Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/18.0BEPRT-S1
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24241
Nº do Documento:SA220190220050/18
Data de Entrada:11/15/2018
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A..., B...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. O Ministério Público vem recorrer para este Supremo Tribunal do despacho proferido pelo juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, «que não ordenou a apensação de outras coimas fiscais que o mesmo arguido tem pendentes neste TAF, invocando-se que a apensação deve ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, por força do disposto no art.º 267- nº 2 e 3 do CPC aplicável subsidiariamente atento o previsto no art.º 3º, al. b) do RGIT, art.º 41, n.º 1 do RGCO aprovado pelo DL 433/82, de 27/10.»
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1.2. Termina as suas alegações com o seguinte o quadro conclusivo:
«1ª - QUESTÃO PRÉVIA: o recurso deve ser admitido, apesar do valor da coima aplicada e do disposto no artigo 83 nº 1 do RGIT, atento o disposto no artigo 73 – nº 2 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10.
2ª - Nos autos foi aplicado ao arguido e impugnante uma coima que não ultrapassa um quarto (€1.250,00) da alçada fixada para os Tribunais Judiciais da Primeira Instância, pelo que nos termos do art.º 83 – nº 1 do RGIT, não seria admissível recurso do despacho em crise.
3ª - Todavia, o STA tem vindo a entender ser admissível recurso em casos justificados, com base nos fundamentos previstos no art.º 73 – nº 2 do RGCO, aplicável por força do disposto no art.º 3º - alínea b) do RGIT, quando tal se afigurar manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (cf. acórdãos do STA de 9/5/2012, 19/9/2012, 08/05/2013 e de 05/02/2014, proferidos nos P. 243/12, 703/12, 655/13 e 1071/13, disponíveis em www.dgsi.pt).
4ª - Ora, nos termos daquele art.º 73 – nº 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida.
5ª - No caso dos autos, a decisão recorrida adotou um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contraordenação por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, o Tribunal recorrido deveria ter decidido qual era o processo, Juiz ou Tribunal competente para proceder ao julgamento conjunto das impugnações de coimas apresentadas, ordenando a remessa dos autos para o processo primeiramente instaurado ou solicitando o envio de todos os outros, para apensação a estes autos, caso sejam estes os instaurados em primeiro lugar.
6ª - E, sendo o recurso judicial de contraordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, por força do disposto no art.º 25 do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41 – nº 1 do RGCO e artigo 3º - al) b) do RGIT, impõe-se a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art.º 28 do CPP.
7ª - É pacifico na jurisprudência do STA que a apensação deverá também ser efetuada pelo Tribunal e sucede que neste TAF, na prática, não acontecem as referidas apensações, para julgamento do arguido num mesmo e único processo, com a invocação do disposto no art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC, ou seja, de que a apensação deveria ter sido requerida no processo instaurado em primeiro lugar e ao qual todos os outros tenham que ser apensados - no sentido de que a apensação deve ser ordenada e efetuada pelo Tribunal, veja-se o decidido nos acórdãos do STA de 03/04/2015, proferido no P. 1396/14, de 08/04/2015, proferido no P. 75/15, de 17/06/2015, proferido no P. 137/15, de 07/10/2015, proferido no P. 645/15 e de 04/11/2015, proferido no P. 72/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
8ª - Ora, é nosso entendimento que as normas do art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC não têm aplicação no processo penal, tal como se decidiu no acórdão do TRC de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt e assim sendo, e porque importa que se proceda a apensação dos referidos processos, tal como entendido na jurisprudência do STA, afigura-se-nos manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito a admissão do presente recurso, para se aclarar se o disposto no art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC, tem ou não aplicação no processo penal.
9ª - Nos termos do art.º 73 – nº 2 do RGCO, poderá ser admissível recurso quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência, que se afigura ser o caso da decisão ora recorrida, e há manifesta necessidade para melhoria de aplicação do direito quando ocorrem erros claros na decisão judicial, de tal forma que repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito, o que acontece com a solução jurídica encontrada pela decisão recorrida, pelo que é manifestamente necessário a admissão do recurso.
