Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0625/12
Data do Acordão:06/20/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:PEDIDO
DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
DIREITO DE AUDIÊNCIA
Sumário:I - Nos termos do artº 103º, nº 1 da Lei Geral Tributária o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
II - A Lei Geral Tributária atribui assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados actos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária.
III - A decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária deve qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária.
IV - Embora a decisão do pedido de prestação de garantia deva qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, não há lugar ao exercício do direito de audiência prévia, atenta natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento (artº 170º , nº 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário), circunstância essa que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade (artº 103º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex-vi o artº 2º, al.c) da Lei Geral Tributária.
Nº Convencional:JSTA000P14329
Nº do Documento:SA2201206200625
Data de Entrada:06/04/2012
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1 – Vem a Fazenda Pública interpor recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a reclamação judicial interposta por A……, com os sinais dos autos, da decisão de indeferimento do pedido, por esta última formulado, de dispensa de prestação de garantia bancária no âmbito do processo de execução fiscal nº 31072011011121758.
Terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. O presente recurso visa reagir contra a douta sentença que declara a anulação do despacho reclamado com o fundamento de que não foi observado o direito de audição antes do indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia efectuado ao abrigo do artº 170.° do CPPT.
II. Alicerça-se a decisão recorrida na circunstância de que a suspensão da execução após prestação de garantia, nos casos enunciados nos arts. 52° da LGT e 169° do CPPT, bem como a decisão sobre a dispensa de prestação dessa garantia, nos casos previstos na lei (ns. 3 a 6 do citado art. 52° da LGT e art. 170° do CPPT), são de qualificar como verdadeiros actos administrativos em matéria tributária e não como mero actos de trâmite; e, assim, como actos administrativos definidores de uma situação jurídica que no caso é desfavorável ao contribuinte, impunha-se a sua prévia audição, de acordo com o estatuído nos arts. 100° do CPA e 60° da LGT.
III. Não se pode a Fazenda Pública conformar com tal entendimento por ter sido feita a prova documental considerada necessária e, por estar subjacente à presente decisão uma interpretação desconforme com o espírito da lei.
IV. Ou seja, incumbindo o ónus da prova ao peticionário que se encontra obrigado a apresentar o seu pedido devidamente fundamentado de facto e de direito, encontrar-se-iam reunidas, ab initio, as condições necessárias, para dispensa do direito de audição, caso se considerasse que o contraditório deveria ser observado por imposição legal, o que, assim seria desde que a sua preterição constituísse uma preterição de formalidade com valor essencial.
V. Prevê o artigo 170.° n.º 3 do CPPT que o pedido a dirigir ao órgão de execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária.
VI. Contudo, o que importa assentar é uma outra questão, prejudicial: a de saber se no procedimento em causa deverá ser consagrado o direito de audição.
VII. A resposta a esta questão só pode ser negativa. Assim, tal como é entendido pelos acórdãos nos quais se pauta a posição pugnada pela Administração Tributária, o direito de audição é despiciendo.
VIII. Ou seja, ainda que o pedido do sujeito passivo não se encontre devidamente instruído com os elementos de facto e de direito, ainda que a prova não seja suficientemente elucidativa da situação do sujeito passivo, tenderíamos a alvitrar que o direito de audição não seria aplicável em casos como o que está em apreciação.
IX. A este propósito, não podemos pois deixar de apelar aos acórdãos supra referidos, sublinhando uma vez mais a interpretação que deles emana.
X. Ou, seja, "do ponto de vista formal, os actos praticados pelo Órgão de Execução Fiscal são também jurisdicionais e estão, por isso, subordinados às mesmas regras processuais a que se sujeitam os demais processos judiciais tributários. E não, por conseguinte, às regras do procedimento tributário - ou seja, não lhe são aplicáveis as regras procedimentais insertas nos artigos 54. ° e seguintes da L.G. T., nomeadamente os seus artigos 55. ° e 60. ° da L.G.T", como conclui o TCAN.
XI. Por outro lado, um recente acórdão o STA vem consagrar o mesmo entendimento de que o direito de audição não se aplica in casu, pese embora com diversa fundamentação.
XII Interpreta assim o douto tribunal em acórdão já supra identificado: "A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como um verdadeiro acta administrativo em matéria tributária, inserido no âmbito de um procedimento tributário autónomo e funcionalmente diferente do procedimento processual dirigido à cobrança coerciva de determinadas quantias, submetido, por isso, aos princípios e normas que disciplinam a actividade tributária."
XIII Refere ainda o aresto: "... face à urgência objectiva, revelada pela norma ínsita no art. ° 170.° do CPPT, de prolação dessa decisão, deve apelar-se ao regime contido no Código de Procedimento Administrativo, cujo artigo 103.°, n." 1, estabelece que não há lugar a audiência dos interessados «Quando a decisão seja urgente», por força da aplicação subsidiária desta norma em conformidade com o disposto no artigo 2.°, alínea c) da LGT."
XIV. Pelo que, concluímos em consonância que: "Ainda que não se aceite a aplicabilidade da referida norma do CPA, o próprio requerimento em que o interessado expõe a sua pretensão, indicando todas as razões que, em seu entender, a justificam, e ao qual é obrigado a juntar logo todos os elementos de prova, desempenha já a função de audiência prévia, não havendo que chamá-lo novamente a participar na formação da decisão dada a regra geral contida no n. ° 3 do artigo 60.° da LGT quando aplicada a todos os procedimentos tributários que culminem com um acto final lesivo, seja ele ou não um acta de liquidação."
XV.O que leva à conclusão de que o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal se deve manter e que, consequentemente, o reclamante deve apresentar garantia idónea.
XVI Deste modo, com o devido respeito e, salvo melhor entendimento, a douta sentença ora recorrida, a manter-se na ordem jurídica, revela uma inadequada interpretação e aplicação do disposto no regime sub-judice.

