Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01331/14 |
Data do Acordão: | 02/05/2015 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL PRAZO DE RECLAMAÇÃO ASILO |
Sumário: | I – Se uma impugnação judicial de acto proferido no âmbito do «contencioso de asilo» foi tramitada, concretamente, como «acção administrativa especial com carácter urgente», a sentença nela proferida por juiz singular será objecto de «reclamação» para o colectivo e não, imediatamente, de recurso para o tribunal superior; II – A reclamação, porque processualmente situada antes do recurso, não tem os seus prazos reduzidos a metade ao abrigo do artigo 147º, nº2, do CPTA. |
Nº Convencional: | JSTA00069070 |
Nº do Documento: | SA12015020501331 |
Data de Entrada: | 12/19/2014 |
Recorrente: | SEF |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC REVISTA EXCEPC |
Objecto: | AC TCAS |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR ADM CONT - REVISTA EXCEPC. |
Legislação Nacional: | ETAF02 ART40 N3. CPTA02 ART27 N1 I N2 ART110 N3 ART46 N1 N2 A ART29 ART147 N2. CPC13 ART139 N5. |
Jurisprudência Nacional: | AC STAPLENO PROC0420/12 DE 2012/06/05.; AC STA PROC01064/13 DE 2013/10/10.; AC STA PROC0532/13 DE 2013/11/05.; AC STA PROC01360/13 DE 2013/12/05.; AC STA PROC01135/13 DE 2013/12/18.; AC STA PROC01161/13 DE 2014/01/16.; AC STA PROC01627/13 DE 2014/05/22.; AC STA PROC01831/13 DE 2014/06/26.; AC STA PROC01233/13 DE 2014/01/29.; AC STA PROC0542/10 DE 2010/10/19. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | I. Relatório 1. O SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS [SEF] interpõe recurso de revista do acórdão [datado de 11.09.2014] pelo qual o Tribunal Central Administrativo Sul [TCAS] decidiu «não tomar conhecimento do recurso jurisdicional» para ele interposto da sentença [de 14.11.2013] do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa [TAC], por ser «ilegalmente inadmissível». Conclui assim as suas alegações: 1- Não pode o recorrente conformar-se com o douto acórdão recorrido que determinou «[…] não devia o tribunal a quo ter admitido o recurso. Não o tendo feito, e não estando este TCA vinculado a esta decisão, ter-se-á de não conhecer do objecto do recurso, por legalmente inadmissível [ver artigo 641º, nº1, do CPC]. Pelo exposto, acordam em não tomar conhecimento do presente recurso […]»; 2- Decisão que considera violadora da lei processual, mormente do artigo 40º, nº3, do ETAF; 3- Os processos de impugnação judicial de recusa de admissibilidade de pedido de asilo [ou de autorização de residência humanitária] configuram, nos termos da lei, processos urgentes [artigo 84º da Lei de Asilo]; 4- A ora recorrente pugna, na senda dos argumentos proferidos pela sentença proferida no processo nº190/2014.5BELSB, da 5ª Unidade Orgânica do TAC de Lisboa, que refere que: «[…] o artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, não é aqui aplicável. Na verdade, somente as acções administrativas especiais é que estão sujeitas à regra do julgamento da matéria de facto, e de direito, por tribunal colectivo, conforme resulta expressamente do disposto no artigo 40º, nº3, do ETAF, única espécie processual sujeita àquela regra, não se admitindo interpretação extensiva da norma, por contrariar a ratio da norma e a intenção do legislador. As acções referentes à impugnação de acto administrativo de recusa de asilo e de residência por razões humanitárias, mostra-se regulada na Lei do Asilo, tratando-se de processo de natureza urgente, e não são acções administrativas especiais, e por isso, não estão sujeitas à disciplina do artigo 40º, nº3, do ETAF, o mesmo se dirá para todas as demais espécies processuais, que correm nos tribunais administrativos, ainda que, eventualmente, haja remição para a aplicação da tramitação processual segundo as regras das acções administrativas especiais […]. Donde, não sendo aplicável o disposto no artigo 40º, nº3, do ETAF, não tem cabimento a reclamação deduzida, por