Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01366/17
Data do Acordão:04/18/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
MULTA PROCESSUAL
FAZENDA PÚBLICA
ISENÇÃO
Sumário:Nos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, a Fazenda Pública, por estar isenta de custas, pode usar da faculdade prevista no artigo 139.º n.º 5 do Código de Processo Civil sem sujeição à multa aí cominada.
Nº Convencional:JSTA000P23203
Nº do Documento:SAP2018041801366
Data de Entrada:12/06/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A....., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -

1 – A Fazenda Publica vem, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 27.º do ETAF e do n.º 2 do artigo 280.º e do artigo 284.º do CPPT interpor recurso para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido em 23 de Março de 2017 - que indeferiu a reclamação para a conferência do despacho do relator no TCA-Sul que lhe negou pedido de dispensa de pagamento de multa processual em razão da isenção subjectiva de custas de que gozava à data da instauração da acção -, por alegada contradição com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31 de Outubro de 2012, proferido no recurso n.º 0985/12, transitado em julgado.

Admitido o recurso por despacho do Juiz Desembargador a fls. 186 dos autos e verificada a oposição de Acórdãos por despacho do Juiz Desembargador a fls. 200 dos autos, a Recorrente veio apresentar as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
a) Tendo, o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento (exarado no processo n.º 0985/12) decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito, tendo por base situações fácticas idênticas, vem, a Fazenda Pública, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento.
porquanto,
b) Se verifica a identidade de situações de facto, já que, em ambos, estava em causa o pagamento de uma multa em processo instaurado antes de 1 de janeiro de 2004, início da vigência do DL n.º 324/2003, 27 dezembro data em que o Estado, incluindo os seus serviços e organismos personalizados estava isento de custas (art. 16.º n.º 1 DL n.º 324/2003, 27 novembro).
c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, visto que, quer no Acórdão recorrido quer no Acórdão fundamento, está em causa a interpretação e aplicação das normas constantes dos artigos 139 do CPC (ex art. 145.º), bem como do art. 3.º do regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro, quer das alterações introduzidas ao Código das Custas Judiciais (CCJ) pelo decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (art. 16.º n.º 1).
d) Ou seja, ambos os Acórdãos pretendem dar resposta à questão de saber se: a isenção subjectiva de custas de que goza a Fazenda Pública nos processos anteriores a 2004, não poderá deixar de acarretar a não sujeição à multa prevista no art. 139.º do CPC.
e) Sendo que, inquestionavelmente, o acórdão recorrido perfilhou solução diametralmente oposta à do Acórdão fundamento, proferido no Processo n.º 0985/12 de 31 de Outubro de 2012;
f) Entendeu o acórdão recorrido que a isenção subjectiva de custas de que goza a Fazenda Pública nos processos anteriores a 2004 não abarca o pagamento de multa com vista à pratica de acto processual prevista no art. 139 n.º 5 do CPC defendendo que “A Fazenda Pública como parte que é nos processos tributários está sujeita ao pagamento da multa prevista no actual art. 139.º, n.º 5, do C.P.Civil (cfr. anterior art. 145.º, n.º 5 do C.P.Civil), a fim de poder praticar acto processual nos três dias úteis para além do prazo legalmente previsto para a sua prática. Mais se dirá que a isenção subjectiva de custas, concedida em razão da especial situação dos sujeitos da acção ou procedimento prevista, nomeadamente, no art. 4.º, do actual Regulamento da Custas Processuais (cfr. art. 3.º, n.º 1 al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários), não abrange, como é natural, as multas processuais, visto que nos encontramos perante realidades diversas. (…)”
g) Em sentido diverso, havia decidido o STA no acórdão fundamento entendendo que “(…) Há, porém, que ter em conta que o processo foi instaurado em 2001 (…), ou seja, antes da entrada em vigor quer do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro, quer das alterações introduzidas no Código das Custas Judiciais (CCJ) pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, facto que, como procuraremos demonstrar, a jurisprudência tem considerado como decisivo na resposta a esta questão. (…) Antes da entrada em vigor do CPTA e das referidas alterações ao CCJ, o Estado e as demais pessoas colectivas públicas estavam isentos de custas, decorrendo tal isenção do estabelecido no art. 3.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro, e do art. 2.º da Tabela de Custas no Supremo Tribunal Administrativo (TCSTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 42.150, de 12 de Fevereiro de 1959.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo entendia que, estando a Fazenda Pública isenta de custas, estava também isenta da multa prevista no art. 145.º do CPC, (…) Foi essa também a posição adoptada pela Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo relativamente à Fazenda Pública e ao pagamento da multa prevista no n.º 5 do art. 145.º do CPC. Sustentando-se que o preceito em causa tem íntima conexão com as custas do processo, como se vê claramente do articulado do citado n.º 5 do art. 145.º do CPC (a multa pela prática do acto processual fora do prazo ordinário, fixada de harmonia com o n.º 5 do art. 145.º do CPC, varia numa percentagem crescente e sempre em função «da taxa de justiça correspondente ao processo ou acto», ou seja, a multa varia sempre em função do valor das correspondentes custas processuais), entendeu-se que, estando a Fazenda Pública, isenta de custas, como inequivocamente decorria do art. 3.º do RCPT, estaria também isenta de multa (Nesse sentido, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (…)
h) O entendimento agora perfilhado pelo TCA Sul no Acórdão recorrido não é, salvo o devido respeito, correcto à luz da lei;
i) Já o entendimento do STA no acórdão fundamento, é concordante com a interpretação legal que a ora Recorrente sempre sustentou;
j) Sendo certo que o Acórdão recorrido perfilha – perante igual entendimento fáctico e jurídico – entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento (sufragado no Acórdão recorrido) não poderá prevalecer;
k) Em face do exposto, e verificada a oposição de acórdãos, descer-se-á concluir – acompanhando a Douta Jurisprudência do Acórdão fundamento proferido pelo STA – que a Fazenda Pública, por estar isenta de custas, pode usar a faculdade prevista no art. 139.º do CPC, sem estar sujeita ao pagamento da multa nele prevista;
l) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder;
m) Assim, deve ser proferido Acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela Fazenda pública no presente recurso, e de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.
Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, confirmando-se a oposição entre Acórdão-recorrido e Acórdão fundamento e, reconhecendo a prevalência deste último, conceder provimento ao presente recurso, revogando a decisão constante do acórdão recorrido e substituindo-o por decisão que decida no sentido preconizado no Acórdão fundamento, assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu o douto parecer de fls. 217 a 219 dos autos, pronunciando-se no sentido de que deve dar-se por verificada a oposição de acórdãos, dar-se provimento ao recurso e revogar-se o acórdão recorrido, reconhecendo-se que a recorrente goza de isenção de multa processual.

