Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0264/16
Data do Acordão:05/04/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
VENDA
ENTREGA DO BEM AO COMPRADOR
Sumário:I - O contrato de cessão de exploração não confere ao seu titular qualquer direito real mas sim um mero direito obrigacional.
II - Sendo o contrato de cessão de exploração anterior à penhora determinante da venda executiva tal venda não implica a caducidade deste contrato ainda que o bem vendido estivesse onerado por hipoteca registada anteriormente a favor do adquirente.
III - Da tipicidade dos direitos reais e seu “numerus clausus” resulta a impossibilidade da aplicação analógica ao contrato de cessão de exploração do nº 2 do artigo 824 do Código Civil por tal contrato conferir ao seu titular um direito de crédito, obrigacional e não real.
Nº Convencional:JSTA00069690
Nº do Documento:SA2201605040264
Data de Entrada:03/03/2016
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL
Legislação Nacional:CCIV66 ART819 ART824 N2 ART688 ART1051 ART1057 ART817.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01756/13 DE 2013/12/18.; AC STJ PROC896/07.5TBSTS.P1.S1 DE 2015/10/22.
Referência a Doutrina:ISABEL CAMPOS - PARTICULARIDADES DA EXECUÇÃO DE HIPOTECA.
GALVÃO TELES - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 3ED.
MOTA PINTO - DIREITOS REAIS 1970/71 PÁG117.
MENEZES CORDEIRO - DIREITOS REAIS 1979 PÁG465.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório
1. A…….., S.A., identificado nos autos, vem interpor recurso da sentença proferida pelo TAF de Penafiel, que julgou improcedente a reclamação do despacho emitido pelo Serviço de Finanças de Marco de Canavezes, que determinou o arquivamento do pedido de entrega de imóvel adjudicado pelo recorrente, por existir um contrato de cessão de exploração relativo ao bem e que considerou não ter caducado com a venda.

2. Formulou as seguintes conclusões das suas alegações:
1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, o qual julgou improcedente a reclamação de um despacho proferido pelo Serviço de Finanças do Marco de Canavezes, o qual determinou o arquivamento de um pedido de entrega de um imóvel adjudicado pelo recorrente, por existir um contrato de cessão de exploração relativo a tal bem, que considerou não ter caducado com a venda.
2. Ora, o recorrente - que adquiriu o imóvel na execução - tinha registadas três hipotecas sobre o referido imóvel, prévias ao contrato de cessão de exploração alegadamente celebrado pela executada com terceiros, conforme consta da matéria de facto dada como provada, motivo pelo qual considera que tal contrato caducou com a venda judicial.
3. Não foi isso que foi considerado na sentença recorrida, que deu razão ao Serviço de Finanças, por considerar que o referido contrato de cessão de exploração não caduca com a venda, na medida em que é anterior à penhora dos autos, muito embora seja posterior às hipotecas registadas a favor do recorrente.
4. Não se pode, manifestamente, concordar com tal posição.
5. Dá-se por reproduzida a matéria de facto dada como provada nos presentes autos.
6. Conforme consta da matéria de facto dada como provada, as hipotecas do recorrente são anteriores ao contrato de cessão de exploração celebrado, sendo a penhora dos presentes autos posterior ao mesmo.
7. Tal não significa, porém, que tal contrato não caduque com a venda judicial, o que manifestamente terá que se considerar que ocorre, atendendo ao disposto no nº 2 do art. 824º do Código Civil.
8. Tem sido amplamente entendido que ao arrendatário, e por igualdade de razão, ao cessionário no caso de um contrato de cessão de exploração, deve ser aplicado por analogia o disposto naquele artigo.
9. Entender o contrário, como o faz a sentença recorrida, além de se mostrar contrário aos princípios legais sustentados na lei substantiva, não encontra qualquer sustentação na argumentação que vem sendo subscrita pela jurisprudência, plasmada, entre outros, nos Acórdãos do Tribunal da Relação da Porto de 06.02.2007, 07.11.2006, 20.12.2004. 22.01.2004, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.12.2013, 14.03.2013, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.07.2014, bem como dos doutos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.1997, 15.11.2007, 05.02.2009 e 27.05.2010, e 22.10.2015,
10. Que confirmam a tese, que se subscreve, de que “o arrendamento do imóvel, posterior à constituição de garantia como a hipoteca do mesmo, destarte prioritária, caduca com a venda, ex vi do artigo 824º n.º 2, do Cód. Civil”.
