Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01088/12
Data do Acordão:11/07/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRECTA
IRS
MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA
MATÉRIA COLECTÁVEL
Sumário:Embora só a justificação total do montante que permitiu a verificação da “manifestação de fortuna”, tenha a virtualidade de afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna, já assim não é, contudo, no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Nº Convencional:JSTA00067912
Nº do Documento:SA22012110701088
Data de Entrada:10/18/2012
Recorrente:DIRECTOR DE FINANÇAS DE BRAGA
Recorrido 1:A.... E MULHER
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - PROC ESPECIAL.
Legislação Nacional:LGT98 ART89-A N4.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0734/09 DE 2010/05/19; AC TC 348/97 DE 1997/04/29; AC STAPLENO PROC0358/12 DE 2012/07/05
Referência a Doutrina:JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO IRS: INCIDÊNCIA REAL E DETERMINAÇÃO DOS RENDIMENTOS LIQUIDOS COIMBRA 2007 PAG368-369 NOTA 415.
JOSÉ CASALTA NABAIS O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR IMPOSTOS COIMBRA ALMEDINA 1998 PAG497-498.
JOSÉ CASALTA NABAIS PRESUNÇÕES INILIDIVEIS E PRINCIPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA ACORDÃO N348/97 PROC63/96 FISCO N84/85 SET/OUT 1998 ANO IX PAG85-95.
JOÃO SÉRGIO RIBEIRO A TRIBUTAÇÃO PRESUNTIVA DO RENDIMENTO: UM CONTRIBUTO PARA REEQUACIONAR OS MÉTODOS INDIRECTOS DE DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL COIMBRA ALMEDINA ABRIL 2010 PAG301-305.
PEDRO MACHETE ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO E ADMINISTRAÇÃO PARITÁRIA COIMBRA ALMEDINA 2007.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1. O Director de Finanças de Braga recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, na parte em que julgou parcialmente procedente o recurso judicial interposto por A…… e B……. contra a decisão que lhes fixou o rendimento colectável por métodos indirectos, para efeitos de IRS dos anos de 2008 e 2009.

1.2. O recorrente alega e formula, a final das alegações, as conclusões seguintes:
A. O presente recurso é deduzido contra a douta sentença proferida em 1ª instância pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou parcialmente procedente o recurso interposto contra a decisão do Director de Finanças de Braga de avaliação indirecta da matéria colectável, efectuada ao abrigo do art. 89°-A da LGT, fixando rendimento líquido a tributar no montante de € 301.000, com referência a IRS de 2008, e € 157.500,00 com referência a IRS de 2009.
B. O ora Recorrente aceita o julgamento da sentença sob recurso quanto à matéria de facto, considerando que a mesma incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, mais concretamente quanto à interpretação e aplicação do art. 89°-A da LGT, na parte em que o Tribunal a quo conclui que a decisão em crise enferma de excesso de quantificação da matéria colectável ao não considerar a justificação parcial dos suprimentos efectuados.
C. A interpretação contida na sentença sob recurso, que ora se impugna, consubstancia, necessariamente, uma interpretação correctiva da norma de incidência tributária, contrária ao princípio constitucional da legalidade tributária.
D. Atento o disposto no art. 9° do CC, “ex vi” art. 11° da LGT, não se vislumbra que a intenção do legislador, ainda que incorrectamente expressa na letra da lei, seja a de considerar, na aplicação da tabela do n° 4 do art. 89°-A da LGT, outro valor de suprimentos evidenciados que não seja o seu valor total, sendo irrelevante, para efeitos de quantificação da matéria colectável, qualquer justificação parcial dos mesmos.
E. O método de tributação previsto no art. 89°-A da LGT pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade, são desconhecidos.
F. Justamente, importa salientar que as manifestações de fortuna não são factos tributários, ou estaríamos perante uma tributação directa da despesa, o que não é o caso da norma em apreço.
G. As manifestações de fortuna são, isso sim, factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei.
H. Ao justificar parte das manifestações de fortuna, o contribuinte não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor das manifestações de fortuna, o objectivo daquele método de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.
I. Na falta de outros indícios que, nos termos do art. 90º da LGT, permitam à Administração Tributária apurar matéria colectável em montante superior, a situação tributária do contribuinte, no ano em que ocorre a manifestação de fortuna, é apurada exclusivamente com base no rendimento padrão resultante da referida tabela e nunca em montante inferior, ainda que o contribuinte justifique parte da manifestação de fortuna.
J. É que subjacente ao método de tributação previsto no art. 89°-A da LGT está o desconhecimento da real capacidade contributiva do contribuinte.
K. E uma justificação parcial da manifestação de fortuna não afasta o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte, para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do n°4 do art. 89°-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução.
L. Daí, também, uma certa vocação sancionatória do art. 89°-A da LGT sobre comportamentos que impedem a Administração Tributária de aceder à capacidade contributiva real dos contribuintes, tributando-os pelo rendimento padrão correspondente, fixado na referida tabela, sem mais considerações.
M. Mais, não existe qualquer violação ao princípio da igualdade tributária na interpretação da lei que aqui se advoga, pois das regras da experiência não decorre qualquer relação inversamente proporcional entre o montante de manifestação de fortuna justificado e o montante de rendimento que possa ter escapado à devida tributação, pois quer exista ou não uma justificação parcial, o que persiste é, ainda assim, o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte.
N. A presunção de um rendimento padrão, contida no art. 89°-A da LGT, é claramente uma presunção ilidível, através da prova da origem da totalidade dos fluxos financeiros que suportaram a totalidade do valor da manifestação de fortuna evidenciada, nos termos consignados no n° 3 daquele normativo legal.
O. O entendimento que se defende com o presente recurso quanto à interpretação do art. 89°-A da LGT, mais concretamente sobre a quantificação da matéria colectável em face de uma justificação parcial da manifestação de fortuna, tem um relevante apoio quer na doutrina, quer na jurisprudência, conforme supra se transcreveu.
P. Mais, sobre o entendimento contido naquele do acórdão do STA de 19/05/2010, acolhido na sentença sob recurso, importa, ainda, referir, que o mesmo não tem aplicabilidade ao caso em presença pois reporta-se a factos tributáveis anteriores à alteração introduzida ao n° 3 do art. 89°-A da LGT pela Lei n° 55-B/2004, de 30/12 (OE 2005), o qual passou a dispor que, “verificadas as situações previstas no n° 1 deste artigo, bem como na alínea f), do artigo 87°, cabe ao sujeito a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.”
Q. Salvo melhor opinião, afigura-se que o legislador, ao deixar de fazer referência expressa naquele dispositivo legal à herança ou doação, rendimentos que o contribuinte não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, tal como vigorava na redacção anterior àquela alteração, terá pretendido atingir a real capacidade contributiva evidenciada com a aquisição da manifestação de fortuna através da prova de todos os recursos financeiros mobilizados para a aquisição da totalidade da manifestação de fortuna, na base da qual é calculado o rendimento padrão, aprofundando o propósito de combate a evasão e fraude fiscais subjacente ao art. 89°-A da LGT.
R. Termos em que se conclui que a decisão da Administração Tributária em crise não incorreu em excesso de quantificação da matéria colectável a tributar, devendo, como tal, manter-se na íntegra na ordem jurídica.
Termina pedindo que a decisão recorrida seja revogada na parte de que se recorre, mantendo-se a decisão de avaliação da matéria colectável na íntegra na ordem jurídica.
