Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01/19.5BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
IDENTIDADE DA QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:I - A admissão do recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe a oposição de decisões expressas sobre a mesma questão fundamental de direito.
II - Se as decisões em confronto não versaram sobre a mesma questão fundamental de direito não há que tomar conhecimento do mérito do recurso por falta de verificação do pressuposto referido em I.
Nº Convencional:JSTA00071327
Nº do Documento:SAP2021112401/19
Data de Entrada:03/20/2019
Recorrente:REN – REDES ENERGÉTICAS NACIONAIS, SGPS, S.A
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:UNIFORM JURISPRUDÊNCIA
Objecto:DECISÃO ARBITRAL CAAD
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC
Área Temática 2:EBF
Legislação Nacional:EBF ART 32.º, 2
CPTA ART 152.º
RJAT ART 25.º
CIRCULAR 7/2004, de 30/03
Jurisprudência Nacional:AC STA 08/03/2017 PROC 227/16
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO




1. RELATÓRIO

1.1. «REN – Redes Energéticas Nacionais, SGPS, S.A.», inconformada com a decisão arbitral proferida a 4 de Dezembro de 2018 no processo n.º 471/2017-T, veio, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpor Recurso de Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, invocando que a referida decisão está em contradição com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 8 de Março de 2017 no processo nº 0227/16-30.

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou alegações formulando as seguintes conclusões:

«A) Na decisão arbitral na parte ora recorrida entendeu-se, no quadro da aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF (norma entretanto revogada), que cabia ao contribuinte demonstrar quanto a 11% das partes de capital neste recurso em causa, se houve ou não reais encargos financeiros suportados com a sua aquisição (nos outros 89% a decisão arbitral concordou com o óbvio: resulta do próprio modo de aquisição – como entrada em espécie para realização de capital social - que não há por definição encargos financeiros com a aquisição).

B) Não tendo cumprido com esse ónus de demonstração, no entender da decisão arbitral teria ficado legitimada a aplicação do método formulaico fixado pela AT na Circular n.º 7/2004, donde a manutenção do IRC adicional resultante da sua aplicação a esses 11% das partes de capital aqui em causa.

C) Este entendimento está em oposição com o acórdão fundamento do STA (de 08.03.2017, proferido no processo n.º 0227/16) e jurisprudência unânime deste Tribunal, que coloca o ónus da prova do lado da AT e rejeita a tese de que ou bem que o contribuinte cumpre com um seu putativo ónus de convencer quem de direito mediante exibição de um método de afectação directa, ou fica sujeito à aplicação do método formulaico da Circular n.º 7/2004.

D) Não há razão para o STA mudar a sua jurisprudência nesta matéria.

E) A decisão arbitral nenhum motivo aliás invoca para a configuração do ónus da prova que decidiu adoptar.

F) Acresce que a eventual invocação de que a inércia do contribuinte justificaria, supostamente ao abrigo do princípio do venire contra factum proprium, que lhe fosse imposto tal ónus,

G) em primeiro lugar não anula o (nem responde ao) direito que o STA invoca no acórdão fundamento e restantes acórdãos sobre o tema (direito relativo ao ónus da prova nos métodos indirectos),

H) em segundo lugar esquece que foi a própria AT quem motivou esta inércia dos contribuintes em geral (e não apenas deste em particular), que façam o que fizerem, a AT nada aceita senão a aplicação da sua Circular,

I) em terceiro lugar invocar a inércia de uma dada parte como argumento para afastar as regras sobre distribuição do ónus da prova é à partida uma contradição nos próprios termos,

J) em quarto lugar partir do princípio que há inércia do contribuinte neste tipo de casos é partir já de uma posição enviesada, de uma posição viciada por petição de princípio,

K) e em quinto e último lugar a decisão arbitral recorrida não aponta uma única norma jurídica para fundamentar o resultado a que chegou, o que, ressalvado o devido respeito, é sintoma de ligeireza e facilitismo na sua adopção

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da admissão do recurso veio defender a sua admissão enquanto recurso para uniformização de jurisprudência, concluindo as contra-alegações apresentadas nos seguintes termos:

«1.ª A Recorrente vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 e n.º 3 do RJAT e do artigo 152.º do CPTA, invocando que o acórdão arbitral proferido no processo arbitral n.º 471/2017-T CAAD está em oposição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 08-03-2017, no processo n.º 0227/16, na parte em que a decisão recorrida julgou o pedido de pronúncia arbitral improcedente.