4 – Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -


5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o prosseguimento para conhecimento do mérito do presente recurso por oposição de julgados.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito, sendo a questão decidenda a de saber se a isenção subjectiva de que gozava a Fazenda pública nos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004 se estendia, ou não, à multa processual por entrega de peças processuais nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo.


6 – Matéria de facto

6.1 O acórdão recorrido não fixou probatório, como não há probatório fixado no despacho do relator no TCA-Sul que está na génese daquele.

Pela consulta dos autos – uma vez que em causa estão meras ocorrências processuais – é possível concluir que:

a) A petição inicial que deu origem ao processo de impugnação deu entrada no Tribunal em 15 de Setembro de 2003 - cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos;

b) A Fazenda Pública, vencida no recurso que interpusera da sentença proferida nos autos para o TCA-Sul, requereu a reforma do acórdão proferido no 2.º dia útil seguinte ao termo do prazo de que dispunha para o efeito não tendo procedido ao pagamento da multa prevista no art. 139.º do CPC por entender que a ela não estava sujeita – facto invocado pela recorrente na sua petição de reforma, a fls. 139 dos autos, e assente como pressuposto da decisão recorrida;

c) Entendeu o relator no TCA-Sul indeferir o reconhecimento de isenção do pagamento da multa prevista no art. 139.º n.º 5 do CPC no entendimento de que “(…) a isenção subjetiva de custas de que goza a Fazenda pública, nos presentes autos, não abarca o pagamento de multa com vista à prática de acto processual”, determinando que se “cumpra o disposto no art. 139.º, n.º 6 do CPC - cfr. despacho de fls. 152 dos autos.

d) Do referido despacho foi interposta reclamação para a conferência da Secção de Contencioso Tributário do TCA-Sul, a qual foi indeferida pelo acórdão ora sindicado – cfr. acórdão de fls. 166 a 168 dos autos.

6.2 - Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Com interesse para a decisão a proferir, a consulta dos autos revela-nos o seguinte:
a) A petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças em 25 de Junho de 2001 (cfr. o carimbo aposto a fls. 2);
b) Para notificação ao Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa da sentença proferida nos presentes autos, foi-lhe remetida carta em 21 de Fevereiro de 2012 (cfr. fls. 397);
c) Em 8 de Março de 2012, aquele Representante da Fazenda Pública fez dar entrada no Tribunal Tributário de Lisboa requerimento de interposição de recurso da sentença (cfr. fls. 398);
d) Em 29 de Março de 2012 (e referindo-se a esse requerimento), o Juiz daquele Tribunal proferiu despacho do seguinte teor: «Cumpra o disposto no n.º 6 do artigo 145.º do C.P.C.» (cfr. fls. 402).