1.3. Contra-alegaram os recorridos, formulando, a final, as conclusões seguintes:
I – O Tribunal a quo, ao concluir e muito bem que tendo a Administração Tributária aceite a justificação parcial que permitiu considerar a manifestação de fortuna no montante de 621.000,00 € não deve nem pode ignorar essa mesma justificação para efeitos de quantificação do rendimento tributável, prestou homenagem ao direito e à justiça fiscal.
II – De facto, nessa matéria, tanto a doutrina como as várias decisões dos tribunais superiores sufragam a fundamentação jurídica plasmada na douta sentença recorrida.
- Doutrina:
João Sérgio Ribeiro in a tributação presuntiva do rendimento: Um contributo para reequacionar os métodos indirectos de determinação de matéria tributável, Coimbra, Almedina – Abril de 2010.
«Doutrina: Quando ocorre uma comprovação parcial, o rendimento presumido deve passar a ser fixado num montante inferior ao que resultaria se o Sujeito Passivo não tivesse feito qualquer comprovação».
- Decisões de Tribunais Superiores sobre a matéria:
Acórdãos do TCAN de 28/10/2010, processo n° 212/10.9, de 15/12/2011, processo n° 1902/11.4 de 15/12/2011, processo n°357/09.8, Acórdão do STA, de 07/03/2012 processo n° 0188/12 – todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
III – Assim sendo, não se vislumbra qualquer fundamento de natureza jurídica susceptível de espaldar a tese pela qual o Recorrente terça armas no recurso per saltum ao qual ora se responde.
IV – Ao entender desta forma, a douta sentença recorrida, nesta matéria, utilizou correctamente a técnica da subsunção dos factos ao direito e, nesse sentido, decidiu anular a decisão do Exm° Sr. Director de Finanças de Braga, na parte em que calculou o rendimento padrão sobre o valor dos suprimentos, sem considerar o valor justificado de 496 000,00 € para o Ano de 2008, e de 125.000,00€ para o Ano de 2009.
V – Face ao exposto, resulta claro e inequívoco que a douta sentença recorrida, nesta matéria, não merece qualquer censura ou reparo, bem pelo contrário, merece elogios de obra perfeita e acabada.

1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência dos recursos, nos termos seguintes:
«I
Recurso interposto pela Fazenda Pública no processo de recurso judicial, em que são recorrentes A…… e B…….:
Resulta para apreciar se ocorreu a questão do apuramento do rendimento tributável em sede de I.R.S., por manifestação de fortuna consubstanciada na aquisição de imóvel de valor superior a 250 000 €, no caso de ter sido efectuada prova apenas parcial, pelo sujeito passivo, de ter sido utilizada uma outra fonte do financiamento.
Defende ainda não ter ocorrido erro na quantificação da determinação da matéria que tinha sido apurada sem que tal prova parcial fosse levada em conta com base no que actualmente se encontra previsto no art. 89° -A n° 3 da L.G.T.
Salvo o devido respeito, não quer parecer que pela redacção que foi dada ao art. 89°-A n° 3 pela Lei n° 55-B/04, de 30/12, seja de entender doutro modo que não aquele que se decidiu.
Com efeito, no dito n° 3 continua a prever-se que o sujeito passivo possa comprovar ser outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial, apenas se tendo deixado de especificar as várias formas que tal podia assumir.
É certo que no seu n° 4 se continua a prever que, não sendo efectuada essa prova, é de aplicar o rendimento padrão que da mesma resulta.
Contudo, é de entender tal norma como norma anti-abuso que é, mas não como permitindo que a administração tributária proceda a um alargamento da margem de valoração.
Assim, afigura-se não haver base para alterar o entendimento dominante, o qual foi consagrado no acórdão do Pleno da secção do Contencioso Tributário de proferido no proc. n° 19/5/2010, proc. n° 0734/09, e que foi reafirmado posteriormente por outros, como os proferidos recentemente nos acórdãos de 7-3-12 e de 2-5-12, respectivamente, nos processos n°s. 179/12 e 381/12, sendo que deste último se transcreve o respectivo sumário, conforme consta em www.dgsi.pt, por parecer suficientemente elucidativo de que o entendimento tipo na sentença recorrida é o correcto:
“I – O art. 89°-A da LGT não pode ser interpretado de forma isolada devendo chamar-se à colação, desde logo, outras normas legais que estabelecem regras informadoras de todo o sistema fiscal, designadamente o art. 73° da LGT, segundo o qual «as presunções consagradas nas normas de incidência tributário admitem sempre prova em contrário» e, bem assim, os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais;
II – Evidenciado a aquisição pela recorrida de um imóvel com valor de aquisição superior a € 250.000,00, quando declara rendimentos líquidos que mostram uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão (que foi fixado pelo legislador em 20% do valor da aquisição, em conformidade com a tabela constante do n° 4 do art. 89°-A da LGT), consideram-se verificados os pressupostos legais para a avaliação indirecta do seu rendimento tributável;
III – Para prova da ilegitimidade deste acto de avaliação indirecta só deve dar-se relevância à justificação total do montante que permitiu a “manifestação de fortuna”, pelo que a justificação meramente parcial não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna:
IV – Já assim não será no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como “incremento patrimonial” em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntiva do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto, por força do disposto no art 73° da LGT e, bem assim, dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais;
V – Embora a justificação parcial da manifestação de fortuna não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89°-A da LGT, não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrida deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzindo-se a este valor de aquisição o montante do empréstimo bancário que a recorrida demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel, uma vez que esse montante não está nem pode estar sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação, sob pena de estarmos perante uma tributação em que estaria de todo ausente o critério da capacidade contributiva;
VI – No caso em apreço, não tendo a Administração tributária efectuado a dedução relativa ao empréstimo bancário na avaliação do rendimento tributável da recorrida, há manifesto excesso na quantificação, o que fere de ilegalidade o acto que lhe fixou o rendimento tributável de € 112.000,00 com recurso a avaliação indirecta.”
Concluindo, parece que o dito recurso é de improceder.
II
Recurso interposto por A…… e B……..
Incide o mesmo sobre o despacho que julgou deserto o recurso que também tinham interposto da sentença recorrida, com fundamento em não terem sido juntas as alegação no requerimento de interposição, nem no prazo de 10 dias previsto no art. 282° n° 3 do C.P.P.T..
O que se questiona agora é se, sendo o primeiro dia da contagem do prazo um sábado, é de entender que aquele prazo só se iniciava na 2ª feira seguinte, o que se defende com base no disposto nos arts. 144° n° 2 “a contrario”, 253° e 254° n° 3 do C.P.C. e ainda no art. 279° al. b) do C.P.C. (será ao C.P.P.T. que se quer referir).
Embora tal se insira num recurso judicial de acto praticado pela A.T., é de decidir a questão em face da norma processual aplicável.
Ora, sendo o prazo processual de contar continuamente de acordo com o previsto no art. 144° n° 1 do C.P.C., desde que foi efectuada a notificação, nos termos do dito art. 254° n° 3 do C.P.C., de tal parece decorrer que, sendo o 1º dia subsequente à notificação um sábado, é este o 1° do prazo.
Tratando-se de processo urgente, em que o prazo corre ainda em férias, a essa regra apenas é aplicável a excepção prevista quanto ao termo do prazo de nos casos do tribunal se encontrar encerrado, conforme ocorre actualmente quanto aos sábados, domingos e feriados, ou por ter sido concedida tolerância de ponto – art. 144° n°s. 2 e 3 do C.P.C. e 122° nº 1 da L.O.F.T.J., subsidiariamente aplicáveis por força do disposto no art. 2° al. e) do C.P.P.T..