11. Razão pela qual, salvo o devido respeito, que é muito, o Recorrente não pode concordar com os fundamentos que serviram de base à prolação da sentença proferida e que, em muito, abalam os direitos protegidos do Banco recorrente na sua qualidade de credor hipotecário sobre o imóvel penhorado e vendido nos autos.
12. De facto, mostra-se provado nos autos de execução que quando foram registadas as hipotecas que o recorrente tem a seu favor — entre 2005 e 2008 (com o montante máximo assegurado de mais de um milhão e meio de euros), não existia qualquer contrato de cessão de exploração, o qual só veio a ser celebrado em 2012,
13. E no qual foi estipulado o pagamento de uma renda mensal de € 200,00 — por dez anos.
14. Ora, na venda que ocorreu nestes autos através da diligência de abertura de propostas em carta fechada, o Banco recorrente apresentou proposta na qualidade de credor hipotecário, tendo-lhe sido adjudicado o bem em causa.
15. O que fundamentou que o Recorrente tivesse requerido a entrega efetiva do imóvel adquirido e identificado nos autos, porquanto o mesmo, até à data, não lhe havia sido entregue apesar do título de transmissão.
16. Tal posição, como acima já foi referido, tem por base o facto de o recorrente entender e ter entendido que qualquer contrato de cessão de exploração a favor de terceiros, a existir, ter caducado com a venda judicial do imóvel (art. 824º n.º 2, Código Civil), por ter sido adquirido pelo credor hipotecário e atendendo à prioridade do registo da hipoteca sobre aquele suposto contrato,
17. Não se podendo retirar da apresentação de proposta por parte do recorrente a ilação de que se conformou com o contrato existente — pelo contrário: não só a jurisprudência tem sido praticamente unânime no sentido de que os contratos posteriores à hipoteca caducam (e não à penhora, como se refere na sentença proferida),
18. Como entender de outra forma conduziria a uma subversão fácil e sem custos da garantia hipotecária: bastaria as partes, posteriormente à hipoteca, celebrarem um contrato por uma renda baixa, que o credor hipotecário teria que conformar-se com a sua existência para todo o sempre, e consequente desvalorização total do bem...
19. Manifestamente, não pode ser.
20. O Recorrente sempre agiu na convicção de que não estava (como nunca esteve) reconhecido qualquer contrato de cessão de exploração que prevalecesse depois da venda, por ter sido celebrado após o registo da hipoteca a seu favor.
21. É inequívoco que os Tribunais Superiores têm entendido como certo que seria contrário aos superiores interesses legais sobre os quais se sustenta, por exemplo, a defesa dos titulares de direitos hipotecários, que estes vissem esses direitos desprotegidos pela mera invocação de um contrato de arrendamento sobre o bem hipotecado, apesar da sua precedência registral.
22. De outra forma, a admitir-se a tese sufragada na decisão recorrida, de nada serviria o reconhecimento da garantia hipotecária a favor do Recorrente, porquanto tal ónus sempre seria afastado por iniciativa do mutuário, bastando para tal onerar o mesmo bem com um contrato de arrendamento ou de cessão de exploração a favor de terceiros, quiçá, consigo conluiado,
23. Ou até mesmo fazer constar dos anúncios da venda na execução da existência de um qualquer contrato de arrendamento, ainda não que reconhecido,
24. Quando é certo que não é esse o entendimento que resulta da lei vigente e da própria jurisprudência majoritária, que se subscreve.
25. A decisão recorrida põe ainda em causa o princípio da segurança jurídica, implícito no art. 890º do CPC e plasmado no art. 202º nº 2 da CRP, com o entendimento referido.
26. Acresce que, tendo em consideração que foi feita a penhora dos autos alegadamente em fase posterior ao contrato de cessão de exploração, a entidade que é beneficiária de tal contrato deveriam ter promovido, caso assim o entendessem, pela dedução dos respetivos embargos de terceiro, em tempo, sempre lhe assistiria a dedução de oposição à execução para invocação dos respetivos direitos e eventual reconhecimento do contrato de cessão de exploração.
27. A este propósito atente-se à posição vertida pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24.06.2004 (in www.dgsi.pt)
28. Sucede que, apesar do exposto, tal entidade não optou por seguir essas vias processuais, perdendo a oportunidade de fazer valer nesta ação os seus alegados direitos de cessionária contra a ofensa da posse do imóvel arrendado.
