Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01066/09
Data do Acordão:01/27/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO
INDEFERIMENTO TÁCITO
PRESUNÇÃO
PRAZO
Sumário: I. Notificado de um acto de liquidação, o contribuinte pode logo impugná-lo judicialmente no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário (artºs 99º e segs. do CPPT, em especial artº 102º, nº 1, alínea a)) ou deduzir a reclamação administrativa prevista no artº 70º do mesmo diploma.
II. Optando o contribuinte pela reclamação, podem abrir-se novos prazos de impugnação judicial, a saber:
1. Tendo-se formado presunção de indeferimento tácito a impugnação pode ser apresentada no prazo de 90 dias após a formação dessa presunção (artº 102º, nº 1, alínea d) citada);
2. Existindo decisão expressa de indeferimento pode a impugnação ser apresentada no prazo de 15 dias contados a partir da data da notificação do indeferimento (artº citado, nº 2).
III. No entanto, se o contribuinte optar pela reclamação e deixar correr o prazo previsto no nº 1, alínea a) do artº 102º, perde o direito de impugnação ao abrigo desta alínea.
IV. Se o contribuinte apresentou impugnação judicial para além dos prazos referidos no nº 1, alíneas a) e d) do artº 102º do CPPT, esta é intempestiva, podendo abrir-se novo prazo de impugnação se eventualmente a reclamação vier a ser expressamente indeferida (artº 102º, nº 2 citado).
Nº Convencional:JSTA000P11399
Nº do Documento:SA22010012701066
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
I. A…, vêm recorrer da decisão do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que rejeitou por extemporaneidade, a impugnação judicial por ela deduzida contra a liquidação de IRC do ano de 2005, no valor total de € 1.447.976,50, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª) A interposição da impugnação da recorrente, não pode deixar de ser atendida.
2ª) Sendo a impugnação judicial o meio processual próprio e adequado para obter a anulação de um acto praticado pela administração tributária, lançou a ora recorrente mão do respectivo instituto.
3ª) Volvidos seis meses, a contar da data da apresentação da Reclamação Graciosa, (03.01.2008), não foi a mesma decidida, pela administração tributária;
4ª) Nem foi a ora recorrente notificada, como deveria ter sido, de uma qualquer decisão fundamentada da administração tributária.
5ª) Qualquer acto/decisão se encontra dependente na sua eficácia, da notificação respectiva, o que não ocorreu.
6ª) Considerar a formação da presunção do acto de indeferimento tácito, (por inexistência de prazo de decisão em seis meses), é violar todo, e qualquer legitimo direito, do interessado; é legitimar todo, e qualquer aproveitamento em sede de desigualdade de direitos da Administração Tributária para com o interessado e lesado e violar a obrigatoriedade de fundamentação expressa e consequente notificação, atento ao regime do artº 77º da LGT e 36° do CPPT
7ª) O ora recorrente, nunca foi notificado do indeferimento da reclamação, tal como dispõe o artº 77° da LGT e artº 36º do CPPT.
8ª) O artº 268º, nº 3 da CRP, é uma garantia do direito do interessado, ora recorrente, que foi violado ao aplicar o a norma prevista no artº 102º— 1-al d) do CPPT,
9ª) A não admissão da impugnação do ora recorrente é um acto lesivo aos seus interesses.
10ª) A função da obrigatoriedade, consagrada no artº 77° da LGT e 36° do CPPT, é assegurar ao interessado o conhecimento de actos que possam afectar a sua esfera jurídica, não tendo a Fazenda Publica, no caso sub judice, praticado qualquer acto que assegurasse ao ora recorrente o exercício do seu direito.
11ª) Considerar a formação da presunção do acto de indeferimento tácito, (por inexistência de prazo de decisão em seis meses), é violar todo, e qualquer legitimo direito, do interessado; é legitimar todo, e qualquer aproveitamento em sede de desigualdade de direitos da Administração Tributária para com o interessado e lesado e violar a obrigatoriedade de fundamentação expressa e consequente notificação, atento ao regime do artº 77 da LGT e 36° do CPPT.
12ª) A LGT, dispõe de supremacia sobre as normas do CPPT, reconhecida no artº 1 do referido diploma e imposta pela alínea c) do artº 51º da Lei 87-B/98 de 31 de Dezembro.