Sendo estas as normas que parecem ser de aplicar, conforme decidido foi a fls. 335. no sentido de se contar o prazo incluindo tal sábado.
Concluindo, parece que este recurso também é de improceder.»

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe decidir.

FUNDAMENTOS

2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes:
1 – Na declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2008, os Recorrentes declararam um rendimento colectável de 9.609,77 €.
2 – Na declaração modelo 3 de IRS, referente ao ano de 2009, os Recorrentes declararam um rendimento colectável de 9.682,69 €.
3 – Os Recorrentes foram alvo de uma acção de inspecção, relativa aos exercícios de 2008 e 2009, que teve por base as Ordens de Serviço n°OI201102122 e OI20110212.
4 – Através do ofício n° 501.11029 datado de 20/10/2011 foram os Recorrentes notificados do Projecto de Relatório da Inspecção Tributária.
5 – Por requerimento apresentado em 02/11/2011 os Recorrentes exerceram o direito de audição prévia nos termos do artigo 60° da Lei Geral Tributária (L.G.T.) e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (R.C.P.I.T), com o teor de fls. 139 a 158 dos autos, que se considera, para todos os efeitos como integralmente reproduzido.
6 – Em 16 de Novembro de 2011 foi elaborado o Relatório Final, com o teor constante de fls. 124 a 138 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e onde, além do mais consta o seguinte:
“[…]
II. OBJECTIVOS, ÂMBITO E EXTENSÃO DA AÇÃO INSPECTIVA
II.1. Credencial e período em que decorreu a acção
A presente acção de inspecção teve por base as ordens n° OI201102122 e OI201102123 emitidas em 2011-06-29 para ser efectuado controlo das manifestações de fortuna evidenciados nos anos de 2008 e 2009, respectivamente, de âmbito parcial (IRS), ambas com o código de actividade 12122005; a análise da aplicabilidade do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89°-A da Lei Geral Tributária (LGT) foi feita ao abrigo do despacho interno n° DI201100688, emitido para consulta, recolha e cruzamento de elementos.
II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal
Na sequência da acção inspectiva realizada à empresa C……, Lda., NIPC …….., verificou-se que, nos anos de 2008 e 2009 foram efectuados, pelos sócios A…… e mulher, B……., únicos sócios da sociedade, suprimentos no valor de € 602.000,00 (€ 481.600,00 + € 120.400,00) e de € 315.000,00 (€ 252.100,00 + € 62.900,00) em cada um dos anos, respectivamente, tendo aqueles declarado rendimentos de montante inferior a 50% do rendimento padrão previsto no n°4 do artigo 86°-A da LGT, conforme se conclui pela análise do quadro seguinte:

Ano
Rendimento Colectável DeclaradoValor dos suprimentosRendimento padrão50% do Rendimento padrão
20089.609,77602,000,00301.000,00150.500,00
20099.682,69315.000,00157.500,0078.750,00

Notificado através do oficio n° 510.5289 de 2011-05-02 nos termos do n° 3 daquele normativo, no âmbito do despacho interno n° DI201100688, do projecto de decisão de aplicação de métodos indirectos para a determinação do rendimento sujeito a IRS, e para, querendo, fazer prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, mediante apresentação, nomeadamente, de cópia dos extractos bancários que evidenciassem a origem e a mobilização dos recursos financeiros utilizados para as entregas dos referidos suprimentos realizados em 2008 e 2009, respectivamente, tendo solicitado um prazo adicional de 15 dias para recolher os comprovativos da origem do restante valor das entradas, o que lhe foi concedido.
Em 2 de Junho de 2011, o sujeito passivo A…….. apresentou, pessoalmente, nesta Direcção de Finanças, um conjunto de fotocópias de seis cheques, no montante global de € 225.000,00, emitidos à sua ordem pela sociedade D……., Lda., utilizados para pagamento da contraprestação na aquisição de um prédio que fez ao sujeito passivo por escritura pública celebrada em 2007-11-02, pelo valor de € 275.000,00. De acordo com o exposto pelo sujeito passivo, foi feito um pagamento a título de sinal no montante de € 50.000,00 e, no acto de escritura, foi emitido um cheque pré-datado pelo restante valor do contrato, o qual foi substituído pelos cheques atrás mencionados.
Em auto de declarações do mesmo dia, o sujeito passivo confirmou que esses cheques foram por si endossados aos seus pais para reembolso das importâncias que estes haviam emprestado a si e à sua esposa, entregue em numerário porque estava guardado em casa, para fazer face às necessidades de liquidez da sociedade C……, Lda., nomeadamente para pagamento dos juros de empréstimos bancários que se venciam nos dias 7 e 8 dos meses de Fevereiro, Maio, Agosto e Novembro de cada ano, o qual entrou na empresa a título de suprimentos.
Conforme orientação constante da notificação para exercício do direito de audição, para fazer prova do recurso ao crédito o sujeito passivo deveria apresentar, designadamente, cópia dos extractos bancários que comprovassem a origem e movimentação daqueles montantes, não o tendo feito, pelo que não logrou demonstrar a origem daquele valor. Ora, para afastar a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos nos termos do artigo 89°-A da LGT, o sujeito passivo estava obrigado a efectuar prova da origem da totalidade do montante que permitiu a manifestação de fortuna evidenciada, sendo insuficiente demonstrar a proveniência de apenas parte daquele valor.
Pelo exposto, estão verificados os pressupostos legais a que se refere o artigo 89°-A da LGT para a avaliação indirecta da matéria colectável do casal com relação aos anos de 2008 e 2009. Para esse efeito, foram abertas as ordens de serviço n° OI201102122 e OI201102123, respectivamente.
II.3. Caracterização do sujeito passivo
Trata-se de uma agregado familiar composto por marido e mulher que nos anos em causa declararam ter auferido rendimentos do trabalho dependente e rendimentos prediais, não estando registados para o exercício de qualquer actividade independente. À presente data não consta, no sistema informático da DGCI, qualquer dívida à Fazenda Nacional em nome de qualquer um dos elementos do agregado familiar.
[…]
IV. MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
O n° 1 do artigo 75° da LGT prescreve que se presumem verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos da lei. No entanto, essa presunção de veracidade cessa quando “Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89°-A.” (alínea d) do n° 2 do artigo 75° da LGT). Esse é um dos pressupostos elencados no artigo 87° da LGT que permitem à administração fiscal o recurso à avaliação indirecta como forma subsidiária de determinação do rendimento sujeito a tributação.
O facto de o sujeito passivo não ter demonstrado a proveniência do suprimentos efectuados à sociedade C…….., Lda. leva-nos a inferir que aquela manifestação de fortuna, tal como é definida na tabela do n° 4 do artigo 89°-A da LGT, traduz uma capacidade contributiva que foi omitida à administração fiscal, pelo que cessa a presunção de verdade quantos aos rendimentos dos anos de 2008 e 2009.
Legitimado o acto de recurso à avaliação indirecta do rendimento do casal, resta apurar o valor da matéria colectável a fixar.
V. CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
Nos termos do n° 4 do artigo 89°-A da LGT, o rendimento padrão correspondente ao valor dos suprimentos efectuados é o seguinte:

AnoValor dos SuprimentosRendimento padrão
2008602.000,00301.000,00
2009315.000,00157.500,00

Não obstante o sujeito passivo ter feito prova da origem de uma parte dos suprimentos (€ 496.000,00 em 2008 e € 125.000,00 em 2009), o método de determinação dos rendimentos por manifestações de fortuna permite fixar, no mínimo, o rendimento padrão resultante da aplicação da percentagem prevista na tabela do n° 4 do artigo 89°-A da LGT desconsiderando-se todos os outros rendimentos declarados pelo sujeito passivo, podendo ser determinado rendimento superior se existirem indícios fundados de que ele foi obtido; não pode é ser fixado um rendimento inferior mesmo que haja indícios de que assim foi.
Assim sendo, vai ser fixado o rendimento tributável do sujeito passivo no montante de € 301.000,00 para o ano de 2008 e de € 157. 5000,00 para o ano de 2009, a enquadrar na categoria G de IRS.
[…]
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO
Através do oficio n° 510.11029 de 2011-10-20 desta direcção de finanças, foi o sujeito passivo notificado para, querendo, e nos termos do artigo 60° da LGT e artigo 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPI), exercer o direito de audição sobre o Projecto de Correcções, tendo-lhe sido concedido o prazo de 10 dias para o fazer.
Em 2 de Novembro de 2011 deu entrada nestes serviços o exercício do direito de audição, através do qual o sujeito passivo requer que seja mantido, com relação aos anos de 2008 e 2009, o rendimento tributável constante das declarações de rendimentos por si apresentadas, uma vez que, dos factos e elementos de prova aportados aos autos, jamais se poderia ter fixado o rendimento tributável proposto no Projecto de Correcções, alegando o seguinte:
O disposto no n° 1 do artigo 75° da LGT terá sido excluído na acção inspectiva, tendo a administração fiscal concluído pelo recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável.
Apesar da presença de elementos que integram a previsão legal do disposto no n° 1 do artigo 89°-A da LGT, o sujeito passivo logrou demonstrar que é outra a fonte da manifestação de fortuna evidenciada, sendo ela a seguinte:
2.1. € 566.000,00 resultantes de verbas provenientes da E……., Lda.
2.2. € 60.000,00 resultantes de transferência efectuada por F……,
2.3. € 275 000,00 resultantes da alienação de um prédio efectuada pelo sujeito passivo no ano de 2007.

O que perfaz o valor de € 901.000,00.
3. Pelo que resulta claro que o sujeito passivo comprovou, de forma clara e inequívoca, qual a origem dos montantes entregues a título de suprimentos à sociedade C……., Lda.
4. As aparentes manifestações de fortuna derivam de fonte não impositiva de declaração de rendimentos, concluindo-se que os rendimentos declarados pelo sujeito passivo nos anos de 2008 e 2009 correspondem, com rigor, à realidade, não sendo passíveis de correcção.
5. Se assim não for entendido pela administração fiscal, recai sobre ela o ónus da prova, nos termos do n° 1 do artigo 74º LGT.
Não obstante o facto de não terem sido apresentados novos elementos, será conveniente analisar as considerações feitas pelo sujeito passivo:
1. O afastamento, por parte da administração fiscal, da presunção de verdade das declarações do sujeito passivo, prevista no n° 1 do artigo 75° da LGT, ocorreu porque se encontra verificada a condição a que se refere a aliena d) do n°2 do mesmo normativo.
2. Nos termos do n° 3 do artigo 89°-A da LGT é sobre o sujeito passivo que recai o ónus de provar que é outra a fonte das manifestações de fortuna, e não sobre a administração fiscal. A esta cabe-lhe apenas avaliar a prova apresentada.
3. Conforme havia sido referido no Projecto de Correcções, o sujeito passivo logrou demonstrar a origem de € 621.000,00, dos quais € 561.000,00 têm como proveniência a E…….. Lda., e não € 566.000,00, conforme alega o sujeito passivo. De referir que o doc. N° 3 anexo à petição apresentada apenas justifica a origem de € 27.000,00 (cheque n° 6047260911 emitido em 2008-05-07 pela sociedade ao sujeito passivo), não obstante no talão de entrega de valores ser feita referência a um depósito em numerário no montante de € 5.000,00, cuja origem não esta comprovada.
4. Alega o sujeito passivo que a origem do montante de € 275.000,00, está no recebimento do valor de venda de um prédio, ocorrida no ano de 2007. Ora, para que estivesse demonstrada a utilização dessa verba para a realização dos suprimentos nos dois anos seguintes, deveria o sujeito passivo apresentar, nomeadamente, extractos bancários que evidenciassem a mobilização daqueles recursos a favor da sociedade C……., Lda., não o tendo feito. Aliás, conforme foi apurado no decurso da acção inspectiva, factos que se encontram registados em auto de declarações do sujeito passivo prestadas em 2 de Junho de 2011, o valor restante teve como origem empréstimos feitos pelos pais de A………, sem que tenha juntado prova desse facto.
5. Pelo exposto, não pode a administração fiscal considerar demonstrada a origem da totalidade dos suprimentos efectuados pelo sujeito passivo à sociedade nos anos de 2008 e 2009. Consequentemente, e estando sujeita ao princípio da legalidade tributária, determinou o recurso à avaliação indirecta do rendimento tributável do sujeito passivo com base no critério definido no n°4 do artigo 89°-A da LGT.
Assim sendo, e uma vez que o sujeito passivo não apresentou factos susceptíveis de alterar o sentido de decisão constante do Projecto de Correcções, mantêm-se as correcções propostas.
[...]”
7 - No ano de 2008, foram efectuadas, pelos Recorrentes A……. e B……., entregas à sociedade C…….., Lda., nos montantes de 481.600,00 € e de 120.400,00 €, respectivamente — cfr. extractos da conta 25511 e 25512, de fls. 135 e 136 dos autos.
8 - No ano de 2009, foram efectuadas entregas pelos Recorrentes A…….. e B…….., à sociedade C………, Lda., nos montantes de 252.100,00 € e de 62.900,00 €, respectivamente – cfr. extractos de conta 25511 e 25512, de fls. 135 e 136 dos autos.
9 - A administração tributária, no decurso da acção inspectiva, considerou comprovada a origem de 496.000,00 €, com referência a entregas efectuadas em 2008, e € 125.000,00 €, com referência a entregas efectuadas em 2009.
10 - Em 02 de Novembro de 2007, os Recorrentes venderam, por escritura pública, outorgada no Cartório Notarial Teresa Jácome Correia, pelo preço de 275.000,00 €, sociedade D…….., Lda. o prédio rústico denominado ……… – Cfr. certidão de fls. 36 e 37 dos autos.
11 - Da referida escritura consta que “do preço devido eles vendedores receberam já a quantia de cinquenta mil euros; os restantes duzentos e vinte e cinco mil euros, são pagos através do cheque que lhes é entregue neste momento, de igual montante, com o número dois nove oito um quatro três sete oito zero sete, sacado sobre o Banco Comercial Português, S.A., e datado de vinte e oito de Abril de dois mil e oito”.
12 - Em 24.04.2008, a sociedade D……., LDA., emitiu a favor de A……….. o cheque n° 0046713.9, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 50.000,00 € — cfr. fls. 38 dos autos.
13 - Em 18.06.2008, a sociedade D………, LDA., emitiu a favor de A…………… o cheque n° 0046745.7, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 25.000,00€ — cfr. fls. 39 dos autos.
14 - Em 02.07.2008, a sociedade D………., LDA., emitiu a favor de A……….. o cheque n° 0049825.5, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 75.000,00 € — cfr. fls. 40 dos autos.