2.ª Cumpre informar, para os devidos efeitos, que a ora Recorrida apresentou, em 02-01-2019, impugnação da decisão arbitral ao abrigo do artigo 27.º e da alínea c), do n.º 1 do artigo 28.º do RJAT, tendo por objeto o segmento decisório no qual se julgaram improcedentes as exceções dilatórias de incompetência material e quanto ao valor decorrentes de (a) o pedido ter sido formulado na sequência de indeferimento do pedido de revisão oficiosa de ato de autoliquidação; (b) o valor do pedido exceder o montante de €10.000.000,00, que corresponde ao limite máximo dos litígios arbitrais e ainda, (c) o pedido quantificar o valor exato a reembolsar à ali Requerente, correndo a referida impugnação atualmente os seus termos junto do Tribunal Central Administrativo Sul sob o número de processo 1/19.5BCLSB, tendo a aí impugnada sido notificada para contra-alegar. Prosseguindo,

3.ª Constitui entendimento reiterado pela jurisprudência desse douto STA que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos é necessário que (i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas, (ii) haja identidade na questão fundamental de direito, (iii) se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e (iv) que a oposição decorra de decisões expressas e não implícitas, requisitos que, manifestamente, não se encontram reunidos no caso vertente.

4.ª Não há qualquer identidade nas situações de facto apreciadas no Acórdão fundamento e no Acórdão recorrido.

5.ª Efetivamente, embora a Recorrente invoque que a situação em causa nos dois arestos é fundamentalmente idêntica uma vez que está em causa a ilegalidade da autoliquidação de IRC «na medida em que aplica o método proporcional ou formulaico da Circular da DSIRC n.º 7/2004, para efeitos de segregar encargos financeiros não dedutíveis por alegadamente incorridos com a aquisição de partes de capital, indedutibilidade esta de encargos incorridos com a aquisição de partes de capital prevista no artigo 32.º, n.º 2, do EBF (anteriormente numerado como 31.º, e nos dias de hoje já revogado).», tal, com o devido respeito, não é verdade (assim como o por si invocado nos artigos 9.º 10.º das alegações de recurso).

6.ª É que o acórdão arbitral nunca considerou na sua fundamentação e decisão ser legal a aplicação da fórmula da Circular n.º 7/2004, mas sim que, relativamente a 11% dos encargos financeiros aqui em causa, a Circular não tinha sequer aplicação, pois «esta não se aplica à entrada de ativos em que não há real aquisição e, portanto, não há encargos financeiros».

7.ª Note-se que conforme a Recorrida assinalou na Resposta apresentada, relativamente a estes 11% dos encargos financeiros a Recorrente nunca provou que tenha existido sequer qualquer financiamento (seja direto ou indireto), não procurando sequer justificar a pretensa invalidade do acréscimo (cf. entre outros, os artigos 123.º, 168.º, 169.º e 173.º daquele articulado).

8.ª Tendo o acórdão recorrido dado como não provado que, «A Requerente não provou como foram adquiridas as restantes participações sociais por ela detidas na REE, ENAGÁS, REN Atlântico, OMIP, RENTELECOM, REN TRADING e REN Serviços ou em Ações próprias, nem a existência ou não de "encargos financeiros" representativos de cerca de 11% do valor total dos encargos, ou seja, € 1.258.367,07. Da exposição da Requerente apenas se pode deduzir não terem resultado de entrada de ativos, desconhecendo-se, porém, se houve ou não reais encargos financeiros. A Requerente limitou-se contudo (sem avançar nenhuma prova específica) a declarar que não existiu qualquer financiamento contratualmente destinado à aquisição dessas participações sociais […]»

9.ª E afirmando, na fundamentação de direito que, «Em princípio, a aplicação (quanto a nós, indevida) da Circular não altera o montante global dos encargos financeiros declarados, apenas interferindo na forma como são distribuídos pelas diversas empresas que integram o grupo. A Requerente pretende aplicar aos 11% a mesma solução dos restantes 89%, invocando a Circular, mas, como se disse, esta não se aplica à entrada de ativos em que não há real aquisição e, portanto, não há encargos financeiros. Em relação a estes 11%, competiria assim à Requerente demonstrar se houve ou não aquisição com encargos financeiros e indicar se foi cumprida a regra relativa ao período de detenção. Demonstração que não deveria ser complicada, uma vez que defende a aplicação do método de afetação real, mas que manifestamente não fez […]»

10.ª Assim, da fundamentação de facto (e também de direito) que subjaz ao acórdão arbitral na parte objeto do presente recurso, diferentemente do que sucede no acórdão fundamento, não se pode concluir que as partes aceitem pacificamente que, no que respeitou aos encargos financeiros, a Recorrente tenha (sempre) seguido as orientações específicas da dita Circular.