29. Por último, não se diga que o facto de constar do edital de venda faz constituir o direito à posse do imóvel por parte dos cessionários
30. Com efeito, muito embora seja pacífico que o rigor e a clareza na publicidade devam prevalecer, a verdade é que “a simples inscrição na publicitação da venda não faz nascer um ónus ou limitação que nunca existiu nem impede a morte de um ónus ou limitação que caduca por força da própria venda executiva. Não é, pois, a circunstância de no edital que anunciava a venda em execução se fazer constar que o bem se encontra onerado por um arrendamento a favor de A. que faz nascer o ónus desse arrendamento (se acaso não existia) ou que evita a sua morte ou os seus efeitos se, tendo existido, devo ter-se por inoponível ao comprador ou caducado por força e como efeito da própria venda.”,
31. Continuando-se no Ac. do STJ de 22.10.2015 (proc. 896/07.5TBSTS.P1.S1): “O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo uniformemente que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca caduca o direito do respectivo locatário nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC.” (sublinhado nosso).
32. Conclui-se assim que a sentença recorrida fez incorreta aplicação do direito aos factos, justificando o presente recurso, tendo violado o disposto nos artigos 824º n.º 2 do Cód. Civil, artigos 817º n.º 4, 827º e 861º do CPC, bem como o próprio artigo 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa.
33. Deverá, assim, ser revogada e substituída por outra que ordene a entrega do imóvel ao recorrente) reconhecendo a caducidade do contrato de cessão de exploração com a venda judicial em causa.
Termos em que deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e substituindo-a por outra que, reconhecendo a caducidade do contrato de cessão de exploração celebrado, ordene a entrega do bem imóvel em causa ao recorrente, assim se fazendo JUSTIÇA!

3. Não houve contra-alegações.

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:
Recorre o A………, SA da sentença do TAF de Penafiel de 13.01.2016 que julgou improcedente a Reclamação do despacho de 23.03.2015 [alínea J) dos factos provados].
Sustenta que a sentença recorrida fez incorrecta aplicação do direito aos factos, tendo violado o disposto nos arts 824.°, n.° 2 do CCivil e os arts. 817°, n.° 4, 827.° e 861.° do CPC, bem como o próprio art. 2.° e 13.° da CRP.
Objecto do recurso é a questão de saber se o contrato de cessão de exploração celebrado antes do registo da penhora mas após a constituição e registo de hipoteca caduca ou não com a venda executiva.
A sentença recorrida, estribada na doutrina do douto acórdão deste Supremo Tribunal de 18.12.2013, proferido no rec. n.° 01756/13, considerou que o contrato de cessão de exploração, porque de natureza meramente obrigacional, não caducava com a venda executiva.
Ao invés, sustenta o ora Recorrente que o dito contrato, a existir, caducou com a venda judicial do imóvel, “por ter sido adquirido pelo credor hipotecário e atendendo à prioridade do registo da hipoteca sobre aquele suposto contrato” (cfr. Conclusão 16).
A questão não é pacífica, existindo abundante jurisprudência (do STJ e das Relações) no sentido de que o arrendamento (A questão tem contornos idênticos tratando-se, como é o caso, de cessão de exploração, também denominado de locação de estabelecimento.) posterior à constituição de hipoteca caduca com a venda, nos termos do disposto no art. 824.°, n.° 2 do CCivil.
Sem embargo de melhor estudo da questão que o tempo para emissão do presente parecer não consente, tendo a acompanhar a doutrina em que se fundamenta a sentença recorrida, considerando fundamentalmente a natureza obrigacional do contrato em causa e do direito que dele deriva que confere ao cessionário um direito de gozo e fruição de um estabelecimento ou unidade comercial e não um qualquer direito real. Ademais, também o elemento gramatical, ponto de partida da actividade interpretativa e o elemento sistemático, na vertente do posicionamento da norma e na sua articulação com os demais preceitos do complexo normativo em que se inscrevem, parecem apontar para a interpretação da norma que mereceu acolhimento na sentença recorrida. Por um lado, porque a norma interpretanda apenas alude a direitos reais e não a direitos de natureza obrigacional. Por outro, porque a interpretação sustentada pelo Recorrente não parece ser compaginável com a norma do art. 1051.º do CC que, contendo a enumeração tendencialmente exaustiva das causas de caducidade do contrato de locação, nelas não inclui a venda executiva, com o disposto no art. 1057° do CC que, estabelecendo o princípio de que a transmissão do bem locado não faz cessar o contrato de locação, transferindo-se a posição do locador para o adquirente do direito, não excepciona o caso da venda executiva e ainda com o disposto no art. 819.° do CC que apenas consagra a inoponibilidade em relação à execução dos actos de disposição, oneração ou arrendamento de bens quando tenham lugar depois da penhora e tal não é o caso, como resulta dos factos provados. Ponderável será também, neste capítulo, a norma do art. 695.° do CC, que consagra a nulidade da cláusula de inalienabilidade dos bens hipotecados.