se tratar de espécie processual não sujeita a decisão por tribunal colectivo, mas singular.»; 5- Entendimento que, aliás, se impõe face aos artigos 22º, nº2, e 25º, nº2, da Lei nº27/2008, na redacção dada pela Lei nº26/2014, de 05.05, que expressamente determinam a aplicação «da tramitação e os prazos previstos no artigo 110º do CPTA»; 6- A referida alteração legislativa deita por terra o argumento curial adoptado por aqueles que pugnam pela tese da aplicação do artigo 40º, nº3, do ETAF, e da admissibilidade da reclamação para a conferência, tendo presente uma alegada omissão de distinção entre acções especiais urgentes e não urgentes; 7- Nestes termos, urge concluir que ao não tomar conhecimento do recurso jurisdicional o TCAS violou a lei processual, devendo, ao invés, ter conhecido do mérito da causa, ou, o que só à cautela se concede, ter convalidado o recurso jurisdicional. Termina pedindo o provimento da revista e a revogação do acórdão recorrido. 2. O recorrido apresentou contra-alegações oferecendo o mérito dos autos. 3. O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude onº5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 27.11.2014. 4. O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º, nº1, do CPTA, não se pronunciou. 5. Sem «vistos» prévios, dado tratar-se de processo de natureza urgente [artigo 36º, nº2, do CPTA]. II. De Facto São estes os factos, colhidos dos autos, pertinentes para a apreciação e decisão do recurso de revista: A- Em 22.05.2013 foi intentada a presente «acção administrativa especial de impugnação», ao abrigo do artigo 46º, nº1 e nº2 alínea a), do CPTA, que o autor, A…………….., termina pedindo ao TAC de Lisboa «a anulação da decisão de transferência proferida em 19.03.2013 pelo Director Nacional adjunto do SEF, na qual se determina que a Noruega é o Estado responsável pela sua retoma a cargo, sendo concedido ao autor o regime de protecção subsidiário, previsto no artigo 7º da Lei nº27/2008, de 30.06, bem como o princípio do benefício da dúvida e a aplicação do princípio do “non refoulement” previsto no artigo 33º da Convenção»[ver folhas 2 a 10 dos autos]; B- Os autos foram tramitados «à luz do regime da acção administrativa especial, mas com carácter de processo urgente» [ver despacho judicial de folha 25 dos autos, último parágrafo]; C- Em 14.11.2013 foi proferida sentença que concedeu «parcial provimento à presente acção, mantendo-se a decisão de recusa do pedido de asilo, e condenando-se o réu a conceder ao autor protecção subsidiária, mediante autorização de residência por razões humanitárias» [ver folhas 81 a 87 dos autos]; D- Os factos dados como provados nessa sentença são os seguintes: 1- O autor solicitou asilo junto do SEF em 04.01.2013 [ver documento de folha 1 do PA]; 2- O autor fugiu do seu país, com 14 anos de idade, há cerca de 4/5anos, e as razões da fuga foram a insegurança e a violação dos direitos humanos, tais como actos de violência indiscriminados [admissão por acordo]; 3- O pedido de asilo peticionado pelo autor deu lugar a análise no processo nº77.13.NO, onde foi emitida informação, datada de 18.03.2013, elaborada pelo Gabinete de Asilo e Refugiados, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e da qual extrai-se o seguinte: «3. Pelo exposto, propõe-se que Noruega seja considerada o Estado responsável pela retoma a cargo ao abrigo do artigo 16º/1/e), do Regulamento (CE) nº343/2003, do Conselho de 18 de Fevereiro, uma vez que o cidadão já havia sido notificado da decisão negativa do pedido feito nesse país mas desapareceu desde 18.01.2011, inviabilizando assim o seu afastamento para fora do território dos EM.» [ver documentos de folhas 22 e 23 dos autos, e de folhas 25-verso e 26 do PA] 4- A informação identificada em 3 mereceu decisão mediante despacho proferido pelo Director Nacional do SEF, em 19.03.2013, nos termos e fundamentos que aqui se dão por reproduzidos, e dos quais extrai-se que foi recusado o pedido de