Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0561/14
Data do Acordão:11/13/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:COSTA REIS
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
PODERES DE COGNIÇÃO DO TRIBUNAL
PONDERAÇÃO DE INTERESSES
MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA00068987
Nº do Documento:SAP201411130561
Data de Entrada:09/17/2014
Recorrente:MUNICÍPIO DE ARCOS DE VALDEVEZ E OUTROS
Recorrido 1:PRESIDENTE DO CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE COM 5 DEC VOT
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:AC STA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR ADM CONT - SUSPEFIC
Legislação Nacional:ETAF02 ART12 N3.
CPTA02 ART120 N1 A N2 ART128 N1 N3 ART150 N2 N4.
CPC13 ART674 N1 N3.
DL 45/14 DE 2014/04/20 ART2.
RCM 30/14 DE 2014/04/08.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01859/02 DE 2002/12/18.; AC STA PROC01030/08 DE 2009/01/28.; AC STA PROC0608/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC0783/06 DE 2007/02/06.; AC STA PROC0359/06 DE 2007/03/06.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE - A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA - LIÇÕES ALMEDINA 1998 PÁG132.
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

Os Municípios de Arcos de Valdevez, Barcelos, Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo instauraram neste Supremo, contra o Conselho de Ministros, providência cautelar, com decretamento provisório, na qual formularam os seguintes pedidos:
“1. Suspensão de eficácia do acto administrativo do Conselho de Ministros de 8/04/2014, que determina a alienação de 100% das acções da A……….., S.A. (A…………) e decide que o concurso público previsto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 45/2014, de 20/03, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A…………, constante do nº 1 da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 8/04, publicada no DR 1ª Série, n.º 69, página 2325;
2. Suspensão de eficácia do acto administrativo do Conselho de Ministros de 8/04/2014, constante do nº 3 da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 8/04, publicada no DR 1.ª Série, nº 69, página 2325, que estabelece as regras de alienação das participações sociais dos accionistas Municípios e do exercício do direito de preferência dos restantes Municípios;
3. Suspensão de eficácia do acto administrativo do Conselho de Ministros de 8/04/2014, constante do nº 4 da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 8/04, publicada no DR, 1ª Série, nº 69, página 2325, que determina a abertura do concurso público e originou a publicação do respectivo anúncio no DR, 2ª Série, número 71, de 10/04/2014 (anúncio de procedimento nº 1988/2014);
4. Suspensão de eficácia do acto administrativo do Conselho de Ministros de 8/04/2014, constante do nº 5 da Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, de 8/04, publicada no DR. 1.ª Série, nº 69, página 2325, que determina a oferta pública de alienação de 5% das acções da A…………, S.A. (A…………) aos trabalhadores da A………….
5. Intimação para abstenção de qualquer conduta ou da prática de todos e quaisquer actos de preparação, concretização, implementação ou desenvolvimento do processo de reprivatização da A………….
6. Intimação para a imediata suspensão do procedimento concursal cujo anúncio de procedimento nº 1988/2014 foi já publicado no DR, 2ª Série, número 71, de 10/04/2014.
7. Intimação para a imediata suspensão do procedimento de alteração dos Estatutos da B…………, SA, já iniciado pelo Ministério do Ambiente Ordenamento do Território e Energia.”

Para o que alegaram que os requisitos exigidos no art.º 120.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA se encontravam preenchidos, isto é, que se verificava o fumus boni iuris e o periculum in mora e que da ponderação dos interesses em confronto não resultava que o interesse defendido pelo Requerido fosse superior ao invocado pelos Requerentes.

Sem sucesso já que, muito embora o Tribunal a quo tivesse dito que o Tribunal era competente para conhecer e decidir a presente providência e que se encontravam reunidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, considerou que, na balança da ponderação dos mencionados interesses, pesavam mais os interesses defendidos pela entidade demandada e que tal determinava o indeferimento das medidas requeridas. Além disso, entendeu que os actos que, alegadamente, tinham sido indevidamente executados eram os próprios actos suspendendos e que não havia fundamento para suspender os actos futuros, o que o levou a indeferir o incidente de declaração de eficácia dos actos de execução indevida. Por fim considerou prejudicada a questão de saber se a Resolução emitida estava devidamente fundamentada.