11.ª Antes pelo contrário, conforme resulta evidente dos factos dados como não provados na decisão recorrida (inexistentes no acórdão fundamento), pois relativamente a 11% nem sequer se pode considerar provado que há encargos financeiros, mais não resultando desta decisão que se tenha, em momento algum, defendido a legalidade da Circular, como sucedia na sentença recorrida do acórdão fundamento.

12.ª Face ao que consideramos inexistir controvérsia entre os Acórdãos em (alegada) oposição, que permitisse à Recorrente lançar mão do recurso uniformizador de jurisprudência.

13.ª Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respetivos pressupostos de facto.

14.ª Salvo o devido respeito, o recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, sendo significativo o facto de a Recorrente não esboçar qualquer esforço no sentido de demonstrar a sua presença.

15.ª A Recorrente limita-se a dizer de forma genérica o contexto em que foi proferido o acórdão recorrido (e sem, a nosso ver, com correção), sem traçar o concreto paralelismo entre os factos apurados em cada um dos acórdãos em confronto. Isto é, sem que proceda à indicação dos factos que demostram a existência de identidade nas situações de facto apreciadas em ambos os Acórdãos, recorrido e fundamento (cf. artigos 27.º e 28.º das alegações de recurso.

16.ª Efetivamente, com o devido respeito e salvo lapso nosso, a argumentação desenvolvida pela Recorrente consiste em imputar ao julgado arbitral erro de julgamento quanto à matéria de facto, mas a existência de tal vício não pode ser analisada à luz do recurso para uniformização de jurisprudência, sem que se demostre, como exige o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA “de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada”.

17.ª O recurso para uniformização de jurisprudência visa assegurar a uniformização da interpretação da lei, não num quadro abstrato, mas de forma prevenir o tratamento desigual de casos em tudo iguais. Isto é, pretende-se alcançar a consistência de decisões judiciais em situações materialmente iguais.

18.ª Daí a necessária similitude/identidade de situações de facto que não existe no presente recurso.

19.ª Resulta, assim, demonstrado que não se encontram preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA, porquanto o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento não adotaram, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.

20.ª Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado improcedente.

21.ª Por mera hipótese e sem conceder, caso entenda esse douto STA conhecer do mérito da decisão, cumpre salientar que a AT mantém o entendimento propugnado na Resposta ao pedido de pronúncia arbitral no sentido da improcedência do pedido de anulação dos atos de liquidação, nos termos melhor explicitados no acórdão (que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais), a cujo teor se adere na totalidade, o qual deve manter-se na ordem jurídica na parte recorrida.».

1.4. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi emitido parecer pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, no qual, depois de ter deixado fundamentado o entendimento de que, no caso, estão preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso, defendeu o seu provimento e que seja uniformizada jurisprudência no sentido de que «tendo a Administração Tributária confirmado, em reclamação graciosa apresentada pelo sujeito passivo de autoliquidação, a validade do método indireto de determinação do valor dos encargos financeiros incorridos com a aquisição de partes de capital, resultante do entendimento sufragado na circular nº 7/2004 de 30 de Março da DSIRC, sem que tenha sido invocada qualquer fundamentação que demonstre a inviabilidade da aplicação de um método direto de cálculo de tais encargos, para efeitos do disposto no nº2 do artigo 32º do EBF (na redação então em vigor), tal facto inquina de invalidade o ato tributário e constitui fundamento para a sua anulação».

1.5. Considerando as informações prestadas pelas partes relativamente à interposição de Impugnação Judicial junto do Tribunal Central Administrativo Sul, foi, por despacho de 27 de Janeiro de 2020, suspensa a instância, suspensão essa que cessou após junção aos autos de certidões do trânsito em julgado do acórdão daquele último Tribunal (que julgou improcedente a referida Impugnação Judicial) e, bem assim, de certidão comprovativa do trânsito em julgado do Tribunal Constitucional (que confirmou a decisão sumária da Excelentíssima Relatora que rejeitou o recurso de apreciação concreta de constitucionalidade interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira).