10ª - Assim, caso não fosse admissível recurso, ficariam sem controlo jurisdicional decisões proferidas com duvidosas soluções jurídicas, ao arrepio da unânime jurisprudência do STA sobre a questão da apensação destes processos, com manifesta violação do direito, claro prejuízo do direito fundamental do cidadão ao recurso judicial das decisões administrativas e do interesse público da economia e boa gestão processual pelo que deverá ser admitido o presente recurso.
11ª - A QUESTÃO OBJETO DE RECURSO: O despacho recorrido não ordenou a apensação de outras impugnações de coimas fiscais que o mesmo arguido tem pendentes neste TAF, por a apensação dever ser ordenada no processo instaurado em primeiro lugar, por força do disposto no art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC, aplicável subsidiariamente atento o previsto no art.º 3º, al. b) do RGIT, art.º 41, nº 1 do RGCO aprovado pelo DL 433/82 de 27/10 e art.º 4º do CPP.
12ª - Ora, chegados os recursos à fase judicial, nos termos do art.º 25 do CPP, deveria ser ordenada a apensação neste Tribunal dos recursos de contraordenação interpostos pelo mesmo arguido.
13ª - O MP recorrente não se conforma com a decisão e a interpretação perfilhada pelo despacho recorrido porquanto adotou-se um entendimento que, a nosso ver, não tem apoio legal, pois conhecedor o Tribunal da existência neste TAF de vários recursos ou impugnações judiciais de contraordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, e sendo o recurso judicial de contraordenação um misto de recurso e de julgamento de facto em primeira instância, atento o disposto no art.º 25 do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41 – nº 1 do RGCO e artigo 3º - al. b) do RGIT, o Tribunal recorrido deveria ter ordenado a apensação de todos os recursos interpostos por este arguido, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art.º 28 do CPP.
14ª - Ou seja: é nosso entendimento que o Tribunal recorrido deveria decidir, como este não é o processo mais antigo, julgar competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de contraordenação o processo mais antigo e ordenar a remessa destes autos ao mesmo, para apensação.
15ª - E, dando-se o caso do processo onde se aprecia a apensação ser o mais antigo, há que se declarar esse Tribunal o competente para julgamento conjunto de todas as impugnações de coima apresentadas e solicitar a remessa de todos os outros processos para apensação ao mesmo, e tudo por simples aplicação do disposto na al. c), do art.º 28 do CPP, sendo inaplicável ao processo penal o disposto no artº 267 – n° 2 e 3 do CPC, e sendo em tudo uma situação idêntica à que se depara, quando o Tribunal se declara territorialmente incompetente para julgar a ação e declara outro o competente para o efeito, remetendo-lhe o processo para decisão.
16ª - Por outro lado, a apensação destes recursos de contraordenação impõe-se também pela aplicação da regra da economia e da boa gestão processual prevista no art.º 130 do CPC, aplicável subsidiariamente ao CPP por força do seu art.º 4º e ao RGCO e ao RGIT, de modo a impedir que se pratiquem repetidos atos de prolação de sentenças e notificações absolutamente iguais, para os mesmos intervenientes, com evidentes prejuízos para uma boa e célere administração da justiça, para além, dos inerente e consequentes prejuízos orçamentais e financeiros que daí resultam.
17ª - Assim sendo, impõe-se que se proceda a apensação de todos os recursos ou impugnações judiciais de contraordenação, por ilícitos da mesma natureza e em que o arguido é o mesmo, por força do disposto no art.º 25 do CPPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto nos artigos 41 – nº 1 do RGCO e artigo 3º - al. b) do RGIT, pendentes neste TAF, observando-se as normas de antiguidade previstas na al. c) do art.º 28 do CPP, e sem se chamar à decisão as regras consagradas no art.º 267 - n° 2 e 3 do CPC - neste sentido, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/02/2014, proferido no P. 25/08.8FDCBR-B.C1, disponível em www.dgsi.pt.
18ª - Ou seja: a conexão de processos pode e deve ser apreciada oficiosamente, logo que no processo conste a comprovação de uma das situações previstas nos artigos 24 e 25 do CPP, não tendo aplicação subsidiária no processo-crime o disposto no art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC, na medida em que as regras para determinar o Tribunal competente para se proceder a julgamento conjunto de todas as impugnações de coima interpostas pelo mesmo arguido estão previstas no CPP, nomeadamente na al. c) do seu art.º 28.
