Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0876/15
Data do Acordão:11/08/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
FALÊNCIA
MASSA FALIDA
ACTIVO IMOBILIZADO
VENDA JUDICIAL
AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL
Sumário:I - A circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.
II - Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC; todavia, se não ocorrer actividade económica não pode haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC.
Nº Convencional:JSTA00070383
Nº do Documento:SA2201711080876
Data de Entrada:07/08/2015
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DE A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC ART1 ART3 ART73 ART43.
CPERF ART155.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01145/09 DE 2011/02/24.; AC STA PROC01079/03 DE 2003/10/29.; AC STA PROC0448/14 DE 2016/11/03.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial que B…………, na qualidade de Liquidatário Judicial da sociedade A………….., LDA, deduziu contra a liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2008, no valor € 191.299,75, bem como liquidação de juros compensatórios, no valor de € 15.639,40, anulando tais liquidações.

1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões:

A. Para efeitos de IRC a sociedade só se considera extinta com a apresentação da respectiva declaração de cessação de actividade, contendo a indicação da data de encerramento de liquidação.

B. Qualquer que seja a causa de dissolução, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo obrigada ao cumprimento de obrigações fiscais, de natureza declarativa e de liquidação e apuramento de imposto, como previstas no art.º 117º do CIRC, de responsabilidade do Administrador de Insolvência.

C. As sociedades em fase de liquidação mantêm a personalidade jurídica, ainda que exista a liquidação do património societário no sentido da extinção da sociedade, sendo que nos termos do nº 2 do art.º 160º do CSC, a sociedade só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação e até lá mantém a personalidade jurídica e continuam a ser-lhes aplicáveis, com as necessárias adaptações as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.

D. O processo de insolvência não afasta a necessidade de as sociedades que vierem a ser declaradas insolventes possuírem contabilidade organizada, que deverá reflectir todas as operações com relevo contabilístico, e que será a base das declarações fiscais a apresentar.

E. Os bens alienados geram mais ou menos valias, como definidas nos registos contabilísticos, dado não perderem a sua natureza fiscal de activo imobilizado, que em nada contende com o acervo de bens que integra a massa falida.

F. O próprio CIRE reconhece o conceito de mais-valias geradas em processo de insolvência, ao isentar no art.º 268º as resultantes da dação em cumprimento dos bens do devedor e da cessão de bens ao credor.

G. Na verdade, a isenção dá-se quando, não obstante, se ter verificado o facto tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela ocorrência de um outro facto a que a Lei atribui essa eficácia impeditiva (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, pag. 283).

H. A douta sentença padece de erro de Julgamento de Direito, quando decidiu considerar que a alienação de bens do activo imobilizado de sociedades em processo de insolvência não integram o conceito de mais-valias para efeitos de IRC, violando assim o art.º 43º do CIRC, na redacção em vigor à data e art.º 268º do CIRE.


1.2. O Recorrido contra-alegou, rematando com as seguintes conclusões:

1. Os arts. 73º e ss. do CIRC têm subjacente uma ideia continuidade da actividade económica mesmo no período de extinção, como o demonstra a previsão da dedutibilidade de prejuízos fiscais de exercícios anteriores constante do nº 4.

2. Se na sociedade insolvente ocorrer a manutenção de actividade económica, então, os negócios referentes a tal actividade encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e ss. do CIRC; nesse sentido veja-se Ac. do STA de 24/2/2011, proferido no Recurso nº 01145/09.

3. Se a sociedade insolvente não tiver qualquer actividade económica, então não haverá lugar a qualquer tributação em sede de IRC, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art. 73º e ss. do CIRC, porquanto não haverá sujeição a imposto - nesse sentido veja-se Ac. do STA de 29/10/2003, proferido no Recurso nº 01079/03.

4. Nas situações em que as vendas de bens se destinem exclusivamente ao pagamento de credores – pura liquidação da massa insolvente – os valores proveniente da venda não podem ser considerados lucro [al. a.) do n.° 1 do art. 3º do CIRC a contrario].