13ª) Acolher, o que não se aceita, a tese do Tribunal a quo, seria reconhecer uma alteração do regime previsto da LGT, sobre as condições de eficácia dos actos tributários e actos administrativos em matéria tributária em relação aos interessados e simultaneamente lesados.
14ª) Seria também reconhecer uma norma, que pela sua natureza, é organicamente inconstitucional.
15ª) Tal fundamento, também por violação dos direitos dos interessados, foi oferecido pelo Tribunal Constitucional, acórdãos nº s 489/97 de 2.07.97 e 579/99 de 20.10.99, publicados no Diário da Republica II Série, de 18.10.97 e BMJ n°490, pag 39.)
16ª) Sem prescindir, requer a ora recorrente, que seja julgada inconstitucional a norma prevista no artº 102º — 1-al d) do CPPT, por a mesma contrariar a LGT, nos seus normativos 77º -6 e 36° CPPT.
17ª) A suscitada inconstitucionalidade das normas, têm como pressuposto a violação do princípio consagrado no artigo 268º, n°3 da Constituição da República Portuguesa.
Assim, deve ser julgado procedente o presente recurso, e ser admitida a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente, bem com ser julgada inconstitucional, a norma prevista no artº 102º, nº 1, alínea d) do CPPT, por a mesma contrariar a LGT, nos seus normativos 77º -6 e 36° CPPT, tendo como pressuposto a violação do principio consagrado no artigo 268º, n° 3 da Constituição da República Portuguesa
Fazendo - se a costumada JUSTIÇA
II. Em contra alegações, a recorrida Fazenda Pública veio concluir pela forma seguinte:
A). A recorrente pretende que deverá ser aceite a Dec. Mod 22 de substituição que entregou em 27/12/2007, tendo aí corrigido o valor de mais- valias para menos do que havia declarado anteriormente, resultando menos imposto a pagar;
B). Nos termos do artº 114° do CIRC, a entrega de declaração de substituição, no caso concreto, relativamente ao exercício de 2005, deveria ter sido entregue até Novembro de 2006;
C). Face ao que, não deverá ser considerada a Dec. Mod 22 entregue pela recorrente em 27/12/2007, por extemporaneidade;
D). Pelo que se entende dever de ser mantida a decisão proferida no tribunal recorrido.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser improcedente o presente recurso interposto pela sociedade “A…”, reiterando-se a posição anteriormente contestada pela Administração Tributária e pela decisão recorrida, com o que será feita a costumada JUSTIÇA.
III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 80, defendendo que “A impugnação é efectivamente intempestiva, pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se o julgado recorrido”
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
1º)-A impugnante entregou, em 30.05.2006, a declaração do exercício fiscal de 2005;
2º)- Em Julho de 2007, durante uma acção inspectiva à contabilidade da Impugnante, os Serviços de Inspecção verificaram que a impugnante não tinha contabilizado a venda do imóvel, efectuada em 2005, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa, sob o número 2160, da Freguesia de Porches e inscrito nas Finanças sob o artigo 2994;
3º)- A impugnante corrigiu o valor apurado com essa venda, entregando uma declaração de substituição em 13.07.2007, de acordo com o que se encontra descrito no Ponto III do Relatório da Inspecção Tributária, o qual incluía na DR Mod 22, de 2005, € 4.982.053,62, como mais-valias, o qual se mostra junto e se dá por integralmente reproduzido;
4º)- Após ter conhecimento da avaliação efectuada ao imóvel, e por o valor daí resultante (de € 1.096.780,00) superar o valor contabilístico registado (de € 15.208,80), a impugnante entregou nova declaração de substituição, em 27-12-2007, contendo um valor de mais-valia (de € 3.881.284,40) inferior à anteriormente apurada (de €4.982.053,62);
5º)- A impugnante interpôs, sobre os mesmos factos, previamente, Reclamação Graciosa, em 03.01.2008, não tendo a mesma sido decidida dentro do prazo de 6 meses;
6º)- A presente impugnação deu entrada em 17.10.2008, [tendo a impugnante enviado nova petição, em 22.10.2008, cfr. artºs 474º/ss, do CPC, “ex vi” artº 2° e 20° do CPPT].
VI. Conforme é sabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, sendo ainda certo que o recurso visa reapreciar questões conhecidas na decisão recorrida.