asilo, bem como a concessão de protecção subsidiária, por falta de fundamento com base na informação supra [ver folha 25 do PA]; 5- Em 27.03.2013, foi emitido parecer pelo CPR - Conselho Português para os Refugiados, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e do qual extrai-se que dadas as condições do país de origem, Afeganistão, e o princípio “non refoulement”, e pelo cabimento do receio do autor regressar ao país de origem, conclui pela atribuição de residência por razões humanitárias [ver folhas 44 a 52 dos autos]; 6- Foi negado asilo ao autor na Noruega [ver documento de folhas 65 e 66 dos autos]; E- Foi enviado ofício à entidade ré, datado de 15.11.2013, notificando-a da sentença [ver folha 88 dos autos]; F- Através de «fax» enviado a 02.12.2013, foi interposto recurso jurisdicional, pela entidade ré, da sentença do TAC de Lisboa [ver folhas 92 a 104 dos autos]; G- Por despacho datado de 05.12.2013 foi admitido o recurso, com subida imediata, e efeito suspensivo, e ordenada a notificação do recorrido para, querendo, apresentar contra-alegações [ver folha 106 dos autos]; H- Foi enviado ofício ao recorrido, datado de 16.12.2013, notificando-o deste despacho [ver folha 119 dos autos]; I- Em 27.12.2013, o recorrido apresentou as suas contra-alegações [ver folhas 122 e 123 dos autos]; J- Em 07.01.2014 foi proferido despacho a mandar subir o recurso ao TCAS [ver folha 125 dos autos; K- Em 16.01.2014 foi emitida pronúncia pelo Ministério Público, no TCAS, ao abrigo do artigo 146º, nº1, e do artigo 147º, do CPTA [ver folhas 131 a 133 dos autos]; L- Em 24.01.2014 o recorrido respondeu à pronúncia do Ministério Público, ao abrigo do artigo 146º, nº2, e do artigo 147º, nº2, do CPTA [ver folhas 136 a 138 dos autos]; M- Em 11.09.2014 foi proferido o acórdão recorrido nos termos que constam de folhas 140 e 141 dos autos, aqui dados por reproduzidos. E é tudo quanto a factos relevantes. III. De Direito 1. O acórdão recorrido, do TCAS, decidiu «não tomar conhecimento» do recurso jurisdicional por ser «legalmente inadmissível». E fê-lo porque constatou que «o presente processo foi tramitado como acção administrativa especial, com carácter de processo urgente», e que os autos «…têm o valor de 30.000,01€ e a sentença recorrida foi proferida por juiz singular» [folha 140 dos autos]. Nesta base, entendeu ser aplicável ao presente caso o artigo 40º nº3, do ETAF, e, por decorrência deste, o artigo 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA. O SEF, enquanto recorrente, discorda deste entendimento do acórdão recorrido, e defende que aos processos urgentes previstos na «Lei do Asilo», em vigor ao tempo dos factos, não se aplicam essas duas normas. É esta discordância, pois, que delineia a primeira questão que nos é colocada nesta revista, e que consiste em saber se, neste caso concreto, é inadmissível o recurso jurisdicional da sentença sem o preceder reclamação para a conferência. 2.Ao tempo dos factos estava em vigor a Lei nº27/2008, de 30.06, conhecida como «Lei do asilo», e que veio a ser alterada, a partir de 04.07.2014, pela Lei nº26/2014, de 05.05. Esta última lei veio, além do mais, esclarecer que às impugnações jurisdicionais nela previstas, que acabam sendo as mesmas da primitiva lei, são aplicáveis «a tramitação e os prazos previstos no artigo 110º do CPTA, com excepção do disposto no respectivo nº3» [artigos 22º nº2, 25º nº2, 30º nº2, e 37º nº5, Lei nº26/2014, de 05.05], resolvendo, assim, a dúvida que legitimamente se poderia suscitar sobre a tramitação a dar, anteriormente, a tais impugnações urgentes. Acontece que, apesar desses conteúdos legais, o objecto da presente revista se encontra condicionado pelo caso concreto que o vivifica, e, neste caso concreto, foi interposta «acção administrativa especial», com expressa menção do artigo 46º, nº1 e nº2, alínea a), do CPTA. Perante dúvida suscitada pela secretaria, o magistrado judicial titular do processo ordenou que os autos fossem tramitados «à luz do regime da acção administrativa especial, mas com carácter de processo urgente» [pontos A e B do provado]. E seja qual for o sentido a dar à expressão «à luz», certo é que ela foi concretizada através de uma tramitação que se desenvolveu exactamente como a da acção administrativa especial, apenas sendo reduzidos a metade os prazos subsequentes à interposição de recurso. É esta a realidade do caso concreto, e é em face dela que deveremos apreciar e decidir o acerto jurídico da decisão tomada pelo acórdão recorrido. 