Inconformados, os Requerentes interpuseram este recurso que foi finalizado do seguinte modo:
1. O douto Acórdão recorrido deve ser “corrigido” quanto a três segmentos da decisão:
a. erro de Interpretação do artigo 128 °, n ° 3 in fine do CPTA.
b. erro de interpretação do artigo 120º, nº 1, al.ª a), do CPTA.
c. erro de aplicação do critério de proporcionalidade estabelecido no artigo 120º, n.° 2, do CPTA.
2. Na verdade, salvo melhor opinião, o Acórdão recorrido deveria ter-se pronunciado oficiosamente, ao abrigo do nº 3 do artigo 128°, n.° 3 do CPTA, sobre a fundamentação da Resolução apresentada.
3. Não o fazendo, confundindo esta fase processual com o incidente do n.ºs 4 e 5 do mesmo normativo, o Acórdão enferma de omissão de pronúncia, geradora de nulidade nos termos do artigo 615°, n.º 1 alínea d) do CPC, aplicável ex vi artigo 1°do CPTA.
Mais,
4. Com o devido respeito (que é muito e sincero), crê-se que o mesmo vício ocorre relativamente à devida pronúncia, omitida no Acórdão recorrido, sobre o critério de decisão da alínea a) do n ° 1 do artigo 120° do CPTA.
5. Efectivamente, sendo este um critério de decisão do Julgador, não está dependente da invocação da parte,
6. A qual se limita a provar o Direito e a alegar as ilegalidades do (s) acto (s) suspendendo (s).
7. Se estas são evidentes grosseiras, patentes, então deve ser decretada a providência, sem mais. Isto é, sem necessidade da verificação dos “normais” requisitos das providências,
8. pelo que a omissão verificada gera nulidade nos termos do artigo 615,°, n.º 1 alínea d) do CPC, aplicável ex vi artigo 1° do CPTA.
Por fim,
9. Julga-se, igualmente com o máximo respeito haver um enorme lapso de interpretação relativo ao critério de proporcionalidade estabelecido no artigo 120.º, nº 2, do CPTA.
10. Que in casu assume enorme gravidade dado que os requisitos da providência cautelar - fumus boni iuris e periculum in mora - estão, como doutamente decidido, verificados.
11. E esse erro revela-se, desde logo, pela suposta falta de alegação de factos concretos sobre o prevalecente interesse na manutenção e qualidade de serviço público.
12. Ora, estes não existem, pelo simples facto da providência sub judice pretender precisamente evitá-los – estamos no âmbito de uma providência conservatória, cujo fito é a manutenção do statu quo ante.
13. Por isso, os Requerentes só podem, para demonstrar o fundado, justificável e compreensível receio que invocam, alegar as várias evidências que pululam por todo o R.I., onde se explana a génese pública até aos dias de hoje dos sistemas multimunicipais e necessidade da sua manutenção.
14. Sobretudo para o serviço público essencial aos utilizadores, que serão prejudicados desde logo em sede de tarifário, conforme também invocado.
15. Ou seja, inegavelmente, os Requerentes demonstram evidências e receios concretos que tangem com “a garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras”, carecendo, portanto, de fundamento o referido in fine no douto Acórdão.
16. E a prova disso mesmo é que o Acórdão recorrido admite que, não se evitando tais factos (desconhecidos), se verificará uma total impossibilidade de reintegração específica da esfera Jurídica dos Requerentes;
17. Se assim é, não pode, ao invés do douto entendimento do Acórdão, exigir-se aos Requerentes a prova de factos que (ainda) não existem…
18. Exigir esta “impossibilidade” é com todo o respeito e ressalvando melhor opinião, erro manifestamente abusivo e desproporcional, colocando em causa a igualdade das partes e exigindo-se um ónus de prova inexequível, o que redunda numa negação do acesso ao Direito e à Justiça Cautelar e numa violação gravíssima da tutela jurisdicional efectiva e plena, pelo que deve o Acórdão ser revogado.
19. Este o grave erro base do Acórdão na aplicação do critério de proporcionalidade estabelecido no artigo 120.°, n.º 2, do CPTA.
20. Por outro lado, o douto Acórdão acaba por, obviamente que involuntariamente, dedicar tratamento “desigual” aos “idênticos” interesses invocados.
21. Para além de inexistirem danos desproporcionados relativamente aos que se pretende evitar.
22. Na verdade, os interesses invocados pela entidade demandada não “pesam” desproporcionadamente mais “na balança da ponderação” do que os em tutela na providência cautelar, cujos requisitos estão verificadas (periculum in mora e fumus boni iuris).
23. Exige-se desproporcionalidade e não superioridade, ou seja, exige-se um juízo de desmedida, de desmesura, de excesso pelo que os danos invocados pelo Conselho de Ministros até poderiam ser de maior gravidade (o que não se concede), mas, preenchidos os outros requisitos da providência (como estão e foi assim doutamente decidido no Acórdão recorrido), esta só poderá ser recusada se tais danos forem de tal forma desproporcionadamente superiores.
24. Só interesses desmesuradamente superiores ou desproporcionais podem justificar a recusa de uma providência cautelar numa situação que, à partida pela verificação dos outros requisitos, era totalmente merecedora da respectiva tutela (ver MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA, ob. cit. pág. 611).
25. Como se demonstrou, os danos invocados pelo Requerido nem são desproporcionados relativamente aos que se pretendem evitar – juízo de desproporcionalidade que inexista no Acórdão – nem estão demonstrados.
26. Aliás, no douto Acórdão em análise não se vislumbra qualquer ponderação entre os prejuízos reais, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, que resultariam da recusa ou da concessão da providência (Acórdão do STA de 26 de Junho de 2014).
27. O que seria exigível, ainda para mais quando o próprio Acórdão reconhece que “sem o decretamento das providências cautelares, na hipótese de ganho de causa no processo principal, tendo em conta os interesses envolvidos … há uma forte probabilidade de se constituir uma situação que retire a possibilidade ou torne improvável, em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo ante … comprometendo a satisfação dos interesses que os requerentes visam assegurar na acção” (página 13 do Acórdão).
28. Assim, verificados os requisitos da providência, só danos muito fortes, desmedidos e desproporcionados podem justificar o seu não decretamento, o que exige, por maioria de razão, uma fundamentação acrescida e cuidada, uma justa e equilibrada ponderação dos interesses em jogo, contrabalançando os eventuais riscos que a concessão da providência pode envolver com a magnitude dos danos que a sua recusa possa trazer (MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e FERNANDES CADILHA ob. cit. pág. 613).
29. PORÉM, não se percebe do douto Acórdão porque considerou que “a balança da ponderação pende para o lado dos Interesses invocados pela entidade demandada”!
30. Esta omissão de fundamentação enferma o douto Acórdão recorrido de nulidade, conforme previsto no artigo 615.°, n.º 1 alínea b) do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
31. Por fim, ponderadas todas as evidências demonstradas no R.I. (e supra recordadas) com o facto de nenhuma demonstração ter sido efectuada relativamente ao “prejuízo grave desproporcional” que a suspensão do acto até à decisão do processo principal pode consubstanciar (ainda para mais face a interesses públicos erróneos!), claramente concluímos que não se justifica afastar in casu a posição de supremacia que aos Requerentes é atribuída pela verificação dos dois requisitos da providência (periculum in mora e fumus boni iuris).
32. Em alternativa, e face à decidida “procedência” do periculum in mora e do fumus boni iuris, seria justo e avisado que o Julgador tivesse feito um esforço de aplicação do nº 3 do artigo 120.° do CPTA

O Conselho de Ministros contra alegou tendo formulado as seguintes conclusões:
1) De acordo com a jurisprudência pacífica do STA, são considerados matéria de facto – e, por esse motivo, insusceptível de ser reapreciada em recurso para o Pleno – a selecção de factos, a sua imputação, a sua relação de causalidade com a lesão do interesse público, bem como o juízo comparativo de probabilidade sobre o peso relativo dos danos que ameaçam os interesses em presença, feitos no acórdão recorrido, que subjazem ao juízo de ponderação de interesses, são juízos formulados a partir de factos, sempre que nessa ponderação ou valoração intervenha apenas um critério retirado das máximas da experiência comum, ou do homem médio, sem apelo a máximas ou ponderações só existentes na ordem jurídica (arts. 1.º a 12.° destas contra-alegações);
2) Embora invocando, em termos manifestamente improcedentes, um suposto erro de aplicação do critério de proporcionalidade e um suposto tratamento desigual dado aos interesses invocados pelas partes, o verdadeiro e único alvo das censuras dos Recorrentes reside no juízo efectuado no acórdão recorrido acerca da verosimilhança e do grau de fundamentação dos receios e potenciais danos invocados pelos Recorrentes, em comparação com os previsíveis danos para o interesse público invocados pela Recorrida. Trata-se, pois, de juízos de probabilidade e causalidade – logo, umbilicalmente dependentes da apreciação de factos – e não de qualquer análise jurídica. Como tal, tais questões encontram-se subtraídas aos poderes de cognição do Pleno do STA (arts. 13.° a 18.° e 26.° a 36°);
3) Também é insusceptível de recurso para o Pleno, por envolver a reapreciação dos factos e do nexo causal entre os factos apurados e os danos que importa evitar – tudo matéria de facto que deve considerar-se assente pelo acórdão recorrido —, o não decretamento de providências alternativas (art.ºs 37.° a 40°);
4) O não decretamento de providências alternativas não determina a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação, quer porque i) só em caso de alterações supervenientes de circunstâncias é legalmente possível a adopção de medida cautelar alternativa; ii) quer porque tal omissão em nada prejudica a inteligibilidade da decisão; iii) quer porque uma tal alternativa não visaria qualquer composição dos interesses invocados, limitando-se a salvaguardar unicamente os interesses invocados pelos Recorrentes, com absoluto sacrifício dos interesses públicos defendidos pela Recorrida; iv) e ainda porque a medida alternativa sugerida pelos Recorrentes seria tão lesiva para o interesse público como o próprio decretamento da providência requerida, pois a A………… e a sua reprivatização apenas têm interesse económico na medida em que se mantenha a posição maioritária nas 11 concessionárias e que esta posição seja transmitida com a própria A…………. Retirar uma participada que seja, além da inevitável extensão dessa retirada a todas as demais participadas, implica impedir toda a operação de privatização – além de previsivelmente acarretar a consequente extensão da mesma solução às demais. Por esse motivo, as conclusões do acórdão recorrido acerca da ponderação de interesses no tocante à providência requerida são aplicáveis, por maioria de razão, à providência alternativa agora sugerida e o conhecimento dessa questão acha-se prejudicado pela solução dada à outra (art.ºs 41.° a 58.°);
5) O acórdão recorrido não se acha ferido de nulidade por omissão de pronúncia por não ter equacionado explicitamente o decretamento da providência requerida à luz do n.º 1 do art.º 120.° do CPTA, porquanto esse acórdão encerra claramente um juízo - negativo, aliás - sobre a «evidência da pretensão formulada ou a formular no processo principal», expresso através das conclusões acerca da complexidade dos problemas jurídicos que a causa suscita, bem como da dificuldade inerente a uma abordagem aos mesmos a título perfunctório (arts. 59.° a 68.°);
6) Tão pouco se verifica nulidade por omissão de pronúncia em virtude da circunstância de, no acórdão recorrido, se rejeitado a apreciação da questão da suficiência da fundamentação da resolução fundamentada. Num incidente de declaração de ineficácia de actos de execução indevida, conclusão acerca da existência do objecto do pedido precede logicamente – e prejudica, caso a conclusão seja negativa – a causa de pedir, i.e. a existência e procedência da resolução fundamentada. Se os actos invocados não correspondem a actos de execução para efeitos da lei, seja por estes coincidirem com os próprios comandos suspendendos, seja por não terem sido praticados de todo, decai o incidente, não estando o tribunal obrigado a indagações inúteis acerca da suficiência da resolução fundamentada (arts. 69.° a 78.°);
7) Por fim, o «fundado receio», requisito para o decretamento de providência conservatória, nem dispensa a existência ou invocação de factos, nem impõe sobre o requerente um ónus da prova impraticável ao exigir que invoque factos que ainda não se verificaram. O que exige é que o seu receio se fundamente em factos concretos (sendo, por esse motivo, adjectivado por lei como «fundado»), ou, no mínimo, factos cuja ocorrência poria em causa, com toda a probabilidade, o serviço público em questão. Por outro lado, as exigências de serviço público manter-se-ão inalteradas na sequência da reprivatização da A…………, a qual é ademais essencial para que se alcancem as metas do PERSU, bem como no quadro do esforço de consolidação financeira que tem vindo a ser desenvolvido pelo Estado, entre outras razões de interesse público nacional. Por isso, esteve bem o acórdão recorrido no tocante à ponderação de interesses. (art.ºs 19.° a 25.° e 79º a 105°).


