Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:021/19.0BEFUN
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
CPPT
REQUISITOS
Sumário:I - De conformidade com o disposto no nº 2 do art. 284º do CPPT a decisão sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
II - A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sendo requisito para a sua admissibilidade a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento.
III -Quando em ambas as decisões em confronto a diversa solução jurídica a que chegaram decorre da diversidade dos factos apurados e não de qualquer diversa solução jurídica, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no arts. 284º do CPPT - e no 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que inviabilizada está a possibilidade de tomar conhecimento do mérito do recurso.
V- O que ocorre no caso concreto em que se trata do pedido de uniformização de jurisprudência, porquanto, visualizando o Acórdão apontado como fundamento pela recorrente, constata-se que não se pronunciou sobre a regularidade da notificação efectuada por correio electrónico, sendo certo que o próprio acórdão recorrido não apreciou expressamente essa questão, tendo-o feito, apenas, implícita e incidentalmente pois, como no mesmo se realça, em momento algum da sua petição inicial a Recorrente invocou a pretensa falta ou irregularidade de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima.
Nº Convencional:JSTA000P28572
Nº do Documento:SAP20211124021/19
Data de Entrada:02/23/2021
Recorrente:A........LDA
Recorrido 1:AT – RAM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

A…………., LDA., melhor sinalizada nos autos, vem, nos termos e para os efeitos dos artigos 280º, nº2, 282.º, nº1 e 284, nº1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso de uniformização de jurisprudência, do Acórdão da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, exarado em 17/09/2020, que negou provimento ao recurso que deduzira da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, proferida em 24 de janeiro de 2019, que, por sua vez, rejeitara liminarmente a oposição à execução fiscal relativa à cobrança coerciva de dívida proveniente de coimas de 2015 e 2016, bem como das respetivas custas, no montante global de €27.314,17, e invoca contradição com os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27-06-2006, proferido no processo nº 00815/05, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 15/10/2015, proferido no processo nº 00519/06.0BEVIS e do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-07-2017, proferido no processo nº 01271/15.

Inconformada, formulou a recorrente A…………., LDA., as seguintes conclusões:

Em causa a notificação de acto lesivo em matéria tributária, quanto à forma de validamente notificar as pessoas colectivas e sociedades nos termos dos artigos 38º, nº1, e 41º do CPPT, que, de acordo com os acórdãos em oposição, determina a citação na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes.
O acórdão recorrido ao decidir pela não aplicação da regra especial de notificação das pessoas coletivas nos termos do disposto no art. 41º CPPT, está em manifesta oposição ao decidido nos acórdãos do TCAS, processo nº 00815/05, de 27-06-2006, TCAN, processo nº 00519/06.0BEVIS, de 15-10-2015, e acórdão do Pleno da Secção de CT do STA, processo nº 01271/15, de 05-07-2017.
Os acórdãos em oposição decidiram, quanto à notificação das pessoas colectivas que se destinem a levar ao conhecimento actos ou decisões susceptíveis de alterarem a respectiva situação tributária, que devem, nos termos do art. 41º do CPPT, ser levadas a efeito, ainda que por carta registada com AR, na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes”.
A AT não cumpriu as formalidades da notificação da decisão de aplicação da coima referente ao ano de 2015, ao efectuar por correio electrónico na pessoa de uma trabalhadora da Recorrente, que ainda por cima não deu o devido encaminhamento, tendo só chegado ao conhecimento da gerência com a citação para a execução fiscal.
Contrariamente ao acórdão recorrido, o acórdão do TCAS de 27-06-2006, Nº00815, decidiu: se a notificação não for levada a efeito a uma daquelas pessoas, (administradores ou gerentes) “…ela não se poderá, de facto, ter-se por perfeita e, por consequência, será incapaz de produzir os seus normais efeitos, designadamente o de despoletar o decorrer do prazo para a interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima que se destinava dar a conhecer à arguida”.
Relativamente à notificação de pessoas colectivas de actos lesivos, as regras contidas no CPPT (art.38º, nº1 e 41) não deixaram de ter presente a especificidade, atentas as consequências, designadamente económicas, que algumas das notificações podem implicar para a sociedade.
Os acórdãos em oposição, em contradição com o acórdão recorrido decidiram que não se cumprindo todas as formalidades da notificação em causa, e não se tendo provado que, apesar de elas não terem sido cumpridas foi atingido o objectivo que se visava alcançar com a mesma, esta é inválida.
O gerente da sociedade Recorrente não foi notificado da decisão de aplicação da coima, pelo que a notificação não produz os seus normais efeitos, designadamente o de dar inicio ao prazo para a interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação de coima que se destinava dar a conhecer à arguida agora Recorrente.
O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 38º, nº1 e 41º do CPPT, entre outros, e privou a sociedade Recorrente do direito fundamental de sindicalidade judicial da decisão administrativa, ainda por cima com duplo grau de jurisdição.
Não tendo sido a Recorrente notificada da decisão de aplicação de uma coima de natureza fiscal na pessoa do seu gerente ou administrador, como efetivamente não foi, pela sua gravidade, inquina todo o processo executivo e gera nulidade insanável, de conhecimento oficioso que pode ser arguida até ao trânsito em julgado da decisão final- art.165º nº1 alinea a) e nº 4 do CPPT.
Estando em causa princípios e valores próprios do direito sancionatório, em qualquer caso de dúvida, tanto na matéria de facto, como na aplicação do direito, devia acórdão em causa ter optado pela interpretação mais favorável ao arguido, agora Recorrente, e pela que se afirma mais conforme aos valores constitucionalmente garantidos.
Porque está em tempo e existe manifesta oposição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, requer a V. Exa. que, admitindo o recurso, sigam os demais termos até final.