19ª - As normas legais do processo civil, como direito subsidiário, só são aplicáveis ao processo penal, desde que no CPP não haja regras próprias e que se demonstre a sua harmonia com os princípios do processo penal, o que no caso da citada norma do CPC não acontece.
20ª - Foram violados os artigos 4º, 24, 25 e 28, al. c) do CPP, art.º 41 – nº 1 do RGCO, aprovado pelo DL 433/82 de 27/10, art.º 30 – al. b) do RGIT e art.º 267 – nº 2 e 3 do CPC.
Nestes termos, deverá ser julgado o recurso procedente, revogando-se o despacho recorrido, para que seja substituído por outro que decida que não é este o processo para julgamento conjunto do arguido pelas impugnações das coimas aplicadas e sim o que primeiramente foi instaurado, ordenando-se a remessa dos autos para apensação ao referido processo mais antigo, e assim se fazendo a habitual
JUSTIÇA.».
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1.3. O despacho de que se recorre (fls.46) tem o seguinte teor:
«Admito o presente recurso de contra-ordenação [arts. 80º n.ºs 1 e 2 do RGIT, 59º, n.º 3 e 61º, n.º 1 do RGCO, aplicáveis ex vi art. 3º, alínea b) do RGIT],
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Notifique a Fazenda Pública, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 81º, n.º 2 do RGIT.
Quanto ao pedido de apensação formulado no introito do recurso, dado que os presentes autos não são os mais antigos neste Tribunal deve tal pedido ser formulado no processo que primeiro deu entrada neste TAF.
Notifique.».
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1.4. No Despacho de sustentação (fls. 58), foi emitida a seguinte pronúncia:
«Mantenho integralmente o despacho sob recurso por entender que o mesmo não padece de qualquer ilegalidade.
Contudo, e como sempre, V. Exas. melhor decidirão.
Subam os autos ao Venerando STA.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. Dos autos resulta que o MP introduziu em juízo o processo de contraordenação instaurado contra o ora recorrido, por falta de pagamento de taxas de portagem e que, pelo despacho ora em recurso, foi indeferida a apensação de processos de contraordenação requerida pelo arguido.
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3.1. Encontra-se questionado no presente recurso o despacho que indeferiu a requerida apensação de processos.
Sustenta o MP, nos termos do artigo 73.º, n.º 2, do RGCO, aplicável por força do artigo 3.º, alínea b), do RGIT, que o recurso deve ser admitido por necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência.
Acrescenta que, na situação concreta, o despacho recorrido adotou um entendimento que «não tem apoio legal» e vai «ao arrepio da unânime jurisprudência do STA».
Referiu, ainda, que deviam os processos ser apensados ou, entendendo-se que esta deveria ser efetuada no processo mais antigo, deveria ordenar-se a remessa dos presentes autos ao processo mais antigo, a fim de aí se proceder à apensação.
Deve, por isso, decidir-se se o recurso pode ser aceite ao abrigo do disposto no artigo 73.º, n.º 2, do RGCO e, depois, se aquela resposta for positiva se a decisão recorrida deve manter-se ou ser substituída por outra.
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3.2. Tais questões foram já objeto de apreciação deste STA, nos acórdãos de 06-02-2019, proc. 2874/17, proc. 26/18, 2086/17 e proc.244/18.
Concordamos com a solução a que tais acórdãos chegaram, bem como com a respetiva fundamentação.
Entende-se, por isso, remeter para o primeiro daqueles acórdãos no qual se escreveu o seguinte:
“2.2.2 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO (INTERPOSTO AO ABRIGO DO ART. 73.º, N.º 2, DO RGCO)
O presente recurso jurisdicional vem interposto ao abrigo do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, para «melhoria da aplicação do direito» ou «promoção da uniformidade da jurisprudência».