FUNDAMENTAÇÃO


I. MATÉRIA DE FACTO.

O Acórdão recorrido julgou provados os seguintes factos:
a) No Diário da República, 1ª Série, n.º 69, de 8/04/2014, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014, que aqui se dá por integralmente reproduzida, e na qual, nos cinco primeiros pontos, o Conselho de Ministros resolveu:
“1 - Determinar que são alienados 100% das acções da A…………, S.A. (A………….) e que o concurso público previsto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 de Março, tenha por objecto acções representativas de 95% do capital social da A………….
2 - Aprovar o caderno de encargos do concurso público, constante do anexo I à presente resolução, da qual faz parte integrante, no qual se estabelecem os termos e condições específicos a que obedece o concurso público previsto no número anterior.
3 - Aprovar os termos do exercício pelos municípios da opção de alienação das participações sociais por aqueles detidas no capital das entidades gestoras de sistemas multimunicipais nas quais a A………… é accionista, bem como do exercício do direito de preferência pelos restantes municípios da mesma entidade gestora, relativamente à referida alienação, os quais constam do caderno de encargos a que se refere o número anterior.
4 - Determinar a abertura do concurso público previsto no n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 45/2014, de 20 de Março através do envio para publicação do anúncio no Jornal Oficial da União Europeia e no Diário da República.
5 - Aprovar, no anexo II à presente resolução, da qual faz parte integrante, algumas condições da oferta pública de venda de acções da A…………, dirigida exclusivamente a trabalhadores da A…………, no âmbito da qual os referidos trabalhadores podem adquirir acções representativas de 5% do capital social da A………….
(…)”

b) No Diário da República, 2ª Série, nº 71, de 10/04/2014, foi publicado o Anúncio de Procedimento nº 1988/2014 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), relativo ao “Concurso público para a reprivatização da A…………, S.A.”.
c) O presente processo cautelar deu entrada em juízo no dia 20 de Maio de 2014.
d) No dia 29/05/2014, o Conselho de Ministros aprovou a “Resolução Fundamentada” que consta a fls. 226-233 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida.


II O DIREITO.
Resulta do antecedente relato que os Municípios de Arcos de Valdevez, Barcelos, Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima e Viana do Castelo instauraram, neste Supremo Tribunal, contra o Conselho de Ministros, a presente providência cautelar, com decretamento provisório, na qual pediram a suspensão de eficácia dos seguintes actos inscritos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2014, de 8/04/2014:
1 – Do acto constante do seu n.º 1, que determinou a alienação de 100% das acções da A…………, S.A. (A…………) e decidiu que o concurso público previsto no art.º 2.º do DL 45/2014, de 20/04, destinado à concretização daquela decisão tivesse por objecto acções representativas de 95% do capital social daquela Empresa.
2 - Do acto constante do seu n.º 3, que estabeleceu as regras de alienação das participações sociais dos accionistas Municípios e do exercício do direito de preferência dos restantes Municípios;
3 – Do acto constante do seu n.º 4, que determinou a abertura do concurso público e originou a publicação do respectivo anúncio;
4 - Do acto constante do seu nº 5, que determina a oferta pública de alienação de 5% das acções da A………… aos seus trabalhadores.

E a intimação do Conselho de Ministros para que ele:
1 – Se abstivesse de qualquer conduta ou da prática de quaisquer actos de preparação, concretização, implementação ou desenvolvimento do processo de reprivatização da A………….
2 – Suspendesse de imediato o respectivo procedimento concursal, cujo anúncio foi publicado no DR, 2ª Série, n.º 71, de 10/04/2014.
3 - Suspendesse de imediato o procedimento de alteração dos Estatutos da B…………, SA, já iniciado pelo Ministério do Ambiente Ordenamento do Território e Energia.