7 – Decidindo

7.1 – Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos

Importa verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição de julgados, pois que não obstante o Relator do acórdão recorrido ter proferido despacho no sentido de se lhe afigurar verificada a invocada oposição, importa reapreciar se a mesma se verifica, já que tal decisão, como vem sendo jurisprudência pacífica e reiterada deste Supremo Tribunal (vide, entre outros, o Acórdão de 7 de Maio de 2003, rec. n.º 1149/02), não só não faz caso julgado, como não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de a apreciar (cfr. art. 685.º-C, n.º 5 do Código de Processo Civil e também, neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário: Anotado e Comentado, volume II, 5.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2007, p. 814 (nota 15 ao art. 284.º do CPPT)).

O presente processo iniciou-se no ano de 2003, pelo que lhe é aplicável o regime legal anterior ao ETAF de 2002.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, o que pressupõe, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se “sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica” (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe a identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

No caso dos autos, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu douto parecer junto aos autos (fls. 217/218), é patente a verificação dos requisitos para prosseguimento do presente recurso, pois que no acórdão recorrido está em causa a prática de ato processual (pedido de reforma de acórdão formulado em processo iniciado antes de 01/01/2004) formulado pela Fazenda pública no 2.º dia útil após o decurso do prazo perentório de 10 dias, e no acórdão fundamento estava em causa a prática de ato processual (interposição de recurso jurisdicional de sentença proferida em processo de impugnação judicial iniciado antes de 01/01/2004) formulado pela Fazenda Pública no 3.º dia útil após o decurso do prazo perentório de 10 dias, tendo o acórdão recorrido entendido que a Fazenda Pública, embora isenta de custas estava sujeita ao pagamento de multa processual para a prática do ato fora do prazo, enquanto o Acórdão-fundamento entendeu, de harmonia com a jurisprudência da Seção, que, estando a Fazenda Pública isenta de custas estaria também isenta do pagamento de multa pela prática do ato processual para além do prazo.

O facto de o acórdão recorrido ter invocado o artigo 139.º do CPC e o Acórdão fundamento o artigo 145.º do CPC não obsta à existência da aludida contradição de julgados, pois que num e noutro aresto está em causa a mesma norma, ou seja, o actual artigo 139.º do CPC, aplicado pelo acórdão recorrido, corresponde, na integra (salvo quanto às adaptações linguísticas determinadas pelo mais recente acordo ortográfico …) ao anterior artigo 145.ºdo CPC, aplicado pelo Acórdão-fundamento, não havendo entre as duas redações da norma qualquer alteração substancial da regulamentação jurídica.

Haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso.

7.2 Do mérito do recurso

O acórdão recorrido indeferiu a reclamação para a conferência do despacho do relator no TCA-Sul que negou à recorrente o reconhecimento da dispensa de pagamento da multa processual pela prática do acto no 2.º dia após o termo do prazo, ex vi do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 139.º do CPC, e ordenou à secretaria que cumprisse o disposto no n.º 6 do artigo 139.º do CPC, a saber, que notificasse a recorrente para o pagamento da multa.

Depois de discorrer sobre o instituto da “Reclamação para a conferência”, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre o objecto da reclamação nos seguintes termos: (fls. 167/168 dos autos):

« X
In casu”, o despacho reclamado, o qual indeferiu a questão prévia suscitada pela ora reclamante e que consistia na pedida dispensa de pagamento de multa prevista no artº.139, nº.5, do C.P.Civil, em virtude da isenção subjectiva de custas no âmbito do presente processo, encontra-se exarado a fls.152 dos presentes autos e tem o seguinte conteúdo que integralmente se reproduz:
"(...)
Questão prévia suscitada no requerimento junto a fls.139 e seg. dos autos relativa a isenção do pagamento de multa prevista no artº.139, nº.5, do C.P.Civil: é indeferida pelo Tribunal, visto que a isenção subjectiva de custas de que goza a Fazenda Pública, nos presentes autos, não abarca o pagamento de multa com vista à prática de acto processual prevista no citado artº.139, nº.5, do C.P.Civil.
Notifique.
Após, cumpra o disposto no artº.139, nº.6, do C.P.Civil.
D.N.