15 - Em 26.08.2008, a sociedade D………, LDA., emitiu a favor de A……… o cheque n° 0049856.5, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 35.000,00 € — cfr. fls. 41 dos autos.
16 - Em 28.11.2008, a sociedade D………, LDA., emitiu a favor de A……….. o cheque n° 0049922.7, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 20.000,00 € — cfr. fls. 42 dos autos.
17 - Em 23.05.2009, a sociedade D………, LDA., emitiu a favor de A………. o cheque n° 0057637.0, sacado sobre o Banco Espírito Santo, no montante de 20.000,00 € - cfr. fls. 43 dos autos.
18 - Em 21 de Novembro de 2011, o Director de Finanças de Braga lavrou decisão final, para cada um dos anos (2008 e 2009), nos termos que constam de fls. 137 e 138, que aqui se dão por reproduzidos.

3. No presente recurso está em causa apenas o interposto pelo Director de Finanças de Braga, dado que, quanto ao recurso que fora interposto por A…….. e B………, do despacho de fls. 266 (que julgou deserto o recurso que os mesmos tinham interposto da sentença), foi ordenada a «convolação» para a reclamação prevista no art. 688° do CPC, e dado que tal reclamação foi já antecedentemente apreciada.
Fica, assim, prejudicada a pronúncia do MP nesta parte.
4.1. A sentença julgou parcialmente procedente o recurso judicial (deduzido por A……… e B……….. da decisão do DDF de Braga, de 22/11/2011, que lhes fixou o rendimento colectável, por métodos indirectos, para efeitos de IRS, a enquadrar na categoria G, relativamente aos anos de 2008 e 2009, nos montantes de 301.000,00 Euros e 157.500,00 Euros, respectivamente).
E enunciando como questões a decidir as que se prendem (i) com a verificação dos pressupostos para a determinação da matéria colectável, nos termos do disposto no art. 89°-A da LGT e (ii) com o alegado excesso de quantificação do rendimento tributável, a sentença conclui, em síntese:
a) Quanto à verificação dos pressupostos para avaliação da matéria colectável pelo método previsto no n° 4 do art. 89°-A da LGT
- Nos termos do disposto na al. d) do art. 87° e nos n°s. 1 e 4 do art. 89°-A, ambos da LGT é possível efectuar a avaliação indirecta, se o contribuinte não tiver apresentado declaração de rendimentos e evidenciar uma das manifestações de fortuna indicadas no n° 4 do art. 89°-A ou se o contribuinte tiver apresentado declaração de rendimentos, mas existir uma desproporção superior a 50%, para menos, entre os rendimentos declarados e os rendimentos padrão indicados no mesmo n° 4.
- Do índice 5 da tabela prevista no n°4 [introduzido pela Lei n° 107-B/2003, de 31/12 (OE 2004)] decorre que, no caso de suprimentos e empréstimos feitos no ano em causa, de valor igual ou superior a 50.000,00 €, o rendimento padrão é de 50% do respectivo valor anual.
- À AT cabe (n° 1 do art. 74° da LGT e n° 1 do art. 342° do CCivil) provar o facto que, segundo a lei, constitui uma manifestação de fortuna e ao sujeito passivo cabe o ónus de provar que os rendimentos declarados correspondem à realidade e que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo do património ou da despesa efectuada.
- No caso, atendendo à factualidade provada, é de concluir que a AT provou a manifestação de fortuna e os recorrentes não lograram demonstrar não só a existência dos meios financeiros, mas também da sua mobilização para a aquisição das manifestações de fortuna evidenciadas, ou seja, não lograram demonstrar a totalidade das fontes de rendimento que lhes permitiram evidenciar as manifestações de fortuna consubstanciadas nos suprimentos à sociedade “C…….., Lda.”.
- Pelo que é legítimo o recurso, por parte da AT, à determinação da matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do art. 89°-A da LGT, sendo que a justificação parcial do montante que permitiu a manifestação de fortuna não obsta à aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos que permitiram tal manifestação de fortuna (cfr. o ac. do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, de 19/5/2010, rec. n° 0734/09).
b) Quanto ao excesso de quantificação do rendimento tributável
- Embora a justificação parcial do montante que permitiu a manifestação de fortuna não afaste a fixação do rendimento tributável ao abrigo do disposto no art. 89°-A da LGT, também é certo que a justificação parcial não pode deixar de ser considerada na quantificação da matéria colectável por métodos indirectos (cfr. o citado acórdão do Pleno do STA).
- A norma constante do citado n° 4 do art. 89°-A, quando está em causa a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS, deve considerar-se norma de incidência objectiva de IRS, devendo aplicar-se a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (como prevê o art. 73° da LGT as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário).
- Por isso, não pode deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso de quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a tributação como rendimento para efeitos de IRS.
- Solução diferente conduziria à violação dos princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
E também, a natureza subsidiária da avaliação indirecta (art. 85°, n° 1 da LGT) e a regra de que se aplicam à avaliação indirecta as regras da avaliação directa (art. 85°, nº 2) parecem ser no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte terá de se reflectir na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, até porque o art. 89°-A, n° 4 da LGT admite o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão (admite expressamente o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no art. 90°, que permitam à AT fixar rendimento superior).
- Perante não apenas indícios mas factos provados que motivem a fixação de rendimento inferior, a AT não poderá deixar de actuar em conformidade, sendo que tem sido esse o entendimento da mais recente doutrina e da jurisprudência do STA.
- No caso, tendo a AT aceite a justificação parcial do valor que permitiu a manifestação de fortuna, no montante de 621.000,00 €, não pode ignorar essa mesma justificação para efeitos de quantificação do rendimento tributável, sob pena de excesso de quantificação. Pelo que, deveria ter considerado 50% do valor dos suprimentos deduzido dos montantes que permitiram, em parte, a manifestação de fortuna.
- E não o tendo feito, necessário se torna concluir que há excesso na quantificação, estando a decisão do Sr. Director de Finanças de Braga, no que a este aspecto respeita, ferida do vício de violação de lei, que acarreta a sua anulabilidade, nos termos do art. 135° do CPA, aplicável ex vi art. 2°, al. c), da LGT e art. 2°, al. d) do CPPT (tal como o acto de liquidação, também o acto de fixação da matéria colectável, por definir uma quantia, é naturalmente divisível, sendo-o também juridicamente, por a lei prever a possibilidade de anulação parcial daqueles actos - o art. 100° prevê a procedência parcial de meios processuais impugnatórios).

4.2. É contra o entendimento quanto à questão do excesso de quantificação do rendimento tributável que o recorrente DDF se insurge.
Na tese do recorrente, a sentença assenta numa errada interpretação do art. 89°-A da LGT, pois que a intenção do legislador não é a de considerar, na aplicação da tabela do n° 4 desse art. 89°-A, outro valor de suprimentos evidenciados que não seja o seu valor total, sendo irrelevante, para efeitos de quantificação da matéria colectável, qualquer justificação parcial dos mesmos, até porque o método de tributação ali previsto pressupõe, por definição, a tributação de um rendimento cuja existência é fortemente indiciada, a partir de factos típicos como as manifestações de fortuna, mas cuja fonte ou natureza, assim como a sua quantidade, são desconhecidos, não sendo essas manifestações de fortuna factos tributários (se assim fosse, estaríamos perante uma tributação directa da despesa, e não é esse o caso da norma em apreço). Ou seja, as manifestações de fortuna são factos indiciadores de fraude ou evasão fiscais quando se verifica a desproporção com o rendimento declarado nos termos expressamente previstos na lei e o contribuinte, ao justificar parte de tais manifestações de fortuna, não está a justificar parte do rendimento que se presume a partir da referida tabela, pois muito embora o cálculo do rendimento padrão seja proporcional ao valor das manifestações de fortuna, o objectivo daquele método de tributação é o de tributar ingressos de rendimento que tenham escapado à devida tributação, com vista a uma aproximação da realidade contributiva.