1.5 Colhidos os vistos legais impostos pelo artigo 92.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1. Pretende a Recorrente com a interposição do presente recurso que se uniformize jurisprudência relativamente a uma questão fundamental de direito que em seu entender foi decidida em sentido oposto no acórdão arbitral recorrido e no acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo, ambos já identificados, traduzida nas alegações com a seguinte formulação: «a quem cabe demonstrar a indedutibilidade de encargos financeiros suportados por uma SGPS, que não hajam sido deduzidos no ano fiscal em que ocorreram por o contribuinte, no ano respectivo, se ter limitado a aplicar a fórmula consagrada na Circular n.º 7/2004, emitida pela DSIRC».

2.2. Atento o exposto, são duas as questões que temos que decidir.

A primeira prende-se com a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, cujos pressupostos, a Recorrente e o Excelentíssimo Procurador -Geral Adjunto neste Supremo Tribunal entendem estarem verificados, do que dissente a Recorrida.

A segunda com o fundo da questão enunciada no ponto 2.1., que apenas será objecto de apreciação se àquela primeira questão for dada resposta afirmativa. Ou seja, concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso.

3.FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. No acórdão arbitral recorrido o julgamento de facto ficou exarado nos seguintes termos:

«Matéria de facto com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas

(…)

Factos provados

a) A Requerente era, à data dos factos, a sociedade dominante do Grupo de sociedades REN sujeito ao RETGS, tendo em 28.05.2010, procedido à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 referente ao exercício de 2009 do mencionado grupo (Docs. n.º 1 e 2 junto ao pedido de pronúncia arbitral). Nessa autoliquidação de IRC (incluindo derrama estadual e derrama municipal consequente), afastou a dedução fiscal de encargos por ela considerados como financeiros, no montante de € 10.935.552,86. A Requerente apresentou ainda o Modelo 22 de substituição sem alterações no que aqui se discute (cfr. Doc. n.º 3);

b) A Requerente, na sua declaração modelo 22 individual relativa ao mesmo exercício, fez acrescer, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável, o montante acima referido, a título de encargos financeiros supostamente não dedutíveis fiscalmente ao abrigo do (então) artigo 32.º do EBF (Docs. n.ºs 8 e 10);

c) A suposição de não dedução dos mencionados encargos teve por base a aplicação pela Requerente do disposto na Circular n.º 7/2004, de 30.03.2004, da DSIRC, nomeadamente da metodologia definida nos seus artigos 6.º e 7.º;

d) Daí resultou a imputação de diversos custos (qualificados pela Requerente como "encargos financeiros") pelas participações ou partes sociais detidas pela Requerente em diversas empresas do grupo com que se relaciona nocionalmente, no referido montante global de € 10.935.552,86, tal como vem explicitado no Quadro 1 desta decisão retirado do artigo 19º da petição inicial. (Docs. n.º s 10 e 27);

e) Em 28.05.2014, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2009 (Doc. n.º 4), pedido esse indeferido por despacho de 10.02.2017 do Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes, notificado em 13.02.2017 (Docs. n.º 5 e 6);

f) As razões aduzidas pela Requerida para o indeferimento do pedido de revisão oficiosa prendem-se com a obrigatoriedade de os funcionários aplicarem a doutrina da Circular, embora reconheça que os contribuintes não são obrigados a segui-la;

g) Em reação a este indeferimento, a Requerente apresentou recurso hierárquico em 15.02.2017 (Doc. n.º 7);

h) Não havendo até à data qualquer decisão do recurso hierárquico, a Requerente apresentou, em 09.08.2017, pedido de constituição deste tribunal arbitral.

37. Dá-se como documentalmente provado que a maioria das participações sociais detidas pela Requerente (isto é, aquelas cujos "encargos financeiros" inscritos em registos contabilísticos decorrentes da aplicação voluntária da Circular n.º 7/2004 representam cerca de 89% do valor total dos "encargos financeiros" totais elencados pela Requerente) foi objeto de entradas de ativos (cfr. art.º 73.º, n.º 3 do CIRC), sem mobilização de recursos próprios ou alheios (sem auto ou hétero-financiamento). É o que se passa com as seguintes participações, cujo valor global totaliza € 9.677.185,79, ao qual corresponde um valor de imposto liquidado em 2009 de € 2.419.296,45:

a) REN – Rede Elétrica Nacional, S.A.- conforme decorre dos docs. n.º 18 (RCM de 2005), n.º 19 (RCM de 2006), n.º 20 (certidão permanente do registo comercial), n.º 21 (escritura de constituição) e n.º 22 (aumento de capital/entrada de ativos)³⁵ em que foi imputado um "encargo financeiro" não dedutível no valor de € 5.316.265,75;

b) REN Gasodutos - como decorre dos docs. n.º 19 (a referida RCM de 2006), n.º 23 (escritura de constituição) e n. º 24 (adenda à escritura),- apenas existiu uma entrega de ativos afetos à rede nacional de transporte de gás em alta pressão e não um qualquer contrato de aquisição (entrega essa qualificada pela Requerente como "encargo financeiro") no valor de € 3.668.833,04;

c) REN Armazenagem - como resulta dos docs. n.º 19 (RCM 2006) e n.º 25 (escritura de constituição),- existiu igualmente uma simples entrega de ativos afetos ao armazenamento subterrâneo de gás natural (qualificada também pela Requerente como "encargos financeiros") no valor de € 692.087,00.

