Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0876/15 |
Data do Acordão: | 11/08/2017 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | DULCE NETO |
Descritores: | IRC FALÊNCIA MASSA FALIDA ACTIVO IMOBILIZADO VENDA JUDICIAL AVALIAÇÃO INDIRECTA DA MATÉRIA COLECTÁVEL |
Sumário: | I - A circunstância de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património não impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. II - Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC; todavia, se não ocorrer actividade económica não pode haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC. |
Nº Convencional: | JSTA00070383 |
Nº do Documento: | SA2201711080876 |
Data de Entrada: | 07/08/2015 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | MASSA INSOLVENTE DE A... LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | SENT TAF LOULÉ |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO |
Área Temática 1: | DIR FISC - IRC. |
Legislação Nacional: | CIRC ART1 ART3 ART73 ART43. CPERF ART155. |
Jurisprudência Nacional: | AC STA PROC01145/09 DE 2011/02/24.; AC STA PROC01079/03 DE 2003/10/29.; AC STA PROC0448/14 DE 2016/11/03. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. A FAZENDA PÚBLICA interpõe recurso da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente a impugnação judicial que B…………, na qualidade de Liquidatário Judicial da sociedade A………….., LDA, deduziu contra a liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2008, no valor € 191.299,75, bem como liquidação de juros compensatórios, no valor de € 15.639,40, anulando tais liquidações. 1.1. Terminou a alegação de recurso com as seguintes conclusões: A. Para efeitos de IRC a sociedade só se considera extinta com a apresentação da respectiva declaração de cessação de actividade, contendo a indicação da data de encerramento de liquidação. B. Qualquer que seja a causa de dissolução, a sociedade em liquidação continua a existir enquanto sujeito passivo de IRC, permanecendo obrigada ao cumprimento de obrigações fiscais, de natureza declarativa e de liquidação e apuramento de imposto, como previstas no art.º 117º do CIRC, de responsabilidade do Administrador de Insolvência. C. As sociedades em fase de liquidação mantêm a personalidade jurídica, ainda que exista a liquidação do património societário no sentido da extinção da sociedade, sendo que nos termos do nº 2 do art.º 160º do CSC, a sociedade só se considera extinta após o registo do encerramento da liquidação e até lá mantém a personalidade jurídica e continuam a ser-lhes aplicáveis, com as necessárias adaptações as disposições que regem as sociedades não dissolvidas. D. O processo de insolvência não afasta a necessidade de as sociedades que vierem a ser declaradas insolventes possuírem contabilidade organizada, que deverá reflectir todas as operações com relevo contabilístico, e que será a base das declarações fiscais a apresentar. E. Os bens alienados geram mais ou menos valias, como definidas nos registos contabilísticos, dado não perderem a sua natureza fiscal de activo imobilizado, que em nada contende com o acervo de bens que integra a massa falida. F. O próprio CIRE reconhece o conceito de mais-valias geradas em processo de insolvência, ao isentar no art.º 268º as resultantes da dação em cumprimento dos bens do devedor e da cessão de bens ao credor. G. Na verdade, a isenção dá-se quando, não obstante, se ter verificado o facto tributário em todos os seus elementos, a eficácia constitutiva deste é paralisada originariamente pela ocorrência de um outro facto a que a Lei atribui essa eficácia impeditiva (Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, pag. 283). H. A douta sentença padece de erro de Julgamento de Direito, quando decidiu considerar que a alienação de bens do activo imobilizado de sociedades em processo de insolvência não integram o conceito de mais-valias para efeitos de IRC, violando assim o art.º 43º do CIRC, na redacção em vigor à data e art.º 268º do CIRE.