Na falta de outros indícios que, nos termos do art. 90º da LGT permitam à AT apurar matéria colectável em montante superior, a situação tributária do contribuinte é apurada exclusivamente com base no rendimento padrão resultante da referida tabela e nunca em montante inferior, ainda que aquele justifique parte da manifestação de fortuna, pois que subjacente ao método de tributação previsto no art. 89°-A da LGT está o desconhecimento da real capacidade contributiva do contribuinte e uma justificação parcial da manifestação de fortuna não afasta o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte, para efeitos de IRS, não afastando, por isso, a presunção de fraude e evasão fiscal e a consequente aplicação do padrão de rendimento apurado a partir da tabela do n° 4 do art. 89°-A da LGT, para a qual a lei não prevê qualquer redução (o art. 89°-A tem, também, uma certa vocação sancionatória sobre comportamentos que impedem a AT de aceder à capacidade contributiva real dos contribuintes, tributando-os pelo rendimento padrão correspondente, fixado na tabela, sem mais considerações).
E porque a presunção de um rendimento padrão, contida no dito art. 89°-A é uma presunção ilidível, através da prova da origem da totalidade dos fluxos financeiros que suportaram a totalidade do valor da manifestação de fortuna evidenciada (n° 3 do mesmo normativo), não existe, nesta interpretação da lei, qualquer violação ao princípio da igualdade tributária, pois das regras da experiência não decorre qualquer relação inversamente proporcional entre o montante de manifestação de fortuna justificado e o montante de rendimento que possa ter escapado à devida tributação, pois quer exista ou não uma justificação parcial, o que persiste é, ainda assim, o desconhecimento da realidade tributária global do contribuinte.
Acresce que o entendimento contido no acórdão do STA de 19/5/2010, acolhido na sentença, não tem aplicabilidade ao caso em presença pois reporta-se a factos tributáveis anteriores à alteração introduzida ao n° 3 do art. 89°-A da LGT pela Lei n° 55-B/2004, de 30/12 (OE 2005), o qual passou a dispor que, “verificadas as situações previstas no n° 1 deste artigo, bem como na alínea f), do artigo 87°, cabe ao sujeito a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou o acréscimo de património ou o consumo evidenciados.” Ou seja, o legislador, ao deixar de fazer referência expressa naquele dispositivo legal à herança ou doação, rendimentos que o contribuinte não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, tal como vigorava na redacção anterior àquela alteração, terá pretendido atingir a real capacidade contributiva evidenciada com a aquisição da manifestação de fortuna através da prova de todos os recursos financeiros mobilizados para a aquisição da totalidade da manifestação de fortuna, na base da qual é calculado o rendimento padrão, aprofundando o propósito de combate à evasão e fraude fiscais subjacente ao art. 89°-A da LGT.
4.3. Da análise das conclusões das alegações de recurso (que delimitam o objecto e âmbito do recurso – n° 3 do art. 684° do CPC), resulta, portanto, que a questão a decidir e prende com o sentido e alcance dado pela sentença recorrida ao art. 89°-A da LGT.
Vejamos.
5.1. O art. 89°-A da LGT (sendo inócuas, no caso, as alterações e/ou aditamentos introduzidos nos seus n°s. 3, 5, 10 e 11 pelas Leis n°s. 19/2008, de 21/4, 64-A/2008, de 31/12 e 94/2009, de 1/9), dispõe, no que aqui interessa, que «Há lugar a avaliação indirecta da matéria colectável quando falte a declaração de rendimentos e o contribuinte evidencie as manifestações de fortuna constantes da tabela prevista no n° 4 ou quando o rendimento líquido declarado mostre uma desproporção superior a 50%, para menos, em relação ao rendimento padrão resultante da referida tabela».
Por sua vez, o n° 2 do mesmo artigo estabelece que, entre as manifestações de fortuna previstas na tabela supra referida estão os suprimentos e empréstimos (de valor igual ou superior a € 50.000,00) efectuados pelo sócio à sociedade, no ano em causa, ou por qualquer elemento do seu agregado familiar.
Por último, determina o n° 3 também do mesmo normativo que «Verificadas as situações previstas no n° 1 deste artigo, bem como na alínea f) do n° 1 do art. 87°, cabe ao sujeito passivo a prova de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna evidenciadas, ou do acréscimo de património ou da despesa efectuada».
Como se disse, não vem questionada a sentença na parte em que considerou que a justificação meramente parcial do montante que permitiu a “manifestação de fortuna” não afasta a aplicabilidade da determinação indirecta dos rendimentos globais que permitiram tal manifestação de fortuna. Ou seja, não se questiona que o rendimento padrão sirva, numa primeira fase, para verificar se ocorrem os pressupostos legais para o recurso a métodos indirectos de determinação do rendimento tributável.
Vem, porém, questionada a interpretação de que a justificação parcial das manifestações de fortuna releva para a fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS.
No caso, provou-se que os recorridos justificaram parcialmente a manifestação de fortuna, no montante de 621.000,00 € (496.000,00 € relativos ao ano de 2008 e 125.000,00 € relativos ao ano de 2009), que a AT desconsiderou na fixação do rendimento padrão tributável em cada um desses anos.
A questão é, portanto, a de saber se a AT deveria ter considerado 50% do valor dos suprimentos deduzido dos montantes que permitiram, parcialmente, a manifestação de fortuna.
A tese do recorrente, que corresponde à interpretação estritamente literal do art. 89°-A, n° 4, da LGT, é, como se viu, a de que a lei apenas prevê a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” nos casos em que a AT fixe rendimento superior, de acordo com os critérios previstos no art. 90° da LGT.
Ora, entende-se, tal como ficou consignado no citado acórdão do Pleno (de 19/5/2010, rec. n° 0734/09), outra é a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Com efeito, como ali se exara, «já assim não é no que respeita à fixação do rendimento sujeito a tributação como incremento patrimonial em sede de IRS, onde a justificação parcial há-de relevar para a fixação presuntivo do montante do “acréscimo patrimonial não justificado” sujeito a imposto.
Embora se tenha presente (...) que a solução perfilhada é a que resulta literalmente da letra do nº 4 do artigo 89°-A da LGT, que apenas prevê de forma expressa a possibilidade de afastamento do valor determinado tendo por referência o “rendimento padrão” quando a administração tributária fixar rendimento superior, de acordo com os critérios fixados no artigo 90º, entende-se, contudo, ser outra a solução imposta pelo espírito do sistema, conformado pelos princípios constitucionais e legais pertinentes atendendo à natureza das normas em causa.
Assim, no que à natureza das normas em causa respeita, parece dever entender-se que as normas previstas no n°4 do artigo 89°-A da Lei Geral Tributária são, nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do nº 1 do artigo 9° do respectivo Código (neste sentido, JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra, 2007, pp. 368/369, nota 415), ou, pelo menos, normas que densificam e concretizam aquelas e, como tais, sujeitas a idênticas regras e princípios.