Factos não provados

38. A Requerente não provou como foram adquiridas as restantes participações sociais por ela detidas na REE, ENAGÁS, REN Atlântico, OMIP, RENTELECOM, RENTRADING e REN Serviços ou em Ações próprias, nem a existência ou não de "encargos financeiros" representativos de cerca de 11% do valor total dos encargos, ou seja, € 1.258.367,07. Da exposição da Requerente apenas se pode deduzir não terem resultado de entrada de ativos, desconhecendo-se, porém, se houve ou não reais encargos financeiros.

39. A Requerente limitou-se contudo (sem avançar nenhuma prova específica) a declarar que não existiu qualquer financiamento contratualmente destinado à aquisição dessas participações sociais (art.º 21.º da petição inicial) para, em seguida, afirmar que se sentiu vinculada de facto a aplicar a Circular n.º 7/2004, apesar de a considerar ilegal, dado esta orientação administrativa se basear em métodos indiretos de determinação da matéria tributável (cfr., entre outros, o art. 19.º da referida petição) .

40. Não existem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não tenham sido provados.

3.1.2. No acórdão fundamento, no que concerne ao julgamento de facto, consta o seguinte:

«Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:

a) Em 30/05/2009 a impugnante apresentou via internet a Declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2008, tendo autoliquidado no quadro 07, campo 225 “Mais-valias fiscais — regime transitório (art. 7°, n° 7, alínea b) da Lei n° 30- G/2000, de 29 de Dezembro, e art. 32°; n° 8 da Lei n° 109-B/2001 de 27 de Dezembro)” o montante de € 1.087.032,27.

b) Em 30/05/2011, apresentou reclamação graciosa daquela autoliquidação onde solicitou a anulação da autoliquidação efectuada e pediu indemnização sobre o valor de imposto impugnado.

c) Depois de cumprida a audiência prévia, a reclamação veio a ser totalmente indeferida por despacho de 18/11/2011.

d) Por não se conformar com o indeferimento da reclamação graciosa, a impugnante deduziu recurso hierárquico.

e) Sobre aquele recurso foi elaborada a informação nº 2285/2012, de 2012/11/27, que consta de fls. 50/56 do PA, e que aqui se dá por integralmente reproduzida.

f) Sobre esta informação recaiu o despacho com o seguinte teor: “indeferido nos termos propostos”, datado de 04/02/2013, proferido pelo Substituto Legal do Director-Geral, ............., Subdirector-geral.

g) O despacho de indeferimento do recurso hierárquico foi notificado à impugnante através do ofício n° 200251, de 2013/02/15.

h) A impugnante intentou impugnação judicial em 20/05/2013.

Nada mais se deu como provado.».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso vem interposto da decisão arbitral proferida no processo n° 471/2017-T, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte respeitante à anulação da autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativo ao exercício de 2009 e o consequente pedido de reembolso do respectivo imposto pago, bem como a atribuição de juros indemnizatórios.

3.2.2. Para a Recorrente, a questão a uniformizar é a de saber a quem cabe o ónus de demonstrar, no quadro de aplicação do artigo 32.º, n.º 2 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), se houve ou não reais encargos financeiros suportados com a aquisição de 11% de partes de capital de outras sociedades.

3.2.3. Segundo a Recorrente, a decisão arbitral recorrida, ao decidir que cabe ao contribuinte realizar a demonstração da existência de reais encargos financeiros e ao concluir que, não o tendo feito, a Autoridade Tributária ficara legitimada a aplicar o método formulaico fixado na Circular n.º 7/2004 (ou seja, a manter o IRC adicional resultante da sua aplicação a esses 11% das partes do capital em causa), contraria frontalmente a jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal Administrativo [em particular a vertida no acórdão que elegeu como acórdão fundamento (acórdão de 8 de Março de 2017, proferido no processo n.º 0227/16)], que vem decidindo de forma unânime que não cabe ao contribuinte, nas situações em que a Administração Tributária fundamenta a indedutibilidade dos custos exclusivamente na existência da Circular n.º 7/2004, convencer quem de direito mediante exibição de um método de afectação directa, mas, sim, àquela, alegar e demonstrar, caso a caso, que não existe alternativa à aplicação da via de determinação da matéria colectável por métodos indirectos.