1. Os arts. 73º e ss. do CIRC têm subjacente uma ideia continuidade da actividade económica mesmo no período de extinção, como o demonstra a previsão da dedutibilidade de prejuízos fiscais de exercícios anteriores constante do nº 4. 2. Se na sociedade insolvente ocorrer a manutenção de actividade económica, então, os negócios referentes a tal actividade encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e ss. do CIRC; nesse sentido veja-se Ac. do STA de 24/2/2011, proferido no Recurso nº 01145/09. 3. Se a sociedade insolvente não tiver qualquer actividade económica, então não haverá lugar a qualquer tributação em sede de IRC, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art. 73º e ss. do CIRC, porquanto não haverá sujeição a imposto - nesse sentido veja-se Ac. do STA de 29/10/2003, proferido no Recurso nº 01079/03. 4. Nas situações em que as vendas de bens se destinem exclusivamente ao pagamento de credores – pura liquidação da massa insolvente – os valores proveniente da venda não podem ser considerados lucro [al. a.) do n.° 1 do art. 3º do CIRC a contrario]. 5. Inexistindo escopo lucrativo, ou actividade económica, ocorre a cessação da actividade nos termos da parte final da al. a) do nº 5 do art.º 8º do CIRC, porquanto se deixaram de verificar as condições de sujeição a imposto. 6. Andou bem a decisão recorrida ao considerar que: decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucro que é a base do IRC – cfr. arts 1º e 3º do CIRC –, deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos. 7. As sociedades que não mantenham actividade económica não necessitam de contabilidade e daí que o nº 3 do art. 65º do CIRE prescreva actualmente para a situação em que há estabelecimento empresarial que: Com a deliberação de encerramento da atividade do estabelecimento, nos termos do nº 2 do artigo 156º, extinguem-se necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais, o que deve ser comunicado oficiosamente pelo tribunal à administração fiscal para efeitos de cessação da actividade. 8. Haverá, porém, imposto nas operações económicas realizadas no âmbito de actividade empresarial da massa insolvente, e por isso existe a isenção prevista no art. 268º do CIRE. 9. A referida norma não pode ser entendida de aplicação irrestrita e desligada do resto do CIRE, designadamente do art. 65º nº 3, tendo que ser entendida contemplando a isenção de tributação para as situações em que a massa exerce uma actividade económica. 10. Caso contrário a mesma não seria compatível com o disposto no art. 65º nº 3 do CIRE e, menos ainda, com a não sujeição a tributação das meras operações de liquidação da massa insolvente. 11. Ao contrário do invocado pela AT a isenção prevista no art. 268º do CIR não significa que as meras operações de liquidação da massa estejam sujeitas a tributação, mas antes que algumas das operações económicas realizadas pela massa insolvente estão isentas. 12. O contrário seria até inconstitucional por admitir a tributação sem lucros, reais ou presumidos – art.º 103º nº 3 e 104º nº 4º da Constituição da República. 13. No caso vertente resulta do Relatório de Inspecção que o Recorrido apresentou declaração de cessação de actividade da sociedade insolvente em 31/7/2008 e procedeu à liquidação da massa com a venda de vários imóveis em Agosto de 2008. 14. Sendo as operações de liquidação da massa não sujeitas a IRC, não poderiam ter sido apurados ganhos de mais-valias nos termos do art.º 43º do CIRC, improcedendo integralmente o presente recurso interposto pela AT.