Ora, se assim é, então ter-se-á de considerar ser-lhes aplicável a proibição de presunções legais absolutas de rendimentos derivada do princípio da capacidade contributiva (neste sentido, JOSÉ CASALTA NABAIS, O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Coimbra, Almedina, 1998, em especial pp. 497/498), que, no plano da lei ordinária, o artigo 73° da LGT ao dispor que «as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário», expressamente consagra.
Não pode, pois, deixar de ser reconhecido ao contribuinte o direito de provar o manifesto excesso dessa quantificação, pela demonstração de que o seu rendimento tributável não pode ser igual ao rendimento padrão que a lei fixa ou presume, na medida em que logrou demonstrar a proveniência de parte do montante que permitiu a manifestação de fortuna e esse montante não está sujeito a declaração e tributação como rendimento para efeitos de IRS. Impedir o contribuinte de fazer essa prova ou defender que não se pode dar qualquer relevância à demonstração da proveniência parcial do rendimento utilizado na manifestação da fortuna, argumentando que a quantificação tem, necessariamente, de ser aquela que resulta da aplicação de um critério estritamente legal e que parte de uma ficção ou presunção de um determinado rendimento sujeito a tributação (rendimento padrão), constituiria, desde logo, uma clara e directa violação do artigo 73° da LGT pois que sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência objectiva de IRS, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário (n°2 do artigo 350° do Código Civil).
Acresce que a solução a que conduziria o não relevo da justificação parcial da manifestação de fortuna, levaria a tributar de forma igual situações diversas e para as quais a Constituição parece impor tratamento tributário diverso, em conformidade com os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais.
De facto, mal se compreenderia, à luz dos referidos princípios, que, perante contribuintes relativamente aos quais se verificassem os pressupostos legais do recurso à avaliação indirecta por “sinais exteriores de riqueza” e que tivessem adquirido imóveis de valor idêntico, o contribuinte que nada justificou fosse tributado em sede de categoria G de IRS por montante exactamente igual ao contribuinte que justificou que parte significativa da fonte do acréscimo patrimonial não justificado lhe adveio do recurso a um empréstimo bancário, acrescendo, ainda que o montante obtido por via do empréstimo bancário acabaria também por ser tributado, não obstante tratar-se comprovadamente de montante não sujeito a tributação em sede de IRS.»
Ora, a interpretação sustentada, no caso presente, pela recorrente Fazenda Pública, conduziria, inevitavelmente, a um tratamento grosseiramente igualitário de situações diversas e bem assim autorizaria e validaria «a tributação de rendimentos que, comprovadamente, não estão sujeitos a tributação em sede de IRS, razões pelas quais deve ser rejeitada sob pena de afronta aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da tributação dos rendimentos reais (Cfr., o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 348/97, de 29 de Abril de 1997, que julgou inconstitucional, por violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13° da Constituição, a norma do § 2 do artigo 14° do Código do Imposto de Capitais, na parte em que não permite a elisão de onerosidade dos mútuos efectuados pelas sociedades a favor dos respectivos sócios e respectiva anotação de CASALTA NABAIS, que convoca também o princípio da capacidade contributiva para defesa de que a predita norma também é inconstitucional em si mesma, na medida em que permite a tributação de situações sem qualquer suporte na capacidade contributiva - «Presunções Inilidíveis e Princípio da Capacidade Contributiva: Acórdão n° 348/97, processo n° 63/96», Fisco, n° 84/85, Setembro/Outubro 1998, ano IX, pp. 85/95).
Tenha-se, finalmente em conta que a natureza subsidiária da avaliação indirecta (artigo 85º nº 1 da LGT) - de que, ao menos na perspectiva do legislador (cfr. a alínea d) do n° 1 do artigo 87° da LGT), a avaliação por sinais exteriores de riqueza comunga -, e bem assim a regra segundo a qual à avaliação directa se aplicam, sempre que possível e a lei não prescreva em sentido diferente, as regras da avaliação directa (artigo 85° n° 2 da LGT) parecem igualmente militar no sentido de que a justificação parcial feita pelo contribuinte do acréscimo patrimonial há-de reflectir-se na fixação do rendimento a sujeitar a imposto, tanto mais que o n° 4 do artigo 89°-A da LGT expressamente admite o afastamento da tributação do montante determinado pelo “rendimento padrão” quando existam indícios fundados, de acordo com os critérios previstos no artigo 90°, que permitam à administração tributária fixar rendimento superior, o que permite afirmar o carácter supletivo do recurso ao rendimento padrão, ao menos na perspectiva da Administração tributário.
Ora, se assim é para a Administração tributária, perante meros indícios, embora fundados e consonantes com critérios legalmente definidos, não se vê que deva ser de outro modo quando a situação seja a inversa e o contribuinte disso já faça prova.
É que, julgamos que também no plano procedimental tributário, o princípio do Estado de Direito Democrático (artigo 2° da Constituição da República) postula esse justo equilíbrio, essa paridade de posições jurídicas recíprocas, nas situações em que não se vislumbra que um interesse público de especial relevo imponha solução diversa (cfr., sobre o tema em geral, PEDRO MACHETE, Estado de Direito Democrático e Administração Paritária, Coimbra, Almedina, 2007).
Diga-se finalmente que a solução propugnada é a sustentada pela mais recente doutrina que ex professo tratou a questão (cfr. JOÃO SÉRGIO RIBEIRO, A Tributação Presuntiva do Rendimento: Um Contributo para Reequacionar os Métodos Indirectos de Determinação da Matéria Tributável, Coimbra, Almedina, Abril 2010, pp. 301/305), o que não deve deixar de ser salientado.
Os argumentos supra expostos conduzem, assim, a que se entenda que a justificação parcial, embora não afaste a aplicação do método de avaliação indirecta previsto no artigo 89°-A da LGT não pode deixar de ser considerada na quantificação do rendimento tributável que vai ser determinado por esse método, entendendo-se que a quantificação do rendimento tributável da recorrente deve ser igual a 20% do valor de aquisição deduzido do montante do empréstimo bancário que demonstrou ter efectuado para a aquisição do imóvel em questão, já que este montante não está, nem pode estar, sujeito a IRS, não podendo, consequentemente, ser presumido ou considerado como rendimento sujeito a tributação.»
Ora, afigura-se-nos ser de acolher inteiramente esta fundamentação, não se vendo que na alegação da recorrente sejam aduzidas razões legais que infirmem decisivamente tal interpretação.
Nomeadamente e ao invés do sustentado pelo recorrente, não se vê que a alteração introduzida ao n° 3 do art. 89°-A da LGT pela Lei n° 55-B/2004, de 30/12 (deixando de se fazer expressa à herança ou doação, rendimentos que o contribuinte não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito, tal como vigorava na redacção anterior àquela alteração), determine entendimento diverso, nomeadamente que com tal alteração o legislador terá pretendido atingir a real capacidade contributiva evidenciada com a aquisição da manifestação de fortuna através da prova de todos os recursos financeiros mobilizados para a aquisição da totalidade da manifestação de fortuna, na base da qual é calculado o rendimento padrão, aprofundando o propósito de combate à evasão e fraude fiscais subjacente ao art. 89°-A da LGT.
Por um lado, continua ali a prever-se que o sujeito passivo possa comprovar a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo patrimonial, apenas se tendo deixado de especificar as várias formas que tal comprovação podia assumir.