Foram apresentadas contra-alegações pela Representante da Fazenda Pública, que concluiu nos termos que se seguem:

A. O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo TCAS em 17/09/2020, que confirmou a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, de 24/01/2019, que rejeitou liminarmente a Oposição à execução, nos termos do art.º 209.º, n.º 1, alínea b) do CPPT, ou seja, por não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT.
B. Considerando que a presente ação foi instaurada em 14/01/2018 e a decisão recorrida proferida em 17/09/2020, já após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17/09, não há a menor dúvida que ao presente recurso é aplicável o atual regime previsto nos artigos 282.º e seguintes do CPPT na redação que lhes foi conferida por essa lei (cf. o respetivo art.º 13.º, n.º 1).
C. Sucede que a Recorrente veio interpor recurso de oposição de acórdãos, invocando o art.º 284.º do CPPT na redação anterior à que lhe foi dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, sem apresentar quaisquer alegações ou conclusões como se impõe nos termos do regime agora vigente (cf. artigos 282.º, n.º 2 e 284.º, n.º 2 do CPPT), limitando-se a proceder à individualização de acórdãos anteriores que no seu entender estão oposição com o acórdão recorrido…
D. Pelo que, nos termos do art.º 641.º, n.º 2, alínea b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT, o presente recurso deverá ser rejeitado, por falta de alegação e de formulação de conclusões.
E. Acresce que o recurso interposto pela Recorrente não tem qualquer cabimento nos termos do art.º 284.º do CPPT na sua redação atual, pois inexiste no regime vigente o antigo recurso por oposição de acórdãos…
F. Essa disposição legal que prevê o “Recurso para uniformização de jurisprudência”, cuja interposição deve ser “acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido” (cf. art.º 284.º, n.º 2 do CPPT), ónus a que a Recorrente não deu cumprimento.
G. Além disso, o recurso nunca poderia sequer ser admitido ao abrigo do art.º 284.º do CPPT por o acórdão recorrido estar em conformidade com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cf. dispõe o n.º 3 do art.º 284.º do CPPT), como está sobejamente demonstrado no acórdão recorrido.
H. Pelo exposto, o presente recurso deverá ser, de imediato, rejeitado, nos termos do art.º 641.º, n.º 2, aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT, ou, em qualquer caso, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 284.º do CPPT, por faltarem os respetivos pressupostos de admissibilidade.
I. Ainda que assim não se entenda, o que não se concede, o presente recurso sempre deverá ser julgado totalmente improcedente.
J. Como se refere no acórdão recorrido, em momento algum da sua petição inicial a Recorrente invocou a pretensa falta ou irregularidade de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima, o que constituiria fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
K. Ora, a Oposição à execução está sujeita, em regra, ao princípio do dispositivo de alegação das causas de pedir e do pedido, constituindo causa de pedir o facto ou factos concretos que servem ao efeito jurídico pretendido e que, neste caso, são os factos subsumíveis a qualquer das alíneas do artigo 204º, nº 1 do CPPT.
L. Assim, quer o Tribunal da 1.ª instância, quer o Tribunal de recurso, estão impedidos de conhecer um fundamento de oposição não invocado pela Oponente, sob pena de nulidade, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT). Até porque a jurisprudência dos nossos Tribunais tem entendido que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida.
M. Assim, a questão da pretensa falta ou irregularidade de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima não pode ser objeto do presente recurso, nem a mesma constitui um fundamento de oposição, nos termos do art.º 204.º, nº 1 do CPPT, por não ter sido invocada na petição inicial.
N. Do confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão do TCAS de 27/06/2006 verifica-se que estão em causa situações de facto distintas, já que nesse aresto foi invocado expressamente no articulado inicial a questão da notificação da decisão administrativa proferida no processo de contraordenação. Além disso, nesse processo não chegou a ser apreciada a questão da convolação da Oposição em recurso de decisão de aplicação de coima (contrariamente ao que pretende levar a crer a Recorrente)…
O. Muito embora a Recorrente tenha pedido ao Tribunal a isenção de garantia para suspensão da execução, a verdade é que não alegou quaisquer factos materiais e concretos que servissem de fundamento ao efeito jurídico pretendido (isto é, a causa de pedir).
P. Pelo que o Tribunal estava impedido de apreciar essa questão como fundamento de oposição à execução, nos termos do art.º 204.º, n.º 1, alínea i) do CPPT, sob pena de violação do princípio do dispositivo, com consequente nulidade, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT).
Q. Quer o acórdão recorrido, quer o acórdão fundamento do STA de 28/03/2012, decidiram no mesmo sentido de que o pedido de dispensa de prestação de garantia, visando a suspensão do PEF, é da competência do órgão de execução fiscal, e não do Tribunal…
R. Acontece que, no caso em apreço, a Recorrente não dirigiu ao órgão de execução fiscal, no âmbito do PEF n.º 3450201801112538, qualquer pedido de dispensa de garantia (cf. se pode verificar pelo probatório), nem sequer alegou na sua P.I. (como se disse) quaisquer factos concretos servissem de fundamento ao efeito jurídico pretendido (causa de pedir), contrariamente ao que sucedeu no acórdão fundamento. Pelo que também não se verifica identidade de situações de facto entre as duas decisões em confronto.
S. Em qualquer caso, como já decidiu o STA por acórdão de 06/11/2019, o pedido formulado na petição de oposição de suspensão da execução não permite a convolação da oposição à execução em requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal.
T. Pelo exposto, nenhum reparo merece o acórdão recorrido ao concluir que os pedidos formulados não são adequados à finalidade abstratamente figurada pela lei para a oposição à execução fiscal, ocorrendo erro na forma de processo, não sendo possível a convolação na forma de processo adequada.
Termos em que:
i) O presente recurso deverá ser rejeitado, nos termos do art.º 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC, aplicável ex vi do art.º 2.º, alínea e) do CPPT, ou em qualquer caso nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 284.º do CPPT, por faltarem os respetivos pressupostos de admissibilidade;
Para o caso de assim não se entender, o que não se concede,
ii) Deverá ser julgado totalmente improcedente.

