Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0127/11.3BEAVR
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
ENCARGOS FINANCEIROS
PARTICIPAÇÕES FINANCEIRAS
ÓNUS DE PROVA
FORMA
Sumário:Padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, sem demonstração da inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
Nº Convencional:JSTA000P25831
Nº do Documento:SA2202005060127/11
Data de Entrada:05/09/2019
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............................,SA
Votação:MAIORIA COM 1 DEC VOTO
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório

1.1. A Representação da Fazenda Pública recorreu da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou procedente a impugnação judicial da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3441201004000846, referente a autoliquidação consubstanciada na declaração periódica de rendimentos (modelo 22) apresentada em 30/05/2008 e relativa ao exercício de 2007.

Impugnação que tinha sido deduzida por A………….., S.A., pessoa colectiva n.º ……….., com sede na Rua da …….., n.º …., 4535-….., ……….

Recurso este que foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Notificada da sua admissão, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I) Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………., S.A., relativamente à autoliquidação de IRC do exercício de 2007, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.


1. Objecto do recurso

II) A questão decidenda a submeter ao Tribunal ad quem consiste em saber se o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento de direito ao ter considerado que, in casu, incumbia à AT o ónus da prova da impossibilidade de realização de uma avaliação por via directa.

2. O ónus da prova

III) Considerou o Tribunal recorrido que, competindo à AT o ónus de prova da impossibilidade de quantificação por via directa, a partir do momento em que esta se limitou a aplicar tal metodologia sem dar cumprimento ao encargo probatório que sobre si impendia, a impugnação teria de proceder.

IV) Ora, a liquidação resultou da entrega, pela própria impugnante, da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC, de acordo com as orientações genéricas da AT constantes da Circular 7/2004, na parte refente aos encargos financeiros.

V) No entanto, as orientações genéricas emanadas pela AT não são dotadas de eficácia externa, não vinculando os contribuintes nas suas relações jurídico-tributárias.

VI) No que concerne à questão do ónus da prova, importa referir que estamos perante uma liquidação da iniciativa do contribuinte e não da AT, atendendo a que a autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é realizada por aquela, mas pelo sujeito passivo, ainda que seguindo as orientações vertidas numa determinada circular, à qual não deve, porém, qualquer tipo de obediência.

VII) Resultando a liquidação da entrega da declaração de rendimentos por parte do contribuinte, a consequente liquidação assenta, directa e imediatamente, não num qualquer valor apurado pela AT, mas sim nos elementos constantes em tal declaração.

VIII) Nestes termos, não pode recair sobre a AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos de um acto tributário que assentou em factos da iniciativa do contribuinte, tendo o douto Tribunal a quo, ao perfilhar entendimento diverso, incorrido em erro de julgamento, violando o disposto no n.º 3 do artigo 74.º e o n.º 1 do artigo 75.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no n.º 1 do artigo 16.º, na alínea a) do artigo 89.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, todos do Código do IRC.

Pediu a procedência do recurso e a consequente revogação da douta decisão judicial recorrida.

Não foram apresentadas contra alegações.

1.2. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Digno Magistrado do M.º P.º.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer que, pelo seu interesse, aqui se transcreve parcialmente:

«(…) A questão controvertida já foi decidida pelo STA no sentido de que o ponto 7 da Circular 7/2004, de 30/03, da DSIRC, estabelece um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos, em desrespeito dos normativos dos artigos 87.º a 90.º da LGT, sendo, pois, ilegal, a cuja fundamentação aderimos e aqui damos por reproduzida (acórdãos do STA, de 08/03/2017-P. 2 0227/16; de 31/05/2017-P. 01229/15, de 29/11/2017-P. 01292/16; de 24/01/2018-P. 0745/15 e de 31/01/2018-P. 01157/17, acessíveis em www.dgsi.pt).

Nos termos do disposto no artigo 32.º/2 do EBF os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, por banda da SGPS, não concorrem para formação do lucro tributável.

Decorre da letra e espírito do citado normativo que apenas não concorrem para a formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a sua aquisição.

O critério a ter em conta, em princípio, para a determinação dos encargos financeiros é, assim, o critério da afetação/imputação direta ou real e não o critério indireto sancionado pela Circular 7/2004.