Na verdade, porque o valor da causa não atinge 1/4 do valor da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância ( ) e porque não foi aplicada sanção acessória, não é permitido o recurso ao abrigo do disposto no art. 83.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, normas legais que dizem, respectivamente, o seguinte: «O arguido, o representante da Fazenda Pública e o Ministério Público podem recorrer da decisão do tribunal tributário de 1.ª instância para o Tribunal Central Administrativo, excepto se o valor da coima aplicada não ultrapassar um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1.ª instância e não for aplicada sanção acessória» e «Se o fundamento exclusivo do recurso for matéria de direito, é directamente interposto para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo».
No entanto, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar há muito ( ), mesmo em casos em que o valor da coima é inferior à alçada e não há aplicação de sanção acessória, o recurso pode ser admitido ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, «quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», designadamente nas situações em que há «erros claros na decisão judicial», situações essas em que, em «face de entendimento jurisprudencial amplamente adoptado, repugne manter na ordem jurídica a decisão recorrida, por ela constituir uma afronta ao direito».
Note-se ainda que, apesar de o art. 73.º, n.º 2, do RGCO se referir apenas a sentença, se tem vindo a entender que se a decisão recorrida tiver sido proferida por despacho, ao abrigo da faculdade concedida pelo art. 64.º, n.º 2, do RGCO, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, não há razão para não estender a admissibilidade desse recurso aos despachos, pois, como dizem JORGE LOPES DE SOUSA e SIMAS SANTOS ( ), «não existe nenhuma diferença de natureza entre as duas decisões», sendo que «a alternativa da decisão por despacho ou sentença não radica na complexidade das questões a decidir pelo que aquele n.º 2 do dito art. 73.º se deve aplicar indiferentemente a ambas as decisões».
Foi ao abrigo dessa disposição legal que o Ministério Público interpôs o recurso. Há, no entanto, que verificar se estão reunidos os requisitos da aceitação do mesmo por este Supremo Tribunal Administrativo.
Poderia objectar-se que obsta ao recebimento do recurso o facto de a decisão recorrida não ser uma sentença, nem sequer um despacho proferido ao abrigo do n.º 2 do art. 64.º do RGCO, mas um despacho interlocutório proferido num processo de recurso judicial de decisão administrativa de aplicação da coima.
Esse despacho não é directamente subsumível à previsão do n.º 2 do art. 73.º do RGCO, à qual apenas se acolhem as decisões judiciais que se reconduzam a uma daquelas categorias (sentença ou despacho equivalente, proferido ao abrigo do n.º 2 do art. 64.º do RGCO) e, por isso, integrem decisões finais que conheçam do recurso judicial interposto da decisão administrativa de aplicação da coima. Tal interpretação do n.º 2 do art. 73.º do RGCO – que, reiteramos, apenas alude a “aceitar o recurso da sentença” – não enferma de inconstitucionalidade alguma, designadamente por violação das garantias de defesa que o art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa consagra para o processo penal e que sejam extensíveis ao processo de contra-ordenação, como tem vindo a decidir o Tribunal Constitucional ( ).
É essa interpretação que tem vindo a ser seguida por este Supremo Tribunal, designadamente, em relação a despachos proferidos após a decisão final ( ).
No entanto, no que respeita a situações como a ora sub judice, em que está em causa a apensação de processos, afigura-se-nos que o recurso deve ser admitido, como, aliás, já decidiu este Supremo Tribunal, se bem que relativamente a decisões de sentido inverso, ou seja, no sentido da apensação ( ). Como ficou dito nessa jurisprudência, à admissão do recurso ao abrigo do n.º 2 do art. 73.º do RGCO «nem sequer obsta que estejamos perante um despacho da natureza deste que agora cuidamos (e não uma sentença), uma vez que o mesmo é determinante para o ulterior prosseguimento do processo, podendo mesmo vir a condicionar a decisão final a adoptar pelo juiz, obrigando-o a imprimir-lhe um sentido diferente daquele a que chegaria caso não tivesse sido proferido o despacho impugnado […].
E, a não se admitir o recurso imediato de tal despacho – que ordenou a apensação por conexão – poderíamos deparar-nos com uma situação de facto lesivo consumado, cujo recurso da sentença poderia nunca ser suficiente para alcançar a sua reparação».