Ora, a decisão recorrida limitou-se a julgar intempestiva a impugnação deduzida pela recorrente em 17.10.2008, com os seguintes fundamentos:
a) A recorrente deduziu reclamação graciosa do acto impugnado em 03.01.2008, não tendo esta sido decidida no prazo de seis meses a que se refere o artº 57º, nº 1 da LGT.
b) Deste modo, por força do nº 5 do mesmo artigo, presume-se indeferida a reclamação para efeitos de instauração de impugnação judicial.Também o artº 106º do CPPT determina que a reclamação graciosa se presume indeferida para o efeito de impugnação judicial após o termo do prazo legal de decisão pelo órgão competente.
c) De acordo com o disposto no artº 102º, alínea b) do CPPT, o prazo de impugnação é de 90 dias contados a partir da presunção de indeferimento tácito.
d) Assim, considerando que o indeferimento tácito ocorreu em 03.07.08, o último dia do prazo para a apresentação da impugnação seria no início de Outubro, quando, conforme resulta do nº 6º do probatório, esta deu entrada em 17.10.2008.
e) A impugnação é, por isso, intempestiva.
Então, é apenas a questão da tempestividade que cumpre apreciar no recurso, pelo que as contra-alegações da recorrida Fazenda Pública – versando a questão de mérito da impugnação – não são de apreciar aqui.
Posto isto, vejamos então se a decisão recorrida se mostra de acordo com as normas legais aplicáveis.
VI.1.Tal como refere a recorrente nas suas alegações, o artº 95º da LGT estabelece que o interessado tem o direito de impugnar ou de recorrer de todo o acto lesivo dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, segundo as formas de processo previstas na lei.
Acrescenta o nº 2, alínea d) da mesma norma que constituem actos lesivos, nomeadamente, o indeferimento expresso ou tácito e total ou parcial de reclamações, recursos ou pedidos de revisão ou reforma da liquidação.
Ora, no caso da recorrente, após a notificação da liquidação impugnada, tinha dois meios legais de reacção contra esta:
a) A impugnação judicial prevista nos artºs 99º e segs. do CPPT..
b) A reclamação administrativa prevista nos artº 70º do mesmo diploma.
No 1º caso, a impugnação deveria ter sido deduzida no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário. Ora, examinando o doc. de fls. 3, – nota de liquidação – dele consta como termo do prazo de pagamento voluntário o dia 05.09.2007, pelo que a impugnação deveria ter sido apresentada até ao dia 4 de Dezembro seguinte. Porém, mesmo que se considerasse a nota de liquidação recebida em 18.10.2007 – tal como consta da parte superior do referido documento -, também a apresentação da petição em 17.10.2008 (v. fls. 1) seria intempestiva.
Tendo a recorrente optado por deduzir reclamação administrativa, passou a beneficiar de outros prazos previstos no CPPT.
Assim, havendo indeferimento expresso, a recorrente poderia deduzir impugnação no prazo de 15 dias após a notificação do indeferimento (artº 102º, nº 2 do CPPT).
No caso de se formar presunção de indeferimento tácito, o prazo para instauração de impugnação judicial seria o de 90 dias contados da formação dessa presunção (artº 102º, nº 1, alínea d) do CPPT).
Temos então que o direito previsto no acima citado artº 95º da LGT, depende da observância dos prazos acima referidos.
No caso dos autos, como a recorrente pretendeu seguir a via administrativa e não a via judicial, ou usava do prazo contado a partir da formação da presunção do indeferimento tácito – que se completou em 1 de Outubro de 2008, ou terá de aguardar uma decisão expressa da qual possa deduzir impugnação judicial npo prazo referido no citado artº 102º do CPPT.
O que acabou de se escrever foi também o que ficou expresso no Acórdão deste Tribunal e Secção de 01.10.2003 – Recurso nº 893/03. Com efeito, aí se decidiu o seguinte: “Tendo a contribuinte escolhido sujeitar a questão à apreciação da Administração Fiscal, em vez de impugnar judicialmente, como podia fazer, deixou decorrer o prazo de que dispunha para essa impugnação, independentemente de reclamação, e ele passou a contar-se, não já com referência ao tempo em que podia pagar voluntariamente, mas em função da data da decisão administrativa, expressa ou não, que a Administração viesse a tomar.
Impunha-se, pois, à agora recorrente, para não esvaziar de sentido a reclamação graciosa por que optou, aguardar essa decisão. De outro modo, estaria a conseguir, reclamando, para, de seguida, se alhear do resultado do procedimento que ela mesma despoletara, um alargamento do prazo para impugnar judicialmente; quando a dilatação do prazo, como se viu, só é atribuída àqueles que preferem, antes de discutir em juízo a legalidade da liquidação, sujeitar a sua análise à própria Administração, sendo que a razão do aumento do prazo daí resultante é possibilitar a pronúncia da Administração, antes de submeter a questão aos tribunais, quiçá, desnecessariamente”.