Mas, por outro lado, como aponta o citado aresto acima parcialmente transcrito, e como de novo se acentuou no acórdão do Pleno desta Secção, de 5/7/2012, rec. nº 358/12, que relatámos, é de entender que as normas previstas no n° 4 do art. 89°-A da LGT são «nesta segunda fase (em que em causa está a determinação e quantificação do rendimento sujeito a IRS), normas de incidência objectiva de IRS, integrantes da norma contida na alínea d) do n° 1 do artigo 9° do respectivo Código», devendo destacar-se, como aponta João Sérgio Ribeiro, a «necessidade de afastar as «presunções absolutas em matéria de incidência, como é claramente a determinação da matéria tributável. Com efeito, a determinação desta enquanto expressão quantitativa do facto tributário - através da consideração dos preceitos que definem a realidade a medir rendimento), da unidade de medida (valor monetário), e dos próprios critérios jurídicos a que deva obedecer a medição - concorre indubitavelmente para a delimitação da incidência do imposto.» (MANIFESTAÇÕES DE FORTUNA E AFASTAMENTO PARCIAL DA PRESUNÇÃO DE RENDIMENTO, Comentário ao acórdão do STA de 19 de Maio – processo n° 0734/09, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, Número 3, Setembro de 2010, pp. 367 a 374.)
E, com efeito, como se salienta no dito aresto de 5/7/2012, «apesar da interligação existente entre os mecanismos da avaliação indirecta e das manifestações de fortuna, trata-se de mecanismos distintos e independentes, tendo estes últimos um carácter residual dado que, como acentua o mesmo autor, «para se qualificar um determinado rendimento como acréscimo patrimonial não justificado, é imperativo desconhecer-se a natureza da fonte desse rendimento. Assim sendo, sempre que a fonte do rendimento é identificada, deixamos de estar no âmbito das manifestações de fortuna. Podemos ainda estar no domínio da avaliação indirecta propriamente dita, se estiver em causa um rendimento de determinada categoria do IRS, cuja declaração tenha sido defraudada, mas não no domínio das manifestações de fortuna, que, repita-se, pressupõem o desconhecimento da fonte do rendimento.»
Ora, esta natureza residual reforça a necessidade de permitir a ilisão, ainda que parcial, da presunção de um determinado rendimento à luz do mecanismo das manifestações de fortuna. Como nos parece claro, se o sujeito passivo demonstra, ainda que parcialmente, a origem do rendimento que lhe é imputado, não mais se pode, face ao recorte residual do mecanismo em causa, sustentar a sua aplicação, pelo menos no que respeita a essa parcela, uma vez que a fonte do rendimento passa a ser conhecida.
Entendemos que essa ilisão da presunção em que assenta o mecanismo das manifestações de fortuna pode decorrer quer da acção do sujeito passivo, demonstrando a origem do rendimento, quer através da acção da própria administração em sede de avaliação indirecta, por ocasião da aplicação dos elementos constantes do art. 90° da LGT. Aliás, é por isso mesmo que à luz do artigo 89°-A, n°4, quando através da avaliação indirecta se determina um rendimento superior ao que decorre da aplicação do mecanismo das manifestações de fortuna, aquele deve prevalecer sobre este. Isso explica-se pelo facto de, por ser possível aplicar a avaliação indirecta e os elementos do artigo 90°, se conhecer a origem do rendimento, caindo, por consequência, os requisitos de aplicação das manifestações de fortuna que implicam necessariamente, como já, com uma certa insistência, se salientou, o desconhecimento da fome do rendimento.»
E no sentido da aplicação, no caso, da proibição da citada presunção legal absoluta de rendimentos também se pronuncia Casalta Nabais, em anotação ao citado acórdão do Pleno do STA, de 19/5/2010, ao afirmar que «A consideração como rendimento dessa parte da manifestação de fortuna significa que a presunção de rendimento em causa não seria susceptível de ser afastada, o que viola o disposto no art. 73° da LGT que impõe o carácter relativo às presunções respeitantes à incidência tributária. Pois, tendo a presunção de rendimento concernente à parte da manifestação de fortuna suportada pela contracção do empréstimo bancário sido efectiva e eficazmente afastada pelo contribuinte, insistir na tributação em IRS desse rendimento presumido briga directamente com aquela norma legal». (Anotação ao acórdão do STA, de 19/5/2010, Processo n° 0734/09, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 139°, Julho-Agosto de 2010, N° 3963, pp. 357 a 372.)
Acresce que, para os efeitos previstos no mencionado art. 73º e no art. 64° do CPPT, deve entender-se, como também aponta o Cons. Jorge de Sousa (Cfr. CPPT, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 e 5 ao art. 64°, pp. 585 a 591. Sobre esta matéria, cfr. também Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed. p 126 e Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p 56, citados no local indicado.) que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação). E porque as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas mas «também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva», quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores, é de entender que «... as normas que ficcionam valores para efeitos de determinar a medida dos rendimentos contêm presunções implícitas, já que não se pode aceitar, à face do princípio constitucional da igualdade, que se queiram tributar rendimentos inexistentes; por isso, as ficções de valores de matéria tributável foram introduzidas na lei no pressuposto de que correspondem à realidade os valores determinados por via de presunção. (…) Pode tributar-se com base em ficções de rendimentos, quando a lei os presume, mas só se pode fazê-lo porque se presume que os valores dos rendimentos ficcionados são os que correspondem à realidade, admitindo-se «sempre» a prova de que há dissonância entre os rendimentos ficcionados e a realidade.»

5.2. E nem se diga que esta interpretação estará a consentir a evasão fiscal que a lei justamente pretende travar por meio do mecanismo legal do art. 89°-A da LGT, porquanto, o rendimento padrão taxativamente previsto é um rendimento presumido na suposição da existência de evasão fiscal fortemente indiciada por manifestações de fortuna em franca discrepância com os rendimentos declarados.
É que, ao aceitar-se a relevância de rendimento cuja fonte é identificada e conhecida não se vê que possa falar-se, neste estrito âmbito, em evasão fiscal.
Acresce referir, ainda, que a própria natureza das normas em causa (relativas à incidência objectiva do imposto), bem como a proibição constitucional de presunções legais absolutas de rendimentos (derivada do princípio da capacidade contributiva, da interpretação conforme aos princípios da igualdade, da capacidade contributiva, da tributação dos rendimentos reais) não podem deixar de levar àquela interpretação sendo que, como ressalta da citada anotação de Casalta Nabais, embora, nos casos em que é justificada apenas parte da correspondente manifestação de fortuna, com a tributação da totalidade do rendimento se pudessem atenuar as consequências da má solução legal (traduzida em considerar rendimento padrão um rendimento inferior ou muito inferior à correspondente manifestação de fortuna) uma tal tentativa de correcção da solução legal é que extravasaria a tarefa que cabe ao aplicador da lei, sobretudo nos domínios que integram a reserva de lei parlamentar como é, indiscutivelmente, o da incidência dos impostos.

6. Em suma, perante tudo o exposto e porque, no caso, os recorridos justificaram parcialmente (o que a AT aceita) o valor que permitiu a manifestação de fortuna, no montante de 621.000,00 €, a mesma AT não podia ignorar essa justificação para efeitos de quantificação do rendimento tributável, sob pena de excesso de quantificação.
Pelo que deveria ter considerado 50% do valor dos suprimentos deduzido dos montantes que permitiram, em parte, a manifestação de fortuna, como se decidiu na sentença recorrida.
Improcedem, portanto, as Conclusões deste recurso interposto pelo recorrente Director Distrital de Finanças de Braga.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 7 de Novembro de 2012. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesFernanda Maçãs.