Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01693/09.9BELRS
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS
Sumário:Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Nº Convencional:JSTA000P29717
Nº do Documento:SA22022071301693/09
Data de Entrada:04/11/2022
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, S.L
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1.– Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 23-11-2021, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação deduzida por “A……….., SL, UNIPERSONAL”, com os demais sinais dos autos, do indeferimento da reclamação graciosa referente ao acto de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), no valor de € 148.330,22, praticado pelo Banco B……….. S.A., aquando do pagamento dos lucros colocados à disposição da Impugnante pela Brisa – Autoestradas de Portugal S.A.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Fazenda Pública, as seguintes conclusões:

A. Resulta da douta sentença recorrida, ter sido julgada procedente a impugnação judicial do indeferimento da reclamação graciosa referente ao ato de retenção na fonte de IRC, no valor de €148.330,22, praticado pelo Banco B……….., S.A., aquando do pagamento dos lucros colocados à disposição da Impugnante pela Brisa – Autoestradas de Portugal, S.A., e, em consequência, ter sido determinada a anulação do ato de retenção na fonte impugnado e a condenação da AT a proceder à devolução da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios;

B. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença, na parte em que ordenou a restituição, pela AT, da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios sem se pronunciar quanto ao dies a quo da contagem dos aludidos juros;

C. Salvo o devido respeito, entende a Representação da Fazenda Pública que a decisão em causa padece de nulidade, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT;

D. Por considerar verificados os requisitos previstos no artigo 43.º da LGT, foi determinada a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, mas nada se dizendo quanto ao o dies a quo da contagem de tais juros;

E. A obscuridade da sentença, que a toma ininteligível e, por isso, nula, consiste, precisamente, no facto de não constar qualquer referência ao momento a partir do qual devem ser contabilizados os aludidos juros indemnizatórios;

F. Temos, portanto, que a obscuridade de que padece torna a decisão ininteligível, dado que a mesma, lida à luz dos respetivos fundamentos, não é compreensível, não sendo possível aos respetivos destinatários descortinar, por fundadas dúvidas ou incertezas derivada da falta de qualquer referência a esse propósito, o dies a quo da contagem dos juros indemnizatórios devidos à Impugnante;

G. A decisão recorrida padece, por isso, de nulidade, nos termos do estatuído no artigo 615.° n.° 1, alínea c), do CPC;

SEM CONCEDER,

H. Caso V. Exas entendam que a decisão recorrida não padece do alegado vício, em virtude de se considerar implícita a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT, nos termos do qual se estabelece que os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito em que são incluídos, sempre se dirá que então a aludida decisão padecerá de erro de julgamento;

I. Declarada a ilegalidade da retenção na fonte, são reconhecidos juros indemnizatórios devidos à Impugnante, os quais se devem contar desde a data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, (porque proferida antes do termo do prazo para a decisão do aludido procedimento, o qual era, à data dos factos, de 6 meses, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 57.º da LGT), pois só a partir desse momento “os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo”, em conformidade com a doutrina que dimana do acórdão do STA, de 07.04.2021, proferido no âmbito da análise de situação idêntica à dos presentes autos;

J. Caso se entenda que da decisão ora recorrida resulta que os juros indemnizatórios se contam desde 27.04.2007 (data do pagamento indevido/ilegal dos dividendos e da retenção na fonte de IRC) e não desde 20.08.2009 (data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa), padece a aludida decisão de erro de julgamento, por violação, entre outros, do disposto no artigo 43.º da LGT, pelo que, deve a douta sentença recorrida ser revogada na parte ora impugnada, determinando-se o pagamento, à Impugnante, de juros indemnizatórios contados desde 20.08.2009 até à data de processamento da competente nota de crédito.