O Acórdão recorrido começou por afastar a alegação, trazida pela entidade demandada, de que o conhecimento das questões suscitadas nesta providência estava excluído do âmbito da jurisdição administrativa – por considerar que os actos suspendendos haviam sido emitidos “no exercício de uma competência administrativa, secundária, subordinada e condicionada, previamente tipificada no DL nº 45/2014, para concretização prática dos interesses superiores anteriormente definidos por este diploma” – indeferindo, depois, o incidente de declaração de eficácia dos actos de execução indevida – por ter entendido que os actos que os Requerentes, concreta e individualmente, identificaram como de execução indevida, eram, “no fundo, os próprios actos suspendendos que não podem ser objecto do presente incidente” e que a pretensão respeitante aos futuros actos de execução não tinha fundamento visto a mesma conduzir à “condenação num «non facere», quando a lei prevê a emissão de uma pronúncia declarativa sobre actos singulares anteriormente praticados”. – Por fim, atenta a decisão proferida a propósito dos actos de execução indevida, considerou prejudicada a questão de saber se a Resolução emitida pelo Conselho de Ministros continha fundamentação bastante.
Resolvidas estas questões o Acórdão debruçou-se sobre as pretensões que tinham determinado a instauração desta providência considerando verificados os requisitos do fumus boni iuris – já que, por um lado, eram sérios e complexos os problemas jurídicos a enfrentar e, por outro, era impossível afirmar, em juízo perfunctório, “que a bem estruturada argumentação dos requerentes nenhum valor tem e que, por consequência, se percebe imediata e claramente que a pretensão que formulam no processo principal não tem fundamento” - e do periculum in mora – visto o indeferimento do requerido, na hipótese de ganho de causa no processo principal conduzir, muito provavelmente, a uma situação que impossibilitará ou tornará muito difícil, “em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo ante … comprometendo a satisfação dos interesses que os requerentes visam assegurar na acção”.
Todavia, e apesar disso, desatendeu as requeridas pretensões por entender que, na balança da ponderação dos interesses exigida pelo art.º 120.º/2 do CPTA, pesavam mais os interesses defendidos pelo Conselho de Ministros do que os defendidos pelos Requerentes. Juízo que justificou da seguinte forma:
“Na verdade, por um lado, como se vê, a argumentação do Conselho de Ministros é forte e persuasiva e decorre de factos verosímeis que credibilizam a ideia de que, nos termos expostos, os danos para o interesse público que resultariam da adopção da providência se mostram superiores aos que podem resultar da sua recusa para os interesses que os requerentes defendem na acção principal.
Por outro lado, a argumentação dos requerentes não convence do contrário.
Descontadas as considerações, irrelevantes nesta sede, acerca das supostas ilegalidades dos actos suspendendos e sobre a bondade e oportunidade das escolhas do Governo relativas à privatização da A…………, o bem mais valioso, o interesse mais relevante que os requerentes invocam como carecendo de imediata protecção cautelar e que poderia ser determinante nesta ponderação, inclinando-a para o seu lado, é o da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras.
Todavia, a alegação não está substanciada em qualquer facto concreto que permita firmar o juízo de que, por causa da alienação do capital da A………… a investidores privados, o serviço público em causa será suprimido ou passará a ser de inferior qualidade. E não é apodíctico que a privatização, por si só, implique, necessariamente, qualquer um daqueles efeitos danosos para as populações utilizadoras.”

Os Requerentes não se conformam com essa decisão; por um lado, porque a reputam de nula e, por outro, porque consideram que a mesma constitui errado julgamento.
Analisemos, pois, separadamente, cada um desses ataques.

1. Os Recorrentes consideram que o Acórdão é nulo, por omissão de pronúncia, não só porque nada tinha dito sobre a falta de fundamentação da Resolução do Conselho de Ministros como, por outro lado, porque não se pronunciara sobre a evidente procedência da sua pretensão violando, assim, o disposto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA como, finalmente, porque não justificara a afirmação de que os interesses invocados pela entidade requerida eram prevalecentes sobre os dos Requerentes.
Diga-se, porém, desde já, essa alegação é improcedente em qualquer das perspectivas em que se manifesta.
Vejamos porquê.

2. É sabido que a Administração goza da prerrogativa da execução imediata dos seus actos a qual encontra fundamento na relevância social das funções que desempenha, no facto dessa prerrogativa constituir um dos poderes do Estado e na celeridade que deve presidir à sua actividade. Daí que a lei, ainda que prevendo a possibilidade da imediata execução de tais actos ser suspensa a requerimento do interessado, tenha rodeado a verificação dessa possibilidade de especiais exigências o que se compreende na medida em que, se assim não fosse, a eficácia e a celeridade indispensáveis à actividade administrativa poderiam ficar seriamente comprometidas e o interesse público poderia, sem justificação aceitável, ser derrogado pelo interesse particular. - Cfr. a este propósito, e a título exemplificativo, Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, Lições, Almedina, 1998, p. 132, e os Acórdãos deste STA de 18.12.2002, rec. 1859/02 e de 28.01.2009, rec. 1030/08.
Por ser assim é que, havendo oposição à imediata execução do acto, a Administração só pode contornar esse obstáculo emitindo Resolução onde sustente, de forma fundamentada, que a pretendida paralisação será gravemente prejudicial ao interesse público (art.º 128.º/1 do CPTA).
Resolução que, no entanto, pode ser impugnada e cujas razões podem vir a ser julgadas improcedentes pelo Tribunal (art.º 128.º/3 do CPTA).

2. 1. O que levou os Recorrentes a sustentar que, emitida essa Resolução, o Tribunal tem, ex oficio, o dever de sindicar as razões invocadas pela Administração não cabendo ao interessado suscitar a irregularidade ou a ilegalidade dessa Resolução. Com efeito, sustentam, “há, claramente, uma distinção entre a declaração de ineficácia de actos de execução indevida (que tem de ser suscitada pela parte), ao abrigo do n.º 4, e a declaração oficiosa de procedência/improcedência das razões em que a Resolução se fundamenta, ao abrigo do n.º 3. Na verdade, parece evidente esta diferenciação, não apenas pelos diferentes normativos colocados, até, sistematicamente por ordem «cronológica», como pelo facto da iniciativa da parte ser um incidente (nos termos do n.º 5), ao invés da devida decisão sobre as razões da Resolução, e, ainda, como o demonstra a própria letra do n.º 3, quando refere «ou».
Daqui decorre que tem de haver decisão judicial (oficiosa) sobre a fundamentação da Resolução (nos termos do n.º 3) podendo, não obstante, o interessado requerer ao Tribunal o incidente do pedido de declaração de ineficácia dos actos execução indevida.”
E, por essa razão, acusam o Acórdão de ter violado esse dever defendendo que essa violação constitui omissão de pronúncia determinante da sua nulidade.
Mas não têm razão.

E não a têm porque, ao invés do alegado, o Acórdão não silenciou a questão de saber se a Resolução estava fundamentada só que não a abordou nos termos pretendidos pelos Recorrentes. E não o fez porque, atenta a forma como decidira a alegada execução indevida de actos, entendeu que o conhecimento dessa questão tinha ficado prejudicado.
Decisão essa que não merece qualquer censura.

Com efeito, a sindicância da Resolução de que fala o art.º 128.º/1 do CPTA está, por regra, associada à impugnação dos actos que estão a ser executados apesar da sua emissão e, por ser assim, a apreciação da legalidade desses actos está indissoluvelmente relacionada com a apreciação da legalidade (ou ilegalidade) daquela Resolução. Deste modo, se o Tribunal considerar que não existem actos de execução não terá de apreciar se a Resolução sofre de alguma ilegalidade.

E foi isso que sucedeu no caso já que os Requerentes – através do requerimento de fls. 364/369 – vieram pedir que se declarasse que a execução de determinados actos era ilegal, ilegalidade que decorria do facto da Resolução não estar devidamente fundamentada. Sendo assim, e sendo que o Acórdão considerou que os actos de execução indevida identificados pelos Requerentes eram os próprios actos suspendendos e, por outro lado, que não tinha fundamento legal pedir-se a condenação do Conselho de Ministros a não praticar, no futuro, actos de execução e que, por ser assim, improcedia o requerido é manifestamente evidente que o mesmo não estava obrigado a pronunciar-se sobre a legalidade da Resolução ora em causa.
Pode, assim, concluir-se que o Acórdão não incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, nem tão pouco em erro de julgamento quando se recusou a apreciar a legalidade da apontada Resolução.

É, pois, totalmente improcedente esta alegação dos Recorrentes.

3. Os Recorrentes sustentam, ainda, que a procedência da sua pretensão era evidente e que o Acórdão não se tinha pronunciado sobre essa evidência, violando dessa forma o disposto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, o que determina a sua nulidade.
Mas, também aqui, não têm razão.