(...)".
X
Não existem razões para alterar o despacho objecto da presente reclamação, o qual supra se expõe.
A validade do acto processual fica dependente do pagamento de multa, sempre que a apresentação da peça processual se verifique num dos três dias úteis sequentes ao termo do prazo legal concedido para o efeito (cfr.artº.139, nºs.5 e 6, do C.P.C.).
A Fazenda Pública como parte que é nos processos tributários está sujeita ao pagamento da multa prevista no actual artº.139, nº.5, do C.P.Civil (cfr.anterior artº.145, nº.5, do C.P.Civil), a fim de poder praticar acto processual nos três dias úteis para além do prazo legalmente previsto para a sua prática. Mais se dirá que a isenção subjectiva de custas, concedida em razão da especial situação dos sujeitos da acção ou procedimento, prevista, nomeadamente, no artº.4, do actual Regulamento das Custas Processuais (cfr.artº.3, nº.1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários), não abrange, como é natural, as multas processuais, visto que nos encontramos perante realidades diversas. O pagamento de custas visa a cobertura parcial do dispêndio com o serviço de administração da justiça e das despesas originadas com o processo, enquanto a multa deriva da prática de um facto ilícito e constitui elemento da respectiva sanção (cfr.Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais anotado e comentado, Almedina, 5ª. edição, 2013, pág.151; Salvador da Costa, Regulamento das Custas dos Processos Tributários e Tabela de Emolumentos, comentados e anotados, Almedina, 1998, pág.69; Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais anotado e comentado, Almedina, 8ª. edição, 2005, pág. 78 e seg.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, de 25/11/2009, rec. 794/09; ac. S.T.A.-2ª.Secção, de 26/5/2010, rec.259/10).
Atento o acabado de relatar, sem necessidade de mais amplas considerações, é o despacho reclamado confirmado pela Conferência, ao que se procederá na parte dispositiva do presente acórdão. (…)»

Discorda o decidido a recorrente, alegando que, como decidido no Acórdão-fundamento, a Fazenda Pública, por estar isenta de custas, pode usar a faculdade prevista no art. 139.º do CPC, sem estar sujeita ao pagamento da multa nele prevista.

Tem-no entendido assim, de facto, este STA, não havendo razões para dissentir deste entendimento uniforme, pacífico e consolidado, espelhado não apenas no Acórdão-fundamento, mas em todos aqueles em que este STA se pronunciou sobre a questão e relativos ao período de tempo anterior à entrada em vigor da Reforma do Contencioso Administrativo de 2002/2004 (1 de Janeiro de 2004).

É que, se julgamos justificado o princípio hoje expressamente consagrado no artigo 6.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) de igualdade efectiva das partes no processo também no plano da aplicação de cominações ou de sanções processuais, a verdade é que este princípio, e bem assim o da não isenção de custas por parte do Estado e outros organismos públicos, é de aquisição relativamente recente, não vigorando para os processos iniciados em momento anterior a 1 de Janeiro de 2004, como é o que está na origem dos presentes autos, instaurado em 15 de Setembro de 2003.

Ao tempo em que a impugnação judicial foi deduzida a Fazenda Pública gozava de isenção de custas processuais - ex vi do disposto no artigo 3.º do Regulamento das Custas dos Processos Tributários (RCPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Dezembro e do artigo 2.º da Tabela de Custas do Supremo Tribunal Administrativo (TCSTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 42.150, de 12 de Fevereiro de 1959 -, constituindo jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que, nos processos em que estava isenta de custas e precisamente em razão de tal isenção, não lhe era aplicável a multa processual prevista no n.º 5 do artigo 145.º do CPC – correspondente à que hoje consta do n.º 5 do artigo 139.º do CPC -, que apenas passou a ser-lhe aplicável nos processos iniciados após a revogação daquelas isenções, o que ocorreu no dia 1 de Janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (cfr. o seu artigo 16.º, n.º 1), diploma este que, por força do disposto no n.º 1 do seu artigo 14.º, apenas se aplica aos processos judiciais tributários iniciados a partir da data da sua entrada em vigor (neste sentido os Acórdãos deste STA de 25 de Maio de 2005, rec. n.º 0195/05; de 30 de Novembro de 2005, rec. n.º 0212/05; de 31 de Outubro de 2012, rec. n.º 0985/12; de 12 de Dezembro de 2012, rec. n.º 0627/12; de 18 de Novembro de 2009, rec. n.º 0952/09, de 25 de Novembro de 2009, rec. n.º 0794/09 e de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 0259/10, bem como JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, 6.ª edição, Lisboa, Áreas Editora, 2011, pp.276/278 – anotação 8 ao art. 20.º do CPPT).

Impõe-se, pois, concluir, de harmonia com esta jurisprudência, que nos processos instaurados antes de 1 de Janeiro de 2004, a Fazenda Pública, por estar isenta de custas, pode usar da faculdade prevista no artigo 139.º n.º 5 do Código de Processo Civil sem sujeição à multa aí cominada.

O Acórdão do TCA que assim o não entendeu não pode, pois, manter-se, sendo de revogar o Acórdão recorrido bem como despacho do relator no TCA-Sul que aquele confirmou.

O recurso merece provimento.


-Decisão -

8 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e o despacho do relator que aquele confirmou.

Sem custas.

Lisboa, 18 de Abril de 2018. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – António Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado - Ana Paula da Fonseca Lobo - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.