Mas, para além dos elementos gramatical e sistemático, também a perspectiva teleológica ou racional parece apontar para a solução sufragada na sentença recorrida, na medida em que permite harmonizar interesses potencialmente conflituantes mas merecedores, em qualquer dos casos, de adequada tutela jurídica, de um lado os interesses dos credores na satisfação integral dos seus créditos, do outro o do adquirente na compra do bem nos precisos termos em que a venda foi anunciada (art. 817.° do CPC) e, finalmente, o interesse do arrendatário ou cessionário na estabilidade da sua relação locatícia, não sacrificando este em benefício daqueles outros.
Nesta conformidade, sem mais delongas, negando-se provimento o presente recurso, sou de parecer que deverá ser mantida a decisão recorrida.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos
De facto
A) O Serviço de Finanças de Marco de Canavezes instaurou contra a “B………..” o PEF n.° 1813201001032410 e apensos, por dívidas que perfazem o valor global de €8.325,95 (fls. 94 a 102 verso).
B) Em 02/12/2013, pela Ap. 1320 de 02/12/2013, foi penhorado à ordem deste PEF o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canavezes sob o n.° 970/20070829, da freguesia de ……….., inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 2204, para garantia da quantia exequenda de €9.500,06 (fls. 105 a 111).
C) Este prédio está descrito na Conservatória do Registo Predial de Marco de Canavezes com a seguinte composição: parcela de terreno destinada a lavagem de automóveis e exposição de componentes de automóveis com logradouro (fls. 105 verso).
D) Sobre o prédio penhorado, referido em B), recaíam os seguintes ónus registados na Conservatória do Registo Predial (fIs. 106 a 107 verso)
D.1) Hipoteca voluntária registada a favor do C…….., para garantia do capital de €350.000,00, com o montante máximo assegurado de €434.875,00, registada pela inscrição Ap. 10 de 14/03/2005;
D.2) Hipoteca voluntária registada a favor do C………, para garantia do capital de €100.000,00, com o montante máximo assegurado de €128.240,00, registada pela inscrição Ap. 12 de 26/04/2006;
D.3) Hipoteca voluntária registada a favor do C………, para garantia do capital de €555.000,00, com o montante máximo assegurado de €818.525,00, registada pela inscrição Ap. 18 de 29/07/2008;
D.4) Penhora registada a favor de D………, Ld.ª, pessoa coletiva n.° ………, para garantia da quantia exequenda de €311.392,90, registada pela inscrição Ap. 2775 de 12/01/2011;
D.5) Penhora registada a favor do C……, para garantia da quantia exequenda de €649.248,12, registada pela inscrição Ap. 2379 de 31/07/2012; e
D.6) Penhora registada a favor do C…….., para garantia da quantia exequenda de €126.521,34, registada pela inscrição Ap. 2717 de 08/10/2012.
E) Em 25/03/2014, a executada “B…….” informou o PEF que o prédio penhorado está onerado com um contrato de cessão de exploração do estabelecimento nele instalado, celebrado em 04/01/2012, pelo período de 10 anos renovável automaticamente por iguais e sucessivos períodos se não for denunciado por qualquer das partes com a antecedência de 90 dias, mediante o pagamento da quantia mensal de €200,00 (fls. 119 e 122).
F) Com esta informação o órgão de execução fiscal procedeu à alteração do conteúdo do edital de venda do prédio do qual passou a constar a seguinte anotação: “o imóvel encontra-se onerado com um contrato de cedência de exploração” (fls. 122 verso).
G) Pelo ofício n.° 858, remetido por carta registada em 04/04/2010, a reclamante foi notificada do referido contrato de cedência de exploração, com cópia, e da sua junção aos autos, bem como da retificação do edital de venda do prédio do qual passou a constar a anotação do referido ónus (fls. 124 e verso).