Por despacho da Exma. Desembargadora, no TCA Sul, de 10/02/2021, o recurso interposto foi convolado em recurso por uniformização de jurisprudência para ulterior apreciação da sua admissibilidade pelo STA, cujo teor se destaca:

“Foi proferido acórdão nos presentes autos, tendo sido notificado às partes por ofício datado de 18/09/2020.
Em 01/10/2020 foi apresentado requerimento de interposição de recurso para o STA “com fundamento em oposição de acórdãos” nos termos do disposto no art. 280.º, n.º 2, 282.º, n.º 1 do CPPT, no qual se identificam quais os acórdãos em oposição para cada uma das questões decididas no acórdão recorrido. Não foram apresentadas alegações, nem conclusões.
Em 09/10/2020 foi apresentado requerimento no sentido de se juntar aos autos o comprovativo de pagamento de justiça e multa.
Em 26/10/2020 vem a recorrente apresentar “em conformidade com o disposto no art. 280.º, n,º 3, do CPPT, na redação que foi dada na Lei n.º 118/2019, de 17/09, aditar ao requerimento de interposição apresentado, as decisões em contradição com o acórdão recorrido, bem como apresentar conclusões (…). Apresentou alegações e respetivas conclusões.
A recorrida Fazenda Pública apresentou contra-alegações.
Cumpre proferir despacho sobre a admissibilidade sobre o “recurso por oposição de acórdãos” que foi interposto.
Antes de mais, cumpre referir que in casu é aplicável as alterações ao CPPT introduzidas pela Lei n.º 118/2019, de 17/09 (cf. Art. 13.º, n.º 1, dessa Lei).
Ora, resulta do 1.º requerimento de recurso que se trata da interposição de “recurso por oposição de acórdãos” anteriormente previsto no art. 284.º do CPPT (versão anterior à Lei n.º 118/2019) cujo regime jurídico deixou de existir no contencioso tributário, e, portanto, não pode ser admitido nesses termos.
Ora, é verdade que subsiste o recurso por oposição de julgados (cf. art. 280.º, n.º 3 do CPPT), mas este diz respeito a sentenças da 1.ª instância, não se aplicando ao caso dos autos, posto que a decisão recorrida é um acórdão proferido pelo TCA, e aquele preceito legal diz respeito a sentenças proferidas pelos tribunais tributários (1.ª instância).
Por outro lado, também é verdade que um novo recurso foi introduzido, o recurso por uniformização de jurisprudência (cf. art. 284.º do CPPT), para as situações em que sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição entre acórdãos do TCA, ou entre acórdãos do STA, bem como de acórdãos do TCA com o STA (cf. alíneas a) e b) do n.º 1 daquele preceito legal), pelo que, importando aventar a possibilidade de convolação do recurso interposto nesta forma que será a adequada, não se rejeita de imediato o recurso interposto.
Com efeito, o requerimento de interposição de recurso apresentado em 01/10/2020 apenas contém a identificação dos acórdãos do TCA que representam uma contradição com o acórdão recorrido, não se satisfazendo a exigência do disposto no n.º 2, do art. 284.º do CPPT, nomeadamente o requerimento de recurso não foi acompanhado da alegação “na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido”.
Não obstante, posteriormente, no requerimento de 26/10/2020, tal formalidade veio a ser cumprida, e considerando que o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, poder-se-á considerar que, como ainda nem sequer começou a contar o prazo, está suprida tempestivamente a falta das alegações.
Por outro lado, apesar de o recurso ter sido interposto antes do início do prazo, ou seja, antes do trânsito em julgado do acórdão, não é manifesto que por esta razão possa ser intempestivo (pois a questão é mais complexa, trata-se da tempestividade por antecipação), e por outro lado, é ao STA que cabe ao abrigo do disposto no art. 692.º do CPC, fazer a apreciação liminar do recurso por uniformização de jurisprudência, e assim sendo, sem prejuízo dos poderes conferidos ao STA, afigura-se-nos que não podemos indeferir liminarmente o recurso por “oposição de acórdãos interposto”, mas antes convolá-lo em recurso por uniformização de jurisprudência para ulterior apreciação do sua admissibilidade pelo STA.
Notifique.
Subam os autos ao STA.”

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de não ser de tomar conhecimento do recurso, com a seguinte argumentação:

“1.OBJECTO
É objecto do parecer, o pedido de admissão de Recurso para Uniformização de Jurisprudência apresentado por A…………….., LDA, a qual impugna o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 17/09/2019.
Nos termos do Acórdão mencionado foi decidido negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, esta proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal nos termos da qual foi rejeitada liminarmente a oposição à execução fiscal, nos termos do art.º 209.º, n.º 1, alínea b) do CPPT ou seja, por não ter sido alegado qualquer dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do mesmo código.
Alega a recorrente que “em contexto factual e jurídico semelhante, os acórdãos por si referenciados … decidem semelhante questão fundamental de facto e de direito, pois em todos está em causa a notificação de acto lesivo em matéria tributária, quanto à forma de notificar as pessoas colectivas e sociedades nos termos do art.41º do CPPT, que determina a citação na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes.”
O pedido de admissão de Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem fundamentado em oposição do acórdão recorrido com os acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27-06-2006, proferido no processo nº 00815/05, do Tribunal Central Administrativo Norte, de 17/10/2015, proferido no processo nº 00519/06.0BEVIS e do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-07-2017, proferido no processo nº 01271/15.
A situação cuja decisão se pretende uniformizada é a da correcção ou “perfeição” da notificação das pessoas colectivas, tendo em vista saber se, no caso dos autos a recorrente deve considerar-se regularmente notificada ou se a notificação efectuada não pode considerar-se “perfeita”.
Dos factos assentes na decisão impugnada resulta “que a Oponente foi notificada das decisões de aplicação da coima por ofícios assinados digitalmente a 01 de outubro de 2018, as quais transitaram em julgado em momento prévio à instauração da presente oposição - o que se comprova da emissão das várias certidões de dívida que constituem e integram o valor global da dívida exequenda, em 07 de novembro de 2018”, ou seja, em plena consonância com a jurisprudência do STA (acórdão do acórdão do STA de 11/05/2016, proc. n.º 01395/13).”
2. DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
De acordo com o estipulado no artº 284º do CPPT a admissibilidade e prosseguimento do recurso para uniformização de jurisprudência depende, no que aqui interessa, da verificação de:
a) Contradição entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) com outro do mesmo Tribunal, ou com outro do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), ou com um do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e que ambos, o Acórdão impugnado e o Acórdão fundamento tenham transitado em julgado;
b) Contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, substantivo ou processual;
c) Ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;
(A este propósito pode ver-se o Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha e bem assim o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt)
No que concerne à caracterização da questão fundamental de direito, é inquestionável que ela deve incidir sobre situações de facto idênticas, como são, alegadamente, aquelas sobre as quais se debruçaram os acórdãos ditos em oposição; é, pois, pressuposta, a identidade de situações de facto objecto de aplicação das mesmas normas de direito, porém, com solução diversa e oposta.
A oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica.
É nosso entendimento que, no caso presente, não se verificam os pressupostos de admissão, prosseguimento e apreciação do presente recurso para uniformização de jurisprudência; com efeito, o que a recorrente sindica, no essencial, é o julgamento da questão da regularidade da notificação da decisão de aplicação de coimas.
Do probatório resultam sete factos respeitantes a sete processos de contra-ordenação nos seguintes termos:
“Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.263,80, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502015060000066461, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/06 no prazo legal (até 20 de julho de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 5 junto com a petição inicial.”
No Acórdão recorrido e sobre a questão em análise consta o seguinte:
Sublinhe-se que apenas em sede do presente recurso é que a Recorrente vem invocar a irregularidade da notificação pelo facto de o gerente da sociedade executada não ter sido notificado da decisão de aplicação da coima, alegadamente, pelo facto de uma funcionária da Recorrente não lhe dado conhecimento. Ou seja, em momento algum na p.i. invocou qualquer irregularidade na notificação, muito pelo contrário, até juntou cópia dos ofícios que a notificam da decisão, aceitando-se pacificamente a regularidade da notificação, nunca invocando qualquer vício que, a existir, até constituiria fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.
Repare-se que a Recorrente não nega a efetivação da notificação eletrónica, aliás, ela própria juntou com a p.i. tais documentos e, portanto, não colhe a argumentação agora aventada em sede de recurso de que existe irregularidade na notificação porque a sua funcionária não deu o encaminhamento devido ao documento e que aquele só chegou ao conhecimento da gerência com a citação para a execução fiscal. Independentemente da credibilidade do ora alegado, o que é incontornável é que não é oponível à AT as questões de tratamento interno das notificações que são efetuadas para o correio eletrónico indicado pela Recorrente (em momento algum foi sequer alegado erro no endereço de correio eletrónico para onde seguiu a notificação).”
Se bem interpretamos o Acórdão impugnado e salvo melhor opinião, não existe entre os Acórdãos identificados a oposição que a recorrente lhes atribui. Efectivamente, no Acórdão impugnado o TCAS nem chega a pronunciar-se sobre a irregularidade da notificação, limitando-se a constatar que a recorrente inicialmente aceitou a notificação nos termos em que ela foi realizada, “para o correio eletrónico indicado pela Recorrente”, não invocou no Requerimento de Oposição (petição inicial) qualquer irregularidade da notificação, só o fazendo em alegações de recurso de Apelação.
Bem vista a questão, não tendo sido suscitada, logo que conhecida a nulidade ou irregularidade da notificação nos termos em que foi efectuada, ficou precludido o direito de o fazer, fora do prazo e do tempo para tal disponível. A alegação feita na Alegação do Recurso de Apelação interposto é já manifestamente extemporâneo, devendo por isso ser desconsiderado.
Sem conceder, logo que teve conhecimento da notificação e se entendeu que a mesma era irregular, o que a recorrente devia ter feito era, no processo de contra-ordenação invocar a irregularidade da notificação e pedir a repetição da mesma; a oposição à execução fiscal não era como declarado, o meio próprio para tal.
A recorrente, como se referiu aceitou a notificação efectuada com respeito pelo disposto no art.º 41.º do CPPT. De acordo com o n.º 1 deste preceito, “as pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem”. Ora como referimos a notificação foi efectuada “para o correio eletrónico indicado pela Recorrente” e nesta perspectiva se não era o endereço correcto só a si é imputável.
Se bem interpretamos, nenhum dos Acórdão indicados como fundamento pela recorrente se pronunciou sobre a regularidade da notificação efectuada por correio electrónico e por outro lado o acórdão recorrido não apreciou expressamente a regularidade da notificação, tendo-o feito, apenas, implícita e incidentalmente.
Ora, tendo em mente ambas as situações, a do acórdão impugnado e as dos acórdãos fundamento, havemos de concluir que elas não são coincidentes e absolutamente idênticas. Se assim é, como entendemos, temos razão para defender que a invocada oposição de julgados não se verifica.
Sendo assim, CONCLUÍMOS que, pela não verificação dos respectivos pressupostos, não deve tomar-se conhecimento do recurso.”

A recorrente, notificada do parecer supra, veio juntar resposta, com os seguintes fundamentos:

1. O objeto das alegações no recurso interposto pela Recorrente para uniformização de Jurisprudência, conforme acórdãos invocados, sustenta-se na verificação prevista na alínea a) do nº 1., do art 284º do CPPT, ou seja, na contradição sobre a mesma questão fundamental de direito substantiva ou processual, agora em causa.

2. No caso concreto, o fundamento do recurso interposto é processual ou adjetivo, uma vez que assenta na nulidade insuprível quanto à notificação da decisão de aplicação de coima à Recorrente, no exorbitante e indevido valor de € 27.314,17 [alínea d) do nº 1., do artº 63º do RGIT].

3. Nulidade insuprível, e não qualquer outra de natureza sanável, sendo de conhecimento oficioso, que torna absolutamente irrelevante quanto ao momento em que é invocada, uma vez que a mesma só se supre com a repetição do ato, com integral observância dos requisitos fixados e designadamente dos que tenham sido preteridos.

4. Na verdade, a redação do art 41º do CPPT, agora invocada pelo MP, era omissa, à data da prática dos factos, quanto a citar ou notificar as pessoas coletivas ou sociedades nas áreas reservadas do Portal das Finanças.