Com efeito, como é sabido, entre as razões que poderão determinar a adopção das medidas cautelares requeridas encontra-se “a evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal” (art.º 120.º/1/a) do CPTA) como, a contrario, entre as razões que conduzirão à sua imediata rejeição encontra-se a evidência de que a mesma carece de fundamento. Sendo certo, por isso, que, numa ou noutra hipótese, a adopção ou rejeição imediata da providência só é configurável nos casos em que o triunfo ou o fracasso da pretensão deduzida ou a deduzir no processo principal é manifesto, ostensivo, notório.
Por outro lado, é ao Requerente que cabe identificar, clara e concretamente, os factos e as razões da apontada evidência ou, não sendo ela ostensiva, dos factos donde resulte o fumus boni iuris cabendo, depois, ao Tribunal analisar se a factualidade alegada e os elementos de prova juntos conduzem à certeza de que a acção procederá ou, inexistindo essa certeza, se a mesma tem condições de vir a ser julgada procedente. Sendo certo que se concluir pela manifesta procedência da pretensão formulada (ou a formular) na acção decretará, de imediato, a providência como, inexistindo essa evidência, prosseguirá para analisar a verificação dos restantes requisitos.
E foi isso que sucedeu in casu.

Com efeito, o Acórdão, apesar de ter começado por afirmar que os Requerentes não tinham alegado que as suas pretensões tinham guarida na previsão da al.ª a), do n.º 1, do art.º 120.º do CPTA, certo é que analisou as razões que eles invocaram como fundamento da sua pretensão tendo concluído que, “face à complexidade dos problemas jurídicos a enfrentar, num olhar sumário sobre os autos e sobre o que cada uma das partes alegou em abono das respectivas teses”, não se podia afirmar, “em juízo perfunctório, que a bem estruturada argumentação dos requerentes nenhum valor tem e que, por consequência, se percebe imediata e claramente que a pretensão que formulam no processo principal não tem fundamento.”
O que significa que o Acórdão, perante os dados trazidos pelo requerimento inicial, questionou se os mesmos lhe permitiam ter como certa a procedência da pretensão formulada na acção era evidente e tendo concluído, ainda que implicitamente, que não era possível ter essa certeza não a decretou imediatamente a providência tendo prosseguido para analisar se se verificava o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Nesta conformidade, ao invés do que os Recorrentes sustentam, não se pode afirmar que o Acórdão não ponderou a possibilidade do requisito previsto na al.ª a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA se ter verificado como também não se pode duvidar que o mesmo emitiu pronúncia sobre essa não verificação, ainda que implícita, ao prosseguir a sua análise com a ponderação sobre a existência dos restantes requisitos.
O que desmente a alegação da nulidade do Acórdão a pretexto da omissão de pronúncia.

4. Finalmente, os Recorrentes carecem de razão quando afirmam que o Aresto era, também, nulo por não ter justificado porque havia dito que na, balança da ponderação de interesses, os interesses invocados pela entidade requerida deviam merecer prevalência uma vez que ele foi claro ao afirmar que a argumentação do Conselho de Ministros era forte e persuasiva e que a mesma decorria de factos verosímeis que credibilizavam a ideia de que os danos que resultariam para o interesse público por ele defendido da adopção da providência se mostravam superiores aos que podiam resultar da sua recusa para os interesses assumidos pelos Requerentes.
Improcede, pois, o recurso nesta parte.

Resta analisar se a crítica dirigida ao Acórdão no tocante à alegação da factualidade relevante, à sua fixação e à ponderação dos interesses merece ser atendida.

5. Os Recorrentes censuram o Acórdão por este ter dito que, na ponderação de interesses de que fala o art.º 120.º/2 do CPTA, se deviam privilegiar os interesses defendidos pelo Conselho de Ministros não só por eles serem mais valiosos que os defendidos pelos Requerentes como também por estarem fundados em factos, o que não acontecia com a alegação destes.
E rejeitam esse entendimento pela seguinte ordem de razões:
- Em primeiro lugar, porque, ao invés do que o Acórdão supôs (e exigiu) não era possível alegar (e comprovar) factos concretos donde se pudesse concluir que os seus interesses eram superiores aos interesses do Requerido porque os mesmos não existiam. Foi, justamente, o desejo de que tais danos se não verificassem que justificou o pedido de decretamento das requeridas medidas. Por isso, “exigir esta “impossibilidade” é … erro manifestamente abusivo e desproporcional, colocando em causa a igualdade das partes e exigindo-se um ónus de prova inexequível, o que redunda numa negação do acesso ao Direito e à Justiça Cautelar e numa violação gravíssima da tutela jurisdicional efectiva e plena … .”
- Depois, porque alegaram que a execução dos actos suspendendos provocaria um rol imenso de prejuízos, danos esses cuja ocorrência é muito provável como se pode ver das considerações feitas no Acórdão a propósito da verificação do periculum in mora.
- Daí que não se pudesse indeferir a providência com a alegação de que os Requerentes não tinham alegado factos e que argumentação do Conselho de Ministros – que também partia de temores pela ocorrência de hipotéticos danos futuros – era forte e persuasiva e que os factos que ele invocara eram verosímeis e credibilizam a sua ideia.
- Por fim, a lei só limita a possibilidade do decretamento da providência quando, na ponderação dos interesses, se constate que a concretização das medidas requeridas causaria ao interesse público um prejuízo desmedido, desproporcional quando comparado com as vantagens resultantes para os Requerentes. “Exige-se desproporcionalidade e não superioridade, ou seja, exige-se um juízo de desmedida, de desmesura, de excesso pelo que os danos invocados pelo Conselho de Ministros até poderiam ser de maior gravidade (o que não se concede), mas, preenchidos os outros requisitos da providência (como estão e foi assim doutamente decidido no Acórdão recorrido), esta só poderá ser recusada se tais danos forem de tal forma desproporcionadamente superiores.”-
- E, no caso, os danos invocados pelo Requerido não são desproporcionados relativamente aos que se pretendem evitar.

Os Recorrentes criticam, assim, o Acórdão sob duas diferentes e conjugadas perspectivas; por um lado, porque o mesmo tinha erradamente presumido que eles não tinham alegado factos consubstanciadores dos prejuízos invocados e, por outro, porque se convenceu que a suspensão execução dos actos suspendendos causaria maiores danos aos interesses do Conselho de Ministros do que aos interesses dos Recorrentes.

Vejamos, pois, começando-se pela crítica relativa à desproporcionalidade dos interesses.

6. Nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, verificando-se o fumus boni iuris e o periculum in mora, a adopção providência só poderá ser negada quando, “devidamente ponderados os interesses públicos e privados, em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.” (sublinhado nosso)
O que quer dizer que, não tendo a interpretação dos Recorrentes do transcrito preceito suporte na sua letra – nela fala-se em superioridade e não em desmesura, excesso ou desmedida – a mesma só poderia ser sufragada se aquele texto pudesse ser considerado ambíguo, incongruente ou conduzir a conclusões não queridas pelo legislador visto, nesses casos, ser legítimo abandonar a interpretação literal e reconstituir o pensamento legislativo através de elementos exteriores ao seu texto elegendo, de entre os possíveis, o sentido que melhor se adapta não só à sua letra mas também à unidade do sistema e à vontade presumida do legislador.