H) Em 06/01/2015, o prédio penhorado foi adjudicado ao reclamante, pelo montante de €29.100,00, na qualidade de credor reclamante (fls. dos autos).
I) Em 17/03/2015, o reclamante requereu ao órgão de execução fiscal a entrega do prédio adjudicado (fls. 170 verso a 171 verso).
J) Em 23/03/2015, o órgão de execução fiscal alegando que “conforme referido em todos os meios de publicitação da venda, bem como na informação remetida pelo ofício 858, do qual se anexa cópia, que o bem adjudicado está onerado com um contrato de cedência de exploração”, “procedeu ao arquivamento do pedido de entrega do aludido imóvel’ (fls. 172 e verso).

De direito
Perante a factualidade dada como provada o mº juiz “a quo” passou a conhecer da decisão do OEF objecto da reclamação que consistia na apreciação da legalidade da decisão que indeferiu o pedido de entrega do bem adquirido pelo reclamante em venda executiva sendo o adquirente um credor hipotecário reconhecido, com hipoteca registada anteriormente á outorga do contrato de cessão de exploração.
O OEF indeferiu o pedido de entrega do imóvel com o fundamento de que estando o bem vendido onerado por contrato de cessão de exploração e sendo o contrato anterior à penhora que determinou a venda do imóvel, a venda pública não tinha como efeito jurídico a caducidade de tal contrato.
O Mº juiz confirmou tal decisão.
Inconformado recorre o adquirente, A…….. SA, contrapondo que um dos efeitos da venda em processo executivo é a caducidade do contrato de cessão de exploração e isto porquanto tal contrato foi celebrado depois da hipoteca que serviu de base ao crédito reclamado.
A hipoteca anterior sobre o mesmo bem e registada antes da celebração do contrato conferindo um garantia real ao recorrente e sendo a base da compra determinaria a caducidade do contrato de cessão de exploração pois que tal contrato deve ser considerado como constitutivo de um direito real que nos termos do artigo 841/2 do Código Civil se deve ter por caducado.
Vejamos:
Tratando-se de uma venda em execução há que ter em consideração o artigo 824 do CC que assim prescreve:
1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

O objecto do presente recurso é unicamente o de decidir se o contrato de cessão de exploração celebrado antes do registo da penhora mas após a constituição e registo de hipoteca caduca ou não com a venda executiva.
A recorrente apela em defesa da caducidade a doutrina dos acórdãos do Tribunal da Relação da Porto de 06.02.2007, 07.11.2006, 20.12.2004. 22.01.2004, do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.12.2013, 14.03.2013, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10.07.2014, bem como dos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.1997, 15.11.2007, 05.02.2009 e 27.05.2010, e 22.10.2015.
E efectivamente o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado em vários arestos de que é demonstrativo o sumário do acórdão de 22 10 2015 in processo nº 896/07.5TBSTS.P1.S1): no sentido de que “Com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca, caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC.
Para tanto consideram que:
- Quer se considere a dimensão real do arrendamento quer tão só e apenas a dimensão obrigacional do contrato que o substancia, o que importa é definir se o ónus ocorreu antes ou depois do arresto, penhora ou garantia com os quais o credor/exequente se protegeu.
- O STJ, preocupado sobretudo com a dimensão real do arrendamento, vem decidindo uniformemente que com a venda judicial de um imóvel hipotecado que tenha sido dado de arrendamento a terceiro após o registo da referida hipoteca caduca o direito do respectivo locatário, nos termos do n.º 2 do art. 824.º do CC.
Este entendimento jurisprudencial tem subjacente o considerarem o contrato de arrendamento e o de cessão de exploração contratos de natureza real ou quando tal não concedem uma valorização da dimensão real do mesmo e ainda o reconhecimento de que como refere Isabel Menéres Campos in “Particularidades da execução de hipoteca” o executado não podendo dissipar os bens hipotecados pode furtar-se à execução através de outros expedientes que tornam a venda e a satisfação do direito do credor uma pura utopia.” O que com tal qualificação se procura obstar.
E neste entendimento consideram ser de aplicar por analogia o nº 2 do artigo 824 ao arrendamento e no caso ao contrato de cessão de exploração que assim caducaria.
Pesem embora as razões que alicerçam tal qualificação e a doutrina em que se apoiam não acompanhamos tal solução.
Desde logo porque todas as razões expendidas pelo recorrente sobre a hipoteca e as consequências que se pretendem retirar do seu registo anterior ao contrato de cessão de exploração apenas relevariam para efeitos da primazia de pagamento.
