Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01048/08.2BELSB 0685/18
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:JOSÉ VELOSO
Descritores:DOCENTE
EQUIPARAÇÃO A BOLSEIRO
REPOSIÇÃO DE QUANTIAS
VENCIMENTO
Sumário:Concedida dispensa de serviço e equiparação a bolseiro a um docente, para efeitos de doutoramento, mediante celebração de contrato programa previsto no regulamento da respectiva instituição de ensino superior, o doutorado deve cumprir o tempo de serviço a que se obrigou perante a escola, sob pena de ter de repor os vencimentos «líquidos» que lhe foram pagos durante o período que lhe foi concedido para valorização.
Nº Convencional:JSTA000P26183
Nº do Documento:SA12020070201048/08
Data de Entrada:01/13/2020
Recorrente:A...
Recorrido 1:INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: I. Relatório
I. A………… interpõe recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] - de 19.06.2019 - que concedeu provimento à apelação do INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA [IPL], revogou o «acórdão anulatório» proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC] - de 31.03.2015 - e julgou improcedente a acção administrativa especial [AAE] que intentara contra este último.

Culmina assim as suas alegações:

[…]

As conclusões 1 a 10 referem-se à admissibilidade do recurso de revista.

11- Para além de estarem preenchidos os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista, deverá dizer-se que o acórdão recorrido incorreu em manifestos erros de julgamento, e em clara violação de lei substantiva e processual;

12- Ao julgar improcedente o vício de prescrição do direito de exigir a reposição de quantias abonadas há mais de cinco anos a contar da data em que foi ordenada a reposição, o aresto em recurso incorreu numa flagrante violação do nº1 do artigo 40º do DL nº155/92, uma vez que não só tal norma consagra uma regra especial em matéria de início do prazo de prescrição do direito de exigir a reposição, como seguramente a jurisprudência deste STA já deixou bem claro que o início do prazo de prescrição de cinco anos começa com o efectivo recebimento das quantias a repor e não apenas a partir do dia em que cessou o contrato [neste sentido, AC STA de 31.03.2016, Rº19/16];

13- O aresto em recurso também enferma de erro de julgamento e de notória violação de lei substantiva quando ao fundar o dever de reposição no artigo 1º do DL nº162/82, uma vez que não só tal norma fora tacitamente revogada pelos DL nº272/88 e DL nº282/89 – que aprovaram o estatuto de bolseiro no país e no estrangeiro e não impunham nem previam qualquer obrigação de permanência aos bolseiros -, como seguramente resulta do próprio DL nº162/82 que a obrigação de permanência era restrita aos docentes integrados na categoria e vinculados por tempo indeterminado, o que não sucedia com o autor que apenas tinha um contrato administrativo de provimento que era temporário e não permitia a integração nos quadros de pessoal nem na carreira;

14- Refira-se, aliás, que se o DL nº162/82 assegurava que durante o tempo de obrigação de permanência o docente mantinha todos os direitos inerentes à sua categoria, naturalmente que o autor só poderia estar vinculado a tal obrigação de permanência se, e na medida em que, estivesse no quadro de pessoal, e possuísse um vínculo de natureza permanente que lhe permitisse estar integrado na carreira e categoria, sob pena de, se assim não fosse, a lei lhe reconhecer um direito à manutenção do contrato que por força dessa mesma lei já não poderia ser renovado - como sucedia com os «contratos a termo» e com os «contratos administrativos de provimento», que só poderiam manter-se em certas condições - e de lhe estar a assegurar direitos inerentes a uma categoria que o docente contratado não tinha nem podia ter;

15- Ainda que por mera hipótese, o DL nº162/82 não tivesse sido revogado e fosse aplicável mesmo a quem detinha um vínculo precário, sempre o aresto em recurso teria incorrido em erro de julgamento e violação da própria CRP, uma vez que a interpretação por ele efectuada ao artigo 1º do DL 162/82 é não só errada como desproporcional, impondo uma restrição aos direitos, liberdades e garantias consagrados no artigo 47º e 53º da CRP totalmente desconforme às exigências de proporcionalidade a que por força do artigo 18º da CRP devem obedecer todas as leis restritivas;

16- Na verdade é completamente desproporcional que se interprete tal norma no sentido de obrigar um docente a manter-se ao serviço ou a ter de indemnizar [caso não o faça] uma entidade empregadora que nem manifestou a vontade de que ele permanecesse ao seu serviço nem lhe assegurou nenhuma das regalias próprias da categoria de docente, antes tendo sucessivamente recusado provê-lo na categoria e conceder-lhe um vínculo dotado de estabilidade [neste sentido aponta a factologia dada por provada pelo tribunal a quo];

17- Refira-se, aliás, que para além de se estar a impor uma restrição totalmente desproporcional a direito fundamental, constitui um verdadeiro abuso de direito que uma entidade empregadora pública pretenda ser indemnizada em mais de 100.000€ por um seu docente ter ido trabalhar para outra entidade pública por tempo indeterminado quando essa mesma entidade empregadora pública nunca manifestou a intenção que o docente permanecesse ao seu serviço e sempre recusou assegurar-lhe um vínculo de natureza permanente que o integrasse na carreira e categoria;

