do indeferimento.
5 - A impugnação judicial depende da prévia dedução da reclamação prevista no n.º 2 do presente artigo.

A incidência objectiva e subjectiva desta TRIU encontra-se expressamente prevista nos artigos 6º, n.º 1, al. a) e 7º do RGTAL (Lei n.º 53-E/2006) e artigo 116º do RJUE, anteriormente citados.
Nestes dois diplomas legais prevê-se expressamente que a TRIU liquidada possa ser impugnada por via de meios graciosos e contenciosos, reclamação graciosa e impugnação judicial, previstos no CPPT, sendo que os prazos e modos para o fazer se encontram estabelecidos no RGTAL.
Se por regra o meio impugnatório da reclamação graciosa se assume como um meio impugnatório meramente facultativo para que se abra a via contenciosa, no caso das taxas liquidadas pelas autarquias locais o legislador impôs expressamente a necessidade de lançar mão deste meio impugnatório administrativo prévio para que seja aberta ao interessado a via contenciosa da impugnação judicial, cfr. artigo 16º, n.º 5 do RGTAL.
Sendo que, ao contrário do alegado pela recorrente, este Tribunal já se pronunciou diversas vezes pela conformidade de tal opção legislativa aos parâmetros constitucionais protectores dos princípios da confiança, da segurança, da tutela jurisdicional plena e efectiva e da garantia do acesso aos tribunais, cfr. acórdãos datados de 09/10/2013, rec. n.º 0452/13, de 17/12/2014, rec. n.º 01611/13, de 28/01/2015, rec. n.º 0206/13 e de 25/06/2015, rec. n.º 045/14, não se vislumbrando, além do mais, que haja qualquer erro legislativo na elaboração das normas do artigo 16º, n.º 1 do RGTAL, ou até do artigo 117º, n.º 3 do RJUE, uma vez que a redacção do n.º 5 daquele artigo 16º é cristalina, não permitindo dúvidas quanto à sua interpretação, sendo certo, também, que já por diversas vezes o legislador teve oportunidade de alterar a redacção de tais preceitos legais e não o fez.
Improcede, assim, o recurso que nos vinha dirigido.

Face ao exposto, os juízes desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
D.n.
Lisboa, 18 de Novembro de 2015. – Aragão Seia (relator) – Casimiro GonçalvesFrancisco Rothes.