Temos então que da conjugação das normas atrás citadas (artº 95º da LGT, artºs 70º, 99º e segs. e 102º do CPPT ) resulta uma completa tutela dos direitos legalmente protegidos da recorrente. O que sucedeu foi que deixou passar o prazo para o exercício do direito de impugnação judicial na sequência da notificação do acto de liquidação, bem como da impugnação judicial na sequência da formação da presunção do indeferimento tácito da reclamação administrativa.
Assim sendo, e porque a Administração Tributária está legalmente obrigada a decidir, tal como resulta do artº 56º, nº 1 da LGT, restar-lhe-á esperar pela abertura de um novo prazo para impugnação – o referido no citado nº 2 do artº 102º do CPPT – no caso de indeferimento expresso da reclamação.
VI.2.Na conclusão 11ª a recorrente alega que a formação da presunção do acto de indeferimento tácito, (por inexistência de prazo de decisão em seis meses), é violador de todo e qualquer legitimo direito seu legitimando todo e qualquer aproveitamento em sede de desigualdade de direitos da Administração Tributária para com o interessado e lesado, violando a obrigatoriedade de fundamentação expressa e consequente notificação, atento ao regime do artº 77º da LGT e 36° do CPPT.
E na conclusão 16ª requer que seja julgada inconstitucional a norma prevista no artº 102º — 1-al d) do CPPT, por a mesma contrariar a LGT, nos seus normativos 77º -6 e 36° CPPT.
Como já se referiu, as normas acima citadas asseguram ao contribuinte o direito consagrado no artº 95º da LGT e na própria Constituição – a tutela judicial dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria tributária.
Todavia, este direito implica o uso dos meios processuais e o cumprimento das leis processuais, nomeadamente quanto a prazos.
Se a recorrente não usou destes meios, nem cumpriu os respectivos prazos, só de si pode queixar-se.
Quanto à violação do dever de fundamentação consagrado no artº 77º da LGT e referido no artº 36º do CPPT, é evidente que não tendo existido decisão expressa não pode existir fundamentação. Por isso mesmo é que a lei, na ausência de decisão no prazo legal, ficciona a presunção do indeferimento tácito para que o interessado possa logo recorrer à tutela judicial sem necessidade de aguardar uma decisão expressa da Administração.
É óbvio, porém, que ninguém é obrigado a recorrer à via judicial no caso do indeferimento tácito. Mas, se essa via for utilizada, obedece também a prazos previstos na lei processual. Ultrapassado esse prazo, fica precludido tal direito restando aguardar pela decisão expressa.
De tudo o que ficou dito resulta então o seguinte:
a) Perante um acto de liquidação o contribuinte pode logo impugná-lo judicialmente no prazo de 90 dias contados do termo do prazo de pagamento voluntário (artºs 99º e segs. do CPPT, em especial artº 102º, nº 1, alínea a) ) ou deduzir a reclamação administrativa prevista no artº 70º do mesmo diploma.
b) Optando o contribuinte pela reclamação, podem abrir-se novos prazos de impugnação judicial, a saber:
1. Tendo-se formado presunção de indeferimento tácito a impugnação pode ser apresentada no prazo de 90 dias após a formação dessa presunção (artº 102º, nº 1, alínea d) citada);
2. Existindo decisão expressa de indeferimento pode a impugnação ser apresentada no prazo de 15 dias contados a partir da data da notificação do indeferimento (artº citado, nº 2).
No entanto, se o contribuinte optar pela reclamação e deixar correr o prazo previsto no nº 1, alínea a) do artº 102º, perde o direito de impugnação ao abrigo desta alínea.
No caso dos autos, tendo a recorrente deixado passar os prazos referidos nas alíneas a) e d) do nº 1 do artº 102º do CPPT, a impugnação é intempestiva.
Em face do que ficou dito, a decisão recorrida pautou-se pelas normas legais aplicáveis ao caso, pelo que o recurso improcede.
VII. Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente com um sexto de procuradoria.
Lisboa, 27 de Janeiro de 2010. - Valente Torrão (relator) - Isabel Marques da Silva - Brandão de Pinho.