18- Se a isto se acrescentar que o docente em causa se manteve a trabalhar no seio da Administração Pública e que apenas mudou para uma entidade empregadora pública que lhe assegurou a integração numa carreira e um vínculo de natureza permanente, mais notória se torna a desproporcionalidade da interpretação efectuada pelo tribunal «a quo», sobretudo quando a própria lei assegura o princípio da continuidade das funções públicas e assegura a todos os trabalhadores públicos a manutenção de regalias quando mudam de entidade empregadora pública [neste sentido, o artigo 11º da actual LTFP, aprovado pela Lei 35/2014, e Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Coimbra Editora, páginas 129 e seguintes];

19- O aresto em recurso incorreu em violação do artigo 40º do DL nº155/92 quer no segmento em que legitima a reposição de quantias ilíquidas quando aquela norma apenas permite reposição de quantias líquidas - sob pena de o administrado estar a suportar impostos e demais encargos por ter recebido uma quantia que depois teve de devolver - quer no segmento em que permite que uma entidade pública ordene a reposição de quantias por ela não pagas, legitimando dessa forma um verdadeiro locupletamento à custa alheia - e está provado que a entidade demandada apenas pagou 25% dos vencimentos e que exigiu a reposição de 100% dos vencimentos auferidos pelo autor [ver 7 e 16 do provado].

Termina pedindo a admissão da revista e o respectivo provimento, com a consequente revogação do acórdão recorrido.

2. O recorrido IPL contra-alegou e formulou as seguintes conclusões:

[…]

As conclusões 1 a 8 referem-se à admissibilidade do recurso de revista.

9- Sem conceder, quanto à alegação do recorrente relativa ao início da contagem do prazo de prescrição, há que dizer que o douto acórdão invocado para sustentar essa sua tese [o recebimento] reporta-se a um caso substancialmente diferente;

10- Contudo, não poderá deixar de se referir que desse mesmo acórdão decorre o entendimento de que a contagem do prazo de prescrição decorrente do artigo 40º do RAFE deve ter em conta o artigo 306º, nº1, do CC;

11- Assim, conjugados estes preceitos legais, tudo concorre para que se conclua que enquanto o recorrido não pudesse exercer o direito de exigir a reposição das verbas [o que só passou a poder fazer após o incumprimento do recorrente], não podia iniciar-se a contagem do prazo de prescrição;

12- Por sua vez, contrariamente ao alegado pelo recorrente, importa dizer que é aplicável ao caso o artigo 1º, nº1, do DL 162/82, de 08.05, sendo deste modo irrelevante que a reposição de quantias não estivesse prevista no contrato programa de formação celebrado, tendo sido esta também a opinião do acórdão ora recorrido, o qual se socorreu de outra jurisprudência nesse mesmo sentido;

13- Nesta esteira, esclareça-se que o DL nº162/82 de 08.05, e o DL nº178/83 de 04.05, são aplicáveis ao caso, pois o diploma refere «pessoal docente», sem distinguir equiparados de não equiparados;

14- Além do mais, atento o preâmbulo do DL nº162/82, de 08.05, conclui-se que a ratio legis do referido diploma justifica-se - até de forma mais premente - em relação aos docentes equiparados, dado o seu vínculo precário;

15- Por conseguinte, e quanto à alegada inconstitucionalidade da norma [ou da sua interpretação], do artigo 1º, nº1, do DL nº162/82, de 08.05, por violação dos artigos 47º e 53º da CRP, bem como do princípio da proporcionalidade - decorrente do artigo 18º da CRP - não se pode deixar de relembrar ao recorrente que os direitos constitucionalmente consagrados admitem compressões, nos termos enunciados no nº2 do artigo 18º da CRP;

16- E a compressão prevista no DL nº162/82, e DL nº178/83, é efectivamente proporcional, necessária e adequada, na medida em que o tempo de permanência exigido é o mesmo tempo concedido de dispensa para formação e só assim se evita que o Estabelecimento de Ensino não invista na formação do docente em vão, dando garantias sólidas de retorno do investimento;

17- Além de que, tal como foi entendimento do acórdão recorrido, «… a determinação do pagamento de uma indemnização pelo incumprimento, não afecta o seu direito de exercer a profissão que vinha exercendo mas que não pretendia continuar a exercer por conta do recorrido IPL…»;

18- Razão pela qual, não deve considerar-se que existiu violação dos direitos consagrados nos artigos 47º e 53º da CRP;

19- Por fim, quanto ao alegado locupletamento à custa alheia, refere-se que o pedido de indemnização do recorrido não padece de qualquer ilegalidade, não tendo incorrido em qualquer abuso de direito ao que acresce que, com o mesmo, não visou um locupletamento á custa alheia;

20- E como resulta dos autos, durante o período em que o recorrente esteve a fazer o doutoramento - ao abrigo do Contrato Programa para Formação Avançada - o recorrido procedeu ao pagamento do vencimento do recorrente, ainda que na proporção de 25%, e em razão da sua dispensa de serviço docente, o IPL teve que contratar um docente ainda que de categoria de assistente para o substituir, cujos vencimentos, diga-se, de valor equivalente aos auferidos pelo recorrente e que foram suportados integralmente pelo IPL;

21- Pelo que a indemnização é justa em face do efectivo prejuízo sofrido pelo recorrido, decorrente da violação, pelo recorrente, do contrato firmado.