«[…] Para efeitos de IRC a cessação de actividade ocorre, relativamente às sociedades comerciais com sede ou direcção efectiva em território português, na data do encerramento da liquidação (artigo 8º/5/a) do CIR - versão aplicável). A. Por sentença de 15.10.2002, proferida no âmbito do processo nº 643/2000 da Secção Única do Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António, a sociedade A……………, LDA, foi declarada falida, tendo sido nomeado Liquidatário Judicial o ora Impugnante — cfr. doc. 1 junto com a petição inicial. B. No ano de 2008 o Liquidatário Judicial procedeu à venda de diversos bens imóveis que eram propriedade da sociedade falida — por acordo. C. Em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI.2011.000176, de 25.01.2011, foi realizada uma ação de inspeção de âmbito parcial (IRC do exercício de 2008) à sociedade A………….., LDA. - cfr. o Relatório de Inspeção (RIT) junto à petição inicial como doc. 4. D. Em 16.06.2011 foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária relativo à ação inspetiva referida na alínea que antecede, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, e que, no que ao caso releva, tem o seguinte teor: «[…] E. Por ofício de 27.06.2011 foi a sociedade A……………, LDA, notificada, na pessoa de Liquidatário Judicial, ora Impugnante, do RIT e da fixação da matéria tributável - cfr. doc. 4 junto à petição inicial. F. À data da realização da ação de inspeção identificada em D) não se encontrava registado o encerramento da liquidação da sociedade — por acordo. G. Não foi desencadeado pelo Liquidatário Judicial o procedimento de revisão da matéria coletável — por acordo. H. Acto impugnado: Na sequência da ação inspetiva identificada em C), em 16.08.2011 foi emitida a liquidação oficiosa de IRC nº 2011 8310004581, relativa ao exercício de 2008, no valor de € 191.299,75, e a liquidação de juros compensatórios nº 2011 00001897375 no valor de € 15.639,40, tudo com data limite de pagamento em 21.09.2011 — cfr. a demonstração de acerto de contas junta como doc. 3 com a petição inicial. I. A presente impugnação deu entrada neste TAF no dia 21.10.2011 — cfr. fls. 1 e 2.
3. Vem o presente recurso interposto da sentença que julgou procedente a impugnação judicial que o Liquidatário Judicial da massa falida da sociedade comercial A……………, LDA (declarada falida por sentença de 15/10/2002) deduziu contra a liquidação oficiosa de IRC relativo ao exercício de 2008, levada a cabo pela Administração Tributária na sequência da determinação por métodos indirectos da matéria colectável da aludida sociedade nesse exercício económico de 2008. Na verdade, do teor do relatório de inspeção constata-se que a Administração Tributária considerou a existência de “proveitos” para a sociedade advindos da venda de bens do seu ativo imobilizado no âmbito do processo de falência, venda essa realizada pelo respectivo Liquidatário Judicial no âmbito do respectivo processo falimentar. A sentença recorrida julgou procedente impugnação judicial, no entendimento de que o produto da venda desses imóveis configura a venda de bens da massa falida em ordem à satisfação dos credores, em concurso universal, não integrando o conceito de proveitos nos termos e para os efeitos do CIRC. Isto é, a liquidação efectuada à sociedade comercial seria ilegal, por inexistência de facto tributário, atento o facto de tal sociedade não ter auferido rendimentos ou proveitos passíveis de tributação em IRC no exercício em causa e não ser admitida a tributação (real ou presumida) sem a sua existência. Tal como nela se deixou afirmado, apesar de a sociedade dissolvida continuar a existir enquanto sujeito passivo de IRC até à data do encerramento da liquidação, sendo de acolher a posição plasmada no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09, o certo é que «decretada a falência, cessa a prossecução do objeto social da empresa e, portanto, a obtenção de lucros que é a base do IRC — cfr. artºs 1º e 3º do CIRC — deixando de existir ativo imobilizado, como tal, uma vez que todos os bens da pessoa coletiva são apreendidos e passam a integrar a chamada massa falida, constituída por um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar os créditos reconhecidos. Deste modo, a questão a decidir no presente recurso consiste em saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que não existia, relativamente a uma sociedade declarada falida e em fase de liquidação do seu património, a possibilidade de determinar a sua matéria tributável por métodos indirectos perante o facto de terem sido alienados, no âmbito da liquidação da massa insolvente, bens que integravam a massa falida e perante o facto de não ter sido apresentada a declaração de rendimentos para o exercício em que a alienação ocorreu. Vejamos. Como resulta do probatório, a sociedade A………….., LDA foi declarada falida no ano de 2002, pelo que, face ao disposto no art.