5. Inexistindo escopo lucrativo, ou actividade económica, ocorre a cessação da actividade nos termos da parte final da al. a) do nº 5 do art.º 8º do CIRC, porquanto se deixaram de verificar as condições de sujeição a imposto.

6. Andou bem a decisão recorrida ao considerar que: decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucro que é a base do IRC – cfr. arts 1º e 3º do CIRC –, deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos.

7. As sociedades que não mantenham actividade económica não necessitam de contabilidade e daí que o nº 3 do art. 65º do CIRE prescreva actualmente para a situação em que há estabelecimento empresarial que: Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade.

8. Haverá, porém, imposto nas operações económicas realizadas no âmbito de actividade empresarial da massa insolvente, e por isso existe a isenção prevista no art. 268º do CIRE.

9. A referida norma não pode ser entendida de aplicação irrestrita e desligada do resto do CIRE, designadamente do art. 65º nº 3, tendo que ser entendida contemplando a isenção de tributação para as situações em que a massa exerce uma actividade económica.

10. Caso contrário a mesma não seria compatível com o disposto no art. 65º nº 3 do CIRE e, menos ainda, com a não sujeição a tributação das meras operações de liquidação da massa insolvente.

11. Ao contrário do invocado pela AT a isenção prevista no art. 268º do CIR não significa que as meras operações de liquidação da massa estejam sujeitas a tributação, mas antes que algumas das operações económicas realizadas pela massa insolvente estão isentas.

12. O contrário seria até inconstitucional por admitir a tributação sem lucros, reais ou presumidos – art.º 103º nº 3 e 104º nº 4º da Constituição da República.

13. No caso vertente resulta do Relatório de Inspecção que o Recorrido apresentou declaração de cessação de actividade da sociedade insolvente em 31/7/2008 e procedeu à liquidação da massa com a venda de vários imóveis em Agosto de 2008.

14. Sendo as operações de liquidação da massa não sujeitas a IRC, não poderiam ter sido apurados ganhos de mais-valias nos termos do art.º 43º do CIRC, improcedendo integralmente o presente recurso interposto pela AT.



1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que fosse concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e julgada improcedente a impugnação, esgrimindo, no essencial, com a seguinte argumentação:

«[…]

Para efeitos de IRC a cessação de actividade ocorre, relativamente às sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação (artigo 8º/5/a) do CIR - versão aplicável).
A determinação do lucro tributável das sociedades comerciais em liquidação, onde se incluem as declaradas falidas, é feita nos termos do disposto no artigo 73º do CIRC (versão aplicável).
As obrigações declarativas das sociedades declaradas falidas, em liquidação, que decorram após a dissolução são da responsabilidade dos respectivos liquidatários ou do administrador da falência (artigo 109º/9 do CIRC).
Dos normativos acabados de referir parece resultar que as sociedades comercias dissolvidas por declaração de falência mantêm a sua personalidade tributária até ao encerramento da liquidação, nada obstando a que, com as necessárias adaptações e em tudo o que não for incompatível com o regime processual da massa falida, se lhe apliquem as normas que regem as sociedades não dissolvidas, designadamente as regras previstas no CIRC para a tributação do lucro tributável das sociedades em liquidação (neste sentido vai a actual jurisprudência do STA plasmada nas decisões de 2011.02.24 - P. 01145/09, de 2012.06.14 - P. 0816/11 e de 2014.07.02 - P. 01431/13, todos eles disponíveis no sítio da Internet www.dgsi.pt).
Conforme resulta do probatório a liquidação sindicada teve a sua génese no facto de a AT ter constatado que, no ano de 2008 a recorrida procedeu à alienação de vários imóveis, tendo, por isso, procedido à determinação do lucro tributável pela mais-valias obtida com os bens transmitidos, com recurso a métodos indirectos.
(…)
Nos termos do estatuído no artigo 43º/1 do CIRC (versão aplicável) “Consideram-se mais e menos valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do activo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes da afectação permanente daqueles elementos a fins alheios à actividade exercida”.
O activo imobilizado é formado pelo conjunto de bens necessários à manutenção das actividades da empresa, caracterizados por apresentar-se na forma tangível (máquinas, edifícios, etc.).
Ora, ao contrário do sustentado pela decisão recorrida e ressalvada melhor opinião, não vemos que o facto da recorrida se encontrar em fase de liquidação por via da declaração de falência possa obstar a que o lucro resultante da venda dos imóveis da recorrida consubstancie mais-valias tributáveis em sede de IRC nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43º do CIRC.
O facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação não obsta que, nos termos do estatuído nos artigos 231º e seguintes do CPEREF se possa assistir ao fim da falência e ao reinício da actividade normal, exactamente, com o mesmo activo imobilizado.
A possibilidade de tributação em IRC das sociedades comercias falidas e em liquidação parece fazer sentido, pois que durante este período pode existir uma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, nomeadamente, negócios de execução duradoura iniciados antes da declaração de falência, confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência (artigo 155º/2 do CPEREF), venda dos seus próprios bens (artigos 145º/1/a) e 179º/1 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo «Balanço» apresentar bens.
A decisão recorrida, a nosso ver, merece censura.».