Termina pedindo a não admissão da revista, e, de todo o modo, o seu não provimento, mantendo-se na ordem jurídica o acórdão recorrido.

3. O recurso de revista foi admitido por este STA - «Formação» a que alude o artigo 150º, nº6, do CPTA.

4. O Ministério Público pronunciou-se no sentido do provimento parcial da revista, isto é, apenas do julgamento de procedência da questão relativa ao valor da indemnização, que entende dever corresponder às quantias líquidas recebidas pelo recorrente - artigo 146º, nº1, do CPTA.

II. De Facto

São estes os factos provados que nos vêem das instâncias:

1- O autor é docente do ensino superior, sendo doutorado em Engenharia Civil - acordo;

2- Em 1996 começou a leccionar na Escola Superior de Tecnologia e Gestão do IPL como professor-adjunto equiparado fora do quadro - acordo;

3- O autor, em 2000, manifestou várias vezes o seu desagrado relativamente à precariedade do seu vínculo - o de professor-adjunto equiparado fora do quadro - resposta aos quesitos;

4- O autor conhecia a existência de uma vaga de professor coordenador afecta ao Departamento de Engenharia Civil, em 2000, tal como em Setembro de 2004 e de que em muitos casos, tais vagas foram ocupadas pelos professores da entidade demandada que se doutoraram em primeiro lugar - resposta aos quesitos;

5- Face às práticas anteriores da entidade demandada em matéria de preenchimento de vagas da categoria de professor coordenador, o autor decidiu permanecer na mesma para o ano lectivo de 2001/2002 e inicia em Outubro o seu doutoramento - resposta aos quesitos;

6- Tendo, para o efeito, sido dispensado de serviço docente como equiparado a bolseiro pelo período total de três anos, com início em 21.09.2001, mediante a celebração de um contrato programa para formação avançada com o IPL - documento nº2 e acordo;

7- O doutoramento do autor foi financiado pelo PRODEP, o qual suportou 75% dos seus vencimentos, competindo à Escola Superior de Tecnologia de Leiria financiar os restantes 25% - acordo;

8- Durante o período em que o autor esteve de licença a Escola Superior de Tecnologia e Gestão contratou um docente com a categoria de assistente para o substituir - acordo;

9- Em Setembro de 2004, quando estavam decorridos 35 dos 36 meses de dispensa de serviço, o autor foi obrigado a regressar ao serviço na Escola - resposta aos quesitos;

10- Em 11.04.2005, o autor concluiu o seu doutoramento em Engenharia Civil - acordo;

11- Em virtude de ter concluído o doutoramento e de permanecer fora do quadro e numa situação precária desde 1996, o autor solicitou a abertura do concurso para professor coordenador da sua área - resposta aos quesitos;

12- O autor foi informado de que não iria ser aberto, de imediato, concurso para preenchimento do lugar vago da categoria de professor coordenador - resposta aos quesitos;

13- Em 2005, após ter concluído o doutoramento, o autor foi informado de que se deixasse de leccionar na entidade ré poder-lhe-ia ser exigida a devolução dos vencimentos recebidos durante os três anos de dispensa de serviço integral para doutoramento - resposta aos quesitos;

14- O autor concorreu a um concurso para professor da Universidade Técnica de Lisboa, tendo vencido esse concurso e sido provido como professor auxiliar - folhas 101 e seguintes dos autos em suporte de papel;

15- Tendo rescindido o contrato administrativo de provimento que o ligava à Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Leiria com efeitos a partir de 20.09.2005 - documento nº3 junto à petição inicial e acordo;

16- Por despacho exarado a 18.02.2008, o Presidente do IPL ordenou a reposição por parte do autor da quantia de 117.800,87€, correspondente a vencimentos, subsídios de refeição, férias e Natal processados ao autor entre Setembro de 2001 e Agosto de 2004 - documento nº1 e acordo.

Não foi provado o seguinte:

1- O autor logo reafirmou que já em 2001 tinha informado de que não pretendia continuar na instituição na situação precária de equiparado, pelo que se não houvesse a abertura de uma vaga para o quadro teria que concorrer a outras instituições - resposta aos quesitos;

2- O réu tenha manifestado ao autor que pretendia manter qualquer vínculo contratual.