Uma pretensa impossibilidade prática em distinguir os encargos financeiros, efetivamente, suportados com a aquisição de partes de capital, dos restantes encargos não pode servir de fundamento para a utilização de um critério que não tem qualquer apoio legal.

Não obstante, o método previsto no n.º 7 da Circular 7/2004, de 30/03, poderá não ser ilegal se for, apenas, aplicável subsidiariamente, como método indireto, no caso de inviabilidade de determinação direta dos encargos resultantes de financiamentos diretamente associados à aquisição de participações sociais, nos termos do estatuído nos artigos 85.º/1 e 87.º/1/ b) da LGT.

Nos termos do estatuído no artigo 74.º da LGT, no caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, incumbe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação

Ora, como resulta do probatório e dos autos, no caso em análise, a AT não questionou, na decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação do IRC-objeto imediato da presente impugnação judicial-que a recorrida tenha suportada os encargos inscritos, a sua origem, natureza ou que se tenha desviado do método preconizado pela Circular em equação.

Quer dizer, a recorrida procedeu à autoliquidação do tributo, aplicando o método preconizado pela Circular 7/2004, método esse indireto e ilegal, pois que a AT não demostrou a inviabilidade da quantificação direta e que se verificavam os pressupostos legais para a avaliação indireta.

O facto de ter sido a recorrida a proceder à autoliquidação do tributo segundo as orientações genéricas da AT constantes da Circular 7/2004 não quer dizer que tal seja admissível ou lhe seja oponível, uma vez que não assiste aos contribuintes o direito de apresentar declarações de rendimentos lançando mão de métodos indiretos que não tenham uma correspondência direta e imediata com a realidade contabilística, o que se impõe por via dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, nos termos do artigo 103.º/1 da CRP, todos e cada um contribuirão, coativamente, para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, sendo certo que só a AT se pode servir dos métodos indiretos e desde que verificados os respetivos pressupostos legais.

Não há, pois, como não julgar ilegais, por vício substancial de violação de lei, os atos tributários sindicados.

A sentença recorrida não merece censura. (…)».

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.



2. Dos fundamentos de facto

Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «(...)

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:

A) A impugnante tem como objeto social a gestão de participações sociais de outras sociedades como forma indirecta do exercício de uma atividade económica – facto não controvertido.

B) Em 30/05/2008, a impugnante procedeu à entrega, via Internet, da declaração de rendimentos - modelo 22 de IRC, referente ao exercício de 2007 - cfr. fls. 88/91 do suporte físico dos autos; e fls. 33/36 do processo administrativo apenso.

C) A impugnante apurou os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais não dedutíveis com base na metodologia fixada na circular n.º 7/2004, de 30 de março – facto admitido por acordo.

D) Em 31/05/2010, a impugnante apresentou, por correio registado, “ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT)”, reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de IRC por si efetuado – cfr. fls. 3 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

E) Por despacho de 28/12/2010, da autoria do Diretor de Finanças de Aveiro, por delegação, a reclamação graciosa foi liminarmente indeferida, por intempestividade, pois haveria que ter sido deduzida no prazo de 120 dias, por aplicação do disposto no artigo 131.º, n.º 3, do CPPT – cfr. fls. 85/86 do suporte físico dos autos e fls. 135/138 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

F) Em 17/01/2011 foi prestada informação pela Divisão de Justiça Tributária - Contencioso, com a referência em assunto “PEDIDO DE REVISÃO da MC – artº 78º da LGT”, da qual consta, entre o mais, o seguinte:

“[…] o prazo para interposição da reclamação era, nos termos do nº 1 do artigo 137º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), conjugado com o disposto no nº 1 do artº 70º e da alínea b) do nº 1 do artº 102º, ambos do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), de 120 dias, contados a partir da notificação da liquidação. De acordo com o preceituado no nº 1 do artº 39º do CPPT, as notificações efectuadas por carta registada «presumem-se feitas no 3º dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil». Assim, tendo o registo da liquidação sido efectuado em 2008-08-11 (cf. fls 90 dos autos), a notificação da liquidação presume-se efectuada no dia 2008-08-14 e, deste modo, o prazo para apresentar a reclamação terminava em 2009-12-12. Tendo a petição relativa à cédula de IRC do exercício de 2007 sido apresentada em 2010-06-01, conclui-se pela sua intempestividade. Ao caso em apreço não é de aplicar o prazo previsto no nº 1 do artº 131º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), uma vez que a situação se subsume ao disposto no nº 3 da mesma disposição legal. Face ao entendimento exposto, não se verifica o quesito da tempestividade, o qual impera na apreciação de qualquer pedido apresentado pelo contribuinte” cfr. fls. 141/145 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

G) Sobre a informação a que se alude na alínea que precede, em 25/01/2011, foi proferido despacho do Diretor de Finanças de Aveiro, por delegação, com o seguinte teor: “Concordo. À DSIRC, para decisão” – cfr. fls. 140 do processo administrativo apenso.