3.2.4. Exposta em traços abrangentes a pretensão que nos vem colocada e os seus fundamentos, passamos agora a decidir as questões identificadas no objecto do recurso, começando, pelas razões também já apontadas, pela primeiramente enunciada: estão verificados nos autos os pressupostos substantivos de admissibilidade do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência?

3.2.5. Vejamos, então, sublinhando que, estando há muito identificados os requisitos de que depende a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, nos limitamos a proceder à sua enunciação de forma esquemática, reafirmando que os pressupostos dessa admissibilidade, que devem cumulativamente estar preenchidos, são os seguintes: (i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT); (ii) que essa decisão de mérito esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo, pelo Supremo Tribunal Administrativo ou outra decisão arbitral (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma); (iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º, n.º 3, do CPTA, aplicável ex vi artigo 25.º, n.º 3 do RJAT); (iv) que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA e 281.º do CPPT).

3.2.6. A frequente falta de rigor na interpretação do que deve entender-se por “mesma questão fundamental de direito” determinou ao longo dos anos que a doutrina e a jurisprudência realizassem um rigoroso recorte conceptual nesta matéria, sendo hoje pacífico que a questão fundamental de direito é a mesma se, por um lado, a uniformização peticionada ao Supremo Tribunal Administrativo se prende com uma questão de direito e, por outro, se essa questão de direito foi decidida num quadro de facto substancialmente idêntico, o que ocorrerá se forem passiveis de ser subsumidas às mesmas normas legais. Isto é, quando o regime jurídico aplicável seja o mesmo ou, a terem existido alterações legislativas relevadas num dos acórdãos em confronto, não interfiram, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

3.2.7. Importa ainda reafirmar que, para efeitos de aferir se há ou não oposição entre as decisões, o que releva é a existência de decisões expressas e em sentido oposto e não os seus fundamentos. Ou seja, para que este requisito se encontra preenchido é imperioso que ambas as decisões se pronunciem expressamente sobre o fundo da questão, não se mostrando suficiente para o efeito a pronúncia implícita ou meras considerações colaterais que sobre a mesma sejam tecidas no âmbito do julgamento de questões distintas.

3.2.8. No caso concreto não subsistem dúvidas quanto ao preenchimento dos pressupostos de admissibilidade que supra identificamos em (i) e (iv). Porque o acórdão arbitral, após identificar a pretensão da Recorrente e conhecer da excepção de incompetência material suscitada, apreciou o pedido por ela formulado, por referência aos factos apurados e ao direito que entendeu adequado à resolução do litígio, julgando-o parcialmente procedente, (cfr., pontos “A) - RELATÓRIO” e “ C- DO MÉRITO” da decisão arbitral recorrida). Porque está comprovado que o acórdão fundamento transitou em julgado.

3.2.9. Assim, a questão da admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso está, no caso, dependente do preenchimento dos outros dois pressupostos, ou seja, da resposta que deva ser dada à questão de saber se em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - foi apreciada a mesma questão de mérito e à questão de saber se a decisão expressa no acórdão arbitral recorrido está ou não conforme a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo quanto a esta mesma questão.

3.2.10. Adiantamos desde já, que, em nosso entender, a questão de direito apresentada pelas Recorrente perante o Tribunal Arbitral foi precisamente a mesma, como resulta da total identidade no que concerne aos procedimentos pré-existentes: em ambos os processos estão em causa autoliquidações de IRC (num caso, relativa ao ano fiscal de 2009 e noutro ao exercício fiscal de 2010), em que não foram deduzidos encargos fiscais por os sujeitos passivos (SGPS) terem observado nas suas declarações o regime consagrado no EBF (num caso no artigo 32.º, n.º 2 e noutro no artigo 31.º, n.º 1 que possuíam redacções idênticas), tal como preconizado pelo método definido na Circular n.º 7/2004, em ambos os processos os sujeitos passivos vieram a desencadear procedimentos prévios à impugnação das autoliquidações (num caso através de reclamação graciosa e noutro por via de pedido de revisão) que deram origem, também em ambos os casos, a decisões de indeferimento com fundamento na existência da obrigação dos funcionários da Administração Tributária aplicarem a doutrina contida na referida Circular, bem como na defesa da legalidade e conformidade constitucional da doutrina nela acolhida.