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir em conferência.


2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte factualidade:

A. Por sentença de 15.10.2002, proferida no âmbito do processo nº 643/2000 da Secção Única do Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, a sociedade A……………, LDA, foi declarada falida, tendo sido nomeado Liquidatário Judicial o ora Impugnante — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.

B. No ano de 2008 o Liquidatário Judicial procedeu à venda de diversos bens imóveis que eram propriedade da sociedade falida — por acordo.

C. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI.2011.000176, de 25.01.2011, foi realizada uma ação de inspeção de âmbito parcial (IRC do exercício de 2008) à sociedade A………….., LDA. - cfr. o Relatório de Inspeção (RIT) junto à petição inicial como doc. 4.

D. Em 16.06.2011 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária relativo à ação inspetiva referida na alínea que antecede, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, e que, no que ao caso releva, tem o seguinte teor:

«[…]
III — Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas.
1- Enquadramento.
O sujeito passivo (S.P) A…………. Lda - Sociedade em liquidação NIPC ………… encontra-se registado pelo exercício da actividade de “Apartamentos Turísticos Com Restaurante”, a que corresponde o código da actividade 55118, encontrando-se no regime geral de determinação do lucro tributável em IRC e no regime normal de IVA desde 1-10-1986 até 30-11-2002.
O S.P. foi declarado insolvente por sentença de 18-10-2002 do tribunal Judicial de Vila Real Santo António, Processo nº 643/2000, tendo sido nomeado administrador de insolvência o Dr. B………..
A actividade foi cessada em 31-07-2008, por declaração de cessação apresentada pelo Administrador de insolvência.