Ora, parece-nos evidente que o texto da citada norma é claro, que o seu sentido é imediatamente apreensível e que a mesma se integra harmoniosamente no regime legal regulador das providências cautelares, pelo que inexistem razões para a mesma não seja lida e interpretada de acordo com o que se retira da sua letra.
Deste modo, e exigindo essa norma que se recuse o decretamento da providência se, no confronto dos interesses em presença, se verificar que os danos por ele causados ao interesse público são superiores aos que resultariam para o Requerente da sua recusa, não se pode aceitar, como sustentam os Recorrentes, que “só interesses desmesuradamente superiores ou desproporcionais podem justificar a recusa de uma providência cautelar numa situação que, à partida pela verificação dos outros requisitos, era totalmente merecedora da respectiva tutela.” A recusa da providência basta-se com um juízo de que o prejuízo que resultará da sua adopção para o Requerido seja superior ao dano que os Requerentes pretendem evitar e não que ele seja desmedidamente superior.
Não se pode, pois, sufragar a interpretação dos Recorrentes e, por isso, nesta parte, nenhuma censura nos merece o Aresto.

7. Os Recorrentes rejeitam também que o seu requerimento inicial padecesse de insuficiência alegatória já que a falta de indicação de factos concretos visualizada no Acórdão decorria da sua inexistência e desta providência se destinar, precisamente, a evitar que eles se pudessem concretizar – estávamos no âmbito de uma medida conservatória cujo fito era, justamente, a manutenção do statu quo ante. Por ser assim é que alegaram e demonstraram “evidências e receios concretos que tangem com «a garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras»”, designadamente:
- Que os actos suspendendos iriam determinar a extinção ou transformação extintiva da B………… na medida em que com a sua execução esta deixará de ser uma empresa pública e deixará de prosseguir os mesmos fins societários.
- Que tal extinção se traduz no desprezo pelos interesses dos Municípios em questão e das suas populações na medida em que a ela irá determinar a destruição de um serviço público eficiente, essencial ao serviço às populações utilizadoras, o qual tem preocupações ambientais, um tarifário justo e é de qualidade e lucrativo.
- E conduzirá, à revelia dos Requerentes e das suas populações, à criação de um monopólio privado com intuito meramente comercial, cujo fito é unicamente a maximização do seu lucro, lucro esse que será obtido à custa dos Municípios e dos seus munícipes.
- Acresce que essa extinção traduzir-se-á na violação de normas e princípios constitucionais, de direitos fundamentais, de regras e princípios contratuais;
- Importando a violação definitiva do direito de preferência dos municípios requerentes;
- Não se vislumbrando, em contrapartida, qualquer interesse público, muito menos urgente, que obrigasse à imediata da “privatização” em causa tanto mais quanto é certo que a B………… é suficiente do ponto de vista económico - financeiro e tem todas as condições para assegurar uma gestão eficiente do serviço público de recolha e tratamento dos resíduos sólidos.

Prejuízos e receios esses que o Acórdão reconheceu ao afirmar – na análise do periculum in mora – que o indeferimento da requerida providência, na hipótese de ganho de causa na acção principal, conduziria, muito provavelmente, a uma situação que impossibilitaria ou tornaria muito difícil, “em sede executiva, a reintegração específica da ordem jurídica violada, mediante a reposição do status quo ante … comprometendo a satisfação dos interesses que os requerentes visam assegurar na acção”.
O que significa que – ao invés do que o Acórdão afirmou – os Recorrentes alegaram factos de cuja existência futura não se podia duvidar, como também não se podia duvidar da sua mais que certa danosidade. Antevendo e relatando o que iria acontecer se os actos suspendendos fossem executados, identificando os prejuízos que essa execução provocaria e conexionando essa imediata execução com esses danos e com a sua irreparabilidade ou dificuldade de reparação.

Mas não têm razão.

E não a têm porque não é verdade que eles não pudessem concretizar pelo menos alguns dos perigos que dizem temer com a imediata execução dos impugnados actos.
Se o fizessem certamente que o Tribunal tinha – ou podia ter – outra base factual de julgamento e, pelo menos, fundar a sua decisão nos factos concretos que eles tivessem invocado. Mas nada disso aconteceu ficando a alegação dos Requerentes pela indicação de temores e perigos cuja probabilidade de concretização não ficou demonstrada.

8. E isto porque o mesmo sustentou que a adopção das requeridas medidas traria ao interesse público prejuízos bem mais concretos e identificados do que os supostos danos que os Requerentes alegam sofrer. Na síntese feita no Acórdão recorrido o Conselho de Ministros alegou:
“- Não há qualquer extinção de pessoas colectivas públicas, nem os requerentes explicam como tal extinção, a existir, lhe causaria danos;
- Ao contrário, os municípios podem vir a lucrar significativamente com a privatização da A…………;
- As invocadas violações de normas e princípios constitucionais, e de direitos fundamentais, bem como a alegada violação definitiva do direito de preferência dos municípios são questões de suposta ilegalidade a discutir na acção principal, mas que não podem, em qualquer caso, ser consideradas para efeitos de ponderação de prejuízos;
- Não colhe a afirmação de que com a privatização haverá uma violação da «garantia da qualidade e da manutenção de um serviço público essencial, pois que a entidade gestora continuará a ser, depois da privatização, uma sociedade comercial como já é hoje e continuará a prosseguir a sua actividade nos exactos moldes em que o faz hoje, nos termos de um contrato de concessão;
- Através do contrato de concessão a sociedade gestora, seja ela pública ou privada, fica encarregada pelo Concedente de levar a cabo uma tarefa de interesse público, sendo que do ponto de vista do compromisso da entidade gestora com o interesse público nada muda com a privatização;
- Depois da privatização os requerentes continuarão a ser sócios minoritários da entidade gestora do sistema multimunicipal (a B…………), exactamente com os mesmos direitos que têm hoje;
- O sistema multimunicipal em causa manter-se-á de titularidade estatal, a respectiva gestão continuará cometida à B………… que, repete-se, exercerá a sua actividade, tal como hoje, ao abrigo de um contrato de concessão, em que o Estado, tal como hoje, será o Concedente,
- Com ou sem privatização, a B………… terá que cumprir o regulamento e ficar sujeita aos poderes regulatórios da ERSAR, cujo estatuto foi entretanto reformulado, aprofundando-se assim os seus poderes e atribuindo-lhes a natureza de entidade administrativa independente;
- A B………… terá igualmente que cumprir os objectivos de serviço constantes do contrato de concessão, e que atingir, em especial, as exigentes metas ambientais constantes do PERSU 2020;
- Ora, a concretização das metas do PERSU implica um esforço de investimento cujo financiamento depende de Fundos Comunitários Europeus e a captação de recursos pelos accionistas das empresas concessionárias;
- A privatização da A………… torna-se necessária para garantir a sustentabilidade económico-financeira do sector dos resíduos urbanos, num tempo em que o Estado tem escassos recursos e em que, para garantir a estabilidade orçamental, tem que reduzir a despesa pública;
- Só a alienação da A………… permitirá viabilizar o esforço financeiro associado ao cumprimento de metas nacionais e europeias de índole ambiental e promover soluções de maior eficiência e eficácia económica que asseguram a prestação aos utilizadores dos sistemas de um serviço público de excelência;
- Esse esforço financeiro depende em parte de financiamento comunitário, sendo que as condicionantes do programa de apoio comunitário a Portugal 2020 impõem a necessidade de um novo modelo de gestão que favoreça a estabilidade económica dos sistemas de infra-estruturas existentes no sector;
- Suspender o concurso de privatização seria inviabilizar a venda da A………… e, consequentemente, inviabilizar o esforço financeiro de que o sector necessita;
- Decretar a providência equivaleria, na prática e seguramente, a anular o concurso em curso; nenhum concorrente iria manter-se no mesmo durante o tempo necessário – os anos necessários – para a decisão final da acção principal;
- Mas seria também, com toda a probabilidade, inviabilizar a própria privatização da A…………, a possibilidade de alguma vez a levar a cabo, pois que certamente nenhum investidor quererá vir a participar num processo com tão grande grau de incerteza;
- O decretamento da providência teria o efeito real de inviabilizar a decisão de privatização, decisão que é da exclusiva competência do Governo, nos termos da Constituição e da lei;
- A suspensão do concurso, poria ainda em causa o interesse dos municípios que decidiram exercer a opção de venda das suas acções, em condições extremamente favoráveis, nos termos previstos no artigo 41.º e seguintes do caderno de encargos aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 30/2014;
- Acarretaria ainda o incumprimento de uma obrigação constante do Memorando de Entendimento e, para além dos gravíssimos efeitos no sector, o decretamento da providência poria em causa a confiança que os investidores depositaram na privatização da A………… e os interesses daqueles que se apresentaram a concurso (4 concorrentes estrangeiros e 3 nacionais), sendo que a destruição do clima de retoma da confiança na economia nacional seria gravíssimo para o interesse público e de todos os portugueses.”