Não houve contra-alegações.

O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos: «A recorrente à margem identificada vem sindicar a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 23 de Fevereiro de 2012, exarada a fls. 75/87.
A sentença recorrida julgou procedente a reclamação deduz da do despacho proferido em 22 de Setembro de 2011, pelo Chefe do SLF de Lisboa 8, da Direcção de, que indeferiu pedido de dispensa de prestação de garantia, no entendimento de que ocorreu vício de forma, por preterição de formalidade essencial, a saber, o direito de audição prévia.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 110/111, que, como é sabido, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 684.°/3 e 685º -A/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas para todos os efeitos legais.
Não houve contra-alegações.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Nos termos do estatuído no artigo 103.°/1 da LGT, o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da Administração Tributária participar nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Nos termos do número 2 do citado normativo os interessados podem reclamar para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da Administração Tributária.
Portando, a Administração Tributária no âmbito do processo de execução fiscal pratica actos materialmente administrativos.
Enquanto processo com natureza judicial, todos os actos praticados na execução fiscal pelos sujeitos processuais estão submetidos às regras processuais que regulam o processo tributário e, subsidiariamente às normas do CPC, ex vi do artigo 2.º/e) do CPC.
Só não é assim quando no processo é enxertado um procedimento administrativo (como o da dispensa de prestação de garantia) em que a Administração Tributária actua no exercício da sua função tributária, praticando actos materialmente administrativos em matéria tributária.
Só a estes procedimentos haverá que aplicar os princípios gerais regulamentadores da actividade administrativa e as normas da LGT aplicáveis ao procedimento tributário, designadamente a norma constante do artigo 60.° (princípio da participação).
Embora a decisão sobre o pedido de dispensa da prestação de garantia seja um verdadeiro acto administrativo em matéria tributária inserido num procedimento administrativo, tendo em conta a sua urgência, evidenciada pelo normativo do artigo 170.° do CPPT, deve aplicar-se o estatuído no artigo 103.°/1 do CPA., ex vi do artigo 2º/c) da LGT.
Assim, nos termos do disposto no artigo 103.°/1 do CPA, atenta a natureza urgente da decisão não há lugar ao exercício do direito de audição prévia.
Aliás, uma vez que o interessado na dispensa da prestação de garantia, nos termos disposto no artigo 170.° do CPPT, deve, no respectivo requerimento, indicar todos os fundamentos de facto e de direito e juntar todos os elementos de prova de que disponha, aquele referido requerimento desempenha já a função de audição prévia, pelo que, atento o estatuído no artigo 60.°/3 da LGT não há que ouvir de novo o interessado.
Neste sentido se pronunciou este STA, no acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, relatado pela Senhora Conselheira Dulce Neto.
Portanto a sentença recorrida, ao anular a decisão da autoridade tributária por alegado vício de forma, por omissão de audição prévia, fez uma incorrecta interpretação e aplicação à factualidade apurada dos normativos insertos nos artigos 60.0/1/b) da Lei Geral Tributária e 1034.°/1, pelo que merece censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso jurisdicional e revogar-se a sentença recorrida, com consequente manutenção na ordem jurídica do despacho da autoridade tributária».