Termos em que com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente:
- Ser declarada nula a sentença ora recorrida, por padecer de obscuridade que torna a decisão ininteligível;
Ou, caso assim não se entenda,
- ser revogada a sentença ora recorrida e substituída por outra que determine o pagamento, à Impugnante, de juros indemnizatórios contados desde 20.08.2009 até á data de processamento da competente nota de crédito.
Assim se fazendo a costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no seguinte parecer:

A Fazenda Pública vem interpor recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 23 de Novembro de 2021, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……………., SL, Unipersonal do indeferimento da reclamação graciosa contra o acto de retenção na fonte de IRC, no montante global de €148.330,22 (cf. fls. 122 a 145 do SITAF).
Tal recurso foi dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo (STA), como resulta do respectivo requerimento de interposição (cf. fls. 151 do SITAF).
No entanto, no douto despacho de admissão foi ordenada a subida dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) -cf. despacho proferido pela Mmª Juíza a quo, datado de 3 de Março de 2022 a fls. 174 do SITAF).
Só que aquele Venerando Tribunal considerou que o recurso foi dirigido ao STA (cf. despacho da Exma. Juíza Desembargadora Relatora junto a fls. 193 do SITAF).
Pelo que foi o processo remetido a este Supremo Tribunal Administrativo (cf. fls. 197 do SITAF).
Ora, o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS já emitiu parecer sobre o mérito do recurso,
Entendendo que o mesmo não merece provimento (cf. fls. 185 a 191 do SITAF).
Nesta conformidade, de harmonia com o referido parecer deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial, constituída de acordo com o direito espanhol, com sede em Espanha, qualificada como Entidade de Tenencia de Valores Extranjeros‖ (ETVE) e sem estabelecimento estável em território português (cfr. prova documental documentos n.ºs 2 e 3 da petição inicial).

2. Em Abril de 2004, a Impugnante adquiriu um total de 4.266.055 acções emitidas pela sociedade Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A., que correspondeu a um investimento global de € 24.918.266,22 (cfr. prova documental documento n.º 4 da petição inicial).

3. A Impugnante manteve as referidas 4.266.044 acções, representativas do capital social da sociedade Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A., desde o dia 21-4-2004 a 31-12-2006 (cfr. prova documental documento nº 5).

4. Das 4.266.044 acções, representativas do capital social da Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A. que a Impugnante detinha alienou entre Janeiro e Abril de 2007 734.732 acções (cfr. prova documental documento nº 5).

5. As restantes 3.531.672 acções representativas do capital social da sociedade Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A. mantiveram-se na esfera jurídica da Impugnante (cfr. prova documental documento nº 5).

6. Em 27-4-2007, o Banco B……….., S.A. (B………….) colocou à disposição da Impugnante, a título de lucros distribuídos da Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A., o montante de €988.868,16, relativos ao exercício de 2006, correspondendo a um dividendo unitário bruto de € 0,28 (cfr. prova documental documentos n.ºs 6 e 7 da petição inicial).

7. Os dividendos distribuídos, pela sociedade Brisa-Auto Estradas de Portugal, S.A. e colocados à disposição da Impugnante em 27-4-2007, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal, a título de IRC, no total de € 840.537,94 (cfr.prova documental documentos n.ºs 6 e 7 da petição inicial).

8. Os rendimentos referidos no ponto anterior não foram objecto de tributação em Espanha por a Impugnante se tratar de uma entidade ETVE isenta de imposto sobre sociedades relativamente a dividendos (cfr. acordo e fls 121 e seguintes do processo administrativo).

9. Em 27-04-2009, a Impugnante deduziu reclamação graciosa da retenção na fonte de IRC que lhe foi efectuada em virtude da distribuição de dividendos da sociedade Brisa Auto Estradas de Portugal, S.A (cfr. prova documental documento n.º 9 e procedimento de reclamação graciosa apenso).

10. Por despacho datado de 20 de Agosto de 2009 foi indeferida a reclamação graciosa (cfr. prova documental fls 86 e seguintes do processo administrativo referente à reclamação graciosa).

11. A Impugnante foi notificada do despacho mencionado no ponto anterior a 26 de Agosto de 2009 (cfr. prova documental fls 86 e seguintes do processo administrativo referente à reclamação graciosa).

12. Em 11-9-2009, foi deduzida a presente impugnação (cfr. carimbo aposto a fls. 2).

13. Em 8-10-2007, a Impugnante, representada pelo Presidente do Conselho de Administração, C…………, atribuiu poderes de representação gerais e especiais, aos Senhores Drs. D………. e E…………., Sócios da Sociedade F……….. – Sociedade de Advogados, R.L., bem como aos Senhores Drs. G……….., H……….. e I……….., Advogados, e ainda ao Senhor Dr. J……….., advogado estagiário (cfr. prova documental procuração de fls. 38).