III. De Direito

1. Na AAE, o autor impugnou o despacho de 18.02.2008 do Presidente do IPL [ponto 16 do provado], que lhe determinou a reposição da quantia de 117.800,87€ correspondente a vencimentos e subsídios - refeição, férias e Natal - que lhe haviam sido processados entre os meses de Setembro de 2001 e Agosto de 2004 - período em que esteve a fazer o «doutoramento» como equiparado a bolseiro, mediante celebração de «contrato programa de formação avançada», e fora dispensado da prestação de serviço docente na Escola Superior de Tecnologia e Gestão desse IPL.

A 1ª instância, por acórdão de 31.03.2015, julgou improcedente o vício de usurpação de poder que havia sido imputado ao despacho impugnado, mas procedente a violação dos princípios da justiça e da boa-fé e, considerando prejudicado o conhecimento dos demais vícios arguidos, anulou esse despacho.

Desta decisão o IPL interpôs recurso de apelação sobre a questão da violação dos ditos princípios, e o autor interpôs recurso subordinado relativo à decisão de improcedência do vício de usurpação de poder.

O acórdão recorrido, entendendo que não se verificava qualquer dos vícios apreciados no acórdão da 1ª instância, passou a conhecer em substituição [artigo 665º, nº2, do CPC, e 149º do CPTA] outros vícios arguidos pelo autor, e, considerando que estes improcediam, concedeu provimento ao recurso independente, revogou o acórdão recorrido e julgou a acção improcedente.

É deste acórdão que o autor da AAE interpõe a presente «revista», pois entende que o mesmo padece de erro de julgamento de direito. Defende que o tribunal de apelação errou ao julgar improcedente a questão da «prescrição do direito de exigir a reposição das quantias abonadas» [conclusão 12]; errou quanto ao «fundamento legal» encontrado para fundar o dever de reposição [conclusões 13-14]; errou e violou a CRP na interpretação e aplicação que fez do artigo 1º do DL 162/82, de 08.05, e ao não entender a referida reposição como abuso de direito [conclusões 15-18]; e errou, ainda, ao não entender que a reposição, nos termos em que foi ordenada, traduzia um «enriquecimento sem causa» [conclusão 19].

2. Antes de mais, visitemos o «quadro jurídico» em que se move a situação factual que subjaz ao presente litígio.

Por deliberação de 18.09.2000, do Conselho Geral do IPL, foi aprovado o «Regulamento nº23/2000» [publicado no DR, II série de 06.10.2000] para concessão a docentes de dispensa e ou equiparação a bolseiro para efeitos de formação avançada.

Dessa regulamentação resulta, além do mais, que «a dispensa de serviço e ou equiparação a bolseiro fica necessariamente condicionada à aceitação por parte do requerente de um contrato-programa para formação avançada a celebrar entre o docente e o IPL» e que desse contrato devem constar, nomeadamente: «- a) O prazo de dispensa e, ou, equiparação a bolseiro concedido; - b) O grau que o docente se propõe obter e respectiva área científica; - c) O compromisso do docente de indemnizar a instituição se decorrido o prazo previsto não tiver obtido o grau, salvo se tal se dever a motivo que não lhe seja imputável; - d) O compromisso do docente de solicitar a cessação da dispensa e ou equiparação logo que seja previsível que não conseguirá obter o grau dentro do prazo previsto; - e) O compromisso do docente de manter o vínculo com a instituição, uma vez obtido o grau, por tempo não inferior ao da dispensa e, ou, equiparação que lhe for concedida; - f) A indemnização a que se refere a alínea c) do presente artigo será de montante igual ao montante pago ao docente que o substituiu, mas nunca inferior ao valor que ao IPL venha a ser exigido pelas instituições que eventualmente hajam concedido bolsas de estudo ao docente dispensado e ou equiparado» [ver pontos 2º e 3º do Regulamento nº23/2000].

Em 09.11.2001, foi celebrado entre o IPL [1º outorgante] e o ora recorrente [2º outorgante], o contrato programa para formação avançada referido no ponto 6 do provado, contrato esse que foi celebrado ao abrigo do referido Regulamento nº23/2000.

Através dele, era concedida pelo primeiro outorgante ao segundo outorgante «dispensa e/ou equiparação a bolseiro destinada a permitir-lhe as condições necessárias para o desenvolvimento de trabalhos de doutoramento» [ver cláusula 2ª], comprometendo-se, este, a «dedicar-se, em regime de exclusividade, ao desenvolvimento dos trabalhos de doutoramento na área de Aplicação de Benchmarking na Gestão de Sistemas de Abastecimento de Água e Drenagem de Águas Residuais [cláusula 3ª] e, ainda, obrigando-se «a manter o vínculo com o 1º outorgante se este o pretender, uma vez obtido o grau, por tempo não inferior a uma vez o da dispensa e/ou equiparação a bolseiro que lhe foi concedida» [cláusula 5ª].

