Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01051/19.7BELRA-S1
Data do Acordão:02/29/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
PRORROGAÇÃO DE PRAZO
CONTESTAÇÃO
Sumário:É de admitir o recurso de revista que tem por objecto saber se a prorrogação do prazo de contestação concedida ao Ministério Público favorece igualmente um seu co-réu.
Nº Convencional:JSTA000P31990
Nº do Documento:SA12024022901051/19
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:AA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. O MINISTÉRIO PÚBLICO - em representação do ESTADO PORTUGUÊS, réu nesta acção administrativa «comum» juntamente com BB - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor «recurso de revista» do acórdão do TCAS - de 26.10.2023 - que, concedendo provimento à «apelação» interposta pelo co-réu BB - apelação que subiu em separado -, decidiu, com um «voto de vencido», revogar a decisão do TAF de Leiria - de 19.12.2019 -, admitir nos autos a contestação apresentada pelo aí apelante e determinar a «baixa dos autos» ao tribunal de primeira instância para prosseguir a sua pertinente tramitação.

Alega que o recurso de revista deverá ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito» e em nome da «importância fundamental» da questão.

Feitas as devidas notificações, não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que pela sua relevância jurídica ou social «se revista de importância fundamental» ou quando a admissão do recurso seja «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

3. Na presente acção administrativa - então dita «comum» - a sua autora - AA - demandou os réus ESTADO PORTUGUÊS e BB, com fundamento em responsabilidade civil emergente de acidente rodoviário.

Tendo sido prorrogado o prazo para o MINISTÉRIO PÚBLICO contestar - ao abrigo do artigo 82º, nº4, do CPTA -, o co-réu BB viu indeferida - por despacho judicial de 19.12.2019 - a sua pretensão de ver admitida a contestação, que apresentou «fora de prazo», por ter invocado como boa razão a aplicação do nº2 do artigo 569º do CPC - alegadamente aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.

Descontente com este indeferimento, o co-réu BB apelou para o TCAS que, por acórdão tirado com um «voto de vencido», revogou o despacho judicial recorrido, admitiu a contestação do co-réu, e mandou prosseguir os autos no TAF de Leiria.

Agora é o MINISTÉRIO PÚBLICO que, em «representação do ESTADO PORTUGUÊS», vem discordar e pedir revista do assim decidido no acórdão do tribunal de apelação, por, no seu entender, ter sido feita «errada» interpretação e aplicação do disposto no «artigo 569º, nº2, do CPC».

Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

A questão que se perfila é a de saber se, prorrogado o prazo para o MINISTÉRIO PÚBLICO contestar ao abrigo do nº4 do artigo 82º do CPTA - ver também nº4 do artigo 569º do CPC -, o co-réu beneficia desta prorrogação para efeitos de apresentar atempadamente a sua própria contestação. O tribunal de 1ª instância disse que «não» fundamentalmente por considerar a referida prorrogação «um benefício pessoal, concedido em determinadas circunstâncias a um dos réus», mas o tribunal de 2ª instância entendeu que «sim», por imposição, fundamentalmente, do «princípio da igualdade de armas».

Para além desta divergência dos tribunais de instância, no presente caso, constatamos que a enunciada questão vai encontrando respostas díspares quer na doutrina quer na jurisprudência, mesmo dos tribunais superiores, como, aliás, ressuma das convocações feitas no acórdão ora recorrido. Isto demonstra que a sua solução jurídica não é linear, antes complexa, a exigir correcto manuseamento das regras legais da interpretação, já que se trata de matéria com interesse eminentemente prático e vocação paradigmática a convocar pronúncia do tribunal de revista.

Importa, pois, considerar que este caso integra a natureza excepcional que é exigida por lei à admissão deste tipo de recursos, e admitir a «revista» interposta pelo co-réu MINISTÉRIO PÚBLICO.

Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em admitir a revista.

Sem custas.

Lisboa, 29 de Fevereiro de 2024. – José Veloso (relator) – Teresa de Sousa – Fonseca da Paz.