14. A Entidade distribuidora tem sede em território português e está sujeita a IRC e não se encontra dele isenta (acordo).

15. A Impugnante não está e nunca esteve submetida ao regime da transparência fiscal (acordo).

Dos Factos Não Provados:

1. Existe com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária referentes à matéria em apreço.

Da Motivação:
Para convicção do Tribunal, na delimitação da matéria de facto supra provada, foi decisivo o conjunto da prova produzida, analisada individualmente e no seu conjunto.
Designadamente nos documentos não impugnados juntos aos autos, referidos nos ―factos provados‖, com remissão para as folhas do processo onde se encontram, bem como à posição das partes sobre a matéria alegada.
Relativamente ao facto não provado nº1 nenhuma prova foi efectuada.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação deduzida, padece de nulidade, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, por não constar qualquer referência ao momento a partir do qual devem ser contabilizados os juros indemnizatórios e, caso se entenda que da decisão ora recorrida resulta que os juros indemnizatórios se contam desde 27.04.2007 (data do pagamento indevido/ilegal dos dividendos e da retenção na fonte de IRC) e não desde 20.08.2009 (data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa), padece a aludida decisão de erro de julgamento, por violação, entre outros, do disposto no artigo 43.º da LGT.
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QUANTO À NULIDADE:

A invocada nulidade verifica-se quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, à solução oposta da que foi adoptada na decisão» (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 9 ao art. 125.º, pág. 361.).
Ora, da análise dos fundamentos de facto e de direito plasmados no aresto recorrido proferido nos presentes autos, não vemos que pudessem, num processo lógico, conduzir a uma decisão diferente ou oposta à que foi adoptada.
Com efeito, analisada a estrutura global da sentença recorrida, a respectiva conclusão decisória está logicamente encadeada com a motivação fáctico-jurídica nela desenvolvida, estando fora do âmbito da nulidade em análise situações de erro ou deficiente julgamento pelo que se não verifica a nulidade prevista na alínea c) do nº1 do artigo 615º do CPC.
Como se explicita no acórdão deste STA de 26/05/2022, proferido no Processo nº 058/10.4BEPRT, remetendo para o acórdão do mesmo Tribunal de 02/02/2022, tirado no Processo nº 2857/12.3BEPRT sobre a mesma matéria, consultáveis em www.dgsi.pt, em bom rigor, “…este preceito contém três dimensões ou fundamentos susceptíveis de suportar um julgamento de anulação da decisão judicial: (i) a oposição entre os fundamentos e a decisão; (ii) a obscuridade e (iii) a ambiguidade.
3.2.1.1. Quanto à oposição entre os fundamentos e a decisão, o que o legislador teve em vista censurar foi a contradição lógica entre os fundamentos e a decisão: se o julgador na fundamentação da decisão segue uma determinada linha de raciocínio e esta aponta para determinada conclusão, se em vez de a extrair, vier a decidir noutro sentido (oposto ou divergente), não há dúvida alguma que há uma oposição e que essa oposição constitui causa de nulidade da sentença.
Porém, «esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; (…) quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se» (cfr. LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2ª edição, 2008, página 74. Também no sentido de que, «nos casos abrangidos pelo artigo 668º, nº 1, c) [do CPC de 1961], há um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente»», vide, ANTUNES VARELA, “Manual de Processo Civil”, 2ª Ed., 1985, p. 690.) Ou seja, a nulidade da sentença prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615.º do CPC só se verifica quando os fundamentos invocados pelo juiz deveriam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que ficou expresso na sentença.
É por isso que a doutrina ensina que a inexactidão dos fundamentos de uma decisão configura um erro de julgamento e não uma contradição entre os fundamentos e a decisão. E que saber se uma decisão está certa ou não está constituo uma questão de mérito e não questão conexa com a nulidade da sentença.
3.2.1.2. Quanto à segunda e terceira hipóteses contemplada na al. c) do nº 1 do artigo 615º - ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível - é também entendimento firme na doutrina e jurisprudência que só se verifica «quando o pensamento do juiz que se retira da análise da decisão se afigura incompreensível ou imperceptível ou quando o sentido da decisão não seja unívoco, por ser susceptível de diversas interpretações ou comportar vários significados ou sentidos». (Cfr. HELENA CABRITA, “A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível”, 1ª Ed., 2015, página 259).
Daí que se diga que existe «obscuridade quando não seja perceptível qualquer sentido da parte decisória» e que ocorre ambiguidade quando ela «encerre um duplo sentido, sendo ininteligível para um declaratário normal» (cfr. LEBRE DE FREITAS, “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, página 333. Embora a obscuridade ou ambiguidade tanto possam respeitar à parte decisória como à fundamentação (como ficou definitivamente assente com a Reforma do regime recursório introduzida no CPC de 1961 pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto), «num ponto fundamental o regime do CPC de 2013 difere do Código revogado: a obscuridade ou ambiguidade só é relevante quando gere ininteligibilidade, isto é, quando um declaratório normal não possa retirar da parte decisória (e só desta) um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar (LEBRE DE FREITAS, “A Acção Declarativa Comum À Luz do Código de Processo Civil de 2013”, página 334). Tal sucede quando os fundamentos utilizados não são claros nem inequívocos (por exemplo, da análise da fundamentação não se consegue retirar qual o concreto enquadramento ou qualificação jurídicos que o tribunal fez relativamente aos factos dados como provados e no qual se baseou para decidir a causa; ou, noutra hipótese, o tribunal procede a uma qualificação jurídica ambígua, enquadrando a situação dos autos em diversos institutos jurídicos distintos, convocando e aplicando ao mesmo tempo normas contraditórias e incompatíveis entre si) – cfr. HELENA CABRITA, ibidem.