Clausula-se também, no contrato programa, que «Se o segundo outorgante não tiver cumprido com o referido na cláusula 3ª, por motivo que lhe seja imputável, obriga-se a indemnizar o primeiro outorgante em montante igual ao que lhe foi pago em vencimentos durante o período em que esteve ausente» [cláusula 6ª nº1], e que, «no omisso», o contrato se rege «pelas normas constantes do Regulamento para Concessão a Docentes de Dispensa e/ou Equiparação a Bolseiro para Efeitos de Formação Avançada, aprovado pelo Conselho Geral do Instituto» [cláusula 13ª].

Ao tempo em que este contrato programa foi celebrado encontravam-se em vigor, sobre o objecto jurídico da revista - e com manifesto interesse para a sua análise - os seguintes diplomas legais: - DL nº162/82, de 08.05; - DL nº178/83, de 04.05; - DL nº272/88, de 03.08; - DL nº282/89, de 23.08; - e DL nº155/92, de 28.07.

O DL nº162/82, de 08.05, segundo estipula no nº1 do seu artigo 1º, obriga o pessoal docente das universidades e institutos universitários que tenham efectuado estudos de pós-graduação e estágios na situação de bolseiro «a prestar à instituição universitária a que pertencia no momento em que se deslocou tempo de serviço igual ao período durante o qual permaneceu fora» da instituição universitária, «sob pena de ter de repor todas as verbas despendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente».

O DL nº178/83, de 04.05, diz, em artigo único, que o disposto no DL nº162/82, de 08.05, se aplica ao pessoal docente ou bolseiro das instituições de ensino superior não universitário.

O DL nº272/88, de 03.08, disciplina o regime de equiparação a bolseiro no País dos funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público que se proponham realizar programas de trabalho/estudo, bem como frequentar cursos/estágios de reconhecido interesse público, tudo em ordem a uma valorização dos recursos humanos.

Assim, diz no seu artigo 1º, nº1, que «Aos funcionários e agentes do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público poderá ser concedida a equiparação a bolseiro no País, quando se proponham realizar programas de trabalho e estudo, bem como frequentar cursos e estágios de reconhecido interesse público», e que a equiparação a bolseiro «se caracteriza pela dispensa temporária, total ou parcial, do exercício das funções, sem prejuízo das regalias inerentes ao efectivo desempenho, designadamente o abono da respectiva remuneração e contagem de tempo de serviço para todos os efeitos legais» [artigo 2º nº1]. Nada diz sobre obrigações e eventual responsabilização do bolseiro.

O DL nº282/89, de 23.08, estende o regime de equiparação a bolseiro, que é previsto no diploma anterior [DL nº272/88, de 03.08], às situações de equiparação a bolseiro fora do País.

O DL nº155/92, de 28.07, estabelece o regime da administração financeira do Estado, e estipula, além do mais, o seguinte:

Artigo 35º, sobre «Restituições», diz que «1- Devem ser restituídas as importâncias de quaisquer receitas que tenham dado entrada nos cofres do Estado sem direito a essa arrecadação. […]. 3- O direito à restituição a que se refere o presente artigo prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que deram entrada nos cofres do Estado as quantias a restituir, salvo se for legalmente aplicável outro prazo mais curto. 4- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição».

Artigo 36º, sobre «Formas de reposição», diz que «1- A reposição de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado pode efectivar-se por compensação, por dedução não abatida ou por pagamento através de guia. 2- As quantias recebidas pelos funcionários ou agentes da Administração Pública que devam reentrar nos cofres do Estado serão compensadas, sempre que possível, no abono seguinte de idêntica natureza.

Artigo 40º, sobre «Prescrição», estipula que «1- A obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento. 2- O decurso do prazo a que se refere o número anterior interrompe-se ou suspende-se por acção das causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição».

Passemos à apreciação dos «erros de julgamento de direito» imputados ao acórdão do tribunal de apelação [TCAS].

3. Relativamente à invocada «prescrição» do direito de exigir a reposição das quantias que foram abonadas ao recorrente durante o período de tempo em que esteve, como equiparado a bolseiro, a fazer o doutoramento, mediante contrato programa de formação avançada, diz-se o seguinte no acórdão recorrido:

[…]

«Sobre a violação do artigo 40º do DL nº155/92, de 28.07, ou seja, a prescrição relativa às verbas cuja reposição é pedida, e cujo prazo é de cinco anos, também não se verifica, pelas razões expostas pelo recorrido, pois o termo a quo dos cinco anos é o da data do facto que deu origem ao dever de reposição, concretamente, a data em que o autor denunciou o contrato de docente com o réu, e que aconteceu em 20.09.2005.

Assim, porque a ordem de reposição de quantias foi dada em 18.02.2008, desde a data da denúncia até à ordem de reposição passaram 2 anos 4 meses e 28 dias.

Destarte, como não foi excedido o prazo de cinco anos, não se verifica a alegada violação do artigo 40º do DL nº155/92, de 28.07»

[…]

Deste texto, e das razões expostas pelo IPL - para as quais o mesmo remete - conclui-se que o prazo de prescrição em causa é efectivamente o prazo de cinco anos - previsto no artigo 40º, nº1, do DL nº155/92, de 28.06 - mas que, no caso, esse prazo se começa a contar não da data do recebimento das quantias, mas sim da data da denúncia do contrato de docência pelo ora recorrente.