Efectivamente a hipoteca sendo embora um direito real de garantia, nos termos do artigo 688 do Código Civil, apenas confere ao credor o direito de ser pago pelo valor das coisas imóveis ou equiparadas com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo. E extingue-se com a satisfação do crédito que garante.
Depois porque na venda executiva o credor que tem a seu favor a hipoteca nem sequer goza de preferência na compra.
Na venda executiva tal credor está em paridade com qualquer outro eventual comprador.
Por outro lado a venda deste bem foi publicitada com o ónus da existência do contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial celebrado em data anterior à penhora donde decorreu a venda, ónus que o recorrente não desconhecia.
Ora nesta situação outro adquirente do bem hipotecado que não o credor reclamante, onerado por contrato de cessão de exploração anterior à penhora determinante da venda não veria caducado este contrato de cessão de exploração já que esta situação não é contemplada no artigo 1051 do Código Civil ficando o adquirente apenas e só na posição jurídica de locador.
Não há razão alguma, por isso, que justifique tratamento diferente do dado a eventual adquirente sem garantia ao credor a favor de quem foi constituída a hipoteca já que a satisfação do seu crédito está sempre assegurada pelo produto da venda.
Por outro lado o nosso ordenamento jurídico relativamente aos direitos reais consagra um regime fechado, de tipicidade. O que significa, como diz MOTA Pinto In Direitos Reais 1970/71 pp117 e segs que não pode constituir-se por contrato um direito real se a lei não indicar o contrato entre os modos de constituição desse direito. Ou nas palavras de Galvão Teles in Direito das Obrigações 3ª edição 8 “o princípio da tipicidade ou do “numerus clausus” significa que só são admissíveis as categorias de direitos reais previstas na lei.”.
Assim a valorização da dimensão real que os arestos assinalam para defesa da sua tese deve antes ser considerada relativamente ao locatário a quem a lei atribui um verdadeiro direito de sequela no artigo 1057 do CC sendo assim um direito e garantia do locatário.
Relativamente à aquisição da propriedade do bem hipotecado a lei não garante ao credor que beneficia da hipoteca qualquer direito ou sequer expectativa diferente da concedida a qualquer outro adquirente.
Por isso a aplicação analógica do nº 2 do artigo 824 ao contrato de cessão de exploração (arrendamento) não é admissível.
Como refere A Menezes Cordeiro In Direitos Reais 1979 465 “ da impossibilidade de constituir de direitos reais que não estejam previstos na lei -e o arrendamento é um deles - deriva a impossibilidade lógica de aplicar a qualquer figura jurídica não real por analogia as normas que àqueles unicamente respeitam.
Ora como bem se assinalou na sentença recorrida importava no caso dos autos face ao disposto no artigo 828 do CPC era decidir se o adquirente poderia requerer contra o cessionário/locatário a entrega do bem por si adquirido.
Mas não existindo inoponobilidade do contrato de cessão à venda executiva por ser anterior à penhora determinante da venda nos termos do artigo 819 do CC e não conferindo o contrato de cessão de exploração um direito real mas apenas um direito obrigacional de uso e fruição do imóvel ao locatário tal direito não se mostra incompatível como direito de propriedade do reclamante e consequentemente não está abrangido pelo nº 2 do artigo 824 do CC antes se impondo a sua continuação nos termos do artigo 1057 do CC
Efectivamente não podemos deixar de concordar com o Mº Pº neste STA quando afirma:
“Mas, para além dos elementos gramatical e sistemático, também a perspectiva teleológica ou racional parece apontar para a solução sufragada na sentença recorrida, na medida em que permite harmonizar interesses potencialmente conflituantes mas merecedores, em qualquer dos casos, de adequada tutela jurídica, de um lado os interesses dos credores na satisfação integral dos seus créditos, do outro o do adquirente na compra do bem nos precisos termos em que a venda foi anunciada (art. 817. ° do CPC) e, finalmente, o interesse do arrendatário ou cessionário na estabilidade da sua relação locatícia, não sacrificando este em benefício daqueles outros.
No mesmo sentido, aliás, já se pronunciou este Supremo Tribunal Administrativo in acórdão de 18.12.2013, proferido no rec. n.° 01756/13 referido na sentença recorrida.

Decisão
Por todo o exposto acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2016. - Fonseca Carvalho (relator) - Isabel Marques da Silva - Pedro Delgado.