º 12º, nº 1, do Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março, que aprovou o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, tal falência continua a ser regulada pelo Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF). E como também se percebe pela factualidade ali fixada, tal sociedade já não desenvolvia a actividade própria daquele que foi o seu objecto social (actividade turística e hotelaria), tendo-se limitado o liquidatário judicial a alienar o património apreendido para a massa falida para dar pagamento aos credores reclamantes. Ora, apesar não terem sido cumpridas obrigações fiscais declarativas – e que se mantinham conforme doutrina citada na sentença e que encontra acolhimento no acórdão proferido pelo STA em 24.02.2011, no recurso nº 01145/09 – o certo é que a venda que tem lugar na fase de liquidação do activo de empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens de um património autónomo (massa falida) que visa a satisfação dos credores em concurso universal. E o incumprimento de obrigações declarativas, ainda que permita à Administração Tributária averiguar, através de acção inspectiva (como aconteceu no caso) se a empresa tinha ou não continuado a exercer actividade económica e, no caso afirmativo, proceder à determinação do lucro tributável em sede de IRC, não integra fundamento para a tributação em imposto sobre o rendimento. Na verdade, a declaração de falência e a entrada em período de liquidação da massa falida não determina, por si só, a abolição de imposto sobre o rendimento, o que se compreende na medida em que durante o período de cessação progressiva da existência da sociedade ou período de liquidação pode existir alguma actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC (fruto, por exemplo, de negócios jurídicos que se continuaram a realizar, mormente negócios de execução duradoura que tiveram início antes da declaração de falência, ou fruto da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência - artigo 155.º, nº 2 do CPEREF), podendo o «Resultado da Liquidação», evidenciado pelo respectivo “Balanço”, apresentar lucro tributável. Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada falida e haver entrado em fase de liquidação, não obsta, sequer, a que se possa assistir ao término do seu processo de falência e ao reiniciar da sua normal actividade, com surgimento de matéria tributável para efeitos de IRC. Pelo que, não é o facto de se estar em presença de uma situação jurídica de falência e de liquidação do património que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IRC. Por conseguinte, se na sociedade falida ocorrer actividade económica geradora de rendimentos sujeitos a IRC, tais rendimentos encontram-se sujeitos às regras de tributação previstas nos arts. 73º e segs. do CIRC. Todavia, se não ocorrer qualquer actividade económica não poderá haver lugar a tributação, por inexistência de facto tributário, não sendo aplicável à liquidação de bens da massa insolvente as regras do art.º 73º e segs. do Código do IRC, como bem se deixou explicitado no acórdão do STA de 29/10/2003, no recurso nº 01079/03. Com efeito, a venda que tem lugar nos autos de liquidação do activo da empresa falida não é uma venda de bens do seu activo imobilizado, mas a venda de bens da massa falida com vista à satisfação dos credores, em concurso universal, e que não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no art.º 43º do Código do IRC. Como se deixou frisado naquele acórdão proferido no recurso nº 01079/03, com a declaração de falência não há mais activo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo património, a chamada “massa falida”, que constitui um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. No mesmo sentido, o acórdão do STA proferido em 3/11/2016, no recurso nº 0448/14, segundo o qual «Com base na falta de apresentação de declaração de rendimentos e impossibilidade de comprovação e quantificação directa do lucro tributável, poderia a Administração Tributária proceder à determinação do lucro tributável com recurso a métodos indirectos, se, tendo em conta a sua declaração de falência e a sua declaração de que cessou a sua actividade comercial em 1991, apenas relativamente às condições que subsistam de sujeição ao IRC, para além das que derivam do exercício de uma actividade económica, como sejam os negócios jurídicos que se possam ter continuado a realizar seja por serem de execução duradoura que se protelou para além da declaração de falência, ou por terem resultado da confirmação de negócios do falido posteriores à declaração de falência, ou, até pelo que sobrou do produto da venda dos bens que integravam a massa insolvente depois de pagas as dívidas da massa e os créditos reconhecidos.». Termos em que não merece qualquer censura a decisão recorrida.
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