E este julgamento está correcto.

Na verdade, da consulta da lei constata-se, em primeiro lugar, que a «restituição» ou a «reposição» de dinheiros públicos de que trata o DL 155/92, quer seja aos particulares pelos cofres do Estado [artigo 35º] quer seja feita por estes para aqueles [artigo 36º], supõe, sempre, um pagamento indevido, ou seja, deram entrada nos cofres sem direito a essa arrecadação, ou foram entregues sem direito ao seu recebimento. Justifica-se pois, até em face do regime geral da prescrição [artigo 306º do CC], que a «obrigatoriedade da sua reposição» prescreva cinco anos após o respectivo recebimento [artigo 40º, nº1, do DL 155/92]. É que, se tal recebimento foi indevido desde o início, também desde o início a reposição poderia ser exigida, impondo-se à Administração Pública a devida e atempada atenção a essa situação, para não deixar prescrever o direito à reposição - «dormientibus non sucurrit jus».

A presença complementar do regime geral da prescrição está bem patente no diploma em causa [DL 155/92], como resulta evidente pela remissão que nele é feita para as causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição [artigos 35º nº4, e 40º nº2]. E no sentido da sua aplicação no caso de ocorrer uma impossibilidade absoluta de exercício do direito já se pronunciou este STA [AC STA de 31.03.2016, Rº019/16]. Nele se sumaria que o artigo 40º, nº1, do DL nº155/92, «define o dies a quo do prazo prescricional de cinco anos especialmente previsto na norma», mas que essa definição «cederá caso ocorra uma impossibilidade absoluta de exercício do direito [artigo 306º, nº1, do CC]».

Acontece que, no presente caso, o recebimento dos vencimentos e dos subsídios pelo ora recorrente foi devido, porque foi feito ao abrigo do regime da sua equiparação a bolseiro, e só se tornou indevido a partir da data em que ele - já doutorado - denunciou o contrato administrativo de provimento que o ligava à Escola de Tecnologia e Gestão do IPL, isto é, a partir de 20.09.2005 [ver pontos 10, 13 e 15 do provado], porque não cumpriu a obrigação contratual, assumida, e constante da cláusula 5ª do contrato programa.

Não resta dúvida, pois, que só a partir de então é que o direito à reposição poderia ser exercido por parte do IPL, iniciando-se, assim, a contagem do prazo de prescrição de cinco anos [artigo 306º, nº1, do CC]. Embora a aplicação do artigo 40º, nº1, do DL 155/92, ao presente caso, não possa ser feita «ao pé da letra» no que respeita ao termo inicial da sua contagem, o certo é que a «ratio» que impõe uma tal aplicação encontra a sua justificação precisamente na consagração desse mesmo termo inicial.

E, deste modo, contado o prazo de prescrição a partir de 20.09.2005, em 18.02.2008, data em que foi ordenada a reposição [ponto 16 do provado], ainda não tinha decorrido.

Deverá manter-se, portanto, o julgamento feito no acórdão recorrido sobre a questão da «prescrição» do direito exercido pelo IPL.

4. No que concerne ao fundamento legal do dever de reposição das quantias em causa o acórdão recorrido entendeu que apesar de no contrato programa [6 do provado] não estar expressamente prevista a «obrigação de indemnizar» por violação da sua cláusula 5ª, o certo é que à situação jurídica gerada por esse contrato também é aplicável o disposto no DL nº162/82, de 08.05 - por força do DL nº178/83, de 04.05.

O ora recorrente discorda, pois entende que este DL 162/82 foi tacitamente revogado pelo DL nº272/88, de 03.08, e DL nº282/89, de 23.08, que aprovaram o estatuto de bolseiro no país e fora dele e não impõem qualquer obrigação de permanência.

Além disso, acrescenta, mesmo a entender-se que tal revogação não ocorreu, verdade é que a obrigação de permanência só será aplicável aos docentes de carreira e não aos docentes equiparados, como o autor, que tinha contrato administrativo de provimento temporário.

Mas não lhe assiste razão.

A revogação tácita de uma lei decorre ou da incompatibilidade das novas normas com as normas precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior - artigo 7º, nº2, do CC.

E, no caso dos diplomas invocados, nada disto acontece. A circunstância dos decretos-lei nº272/88 e nº282/89 não se referirem à obrigação que é prevista no artigo 1º, nº1, do DL nº162/82, com a respectiva sanção indemnizatória, não implica qualquer tipo de incompatibilidade das novas normas com esta normação. Para que tal incompatibilidade se verificasse seria necessário que das novas normas resultasse juridicamente ilógica, ou incongruente, a imposição dessa obrigação e sanção indemnizatória. Ora, ao não as contemplar, e ao não conter qualquer norma hostil à sua previsão na lei anterior, a dita incompatibilidade não existe.