3.2.12. Esta similitude manteve-se, no essencial, e para o que ora releva, nos processos judiciais, uma vez que, também em ambos os arestos o pedido se traduziu na anulação das liquidações com fundamento em que a imposição da doutrina da Circular n.º 7/2004 era ilegal, mais tendo a ora Recorrente, no caso do processo do acórdão recorrido, nos procedimentos graciosos, e expressamente disponibilizado para, ao abrigo do princípio da colaboração e boa-fé, apresentar, querendo, à Administração Tributária, os elementos que esta entendesse para demonstrar que no seu caso era ilegal a aplicação da Circular e do regime do artigo 32.º do EBF, o que nunca foi solicitado.

3.2.13. Acontece porém que, se assim é, não é menos certo que a questão de direito apresentada ao Tribunal Arbitral não foi apreciada no acórdão recorrido por referência ao recorte processual apresentado pela Recorrente. Dito de outro modo, a questão da validade da autoliquidação não foi apreciada por referência ao quadro de facto e de direito emergente dos procedimentos nem ao fundamento liquidação emergente da decisão de indeferimento do pedido. Antes, como expressamente reconhecido no acórdão recorrido, se prescindiu dessa decisão da Reclamação Graciosa, julgando-se válida a autoliquidação com fundamento distinto do que havia sido avançado pela Autoridade Tributária naquele procedimento (mantido pela omissão de decisão expressa no Recurso Hierárquico). Para o Tribunal Arbitral, independentemente de se considerar ilegal o método vertido na Circular e a imposição sentida pelo particular de a observar, a autoliquidação era válida por a Recorrente não ter logrado demonstrar, como imposto pelo artigo 74.º da LGT, que tinha havido reais e efectivos encargos financeiros com a aquisição de 11% do capital social de outras sociedades.

3.2.14. Em suma, o Tribunal Arbitral, alheando-se totalmente da decisão expressa na Reclamação Graciosa (que há que considerar idêntica à que tacitamente resulta do Recurso Hierárquico), que fundava o pedido de anulação e que devia ter delimitado a sua apreciação, veio a decidir pela sua parcial validade por, na situação que entendeu ter resultado provada ou não provada da instrução dos autos, se dever concluir que não se estava perante uma situação que devesse ser tratada no âmbito do artigo 32.º, n.º 2, segunda parte, do EBF. E, por decorrência lógica, também não se tratar de situação a aferir no âmbito da aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março ou da legalidade ou ilegalidade desta. Ou seja, para a decisão arbitral recorrida, o problema de saber qual o método de afectação dos encargos financeiros a utilizar (fundamento da decisão da Reclamação Graciosa) nem se colocava, por estar a jusante do problema com que se debateu. Se não há ou não foi demonstrada a existência de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, não há que proceder à sua afectação, nem há (presume-se) que discutir a validade da liquidação à luz da decisão procedimental que a indeferiu.

3.2.15. Pelo contrário, no acórdão fundamento, a aquisição e detenção de partes sociais e a existência de encargos financeiros a deduzir, suportados com a aquisição de activos desta natureza nunca foi posta em causa - por a decisão da Reclamação Graciosa a não convocar - e, por isso, também não foi ali discutida. O que ali se discutiu foi a questão de saber se poderia utilizar-se o método de afectação desses encargos previsto no ponto 7 da Circular sem demonstrar primeiro a impossibilidade de proceder à sua afectação directa.

3.2.16. Daí que, embora se compreenda a fundamentação adiantada pelo Exmo. Senhor Procurador -Geral Adjunto na parte em que procura demonstrar que a questão é a mesma, pese embora as distintas cambiantes que ressaltam destes processos (revelando, se bem o interpretamos, que, em seu entender, o que importa para aferir se estamos perante a mesma questão é a questão colocada e não a questão apreciada), se registe que eventualmente possa ter existido erro de julgamento, quanto à apreciação da prova produzida ou quanto aos poderes de cognição do Tribunal (por os tribunais arbitrais se regerem pelo mesmo regime jurídico vigente no ordenamento jurídico português e pela disciplina aí consagrada quanto aos poderes dos Tribunais chamados a apreciar a validade de uma decisão administrativa) não subsistem dúvidas quanto a serem efectivamente distintas as questões que em cada um dos processos foram identificadas como devendo constituir o objecto de apreciação e quanto a terem sido distintos os fundamentos que em cada uma das decisões conduziram a julgamentos de sentido parcialmente opostos.