9. E o Acórdão sopesando os argumentos identificados por cada uma das partes considerou que, “à luz do teste de proporcionalidade imposto pelo artigo 120º/2 do CPTA, a balança da ponderação pende para o lado dos interesses invocados pela entidade demandada.” (Sublinhado nosso.)
Conclusão que justificou com a circunstância da argumentação do Conselho de Ministros não só ser mais forte e mais persuasiva do que a usada pelos Requerentes como também por estar suportada em factos verosímeis dos quais se retirava que a adopção das requeridas providências causaria ao interesse público danos superiores aos que podiam resultar da sua recusa para os interesses defendidos pelos Requerentes na acção principal. Ao que acrescia que, “descontadas as considerações, irrelevantes nesta sede, acerca das supostas ilegalidades dos actos suspendendos e sobre a bondade e oportunidade das escolhas do Governo relativas à privatização da A…………”, os Requerentes não tinham consubstanciado a defesa do seu interesse mais relevante e que mais protecção merecia – o da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras – em qualquer facto concreto que permitisse convencer que a alienação do capital da A………… a investidores privados conduziria à supressão do serviço público em causa ou à deterioração da sua qualidade.

O que vale por dizer que o Acórdão desvalorizou o alegado prejuízo que poderia advir da extinção da B………… – certamente convencido pela alegação da entidade demandada de que tal não iria acontecer e de que, ainda que acontecesse, não estava explicada porque razão isso causaria danos às Requerentes – e entendeu que o único interesse que poderia fazer pender a balança para o lado dos Requerentes era o da defesa da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações mas que a invocação desse interesse não estava escorada em factos concretos que pudessem fazer acreditar que a execução dos actos poderia, de forma séria e com alta probabilidade, fazê-lo perigar. Acrescentando que, em contrapartida, os factos invocados pelo Conselho de Ministros eram verosímeis e credibilizavam a ideia de que “os danos para o interesse público que resultariam da adopção da providência se mostra(va)m superiores ao que podem resultar da sua recusa para os interesses que os Requerente defendem na acção principal” e que em contrapartida os Requerentes não tinham alegado factos que os contrariassem.

Ora, este julgamento não pode ser sindicado.

10. Com efeito, a jurisprudência do Pleno e da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo vem decidindo, uniformemente, que a fixação dos danos ou prejuízos a que alude o art.º 120º, n.º 2, do CPTA e o juízo relativo à respectiva ponderação é matéria de facto, o que significa que é matéria que este Tribunal não pode questionar e, muito menos, alterar. – vd, por todos, Acórdãos de 29/06/2005, (rec. 0608/05), de 6/02/2007 (rec. 783/06) e de 6/03/2007 (rec. 359/06)
Com efeito, e como se escreveu no citado Acórdão de 29/06/2005 (rec. 608/05) “a formulação de um juízo comparativo – seja ele problemático, assertório ou apodíctico – sobre a magnitude relativa dos prejuízos que em concreto advenham da adopção ou do indeferimento de certa medida cautelar é uma nítida questão de facto. Pois, ao impor que o tribunal pondere ou sopese «danos» e «prejuízos» prováveis, o art. 132°, n.º 6.º do CPTA obriga à emissão de um juízo triplo, sempre sobre factos — dois juízos de prognose sobre as consequências concretas do resultado (ou de deferimento, ou de indeferimento) da providência, os quais funcionarão como premissas do juízo final em que, comparando-se essas consequências, se concluirá quais são os «danos» ou «prejuízos» inferiores e «superiores». Ora, este simples cotejo — que, repetimos, é sobre factos — faz-se à margem do núcleo das leis substantiva e de processo e, encarado em si próprio, é alheio às disposições legais que exijam certa espécie de prova para a existência dos factos ou que fixem a «vis demonstrativa» de determinados meios de prova (cfr. o art. 150º, ns.° 2 e 4, do CPTA e, ainda, o art. 722° do CPC).”

Ou seja, e dito de forma diferente, se se concluir que o Tribunal a quo decidiu, sem apelo a normas substantivas ou processuais e, por isso, que o seu julgamento se fundou tão só nos factos que julgou provados ter-se-á de concluir que a matéria versada no recurso é matéria de facto subtraída ao julgamento deste Pleno. E isto porque, como é sabido, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o Tribunal Pleno não interfere sobre o julgamento da matéria de facto – vd. art.ºs 150.º/4 do CPTA, 12.º/3 do ETAF e art. 674.º/1 e 3 do CPC.
Ora, é visível que o Acórdão recorrido ao formular um juízo comparativo sobre a magnitude relativa dos prejuízos que, em concreto, adviriam para o interesse público e para os interesses dos Recorrentes não fez apelo a leis substantivas e de processo, isto é, não apelou para a sensibilidade do jurista ou para a formação especializada do julgador pois apenas formulou um juízo de facto sobre a factualidade trazida aos autos. E isto porque se limitou a afirmar que os Recorrentes não tinham alegados factos susceptíveis de fazer crer que os actos suspendendos determinarão, necessariamente, a supressão do serviço público ou diminuirão a sua qualidade. Acrescentando que essa insuficiência alegatória era impeditiva do deferimento da sua pretensão e que, em contrapartida, os factos invocados pelo Conselho de Ministros eram verosímeis.
E, porque assim, é-nos vedada a sindicância do acerto destes juízos de facto.

11. Finalmente, ainda se dirá que não se vê que outra providência pudesse ser ainda adoptada (parte final do art.º 120.º/2 do CPTA) a qual, significativamente, nem sequer é sugerida pelos Recorrentes, razão pela qual não se pode acolher essa sua pretensão.

Termos em que, pelos fundamentos expostos, os Juízes que compõem este Tribunal acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar o Acórdão recorrido.
Sem custas (art.º 4.º/1/g) do Regulamento das Custas Processuais sem prejuízo do que se dispõe nos seus n.ºs 6 e 7, tanto neste Pleno como na Secção).