H) A presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal em 04/02/2011 – cfr. carimbo aposto a fls. 2 do suporte físico dos autos.».



3. Dos fundamentos de Direito

Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que, jugando ilegal a implementação do método preconizado na circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o que tange à afetação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, por a administração tributária não ter demonstrado a impossibilidade de aplicação de um método de afetação direta, anulou a decisão impugnada e a autoliquidação que teve por objecto.

Com o assim decidido não se conforma a Recorrente, por entender que a douta sentença fez errada interpretação do disposto no n.º 3 do artigo 74.º e no n.º 1 do artigo 75.º, ambos da Lei Geral Tributária, assim como do preceituado no n.º 1 do artigo 16.º, na alínea a) do artigo 89.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º, todos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

Alega a Recorrente, na essência, que quando a liquidação é da iniciativa do contribuinte e não assenta em valores apurados pela administração tributária, não pode ser atribuído a esta o ónus de demonstrar a impossibilidade de aplicação de um método de quantificação direta e, por conseguinte, da necessidade de recorrer ao método indirecto previsto na Circular.

A questão suscitada pela Recorrente já foi amplamente debatida no Supremo Tribunal Administrativo, tendo sido uniformizado entendimento no sentido de que é sobre a administração tributária que recai o ónus de prova da impossibilidade de determinação direta dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais. E que, consequentemente, padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, que não seja precedido daquela demonstração – ver o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 2018/09/26 (Processo n.º 0406/18.9BALSB), que nos dispensamos de reproduzir agora por já o ter sido na douta sentença recorrida.

E não se diga que não é assim quando se esteja perante uma liquidação da iniciativa do contribuinte. Como se referiu no acórdão deste Tribunal de 2019/09/25, no processo 0708/13.0BEAVR, «apesar de ter sido a sociedade quem efectuou a liquidação ao abrigo da referida Circular (…), a AT recusou razão à Contribuinte quando esta, em sede de reclamação graciosa (…), pôs em causa a legalidade da doutrina por aquela veiculada; ora, só era possível à AT manter o acto de autoliquidação caso se demonstrasse a legalidade do recurso ao método indirecto previsto na Circular 7/2004, o que implicava que a AT fizesse prova da inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe compete (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT)».

Pelo que o recurso não merece provimento.



4. Conclusão

Padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, sem demonstração da inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais;



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

D.n.

Lisboa, 6 de Maio de 2020. – Nuno Bastos (relator) – Gustavo Lopes Courinha – José Gomes Correia.


DECLARAÇÃO DE VOTO


Votei favoravelmente o acórdão, mas atendendo ao seguinte fundamento, que ora se expõe.

Considero, com efeito, que em certas circunstâncias muito peculiares - designadamente, nos casos em que o contribuinte não esclareça o cálculo que esteve na base da decisão contabilística que serviu de suporte à auto-liquidação de IRC - o recurso à metodologia vertida na Circular n.º 7/2004, da DSIRC, sem a prévia necessidade de demonstração da inviabilidade do recurso à metodologia de determinação direta do lucro tributável, não estará impedido.

Quando é o próprio sujeito passivo que abdica de justificar os fundamentos da aplicação dos métodos diretos, apenas se limitando à sustentação da (alegada) obrigação incondicional da Administração se socorrer sempre da metodologia direta, não vemos como possa esta continuar vinculada a substituir aquela naquela tarefa, reconstruindo a contabilidade numa área onde é extraordinariamente difícil definir que volume de juros foi incorrido com oscilações patrimoniais isentas.

Nestas circunstâncias, pode eventualmente encontrar-se justificado o recurso àquela metodologia de Direito Circulatório.

É neste especial sentido que votamos favoravelmente o presente acórdão.


(Gustavo Lopes Courinha)