2 - Cessação de actividade
De acordo com o nº 5 do artigo 8º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), a cessação de actividade ocorre a) “Relativamente às entidades com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação...”. O ofício circulado nº 20063 de 5-03-2002 refere ainda que, “… A cessação de actividade deverá reportar-se à data do registo do encerramento da liquidação, por ser esse o momento em que se considera extinta a sociedade, conforme disposto no nº 2 do artigo 160º do CSC”.
O artigo 160º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), estipula:
“1- Os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação.
2- A sociedade considera-se extinta... “pelo registo do encerramento da liquidação.” Analisado o registo comercial da sociedade, conclui-se que ainda não se encontra registado o encerramento da liquidação, pelo que não se encontram reunidas as condições para a cessação da actividade.
3- Descrição dos factos:
Através da consulta ao sistema informático desta Direcção de Finanças, ver que no exercício de 2008, o S.P. procedeu à alienação de vários imóveis. […].
[...]
De acordo com a circular 1/2010 da Direcção de Serviços do IRC e da Direcção de Serviços do IVA referentes às obrigações fiscais em caso de insolvência, a mesma refere que “Da conjugação dos artigos 65º e 268º do CIRE, este último introduzido no Título “Benefícios Emolumentares e Fiscais” — que vem, aliás, confirmar a sujeição das entidades insolventes aos impostos sobre o rendimento, pois só se pode afastar do âmbito da tributação por isenção aquilo que, a priori, está sujeito — com os artigos 117º a 125º do CIRC, resulta, para as pessoas colectivas em situação de insolvência, o cumprimento das obrigações em sede de IRC, designadamente submeter por transmissão electrónica de dados, nos termos previstos do art.º 120º do CIRC, a declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do nº 1 do art.º 117º...” Assim, nos termos da referida circular e do actual art.º 120º do CIRC, o Administrador de Insolvência deveria ter entregue a declaração de rendimentos modelo 22 do ano de 2008 da sociedade e a mesma deveria ter contabilidade organizada nos termos do actual art.º 123 do CIRC.
[...]
IV - Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos
[...]
A inexistência ou não organização da contabilidade, constitui fundamento para a determinação do lucro tributável com o recurso a métodos indirectos de harmonia com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º e alínea a) do artigo 88º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT) e a que se refere o artigo 57º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC).
[…]
V— Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indiretos
Pelos motivos expostos no capítulo anterior proponho a fixação da matéria colectável do IRC, para o ano de 2008, nos termos da al. d) do art.º 90º da LGT “Os elementos e informações declaradas à administração tributária...” Propõe-se a determinação o lucro tributável pela mais-valia obtida dos bens transmitidos.
Assim, partindo dos valores constantes no mapa de amortizações, do ano de 1995, e dos valores de venda (o valor de escritura ou valor patrimonial resultante da avaliação) obtemos o lucro tributável proposto.
[…]
Uma vez que somente temos conhecimento do valor das amortizações praticadas até ao ano de 1995, calculamos as restantes amortizações considerando as quotas mínimas, segundo o art.º 19 do Decreto Regulamentar nº 2/90 “para efeitos do disposto no número anterior, as quotas mínimas de reintegração e amortização são, qualquer que seja o método de reintegração e amortização utilizado, as que decorrem do método das quotas constantes, considerando para o seu cálculo taxas iguais a metade das fixadas no art.º 5º”. Como os imóveis afectos a hotéis tem uma taxa de amortização de 5%, vamos calcular as amortizações com base numa taxa de 2,5%, conforme se discrimina no quadro abaixo.
[…]
2 - Apuramento do valor de realização dos imóveis e lucro tributável proposto
Quadro nº4
a) O nº 1 do artigo 58º A refere ainda que “Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre imóveis devem adoptar, para efeitos de determinação do lucro tributável nos termos do presente código, valores normais de mercado que não poderão ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definidos que serviram de base à liquidação do IMT...”
Em resultado das correcções com recurso a métodos indirectos efectuadas no presente capítulo, foi apurado o seguinte imposto em falta:
Lucro tributável sujeito a IRC
Quadro nº 5
[...]
V — Infracções verificadas
A falta de entrega da declaração de rendimentos modo 22 do exercício de 2008 constitui infracção ao art.º 120º do CIRC, e é punível nos termos do art. 116º do RGIT. A falta de entrega da declaração anual de informação contabilística e fiscal do exercício de 2008 constitui infracção ao art. 121º do CIRC, e é punível nos termos do artº 116º do RGIT. […]» — cfr. o RIT junto à petição inicial como doc. 4.

E. Por ofício de 27.06.2011 foi a sociedade A……………, LDA, notificada, na pessoa de Liquidatário Judicial, ora Impugnante, do RIT e da fixação da matéria tributável - cfr. doc. 4 junto à petição inicial.

F. À data da realização da ação de inspeção identificada em D) não se encontrava registado o encerramento da liquidação da sociedade — por acordo.

G. Não foi desencadeado pelo Liquidatário Judicial o procedimento de revisão da matéria coletável — por acordo.

H. Acto impugnado: Na sequência da ação inspetiva identificada em C), em 16.08.2011 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC nº 2011 8310004581, relativa ao exercício de 2008, no valor de € 191.299,75, e a liquidação de juros compensatórios nº 2011 00001897375 no valor de € 15.639,40, tudo com data limite de pagamento em 21.09.2011 — cfr. a demonstração de acerto de contas junta como doc. 3 com a petição inicial.