5. Ora, contrariamente ao que sustenta o MP, tal omissão nada tem a ver com as comunicações internas da Recorrente, mas sim com a violação de um procedimento absolutamente fulcral ao exercício das garantias de defesa asseguradas pelo art. 32º da CRP e, por inerência, colocando em causa, de forma irremediável, o acesso ao direito e à justiça previsto no art. 20º da Lei Fundamental.

6. Isto porque as notificações às sociedades têm de obedecer ao regime especial previsto nos nºs 1 e 2 do art.41º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, consubstanciado na notificação pessoal dos seus administradores, gerentes ou representantes, que estejam em condições de transmitir os termos dos atos.

7. Só esgotadas as diligências no sentido de proceder à notificação nos termos supra referidos é que poderá ser admitida, supletivamente, a notificação “na pessoa de qualquer empregado, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa coletiva ou sociedade” (nº2, do artº 41º do CPPT).

8. Está aqui em causa, para efeitos de regularidade do processo de contraordenação e notificação dos seus atos mais relevantes, como seja a decisão final de aplicação da coima, a representação passiva da sociedade.

9. Tratando-se como efetivamente se trata de uma nulidade insuprível competia ao MP, como representante do Estado, não defender o atropelo de uma decisão, mas antes acompanhar a Recorrente na defesa da legalidade e garantias que cabem assegurar.

10. Donde, no caso concreto o que releva é o facto de não ter sido observado pela AT formalismos essenciais nos termos dos acórdãos em oposição que se invocam.

Termos em que deverá o douto Parecer do MP ser desatendido por incorreta interpretação da lei, admitindo-se e prosseguindo o Recurso para Uniformização de Jurisprudência.
Por despacho do relator de 05.07.2021 (vide p.347 SITAF) foi regularizada a instância, sanando-se a questão da intempestividade da interposição do presente recurso para uniformização de jurisprudência.
Por despacho de 21-10-2021, foi a recorrente notificada para, na consideração de que é pacífico o entendimento, apoiado na literalidade do artº 284º, nº1, al. a): contradição: “Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo”, de que não é admissível a apresentação de mais do que um acórdão fundamento por cada questão suscitada e uma vez que não foi observado esse requisito, segue-se a solução adoptada em inúmeros arestos da nossa jurisdição que pacifica o entendimento de que, nas situações em que o(a) recorrente indica mais do que um acórdão fundamento para a mesma questão a dirimir, deve ser convidado(a) a escolher e identificar, apenas, um, de entre os, inicialmente, invocados, vir eleger o acórdão, dentre os que indicou, como fundamento do recurso para uniformização que foi interposto, sob pena de rejeição do mesmo.
Nessa sequência, a recorrente veio informar que, de entre os acórdãos anteriormente indicados, como fundamento, opta-se pelo Acordão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, deste STA, de 05-07-2017, processo nº 01271/15, in www.dgsi.pt/Jtca.nsf.

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Os autos vêm à conferência do Pleno corridos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:
No acórdão recorrido foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:
«1. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.263,80, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502015060000066461, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/06 no prazo legal (até 20 de julho de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 5 junto com a petição inicial.
2. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 6.610,82, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502015060000072216, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/07 no prazo legal (até 20 de agosto de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 2 junto com a petição inicial.
3. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.284,91, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 345020150600000077137, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/08 no prazo legal (até 21 de setembro de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 4 junto com a petição inicial.
4. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.033,99, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502016060000003648, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/11 no prazo legal (até 21 de dezembro de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 6 junto com a petição inicial.
5. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 5.138,66, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502016060000009840, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/12 no prazo legal (até 20 de janeiro de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 3 junto com a petição inicial.
6. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 2.737,78, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502016060000018912, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2016/02 no prazo legal (até 21 de março de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 7 junto com a petição inicial.
7. Por ofício assinado digitalmente em 01 de outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 2.708,71, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de Setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502016060000024696, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2016/03 no prazo legal (até 20 de abril de 2016) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 8 junto com a petição inicial.
8. No dia 07 de novembro de 2018, foram emitidas as certidões de dívida n.ºs 2236123, 2236125, 2236127, 2236130, 2236132, 2236134 e 2236135, provenientes, respetivamente e por esta ordem, das coimas referenciadas nos pontos 1. a 7. que antecedem, e respetivas custas (€ 76,50, por processo de contraordenação), que serviram de base à instauração, na mesma data, do processo de execução fiscal n.º 3450201801112538, para cobrança do montante global de € 27.314,17 – cfr. fls. 01 a 15 do Processo de Execução Fiscal (PEF) apenso.
9. A Oponente foi citada para o processo de execução fiscal n.º 3450201801112538, por ofício datado de 08 de novembro de 2018, expedido para a respetiva caixa postal eletrónica – cfr. doc. n.º 1 junto com a petição inicial.
10. A presente oposição foi apresentada junto do Serviço de Finanças do Funchal – 2, no dia 14 de dezembro de 2018 – cfr. fls. 03 dos autos (suporte digital).

No acórdão fundamento deste STA, de 05-07-2017, processo nº 01271/15 (recurso de uniformização de jurisprudência), foi tido em conta o seguinte quadro factual:

2. No acórdão recorrido consta como provada a seguinte matéria de facto:
A. Em 16/12/2005 foi instaurado contra a oponente o processo de execução fiscal nº 3336200501051890 no serviço de finanças de Lisboa 14, no montante total de € 35.089,97.
B. As dívidas subjacentes à quantia exequenda referem-se a liquidações oficiosas de IRC e juros compensatórios, efectuadas nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 83º do CIRC:
1. Liquidação nº 20058310024448 referente a 2001, no montante total de € 3.843,69, emitida a 30/05/2005;
2. Liquidação nº 20058130061102 referente a 2002, no montante total de € 15.621,46, emitida a 18/07/2005;
3. Liquidação nº 20058310097245 referente a 2003, no montante total de € 15.624,82, emitida em 15/07/2005.
C. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21193409 em 18/08/2005, referente ao exercício de 2001.
D. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21210109 em 19/08/2005, relativo ao exercício de 2002.
E. A oponente apresentou a declaração de IRC nº 21210926 em 19/08/2005, referente ao exercício de 2003.
F. Em 16/03/2006 a oponente pagou um montante de € 1.250,00 referente à declaração de IRC nº 21210926, do exercício de 2003.
G. A oponente tem sede na Av. ……, posto da …., aeroporto.
H. As liquidações mencionadas foram remetidas por carta registada com aviso de recepção, em 2005, para a sede da oponente tendo sido devolvidas com a menção “mudou-se”.
I. Os serviços de finanças efectuaram uma segunda notificação dos termos do nº 5 do art. 39º do CPPT relativamente a todas as liquidações mencionadas na alínea B) para a sede da oponente, tendo sido devolvidas com a menção “mudou-se”.
J. A fls. 87 dos autos consta a seguinte informação: Em complemento à informação prestada no processo de oposição nº 3336- 06/900005.4, referente à execução fiscal nº 3336200501051890 e conforme o solicitado pela Representação da Fazenda Pública, presta-se a seguinte informação:
1 - Foram efectuadas pelos Serviços Centrais liquidações oficiosas de IRC dos anos de 2001 a 2003, por falta de entrega dentro do prazo estipulado no art. 112º do CIRC, das declarações periódicas de rendimentos desses anos;
2 - Estas liquidações foram efectuadas nos termos da alínea b) do nº 1 do art° 83º do CIRC;
3 - A liquidação nº 2005 8310024448 de 30.05.2005, referente ao ano de 2001, apurou imposto a pagar no montante de € 3.843,69, com data limite de pagamento em 14.07.2005;
4-A liquidação nº 2005 8130061102 de 07.07.2005 referente ao ano de 2002, apurou imposto a pagar no montante de € 15.621,46, com data limite de pagamento em 24.08.2005;
5 - A liquidação nº 2005 8310097245 de 22.07.2005 referente ao ano de 2003, apurou imposto a pagar no montante de € 15.624,82, com data limite de pagamento em 31.08.2005;
6 - Todas elas foram notificadas ao oponente conforme o estipulado no artº 38º do CPPT, tendo sido devolvidas as cartas com a menção de “mudou-se”, não tendo conhecimento a Administração Fiscal que tenha sido alterada a morada da sede, foi feita a notificação conforme preconizado no art. 39º do CPPT, tendo sido devolvidas novamente com a mesma menção;
7 - Verifica-se que o oponente entrega a declaração Mod. 22 do ano 2001 em 18.08.2005, e 2002 e 2003 em 19.08.2005 via internet, posteriormente às liquidações oficiosas efectuadas pelos serviços, que produz no sistema informático declarações com a indicação de não liquidável;
8 - Visto que as liquidações oficiosas de imposto dos referidos anos foram apuradas anteriormente à entrega das declarações pelo oponente e estas não foram liquidadas, não se vislumbra nestes actos a figura de “duplicação de colecta”. O oponente apurou imposto apenas no ano de 2003 na importância de € 1.250,00 que autoliquidou apenas em 16.03.2006, pelo que quando muito poderá ser conciliado com a liquidação desse ano para redução do montante em divida.
9 - Os elementos disponíveis neste serviço de finanças relativos às notificações das liquidações dos já referidos anos vão ser fotocopiados e juntas, devidamente autenticadas, à presente informação.
(...)».
*
3. No acórdão fundamento proferido no processo nº 0435/12 mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:
a) Correu termos no Serviço de Finanças de São Roque do Pico a execução fiscal nº 588/86, que a Caixa Geral de Depósitos moveu contra B………… e esposa C…………
b) Por despacho de 4 de Março de 2008 do Sr. Subdirector-Geral da Justiça Tributária, foram considerados prescritos os créditos que a Caixa Geral de Depósitos tinha sobre os executados, em consequência do que foi desatendida a pretensão que essa exequente tinha de que fossem penhorados os prédios em causa.
c) Esse despacho foi notificado à Caixa Geral de Depósitos a 7 de Julho de 2008, na sequência de requerimento de 24 de Junho desse ano, através do qual a exequente requerera o prosseguimento da execução para penhora dos mesmos prédios.
d) A 11 de Outubro de 2011, a Caixa Geral de Depósitos apresentou novo requerimento pedindo a penhora dos prédios, tendo sido informada, por ofício expedido no dia seguinte, que já em 7 de Julho de 2008 tinha sido notificada da declaração de prescrição dos seus créditos.
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4. No acórdão fundamento proferido no processo nº 460/09 mostra-se fixada a seguinte matéria de facto:
a) O Serviço de Finanças de Lisboa 1 instaurou contra a ora oponente o processo de execução fiscal nº 3069200301004328, para cobrança coerciva de dívida relativa às liquidações adicionais de IVA nº 2257116, no montante de € 6.912,11, e de juros compensatórios nº 2257115, no montante de € 1.674,43, referentes ao ano de 1998, perfazendo o montante de € 8.586,54, com origem nas certidões de dívida nº 2003/14115 e 2003/14116, emitidas em 20-1-2003 - (cfr. autuação, certidões de dívida e prints extraídos do SEF, a fls. 11 a 13 e 15 a 19 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidas);
b) A oponente foi citada da instauração do processo de execução fiscal identificado em A) em 20-11-2003 - (cfr. certidão de citação, a fls. 14v dos autos, que se dá por integralmente reproduzida);
c) A liquidação adicional de IVA nº 2257116, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado - (cfr. docs. a fls. e 54 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
d) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação adicional de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo também este expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” - (cfr. docs. a fls. 55 a 56 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
e) A liquidação de juros compensatórios de IVA nº 2257115, em cobrança coerciva no processo de execução fiscal identificado em A), foi remetida à oponente, através de registo postal com aviso de recepção de 17-9-2002, expedido para a morada da sede da impugnante, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado - (cfr. docs. a fls. 57 e 58 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
f) Em 4-10-2002, foi enviado novo expediente à oponente contendo a mencionada liquidação de juros compensatórios de IVA, através de registo postal com aviso de recepção remetido para a morada da sede da oponente, tendo o expediente sido devolvido ao remetente, sem que aquele aviso se mostre assinado, e tendo o carteiro responsável pelo giro 030 feito constar no sobrescrito que a entrega não foi possível em 7-10-2002, porquanto o destinatário “mudou-se” - (cfr. docs. a fls. 59 e 60 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos);
g) O expediente postal referido nas alíneas C) a F) que antecedem foi enviado para a morada da sede da oponente, sita na Rua …….., nº ……, ….. Lisboa (cfr. docs. e print extraído da base de dados DGCI/Visão do Contribuinte, a fls. 53 a 61 dos autos, que se dão por integralmente reproduzidos).
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2.2.- Motivação de Direito