2 – Com dispensa de vistos dada a natureza urgente do recurso, vêm os autos à conferência.

3 – Objecto do recurso
Face às conclusões das alegações verifica-se que o recurso tem por fundamento exclusivo matéria de direito, sendo que a questão a decidir consiste em saber se padece de erro de julgamento a sentença recorrida ao considerar violado o direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, nomeadamente por julgar que, previamente à prolação da decisão de pedido de dispensa de garantia bancária, a Administração Fiscal está legalmente obrigada a notificar o Requerente do seu projecto de decisão para este, querendo, se pronunciar.

4- Fundamentação de facto
Em sede factual apurou-se na primeira instância a seguinte matéria de facto com relevo para a decisão da causa:
A) O Serviço de Finanças de Lisboa-8 instaurou contra A…..., S.A., o processo de execução fiscal n." 3107201121121758, para cobrança da quantia de €: 760351,88, proveniente de IVA de 2011 e acrescido - cf. de fls. 52 a 54 do processo de execução fiscal, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) A interessada apresentou, no mencionado Serviço de Finanças, requerimento, cujo teor, em parte, segue: ''A prestação da garantia causará à Executada um prejuízo irreparável: coloca em risco a solvência das suas dívidas. (…..) O aumento do esforço financeiro que implica a prestação de garantia irá gerar um incumprimento generalizado das obrigações da A……, S.A. (….) A A…..., SA, já chegou ao seu limite de endividamento. (…..) A obtenção de uma garantia bancária anualmente custará milhares de euros e é necessário dar garantias ao Banco. (…) Por consulta ao sistema informático é fácil verificar que não constam registos de bens imóveis a favor de A……., S.A. (…) A prestação de garantia irá provocar um prejuízo irreparável à A……, SA (….) Com efeito, a prestação de garantia implica um aumento de despesa financeira adicional, o que implica o não pagamento de salários e a consequente perda de trabalho dos seus funcionários que é força principal e única da A……, S A (….) A A……, SA, em resultado dos encargos financeiros impostos pela prestação da garantia, deixa de poder fazer face aos compromissos económico financeiros não só mas também com os seus funcionários (….) O não pagamento de salários e a consequente perda do trabalho dos funcionários da A……, SA, ocasiona um dano resultante do decréscimo ou interrupção da actividade económica levada a cabo por esta. (…..) Não houve dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores por parte da A……, S A (….) A insuficiência ou inexistência de património da A……, SA, resultou da grave crise financeira em que mergulhou o mundo, arrastando esta para uma situação de dificuldade financeira excepcional, adveniente da dificuldade acrescida de recebimento de créditos a Clientes. (... ) Esta situação leva ao deferimento da isenção de prestação de garantia - artigo 52. o, n. o 4, da Lei Geral Tributária.
Termos em que (... ) se requer o pagamento em 12 (... ) prestações mensais de igual valor da dívida exigida no processo executivo à margem referenciado, bem como, isenção da prestação da garantia. - cf. de fls. 56 a 79 do processo de execução fiscal, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
C) A interessada instruiu esse mesmo requerimento com um rol de testemunhas e com o seguinte documento: "Folha de Férias dos Funcionário (Maio/2011) / (Junho/ 2011) - do qual resulta, além do mais, informação sobre os nomes dos funcionários; vencimentos bruto/líquido; descontos para a Segurança Social/IRS - cf. de fls. 66 a 79 do processo de execução fiscal, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
D) A Divisão de Gestão da Dívida Executiva elaborou informação, segundo a qual: "Alegado pelo contribuinte: Prejuízo irreparável: A executada alega que a prestação de garantia bancária seria causa de um prejuízo irremediável, uma vez que informa encontrar-se já no limite do esforço financeiro por si comportável.
Afirma que a constituição de garantia (bancária) colocaria em causa o pagamento dos salários dos seus funcionários comprometendo deste modo o próprio funcionamento da empresa, concluindo assim nos termos e para os efeitos do nº 4 do art. 52. o da LGT que a prestação de garantia lhe causaria um prejuízo irreparável.
Manifesta falta de meios económicos: Conforme a letra do n. o 4 do art. 52 da LGT a manifesta falta de meios económicos será "revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido." Relativamente ao pressuposto em apreço a executada alude ao facto de não possuir quaisquer bens imóveis registados em seu nome. Ainda que de modo imperfeitamente expresso, parece querer a requerente retirar de tal afirmação a conclusão de preencher assim o pressuposto de manifesta falta de meios económicos nos termos e para os efeitos do n. o 4 do art. 52. o da LGT.
A insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido não ser imputável ao contribuinte.
Com referência ao preenchimento deste pressuposto de verificação necessária invoca a requerente não ter existido dissipação de bens com o intuito de diminuir a garantia dos credores.
Análise: A executada não consta nas nossas bases de dados como proprietária de qualquer imóvel, encontrando-se sim uma viatura de marca "Porsche" com a matrícula …… registada em seu nome.
Discordamos com o alegado pela contribuinte, relativamente à manifesta falta de meios económicos, tendo como fundamento o facto de para além da referida viatura, entendermos também ser o "estabelecimento comercial" da requerente susceptível de penhora nos termos do art. 862º - A do código de Processo Civil (CPC), e não resultar ainda provada a insuficiência destes bens para o efeito da garantia devida nos termos do nº 5 do artº 199º do CPPT.
Deste modo, dado que, quer a penhora da mencionada viatura, quer a penhora do "estabelecimento comercial" nos termos do art. 862-A do CPC não obstam ao normal funcionamento da empresa em causa, não vemos como a prestação da garantia possa causar prejuízo irreparável à executada.
Em conclusão entendemos não verificados os pressupostos da manifesta insuficiência económica, e bem assim o da constituição de garantia causar ao contribuinte um prejuízo irreparável
Em consequência de não se ter dado ainda como provada a insuficiência ou inexistência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, considera-se prejudicada a aferição da verificação do pressuposto de não ser tal jacto imputável ao contribuinte.
Conclusão.
Indefere-se o pedido de dispensa de garantia por não se considerarem preenchidos os pressupostos do n. o 4 do art. 52. o da LGT no que respeita ao prejuízo irreparável, bem como à manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para pagamento da dívida exequenda e acrescido.
Propõe-se o deferimento do pagamento em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, sob a condição de ser prestada garantia idónea, admitindo-se a possibilidade de se proceder à penhora do Estabelecimento Comercial como forma de garantia. - cf. de fls. 28 a 32 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
E) Esta Informação mereceu o parecer que segue: "Concordo", bem como o despacho, de 22/09/2011, que se transcreve: "Em face do que vem informado e proposto, defiro o pedido de pagamento em 12 prestações mensais, que fica condicionado à constituição de garantia idónea e suficiente, uma vez que, nos termos propostos e com os fundamentos aduzidos, vai indeferido o pedido da sua dispensa" - cf. de fls. 28 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui
por integralmente reproduzido.
F) Bem como o despacho, de 22/09/2011, cujo teor se transcreve: ''Em face do que vem informado e proposto, defiro o pedido de pagamento em 12 prestações mensais, que fica condicionado à constituição de garantia idónea e suficiente, uma vez que, nos termos propostos e
com os fundamentos abduzidos, vai indeferido o pedido da sua dispensa. - cf. de fls. 28 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
G) A interessada tomou conhecimento do referido despacho através do ofício
Nº 14528, de 25/10/2011, cujo teor, em parte, segue: "(.. .) Dá-se conhecimento do despacho proferido pelo órgão competente (... ) Nestes termos, (.. .) notifica-se V. Exa. Daquela decisão (...) Mais se notifica que, para que lhe concedido este benefício legal e tendo em vista a suspensão do PEF, deverá no prazo de 15 dias, proceder à constituição e apresentação da garantia na importância de €: 96.998,93 (.. .) prevista no art. 199.0 do CPPT, a qual pode revestir a forma de caução, garantia bancária, seguro de caução, hipoteca voluntária, penhor ou qualquer outro meio susceptível de assegurar os créditos, sendo esta calculada com base no valor da dívida exequenda, acrescida de juros de mora, liquidados com referência à data do pedido e com o limite de 5 anos e das custas, estas a contar também até à data do pedido, acrescida de 25% da soma daqueles valores .(... ) Verificando-se a falta de prestação da garantia no prazo legal, considerar-se-á sem efeito a autorização do pagamento em prestações, no estrito cumprimento do disposto no art. 199. o, n. o 6 e n. o 7 do CPPT. (... ) - cf. fls. 27 dos autos, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.