Também aqui (no que tange à ambiguidade ou obscuridade da sentença) não ocorrerá a nulidade da sentença, com base neste fundamento, «quando a parte visa, através da arguição de uma nulidade e a pretexto de que a decisão judicial é imperceptível, obscura ou ambígua, vir discutir a bondade da mesma, quando do respectivo requerimento resulta claramente que a parte compreendeu perfeitamente o teor da decisão, apenas não concordando com a mesma». – cfr. HELENA CABRITA, ibidem.
No caso dos autos, a imputação à sentença do vício de contradição entre os fundamentos e a decisão, a par de obscuridade e ambiguidade, surge, nuclearmente, fundada na alegação de que:
“C. Salvo o devido respeito, entende a Representação da Fazenda Pública que a decisão em causa padece de nulidade, nos termos do preceituado no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º, alínea e) do CPPT;
D. Por considerar verificados os requisitos previstos no artigo 43.º da LGT, foi determinada a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, mas nada se dizendo quanto ao o dies a quo da contagem de tais juros;
E. A obscuridade da sentença, que a toma ininteligível e, por isso, nula, consiste, precisamente, no facto de não constar qualquer referência ao momento a partir do qual devem ser contabilizados os aludidos juros indemnizatórios;”
Perante isto, conclui a Recorrente que a decisão recorrida padece de nulidade, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Ora, o que efectivamente, ficou exarado na sentença foi, em substância, que se considera implícita a aplicação, ao caso, do disposto no n.º 5 do art.º 61.º do CPPT, nos termos do qual os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito em que são incluídos, isso tendo em conta que ao acto impugnado foi imputado pelo julgador o vício alegado da sua ilegalidade (cfr. artigo 35º nº1 da Lei Geral Tributária), geradora de anulabilidade de acordo com o disposto no artigo 135º do Código de Procedimento Administrativo, havendo lugar a juros indemnizatórios a favor da impugnante por no caso em apreço se denotar a existência de um erro por parte da Administração Tributária do qual resulta o pagamento de uma dívida tributária de montante superior ao legalmente devido.
De harmonia com essa fundamentação decidiu-se na sentença a) Julgar procedente a presente impugnação judicial e consequentemente determinar a anulação do acto de retenção na fonte impugnado e b) Condenar a Administração Tributária a proceder à devolução da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.
Vale isto por dizer que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, uma vez que a solução final a que a sentença chegou é o resultado linear do raciocínio anteriormente expendido, a única solução compatível com os fundamentos anteriormente expedidos. Contradição existiria se, face aos factos e ao direito aplicado e ao raciocínio que explanara, o Tribunal tivesse concluísse pela solução oposta, defendida pela Recorrente.
E também não se descobre na sentença qualquer obscuridade ou ambiguidade, por ser totalmente compreensível o raciocínio empreendido e por dele não serem extraíveis diversas interpretações ou significados, tudo se reconduzindo, salvo o devido respeito, e como nos é relevado pelo próprio requerimento de arguição de nulidade, a uma insistência e inconformismo da Recorrente quer quanto aos factos que foram apurados quer quanto ao julgamento de direito, o que, em sede de arguição de nulidade, não nos cabe apreciar.
Em conclusão geral e definitiva, não enfermando a sentença recorrida da nulidade de oposição entre os fundamentos e a decisão ou de obscuridade ou ambiguidade que o torne ininteligível, enumerada na alínea c) do nº 1 do citado artigo 615º do Código de Processo Civil, que a Recorrente infundadamente lhe imputa, não existe fundamento legal para que seja alterado o aludido aresto.
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QUANTO AO ERRO DE JULGAMENTO:

Sucede que todas essas questões foram já objecto de análise e decisão, no Acórdão deste STA-SCT de 07-04-2021, Processo nº 0360/11.8BELRS disponível para consulta em www.dgsi.pt., em sentido que granjeia inteiramente a nossa concordância e para os quais se remete nos termos do nº5 do art. 663° do CPC, visando garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão.
Aliás, essa jurisprudência está igualmente consagrada nos Acórdãos do STA-SCT, de 06/12/2017, Processo nº 0926/17, de 27/10/2021, Processo nº 0520/11.1BESNT, de 09/12/2021, Processo nº 1098/16.5BELRS, entre outros.
Assim, na esteira do fundamentando e decidido no primeiro dos arestos citados sobre situação similar à dos autos e cristalinamente condensado no respectivo sumário:
“(…)
Neste recurso, por delimitação da rte, apenas, importa versar o julgado, em 1.ª instância, no que tange à sua condenação a pagar juros indemnizatórios e, mais, especificamente, avaliar se o entendimento, aí, assumido, nos moldes que se transcrevem de seguida, viola o disposto no artigo (art.) 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
«
Dos juros indemnizatórios

Nos termos do artigo 100.º da LGT, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a Administração Tributária está obrigada à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.
Por isso, a reconstituição justifica a obrigação de restituição do imposto que houver sido pago, tal como do pagamento de juros indemnizatórios, cuja atribuição ao sujeito passivo não está dependente da formulação de pedido nesse sentido, posição esta que está de acordo com os efeitos consequentes que decorrem da anulação do acto tributário, tal como do facto do pagamento de juros não estar dependente de pedido [nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10 de Setembro de 2015, proferido no processo 08862/15].
Assim sendo, “o contribuinte é ressarcido - relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido - por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida - relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido - por via dos juros compensatórios, cfr. artigo 35º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cfr. artigo 44º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cfr. artigo 35º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.” [Acórdão do Pleno do Supremo Tribunal Administrativo de 07 de Julho de 2017, referente ao processo 0279/17].
Nos termos do número 5 do artigo 61.º do CPPT, os juros “são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
Tendo em conta o exposto, e a já determinada anulação da retenção na fonte, tem a Impugnante direito a juros indemnizatórios, que se contabilizarão desde a data de pagamento dos dividendos [20 de Dezembro de 2007] até à data de processamento da respectiva nota de crédito, pelo que fica a AT condenada no seu pagamento. »
A divergência, como se percebe do conteúdo da alegação produzida pela rte, reside na data/dia a partir do qual se deve iniciar a contagem dos juros indemnizatórios, indiscutivelmente, devidos à impugnante: desde 20 de dezembro de 2007 (data do pagamento (indevido/ilegal) dos dividendos e da retenção na fonte de imposto sobre o rendimento) ou a partir de 13 de janeiro de 2011 (data da notificação, à impugnante, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apresentada antes desta impugnação judicial).
A matéria da contagem dos juros indemnizatórios (São devidos “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Para J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3.ª Edição, pág. 267, «(s)em qualquer função penalizante, destinam-se a compensar o sujeito passivo pelos prejuízos sofridos com o cumprimento indevido de uma não existente ou erradamente quantificada obrigação tributária. Em suma, “pelo pagamento indevido da prestação tributária”».), de matriz processual/procedimental, encontra previsão no art. 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), especificamente, nos respetivos n.ºs 4 e 5: “(s)e a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea” e “(o)s juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos”.
Sendo esta última a regra, geral, para definir, identificar, os dias a quo e ad quem, é necessário ter em atenção que são várias as situações (Ou, as diversas formas de pagamento indevido de tributos.), casuisticamente, determinantes da obrigação do pagamento, pela autoridade tributária e aduaneira (AT), desta modalidade de juros, pelo que, desde logo, importa não olvidar os casos em que, por força de, específica, previsão legal, esses dias possam ser outros. Assim, com grande acutilância, é incontornável, quando se labora nesta matéria, considerar e retirar todas as consequências do estatuído nas diversas alíneas do n.º 3 do art. 43.º da LGT, no sentido de que estas positivam exceções, concretas, nominadas, à supra mencionada regra geral do art. 61.º n.º 5 do CPPT, bem como, dão ao operador judiciário (e/ou administrativo) algum sentido de orientação, para as situações, hipóteses, atípicas, no sentido de não expressamente delimitadas pela lei.
Por outras palavras, queremos significar que a regra do cômputo desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, além da limitação decorrente das aludidas exceções (e outras detentoras dessa qualidade), tem de ser temperada, calibrada, quando o resultado a que conduz pode ser penalizador, sem justificação, para a AT.