Por seu turno, não poderemos concluir que o regime jurídico dos decretos-lei nº172/88 e 282/89 tenha por finalidade «esgotar» o tema, ou seja, tenha por finalidade «regular toda a matéria» contemplada no DL nº162/82 e DL nº178/83.

É que enquanto estes dois últimos prevêem, especificamente, a situação de bolseiro do pessoal docente das instituições de ensino superior universitário e não universitário, os dois primeiros disciplinam o regime geral de equiparação a bolseiro - dentro e fora do País - dos funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público. E isto significa que aquele regime especial, anterior, não é revogado por este regime geral, posterior, a não ser que essa fosse a intenção inequívoca do legislador - artigo 7º, nº3, do CC.

Ora, a verdade é que nada no texto das normas dos dois diplomas posteriores permite concluir, muito menos de forma inequívoca, que foi intenção do legislador «revogar» o anteriormente legislado para aquele universo pessoal específico. Mas mais ainda, é que o investimento - no fundo é disso que se trata - que é feito pela instituição de ensino superior na valorização do seu docente numa área específica - de interesse para a Escola - justifica que se imponha a este, uma vez valorizado, a obrigação prevista no referido artigo 1º, nº1, do DL nº162/82 [e DL nº178/83].

Não ocorreu, por conseguinte, a revogação tácita advogada pelo recorrente.

Refira-se, também, que nada impõe, ou permite, a distinção que faz o recorrente entre «docentes de carreira e docentes equiparados», de modo a ser aplicável a obrigação e o sancionamento em causa - artigo 1º, nº1, do DL nº162/82 - apenas aos primeiros, e não aos segundos. O que resultaria na sua não aplicação ao autor, que estava ligado ao IPL por contrato administrativo de provimento temporário.

A análise da lei - DL nº162/82 e Dl nº178/83 - não legitima uma tal distinção, e não se deverá fazer distinções onde o legislador as não faz. Ambos os diplomas em causa se referem a pessoal docente, sem distinção, sendo verdade, até, que ao exigir que esse pessoal, depois de preparado, dê uma colaboração à sua instituição durante um tempo mínimo, isso mesmo se adapta melhor a pessoal docente não integrado no respectivo quadro, do que ao pessoal com vínculo seguro e permanente à respectiva instituição de ensino superior.

Não há razões que justifiquem, portanto, mais este erro de julgamento de direito que o recorrente aponta ao acórdão recorrido.

5. Mais alega o recorrente que o acórdão recorrido errou e violou a Lei Fundamental na interpretação e aplicação que fez do «artigo 1º do DL nº162/82, de 08.05», e ao não entender que a exigida «reposição» traduzia abuso de direito.

A seu ver, a reposição exigida traduz-se numa compressão desproporcional dos direitos consagrados nos artigos 47º e 53º da CRP - violadora do artigo 18º da CRP - bem como num abuso de direito, pois significa obrigar o docente autor a manter-se ao serviço ou a ter de indemnizar uma instituição que não manifestou vontade de o preservar.

Como se sabe, os artigos 47º e 53º da CRP integram, respectivamente, os capítulos dos direitos, liberdades e garantias pessoais e direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.

O primeiro, sob a epígrafe de «Liberdade de escolha da profissão e acesso à função pública» estipula que «1. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade. 2. Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».

E o segundo deles, sob a epígrafe de «Segurança no emprego» prescreve que «É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos».

O artigo 18º da CRP, sobre a força jurídica dos direitos, liberdades e garantias, diz que os respectivos preceitos são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, a lei só os poderá restringir nos casos expressamente previstos na CRP, devendo essas «restrições» limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, e tais normas restritivas têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

A argumentação do recorrente assenta, desde logo, num pressuposto falso, o de que a instituição de ensino superior em causa «não manifestou vontade» de o manter ao seu serviço.

A verdade é que se ponderarmos o conteúdo da cláusula 5ª do contrato programa [ver ponto 2 supra] e os pertinentes factos provados [pontos 8, 9, e 11 a 13 do provado], não poderemos concluir nesse sentido. Segundo essa cláusula 5ª o docente, uma vez obtido o grau, é «obrigado» a manter o vínculo com o IPL por tempo não inferior àquele em que esteve na situação de bolseiro, se a instituição empregadora o pretender. Ora, uma vez que do provado resulta que ele foi obrigado a regressar ao serviço um mês antes de concluir os 36 meses de dispensa do mesmo [9 do provado], e após ter concluído o doutoramento foi informado de que se deixasse de leccionar na instituição lhe poderia ser exigida a devolução dos vencimentos recebidos durante os 3 anos de dispensa de serviço para doutoramento [ponto 13 do provado], não estamos legitimados a concluir que o IPL «não manifestou vontade de o manter ao seu serviço».

Nem se poderá retirar essa ilação do facto de o IPL, face à «solicitação de abertura de concurso para professor coordenador» feita pelo ora recorrente, o ter informado de que tal concurso não seria aberto «de imediato» [ponto 12 do provado]. Esta informação, de modo algum significa desinteresse na manutenção dos serviços do docente, apenas significa isso mesmo, que o concurso não será aberto de imediato, mas sê-lo-á a seu tempo.