Lisboa, 13 de Novembro de 2014 – Alberto Acácio de Sá Costa Reis (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira, acompanhando a declaração de voto da Exma. Senhora Conselheira Fernanda Maçãs. – Vítor Manuel Gonçalves Gomes (com declaração anexa) – Jorge Artur Madeira dos SantosMaria Fernanda dos Santos Maçãs (com declaração de voto anexa) – António Bento São PedroCarlos Luís Medeiros de Carvalho (com declaração de voto conforme com a declaração do Consº Vítor Gomes) – Teresa Maria Sena Ferreira de SousaJosé Francisco Fonseca da PazJosé Augusto Araújo Veloso (com declaração de voto, subscrevendo a anexa pelo Cons.º Vítor Gomes).
Declaração de voto

Não acompanho o entendimento assumido no acórdão quanto à limitação dos poderes cognitivos do Tribunal na apreciação do requisito de concessão da tutela cautelar estabelecido pelo n.º 2 do art.º 120.º do CPTA. Muito sumariamente – e sem necessidade de explicitar outras divergências com a concepção que porventura lhe subjaz quanto à distinção entre “questão de facto” e “questão de direito” –, a tarefa de ponderação exigida no caso não é outra coisa senão a aplicação aos factos materiais da causa do regime jurídico imposto pelo n.º 2 do art.º 120.º do CPTA (e, sendo o caso, pelo n.º 3 do mesmo preceito que com a disposição anterior se conjuga no mesmo propósito de conformação jurídica da tutela cautelar segundo os ditames do princípio da proporcionalidade). É tarefa que é imposta ao tribunal de revista pelo n.º 3 e que não colide com o n.º 4, ambos do art.º 150.º do CPTA.
Efectivamente, os n.ºs 2 e 3 do art.º 120.º conformam juridicamente o regime de tutela cautelar, acrescentando uma cláusula legal de salvaguarda, de modo que se respeitem as máximas da adequação e da proibição do excesso, tornando a concessão e a modelação da tutela cautelar dependente da formulação de um juízo de valoração jurídica, fundado na comparação da situação do requerente com a dos interesses públicos e privados conflituantes em função dos danos que as alternativas decisórias (decretação ou não da providência e, eventualmente, a sua modelação) implicam para cada um deles. Não cabe ao Pleno intervir na aquisição da matéria de facto para esse efeito. Mas compete-lhe apreciar o eventual erro de direito na solução desse conflito de interesses com base nos factos fixados pela decisão recorrida. Trata-se de extrair consequências jurídicas de factos mediante um juízo que consiste em dar resposta à questão de saber qual dos interesses em conflito deve suportar o “custo” do tempo necessário para saber quem tem razão. É, a meu ver, a essência da tutela cautelar, especialmente em direito público. Exige-se um juízo de avaliação ou ponderação de factos, é certo, mas trata-se de uma avaliação que não resulta de uma mera determinação ou reelaboração histórico-empírica, mas de valorações da ordem jurídica (extraídas, v.gr., da base jurídica que suportam os interesses em conflito, do regime que regula o interesse específico prosseguido pela actuação administrativa, das normas atributivas de competência ou definidoras de atribuições, da fixação de tarefas fundamentais do Estado, da organização administrativa, etc.). É matéria que – talvez com mais delicada exigência do que qualquer outra na decisão cautelar – apela, para usar a expressão habitual da jurisprudência de que se diverge, à “sensibilidade do jurista” ou à “formação especializada do julgador”. Se a ponderação efectuada estiver errada, haverá violação do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.
Isto posto e revertendo ao caso, é exacto que, na parte em que apreciação da “verosimilhança argumentativa” das partes se traduziu em juízos de prognose de efeitos que o acórdão recorrido aceita ou rejeita, se está perante matéria insindicável. E na ponderação a que, na base dos efeitos da execução imediata do acto suspendendo que aceitou como verosímeis, se procedeu para efeitos do n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, acompanho o acórdão recorrido.

Vítor Manuel Gonçalves Gomes


Declaração de voto
Acompanho a decisão e o essencial da fundamentação, mas afigura-se que o Acórdão recorrido deveria ter indeferido o requerimento de suspensão, desde logo, porque, em minha opinião, não se encontra preenchido o requisito da alínea b) do nº 1 do art. 120º do CPTA relativo ao periculum in mora.
Senão vejamos.
Em sede cautelar caberia ao Requerente alegar e provar (pelo menos em termos indiciários e verosímeis), quais os prejuízos concretos, actuais e directamente decorrentes dos actos suspendendos, para sua esfera jurídica ou para os interesses que defende, que urge salvaguardar durante a tramitação da acção principal.
Se bem se percebe, estando em causa um concurso público, cujo objecto é a alienação do capital da A…………, SA., para o Requerente há fundado receio de que quando culmine o processo principal e sobre ele venha a ser proferida uma decisão definitiva, há muito possa estar concluído aquele procedimento, com o consequente culminar do processo de privatização. A ser assim, ainda que o Requerente viesse a obter ganho de causa no processo principal, este resultado não teria qualquer utilidade face à concretização da venda das acções do Estado a entidades privadas.
Em face do exposto, cumpre salientar, antes de mais, que o Requerente não se apresenta como concorrente ou candidato preterido ao concurso, nem imputa aos actos impugnados qualquer ilegalidade autónoma, por exemplo, derivada da eventual violação de normas ao abrigo das quais o concurso foi aberto, nem tão pouco vem invocada qualquer ilegalidade reportada ao desenrolar do próprio procedimento.
Como os eventuais prejuízos alegados não derivam de quaisquer consequências lesivas para uma eventual posição já alcançada no concurso ou para a expectativa de a poder vir a alcançar, o alegado periculum in mora não resulta, assim, da eventual impossibilidade/imprestabilidade da repetição do mesmo.
Análise cuidada dos argumentos acima mencionados a título de periculum in mora, verifica-se, na verdade, que o Requerente se limita a remeter para considerações abstractas contra a solução de reprivatização da A…………, SA., designadamente quando se refere à “inaceitável perda de capacidade de intervenção e decisão dos municípios”, ao “favorecimento económico de interesses particulares em prejuízo do interesse público e do conjunto dos cidadãos” e, ainda, que “(…) a alteração estatutária representará a transferência do controlo sobre a gestão do sector estratégico da gestão de resíduos (recolha, tratamento e valorização de resíduos) para interesses estranhos aos princípios do serviço público, na medida em que deixará de existir uma participação exclusiva ou maioritária de capitais públicos na Sociedade C…………, da qual a recorrente é accionista”.
O Requerente alega ainda, entre o mais, que a gestão do sector levada a cabo por privados implica a sua subordinação “a interesses estranhos aos princípios do serviço público”, que a entrega do sector a privados, que visam apenas o lucro, determinará “inevitáveis aumentos das tarifas com efeitos devastadores na fatura mensal das famílias que constituem as populações, cujos interesses o Requerente tem de defender”, bem como quanto à “diminuição da garantia da qualidade e manutenção de um serviço público essencial às populações utilizadoras”.
Na óptica do Requerente, por causa da alienação do capital da A…………, SA., a investidores privados, não só o serviço público em causa será suprimido ou passará a ser de inferior qualidade, como também as tarifas irão aumentar.
Assim sendo, não apenas as eventuais ilegalidades são imputadas ao quadro jurídico decorrente da decisão de reprivatização, como também o alegado prejuízo de difícil reparação que o Requerente pretende evitar não vem imputado directamente aos actos impugnados e objecto da providência cautelar, mas tão só como resultado da sua discordância quanto à opção política de reprivatização.
Dito por outras palavras, e em suma, os alegados prejuízos que o Requerente pretende evitar decorrem tão só da concretização/consolidação do processo de reprivatização da A…………, SA., opção politico legislativa constante o Decreto-Lei nº 45/2014, que não podem ser tidos em conta na presente providência cautelar.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014

Maria Fernanda dos Santos Maçãs