Deste modo e com tal objetivo, o STA tem entendido (Entre outros, acórdão de 6 de dezembro de 2017 (0926/17).), com persistência, que no “caso de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta, embora esteja, em princípio, afastada a possibilidade de existir erro imputável aos serviços (na medida em que tanto a determinação da matéria coletável como a liquidação do imposto são levadas a cabo pelo próprio contribuinte ou por substituto, e não pelos serviços), o legislador entendeu que o erro passa a ser imputável aos serviços caso o contribuinte deduza impugnação administrativa (reclamação graciosa e recurso hierárquico) contra tais actos e ocorra o seu indeferimento (expresso ou silente). Isto é, passará a ser imputável aos serviços a partir do momento em que, pela primeira vez, a administração tributária toma posição desfavorável ao contribuinte e indefere a sua pretensão”. Ora, neste enquadramento, afigura-se-nos justo e equitativo que a indemnização ao contribuinte (decorrente do pagamento de juros indemnizatórios, pela AT) não retroaja ao momento da prática do ato de retenção na fonte (da responsabilidade do substituto tributário), porquanto, tratando-se de uma situação de autoliquidação, só com a competente impugnação administrativa, atempada, os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo, decorrente de não receber e passar a dispor desde esse momento (que podia ter sido de viragem) do imposto indevidamente entregue ao Estado, através do mecanismo da substituição tributária.
Neste ponto, apenas, resta problematizar se, na situação versada (ou equiparáveis), o dies a quo deve corresponder ao da data da apresentação da impugnação administrativa (reclamação graciosa e/ou recurso hierárquico) ou ao do momento em que os competentes serviços da AT se pronunciam/comunicam o resultado da pronúncia ao contribuinte.
Entendemos que esta segunda via, em tese, seria a que melhor asseguraria um equilíbrio entre os relevantes interesses (bilaterais) em jogo, dado a opção primeira implicar um ónus acrescido, para a AT, decorrente de a vir a responsabilizar desde um tempo em que não tinha tido oportunidade de conhecer, ponderar, avaliar e relevar, os argumentos, as razões, esgrimidas pelo reclamante/recorrente; não se olvide que à AT, de início, não é imputável o (potencial) erro, perpetrado pelo contribuinte ou pelo seu substituto.
Contudo, a opção pela data da notificação ao contribuinte da decisão proferida sobre a sua impugnação administrativa (solução, aqui, proposta pela rte) debate-se com a fraqueza decorrente de, não raramente, os intervenientes serviços da AT demorarem períodos temporais, objetivamente, excessivos, para a emissão de uma pronúncia expressa, circunstância que, como é óbvio, redunda (pode redundar) em prejuízo para o contribuinte afetado, ao introduzir uma dilação injustificada no tempo de contagem de devidos juros indemnizatórios. Por exemplo, in casu, para emitir uma decisão, no sentido da intempestividade da reclamação graciosa, a AT demorou 2 anos, 5 meses e 2 dias, com o acréscimo de 14 dias para notificação à reclamante!...
Confrontados, portanto, com óbices, não despiciendos, em ambas as propostas de solução, julgamos, justo, adequado e seguro, assumir como marco, para identificar e fixar o disputado dies a quo, o prazo, fixado por lei, para a decisão do procedimento de reclamação graciosa (Em caso de recurso hierárquico, 60 dias - art. 66.º n.º 5 do CPPT.), isto é, o período, atualmente, de 4 meses (mas, que era de 6 meses, nos anos de 2008 a 2011) - cf. art. 57.º n.º 1 da LGT, respetivamente, nas redações da Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro e original.”
Assim, em abonados pela jurisprudência pacífica deste STA que é a fixada no aresto que acabamos de trasladar, sufragada nos demais acórdãos supra indicados e, ainda, os de 18/01/2017, Processo nº 890/16, de 3/05/2018, Processo nº 250/17, Processo nº 3009/12.8BELRS, de 9/12/2021, Processo nº 1098/16.5BELRS, e, por fim, o acórdão do Pleno da SCT de 29/06/2022 Proc. nº. 93/21.7BALSB, é de acatar o entendimento de que, em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Retornando ao caso concreto, estando em causa um acto de retenção na fonte, concretizado no ano de 2007, a 27 de Abril (vide ponto 7 do probatório da sentença), cuja legalidade foi afrontada pela impugnante e ora recorrida, em reclamação graciosa, apresentada no dia 27 de Abril de 2009 (ponto 9 do probatório), decidida por despacho de 20 de Agosto de 2009 (cfr. ponto 10 do probatório) e notificado à reclamante no dia 26 de Agosto de 2009 (vide ponto 11 do mesmo probatório), em conformidade com o entendimento acabado de coligir, os debatidos juros indemnizatórios, a pagar, pela AT, à, ora, recorrida, seriam devidos desde essa última data e não a partir de 27.04.2007 (data do pagamento indevido/ilegal dos dividendos e da retenção na fonte de IRC), como determinado, na sentença sob censura.
Destarte, assiste razão à recorrente quando afirma que, declarada a ilegalidade da retenção na fonte, são reconhecidos juros indemnizatórios devidos à Impugnante, os quais se devem contar desde a data da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, (porque proferida antes do termo do prazo para a decisão do aludido procedimento, o qual era, à data dos factos, de 6 meses, nos termos do preceituado no n.º 1 do artigo 57.º da LGT), pois só a partir desse momento “os serviços da AT ficam em condições de conhecer e reparar uma cometida ilegalidade, sendo, a partir do momento em que não assumem a respetiva reparação, justificado o ressarcimento do sujeito passivo”, em conformidade com a doutrina que dimana do acórdão do STA, de 07.04.2021, proferido no âmbito da análise de situação idêntica à dos presentes autos.
Tal significa que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por violação, entre outros, do disposto no artigo 43.º da LGT, o que importa a sua revogação na parte ora impugnada, determinando-se o pagamento, à Impugnante, de juros indemnizatórios contados desde 20.08.2009 até à data de processamento da competente nota de crédito.
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3. Decisão:

Ante o exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se em conceder provimento ao recurso e, em consequência, (i) revogar a sentença recorrida, no segmento impugnado; (ii) condenar a AT no pagamento, à impugnante, de juros indemnizatórios, contados desde 20.08.2009 até à data de processamento da competente nota de crédito.

Custas pela recorrida, mas devidas apenas na 1ª instância, por ausência de contra-alegação.
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Lisboa, 13 de julho de 2022. - José Gomes Correia (relator) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Pedro Nuno Pinto Vergueiro.