A conclusão factual legítima, que podemos extrair do provado, é a de que o IPL queria manter o «contrato de provimento temporário» com o docente, agora doutorado, até abrir o concurso para a vaga de professor coordenador, e, porque ele «rescindiu» esse contrato antes de cumprir a obrigação imposta pela referida cláusula 5ª, exigiu-lhe a «reposição» em causa.

Ora, esta «reposição» de quantias pagas a título de vencimentos, durante o período da dispensa de serviço para valorização interessada, não desrespeita os citados artigos 47º e 53º da CRP, nem se traduz na sua restrição inconstitucional ou em abuso de direito - fundamentalmente, também, neste mesmo sentido, ver AC STA de 01.02.2017, Rº877/16.

Não foi, claramente, posto em causa o direito do docente escolher «livremente» a sua profissão ou género de trabalho. Tanto assim que ele, usando da sua liberdade, optou por ir leccionar para outra instituição de ensino superior [14 do provado]. Nem foi posta em causa a sua «segurança» no emprego. Ele apenas não quis esperar pelo concurso para professor coordenador na situação precária em que já se encontrava ligado ao IPL. E a reposição derivada do incumprimento da obrigação da cláusula 5ª do contrato programa encontra justificação empírica e jurídica, e não destoa em termos de proporcionalidade.

E, porque «não foi posto em causa» nem o direito à escolha de profissão nem a segurança no emprego, obviamente que não tem sentido jurídico falar da sua restrição. Só se podia aventar a hipótese da restrição desses direitos se o caso do docente «coubesse no seu âmbito de protecção».

Para terminar este ponto de análise, recordemos que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito» [artigo 334º do CC].

Embora sem apontar factos, ou «razões factuais» que o possam justificar, o recorrente alega que ao exigir-lhe a «reposição» o IPL o faz de forma ilegítima. Mas, repetimos, não o justifica, alicerçando a qualificação jurídica do exercício do direito à reposição em quaisquer dos excessos previstos na lei. Resta-nos, assim, constatar um exercício, por parte do IPL, de um direito que a lei lhe permite exercer, e que o fez sem qualquer tipo de excesso em termos de boa-fé e de bons costumes.

Deve ser julgado improcedente, destarte, mais este erro de julgamento de direito que o recorrente aponta ao acórdão recorrido.

6. Finalmente, alega o recorrente que o acórdão recorrido errou ao não entender que a reposição, nos termos em que foi ordenada, se traduz em enriquecimento sem causa.

Este instituto, do enriquecimento sem causa, está previsto no Código Civil como uma das «fontes das obrigações» e, segundo ele, «Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou».

A lógica do recorrente é a de que ao exigir-lhe a reposição dos pagamentos ilíquidos de vencimentos e subsídios durante o período em que esteve na situação de bolseiro, com dispensa de serviço, o IPL irá locupletar-se à sua custa, pois receberá quantia relativa a descontos legais, a título de impostos e de contribuições para a segurança social que já lhe foram feitos oportunamente. E o mesmo acontece ao exigir-lhe a totalidade do que recebeu e não apenas os 25% a cargo da instituição [ponto 7 do provado].

Neste aspecto assiste parcial razão ao ora recorrente.

Efectivamente, a «reposição» que o IPL pode exigir ao docente - ora recorrente - ao abrigo do regime jurídico aqui em referência deverá limitar-se às quantias que por ele foram efectivamente recebidas, e que são «quantias líquidas» de impostos e de contribuições que já foram pagas. Ao exigir do recorrente estas quantias, que ele não recebeu, mas antes foram descontadas, «à cabeça», a título de imposições públicas, o IPL estaria, de facto, a exigir-lhe uma reposição sem causa justificativa.

Não assim, no tocante à percentagem do pagamento a cargo do IPL, pois o docente é obrigado a repor «todas as verbas despendidas e os vencimentos correspondentes ao período em que esteve ausente» - artigo 1º, nº1, do DL 162/82, de 08.05, ex vi DL 178/83, de 04.05 - não fazendo a lei qualquer distinção acerca da fonte do pagamento.

Deverá, pois, ser julgado procedente este erro de julgamento de direito apontado ao acórdão recorrido, apenas no tocante à exigência de reposição de «quantias ilíquidas», concedendo-se, neste aspecto, parcial provimento à revista.

E isto significa que, em termos de acção administrativa, subsistirá a anulação do acto impugnado - decretada pela 1ª instância - mas apenas com esse único fundamento.

IV. Decisão

Nos termos do exposto, concedemos parcial provimento à «revista», e revogamos o acórdão recorrido só na parte em que mantém a condenação em quantia ilíquida.

Custas pelo recorrente e pelo recorrido, sendo a cargo deste apenas 1/5 das devidas.

Lisboa, 2 de Julho de 2020. – José Veloso (relator) – Ana Paula Portela – Cláudio Ramos Monteiro.