No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se é admissível o pedido de uniformização de jurisprudência pretendido, uma vez que o Acórdão recorrido do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proferido em 17/09/2020, incorreu em erro de julgamento, dado que perante o mesmo enquadramento, quer de facto, quer de direito, o Acórdão em confronto, do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 05-07-2017, proferido no processo nº 01271/15) já concluiu em sentido oposto ao dos presentes autos, pois está em causa a notificação de acto lesivo em matéria tributária, quanto à forma de notificar as pessoas colectivas e sociedades nos termos do art. 41º do CPPT, que determina a citação na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes.

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2.2.1. Da admissibilidade do recurso de uniformização

Nos termos do Acórdão recorrido foi decidido negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida, esta proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal nos termos da qual foi rejeitada liminarmente a oposição à execução fiscal, nos termos do art.º 209.º, n.º 1, alínea b) do CPPT ou seja, por não ter sido alegado qualquer dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do mesmo código.
Argumenta a recorrente que “em contexto factual e jurídico semelhante, os acórdãos por si referenciados … decidem semelhante questão fundamental de facto e de direito, pois em todos está em causa a notificação de acto lesivo em matéria tributária, quanto à forma de notificar as pessoas colectivas e sociedades nos termos do art.41º do CPPT, que determina a citação na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes.”
Assim e como bem denota o Ministério Público no seu douto Parecer, a situação cuja decisão se pretende uniformizada é a da correcção ou “perfeição” da notificação das pessoas colectivas, tendo em vista saber se, no caso dos autos a recorrente deve considerar-se regularmente notificada ou se a notificação efectuada não pode considerar-se “perfeita”.
E dos factos assentes na decisão impugnada resulta “que a Oponente foi notificada das decisões de aplicação da coima por ofícios assinados digitalmente a 01 de outubro de 2018, as quais transitaram em julgado em momento prévio à instauração da presente oposição - o que se comprova da emissão das várias certidões de dívida que constituem e integram o valor global da dívida exequenda, em 07 de novembro de 2018”, ou seja, em plena consonância com a jurisprudência do STA (acórdão do acórdão do STA de 11/05/2016, proc. n.º 01395/13).”
Neste Supremo Tribunal o Ministério Público sustenta que não se verificam os pressupostos de admissão, prosseguimento e apreciação do presente recurso para uniformização de jurisprudência pois o que a recorrente sindica, no essencial, é o julgamento da questão da regularidade da notificação da decisão de aplicação de coimas.
Importa, então e preliminarmente, perante o circunstancialismo fáctico-jurídico seleccionado, aquilatar da verificação dos requisitos do recurso por oposição quanto à mesma questão fundamental de direito- cfr. artº 284º do CPPT.
A este recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
O único requisito explicitamente referido para a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência é a existência de contradição entre a decisão recorrida e a decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo e entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo (vide artº 284º, nº1 als. a) e b) do CPPT).
Na ausência de qualquer expresso tratamento legislativo neste domínio serão de acatar os critérios jurisprudenciais já fixados na vigência da LPTA e do ETAF e desenvolvidos no âmbito dos recursos de uniformização interpostos e julgados ao agasalho do artº 152º do CPTA, quer relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deverá existir contradição, quer quanto à verificação da oposição de julgados.
Nessa senda, os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo da sua publicação, não tenha sido introduzida qualquer alteração legislativa substancial que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
No tocante à existência da oposição, impõe-se que a mesma norma jurídica tenha sido interpretada e aplicada diversamente numa idêntica situação de facto, não podendo ser considerada quando relativamente a um dos acórdãos em oposição vier a ser assinalada uma divergência sobre a factualidade apurada que puder ser determinante para a aplicação de um diferente regime jurídico.
A oposição deverá resultar de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados, o que acarreta que tenha havido julgamento contraditório sobre questões que tenham sido colocadas à apreciação do tribunal e sobre as quais este carecia de emitir pronúncia – cfr., neste sentido, Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Dicionário de Contencioso Administrativo, Ed. Almedina, págs. 608/609, e, entre muitos outros, acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 05.05.1992, in AP.DR de 29.11.1994, pág. 426, de 18.02.1998, recurso 28637, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 13.11.2013, recurso 594/12, de 26.03.2014, recurso 865/13, de 07.05.2014, recurso 60/14, de 25.02.2015, recurso 964/14, e de 18.03.2015, recurso 525/14, de 11/12/2019, Recurso nº 46/19.5BALSB, de 04-11-2020, Recurso nº 24/20.1BALSB, de 09/12/2020, Recurso nº 43/20.8BALSB e de 20-01-2021, Recurso nº 60/20.1BALSB, todos in www.dgsi.pt.
Não obstante, determina o n.°3 do artigo 284º do CPPT, em consonância com o mesmo nº do artº 152º do CPTA, que “O recurso não é admitido se a orientação perfilhada no acórdão impugnado estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.”
Em suma e evocando Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, e o Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/1 disponível no sítio da Internet wvww.dgsi.pt, são requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: (i) contradição entre um acórdão do TCA ou do STA ou entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo e a decisão recorrida; (ii) trânsito em julgado do acórdão fundamento; (iii) existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; (iv) - ser a orientação perfilhada no acórdão impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Acresce que, quanto à caracterização da questão fundamental de direito, é exigível a identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto, oposição que terá de emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas, não obstando ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica. E as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais, podendo ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas em oposição ao acórdão recorrido.
*

2.2.2.- Da análise do caso concreto:

No caso sub judicibus, seguindo a resenha empreendida pelo EPGA no seu douto Parecer e concordando inteiramente com a solução ali propugnada, é por demais manifesto, como também demonstra a recorrida nas suas contra-alegações, que a situação factual é dissemelhante em ambas as decisões.
Assim, na decisão recorrida constam do probatório sete factos respeitantes a sete processos de contra-ordenação, a saber:
“Por ofício assinado digitalmente em 01 de Outubro de 2018, foi a Oponente notificada da decisão de aplicação de coima no montante de € 3.263,80, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, em 28 de Setembro de 2018, no âmbito do processo de contraordenação n.º 34502015060000066461, por falta de entrega de imposto retido na fonte (IRS) do período 2015/06 no prazo legal (até 20 de Julho de 2015) – cfr. ofício de notificação constante de doc. n.º 5 junto com a petição inicial.”
A decisão recorrida verteu sobre a questão em exame que “Sublinhe-se que apenas em sede do presente recurso é que a Recorrente vem invocar a irregularidade da notificação pelo facto de o gerente da sociedade executada não ter sido notificado da decisão de aplicação da coima, alegadamente, pelo facto de uma funcionária da Recorrente não lhe dado conhecimento. Ou seja, em momento algum na p.i. invocou qualquer irregularidade na notificação, muito pelo contrário, até juntou cópia dos ofícios que a notificam da decisão, aceitando-se pacificamente a regularidade da notificação, nunca invocando qualquer vício que, a existir, até constituiria fundamento de oposição nos termos da alínea i) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT.
Repare-se que a Recorrente não nega a efetivação da notificação eletrónica, aliás, ela própria juntou com a p.i. tais documentos e, portanto, não colhe a argumentação agora aventada em sede de recurso de que existe irregularidade na notificação porque a sua funcionária não deu o encaminhamento devido ao documento e que aquele só chegou ao conhecimento da gerência com a citação para a execução fiscal. Independentemente da credibilidade do ora alegado, o que é incontornável é que não é oponível à AT as questões de tratamento interno das notificações que são efetuadas para o correio eletrónico indicado pela Recorrente (em momento algum foi sequer alegado erro no endereço de correio eletrónico para onde seguiu a notificação).”
Redunda cristalino, tal como enfatiza o Ministério Público no seu sábio Parecer, bem como a recorrida nas suas contra-alegações, que inexiste entre o Acórdão recorrido e o Acórdão identificado como fundamento o confronto que a recorrente lhes atribui pela singela razão de que no Acórdão impugnado o TCAS nem chega a pronunciar-se sobre a irregularidade da notificação, limitando-se a constatar que a recorrente inicialmente aceitou a notificação nos termos em que ela foi realizada, “para o correio eletrónico indicado pela Recorrente”, não invocou no Requerimento de Oposição (petição inicial) qualquer irregularidade da notificação, só o fazendo em alegações de recurso de Apelação.
Vale isto por dizer que não foi suscitada, logo que conhecida a nulidade ou irregularidade da notificação nos termos em que foi efectuada, ficou precludido o direito de o fazer, fora do prazo e do tempo para tal disponível o que acarreta que a invocação feita na Alegação do Recurso de Apelação interposto fosse já manifestamente extemporânea, devendo por isso ser desconsiderado.
Acresce que, em tal situação, assim que teve conhecimento da notificação e entendeu que a mesma era irregular, o que a recorrente devia ter feito era, no processo de contra-ordenação invocar a irregularidade da notificação e pedir a repetição da mesma; a oposição à execução fiscal não era como declarado, o meio próprio para tal.
O certo é que se patenteia nos autos que a recorrente aceitou a notificação efectuada com respeito pelo disposto no art.º 41.º do CPPT, cujo nº 1 determina que, “as pessoas coletivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal eletrónica ou na sua área reservada do Portal das Finanças, nos termos previstos no artigo 38.º-A, ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem” pelo que, tendo a notificação sido efectuada “para o correio eletrónico indicado pela Recorrente”, se não era o endereço correcto só a si é imputável.
Por outro lado, visualizando agora o Acórdão apontado como fundamento pela recorrente, constata-se que não se pronunciou sobre a regularidade da notificação efectuada por correio electrónico, sendo certo que o próprio acórdão recorrido não apreciou expressamente essa questão, tendo-o feito, apenas, implícita e incidentalmente.
Na verdade, como se realça no acórdão recorrido, em momento algum da sua petição inicial a Recorrente invocou a pretensa falta ou irregularidade de notificação da decisão administrativa de aplicação de coima, o que constituiria fundamento de oposição enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.
Em todo o caso, a Oposição à execução está sujeita ao princípio do dispositivo de alegação das causas de pedir e do pedido, constituindo causa de pedir o facto ou factos concretos que servem ao efeito jurídico pretendido e que, in casu, são os factos subsumíveis a qualquer das alíneas do artigo 204º, nº 1 do CPPT, pelo que, quer o Tribunal da 1.ª instância, quer o Tribunal de recurso, estão impedidos de conhecer um fundamento de oposição não invocado pela Oponente, sob pena de nulidade, por excesso de pronúncia (nº 1 do art. 125º do CPPT), sendo jurisprudência pacífica a de que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida (questões novas).
É, pois, patente que entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento inexiste, desde logo, identidade de pressupostos de facto, o que vale por dizer que inexiste qualquer contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre os dois arestos.
Radicando os distintos sentidos das decisões em confronto em diferente valoração da prova produzida nos respectivos processos, no exercício do poder de livre apreciação que ao tribunal é conferido (art.607º, nº 5 CCivil), na esteira do Acórdão do Pleno desta Secção de Contencioso Tributário de 27.06.2018, proferido no Recurso n.º 165/18 (em sentido idêntico se pronunciaram os Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 06.06.2106, recurso 63/16 e de 14.12.2016, recurso 535/16).
Não se verificam, pois, os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº 284º do CPPT, nomeadamente a existência de contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento, pelo que não deve tomar-se conhecimento do presente recurso, tudo, nos termos dos n.°s 1 e 3, do art. 284.°, do CPPT.
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3.- Decisão

Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela recorrente.
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Lisboa, 24 de Novembro de 2021

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José Gomes Correia (Relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.