3.2.17. Em conclusão:

(i) perante o indeferimento de um pedido de anulação de uma autoliquidação com fundamento na ilegalidade do método de tributação previsto na Circular n.º 7/2004, a questão de direito apreciada na decisão arbitral recorrida foi a de saber sobre quem recai o ónus de prova dos factos de que depende a incidência da norma contida no artigo 32.º, n.º 2, do EBF;

(ii) perante o indeferimento de um pedido de anulação de uma autoliquidação com fundamento na ilegalidade do método de tributação previsto na Circular n.º 7/2004, a questão de direito apreciada no acórdão fundamento, foi a de saber sobre quem recai o ónus de demonstrar a impossibilidade da afectação real dos encargos financeiros aos investimentos que os geram;

(iii) na decisão arbitral recorrida foi entendido que o que estava em causa era o benefício e, por conseguinte, a existência de operações subsumíveis ao âmbito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF;

(iv) no acórdão fundamento foi entendido que o que estava em causa era a determinação do valor dos encargos dedutíveis, no pressuposto de que o benefício existe e de que existem os encargos;

(v) na decisão arbitral recorrida a questão de direito apreciada foi a da interpretação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF (o que é que se entende por «aquisição» e por «encargos financeiros suportados», para efeitos desta norma) e sobre quem recai o ónus de prova dos factos de que depende a incidência da norma contida no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, concluindo-se, por força do artigo 74.º da LGT, que incumbe sobre o contribuinte;

(vi) no acórdão fundamento a questão de direito apreciada foi a de saber quem tem o ónus de o ónus de demonstrar a impossibilidade da afectação real dos encargos financeiros aos investimentos que os geram e a necessidade de aplicar o método presuntivo consagrado na Circular, concluindo-se, à luz dos artigos 87º a 90.º da Lei Geral Tributária, que esse ónus recai sobre a Autoridade Tributária.

(vii) na decisão arbitral recorrida foi eleito como questão a decidir o próprio benefício, e, por conseguinte, a existência de operações subsumíveis ao âmbito do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

(viii) no acórdão fundamento o que estava em causa era a própria determinação do valor dos encargos dedutíveis, no pressuposto de que o benefício existe e de que existem os encargos.

(ix) a decisão arbitral recorrida incidiu sobre as regras da distribuição do ónus de prova quando aplicáveis a regras de delimitação negativa da incidência;

(x) o acórdão fundamento incidiu sobre a aplicação das regras da avaliação indirecta da matéria tributável à avaliação ou de determinação do valor de encargos.

(xi) na decisão arbitral recorrida foi entendido que não existe sequer demonstração da existência de (nenhuns) encargos financeiros que derivem de operações desta natureza (porque se sabe que 89% dos das partes sociais detidas não têm essa proveniência e porque nada se sabe sobre a proveniência de 11% das partes sociais detidas, pelo que, nestas situações, não estamos sequer no âmbito do artigo 32.º, n.º 2, segunda parte, do EBF e, por decorrência lógica, também não estamos no âmbito da aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março. Ou seja, na decisão arbitral recorrida o problema de saber qual o método de afetação dos encargos financeiros a utilizar, por estar a jusante do problema com que se debateu, nem se coloca, isto é, se não há ou não foi demonstrada a existência de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, não há que proceder à sua afectação);

(xii) na decisão fundamento a aquisição e detenção de partes sociais e a existência de encargos financeiros a deduzir, suportados com a aquisição de activos desta natureza, nunca foi posta em causa na reclamação graciosa nem na decisão judicial subsequente, reduzindo-se a questão em discussão à questão de saber se pode utilizar-se o método de afectação desses encargos previsto no ponto 7 da Circular sem demonstrar primeiro a impossibilidade de proceder à sua afetação directa.

3.12.18. Donde, não sendo idêntica a questão fundamental de direito apreciada nas duas decisões em confronto, não há que julgar-se que existe entre ambas oposição, o que conduz, como se decidirá, à decisão de não tomar conhecimento do recurso para uniformização de jurisprudência, por não estarem preenchidos os pressupostos legalmente impostos à sua admissibilidade.

3.2.19. As custas serão suportadas pela Recorrente, integralmente vencida [tudo, conforme artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530, nºs 1 e 7 do CPC (aplicável ex vi artigo 280º do CPPT)].

4. Decisão

Termos em que, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência

Custas pela Recorrente.

Registe, notifique e, após trânsito, comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021

Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.