I. A presente impugnação deu entrada neste TAF no dia 21.10.2011 — cfr. fls. 1 e 2.

3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que o Liquidatário Judicial da massa falida da sociedade comercial A……………, LDA (declarada falida por sentença de 15/10/2002) deduziu contra a liquidação oficiosa de IRC relativo ao exercício de 2008, levada a cabo pela Administração Tributária na sequência da determinação por métodos indirectos da matéria colectável da aludida sociedade nesse exercício económico de 2008.

Na verdade, do teor do relatório de inspeção constata-se que a Administração Tributária considerou a existência de “proveitos” para a sociedade advindos da venda de bens do seu ativo imobilizado no âmbito do processo de falência, venda essa realizada pelo respectivo Liquidatário Judicial no âmbito do respectivo processo falimentar.

A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial, no entendimento de que o produto da venda desses imóveis configura a venda de bens da massa falida em ordem à satisfação dos credores, em concurso universal, não integrando o conceito de proveitos nos termos e para os efeitos do CIRC. Isto é, a liquidação efectuada à sociedade comercial seria ilegal, por inexistência de facto tributário, atento o facto de tal sociedade não ter auferido rendimentos ou proveitos passíveis de tributação em IRC no exercício em causa e não ser admitida a tributação (real ou presumida) sem a sua existência.

Tal como nela se deixou afirmado, apesar de a sociedade dissolvida continuar a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, sendo de acolher a posição plasmada no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09, o certo é que «decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC — cfr. artºs 1º e 3º do CIRC — deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos.
Assim, a venda dos bens imóveis ocorrida em 2008 não configura uma venda de bens do ativo imobilizado da falida (que deixou de existir como tal) mas antes a venda de bens da massa em ordem à satisfação dos credores, em concurso universal, não integrando, por isso, o conceito de mais-valias previsto no artº 43º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos — cfr. neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29.10.2003, recurso nº 01079/03.
Uma vez que os únicos rendimentos considerados para efeitos da liquidação oficiosa de IRC do ano de 2008 foram os relativos à venda dos mencionados bens imóveis, que a AT qualificou e tributou como mais-valias, procede, neste ponto a alegação do Impugnante.».

Deste modo, a questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que não existia, relativamente a uma sociedade declarada falida e em fase de liquidação do seu património, a possibilidade de determinar a sua matéria tributável por métodos indirectos perante o facto de terem sido alienados, no âmbito da liquidação da massa insolvente, bens que integravam a massa falida e perante o facto de não ter sido apresentada a declaração de rendimentos para o exercício em que a alienação ocorreu.

Vejamos.

Como resulta do probatório, a sociedade A………….., LDA foi declarada falida no ano de 2002, pelo que, face ao disposto no art.º 12º, nº 1, do Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tal falência continua a ser regulada pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF).

E como também se percebe pela factualidade ali fixada, tal sociedade já não desenvolvia a actividade própria daquele que foi o seu objecto social (actividade turística e hotelaria), tendo-se limitado o liquidatário judicial a alienar o património apreendido para a massa falida para dar pagamento aos credores reclamantes.

Ora, apesar não terem sido cumpridas obrigações fiscais declarativas – e que se mantinham conforme doutrina citada na sentença e que encontra acolhimento no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09 – o certo é que a venda que tem lugar na fase de liquidação do activo de empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal. E o incumprimento de obrigações declarativas, ainda que permita à Administração Tributária averiguar, através de acção inspectiva (como aconteceu no caso) se a empresa tinha ou não continuado a exercer actividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, não integra fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento.

Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável.

Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC.

Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC.

Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03.

Com efeito, a venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal, e que não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no art.º 43º do Código do IRC.

Como se deixou frisado naquele acórdão proferido no recurso nº 01079/03, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos.

No mesmo sentido, o acórdão do STA proferido em 3/11/2016, no recurso nº 0448/14, segundo o qual «Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.».

Termos em que não merece qualquer censura a decisão recorrida.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 8 de Novembro de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.