3. Assim, quando o TCAS recebeu o recurso jurisdicional interposto da sentença do TAC que concedeu «parcial provimento à acção», confrontou-se com recurso jurisdicional deduzido no âmbito de um processo urgente que foi tramitado, em concreto, como a acção administrativa especial. Aplicar, portanto, o disposto nos artigos 40º, nº3, do ETAF, e 27º, nº1 alínea i), e nº2, do CPTA, era algo que se impunha a esse tribunal superior [artigo 8º, nº3, do CC] face à jurisprudência uniformizada, e bastante consolidada, emanada deste Supremo Tribunal [AC STA/Pleno de 05.06.2012, Rº420/12; AC STA de 10.10.2013, Rº01064/13; AC STA de 05.11.2013, Rº0532/13; AC STA de 05.12.2013, Rº1360/13 [julgamento ampliado nos termos do artigo 148º do CPTA]; AC STA 18.12.2013, Rº01135/13; AC STA de 16.01.2014, Rº1161/13; AC STA de 22.05.2014, Rº01627/13]. 4. Atenta a «correcção do julgamento» do acórdão do TCAS enquanto entendeu que da sentença da 1ª instância, proferida por juiz singular, em processo com valor superior à respectiva alçada, e tramitado conforme a acção administrativa especial, cabia reclamação para a conferência e não, pelo menos de imediato, recurso jurisdicional, adquire pertinência a apreciação da segunda questão que brota das conclusões apresentadas pelo recorrente SEF. Traduz-se ela em saber se, no caso, à reclamação da sentença para a conferência cabia o prazo de 10 ou de 5 dias. A questão surge apesar da clareza do «prazo geral supletivo para os actos processuais das partes» estipulado no artigo 29º do CPTA, que é de dez dias, por se tratar de processo «com carácter de processo urgente», e porque o artigo 147º, nº2, do CPTA, estipula que no âmbito dos processos urgentes «Os prazos a observar durante o recurso são reduzidos a metade […]». Mas esta norma, como sobressai do seu texto, é aplicável apenas aos «prazos a observar durante o recurso», sendo certo que a reclamação para a conferência, que é prevista no artigo 27º, nº2, do CPTA, quando tem por objecto reclamado a sentença proferida por juiz singular, não integra ainda a fase de recurso, mas é, obviamente, anterior a ele caso venha a existir [ver artigo 637º, nº1, do CPC, ex vi 140º do CPTA]. Assim, tendo em conta as datas consignadas nos pontos E) e F) da factualidade provada, tudo aponta para que o «pressuposto temporal» da reclamação esteja preenchido uma vez paga a multa prevista no artigo 139º, nº5, do CPC [ex vi artigo 1º do CPTA]. A «convolação» do recurso interposto em reclamação para a conferência poderá, assim, ocorrer, na linha do que vem sendo entendido pela jurisprudência deste Supremo Tribunal [ver AC STA de 19.10.2010, Rº0542/10; AC STA de 29.01.2014, Rº01233/13; e AC STA de 26.06.2014, Rº01831/13, com intervenção de «todos os juízes da secção», e 4 votos de vencido]. 5. Resulta, pois, que deve ser concedido provimento ao recurso jurisdicional, deve ser revogado o acórdão recorrido, e deve ser ordenada a baixa dos autos ao TCAS para aí ser proferida decisão que aplique o regime jurídico ora fixado. IV. Decisão Nestes termos, decidimos conceder provimento à revista, revogar o acórdão recorrido, e ordenar que os autos baixem ao TCAS a fim de aí ser proferida decisão que aplique o regime jurídico ora fixado. Sem custas – artigo 84º da Lei nº27/2008, de 30.06. Lisboa, 5 de Fevereiro de 2015. – José Augusto Araújo Veloso (relator) – Ana Paula Soares Leite Martins Portela – Jorge Artur Madeira dos Santos. |