Como também ficou dito na decisão proferida em 2 de Maio de 2018 pelo Presidente deste Supremo Tribunal na reclamação n.º 14/18 (no âmbito do processo n.º 2086/17.0BEPRT-S1-1) –, referindo-se ao despacho que decidiu pela não apensação, «[t]al despacho pode sempre vir a considerar-se inconveniente e, nessa medida, as partes podem reagir contra o mesmo invocando que lhes causa prejuízos pessoais ou ao Estado. O que fez o ora Reclamante [aqui Recorrente] ao pedir a admissão do recurso ao abrigo do n.º 2 do artigo 83.º do RGIT e, subsidiariamente, do n.º 2 do artigo 73.º do RGCO».
É também inequívoco que o recurso se mostra necessário para a melhoria do direito e promoção da uniformidade da jurisprudência, na medida em que existe numerosa jurisprudência deste Supremo Tribunal a confirmar as decisões dos tribunais de primeira instância que procederam à apensação dos processos de contra-ordenação ( ).
Entendemos, pois, que é de admitir o recurso, motivo porque passaremos a conhecer a questão nele suscitada.
2.2.3 DA APENSAÇÃO DE PROCESSOS DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Como este Supremo Tribunal tem vindo a dizer, repetida e uniformemente, desde há muito ( ), «[t]endo o recurso judicial da decisão administrativa que aplicou uma coima por infracção como a dos autos dado entrada em Tribunal conjuntamente com outros recursos respeitantes ao mesmo infractor, ou quando, relativamente ao mesmo infractor, já se encontrarem pendentes no Tribunal recursos por infracções idênticas, deve o juiz ordenar a apensação de todos esses processos judiciais, assim cumprindo a regra estabelecida no artigo 25.º do Código de Processo Penal», sendo que, «[n]a fase judicial a apensação deve ser ordenada no despacho liminar ou em qualquer momento antes de ser designada data para o julgamento ou antes da prolação da decisão por mero despacho (arts 64.º do RGCO e 82.º do RGIT)».
Nos presentes autos, não questionando que haja lugar a essa apensação, a Juíza do Tribunal a quo entendeu, no entanto, indeferir o requerimento do Arguido nesse sentido, argumentando que o presente processo «não é o mais antigo» e que «é no processo mais antigo que a apensação deve ser requerida e não nos presentes autos».
Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
Verificando-se – como se verificou no caso – a existência de processos que devem ser apensados [(cfr. arts. 25.º e 29.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP)], não pode o juiz abster-se de tomar posição (oficiosamente ou a requerimento) sobre a apensação com o fundamento de que os autos não são o processo mais antigo.
É certo que nos termos do art. 28.º, alínea c), do CPP, aplicável subsidiariamente, por remissão sucessiva da alínea b) do art. 3.º do RGIT e do art. 32.º do RGCO, a apensação deve ser efectuada no processo mais antigo. Mas isso não significa que a apensação só possa ser conhecida e decidida no processo mais antigo e pelo juiz desse processo. Se a verificação dos pressupostos para a apensação for feita em processo que não é o mais antigo, impõe-se ao juiz remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de serem apensados a este ( ).
Ou seja, perante uma situação em que os processos de contra-ordenação devam ser apensados, deve o juiz ou pedir os demais processos para proceder à sua apensação, caso o seu processo seja o mais antigo, ou remeter os autos ao processo mais antigo, a fim de ser apensado a este.
Dito de outro modo, qualquer juiz que tenha a seu cargo um dos processos de recurso judicial de contra-ordenação relativamente ao qual estejam verificados os pressupostos da conexão com outros processos, pode e deve definir qual deles deve prosseguir como processo conjunto e tomar as providências necessárias para a apensação – arts. 28.º e 29.º do CPP, aplicável subsidiariamente nos termos referidos.
A decisão recorrida, que decidiu em sentido contrário, não pode manter-se.”.
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4. Em face do exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em admitir o recurso, conceder-lhe provimento e, em consequência, revogar o despacho recorrido e ordenar que, em sua substituição, seja proferido outro nos termos referidos.
Sem custas (artigo 94.º, n.º 4, do RGCO).
Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – António Pimpão (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.