5. Fundamentação de direito

5.1 Do exercício do direito de audição, previsto no nº 1 do artigo 60º da LGT.
Dispõe o artº 60º da Lei Geral Tributária que «1-A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b)Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária
2- É dispensada a audição no caso de a liquidação se efectuar com base na declaração do contribuinte ou a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição lhe for favorável (…..).

O artigo 60.º, n.º 1 da LGT concretiza assim a directiva constitucional de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consagrada no n.º 5 do artigo 267.º da Constituição da República, estabelecendo que essa participação, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, deve ser assegurada por uma das formas aí indicadas, entre as quais se inclui o direito de audição antes da liquidação.

No caso subjudice está em causa a decisão de um órgão da Administração Fiscal - Chefe de finanças do Serviço de Finanças 8 – que indeferiu um pedido de dispensa de garantia
A sentença recorrida, depois de apreciar os pressupostos do pedido de dispensa de garantia previstos no artº 52º, nº 4 da Lei Geral Tributária, nomeadamente o prejuízo irreparável causado pela prestação da garantia ou manifesta falta de meios económicos e a falta de responsabilidade do executado pela insuficiência patrimonial, considerando que não se encontravam demonstrados, entendeu que deveria ter sido realizada a audição prévia ao abrigo do disposto no artº 60º, nº 1, al. b) da Lei Geral Tributária e que nessa medida o despacho reclamado incorreu em vício de preterição de formalidade legal, com violação do disposto nos arts. 100.° do CPA e 60.° da LGT.
Inconformada com tal despacho a Fazenda Pública alega em síntese que no procedimento em causa não tem que ser assegurado o direito de audição.

5.2 Para dar resposta à questão decidenda importa antes do mais apurar da natureza da despacho reclamado, objecto da sentença recorrida, nomeadamente saber se se trata de um acto materialmente administrativo do órgão da Administração Tributária, pese embora praticado no processo de execução fiscal e em caso afirmativo se há lugar a pronúncia prévia do contribuinte em observância do direito de audição.

Nos termos do artº 103º, nº 1 da Lei Geral Tributária o processo de execução fiscal tem natureza judicial, sem prejuízo da participação dos órgãos da administração tributária nos actos que não tenham natureza jurisdicional.
Por sua vez o nº 2 do referido normativo garante aos interessados o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal dos actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária, nos termos do número anterior.
A Lei Geral Tributária atribui assim globalmente ao processo de execução fiscal a natureza de judicial, pese embora nele sejam praticados actos materialmente administrativos por órgãos da administração tributária.
A nossa jurisprudência fiscal e constitucional tem vindo a reconhecer, pacificamente a natureza judicial do processo de execução fiscal e a constitucionalidade da atribuição de competência à Administração Tributária para a prática de actos de natureza não jurisdicional no processo de execução fiscal, sem prejuízo da possibilidade de recurso (reclamação) para os Tribunais Tributários de quaisquer actos praticados pela Administração Tributária – ver neste sentido, por mais recentes, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 25.05.2012, recurso 489/12, de 9.05.2012, recurso 446/12, de 23.02.2012, recurso 59/12, de 07/02.2011, recurso 1054/11, e de 02.02.2011, recurso 8/11, e, quanto à alegada constitucionalidade, os Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 80/2003 12.02.2003, n.º 152/2002, de 17-4-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 31-5-2002, e , n.º 263/02, de 18-6-2002, publicado no Diário da República, II Série, de 13-11-2002., e os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 20.02.2008, recurso 999/07, de 16.06.2004, recurso 367/04, de 02.05.2001, recurso 25027, e de 19-2-92, recursos ns. 13763 e 13830, todos in www.dgsi.pt
De entre os actos de natureza não jurisdicional que caberão no conceito de «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária» no âmbito do processo de execução fiscal poderemos referir, precisamente, a decisão de dispensa da prestação de garantia a que se referem os arts.170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º, ns. 4 da Lei Geral Tributária.
Mas não só. Também a decisão de suspender um processo de execução fiscal (artº 169º do Código de Procedimento e Processo Tributário), o pedido de pagamento em prestações (artº 196º do Código de Procedimento e Processo Tributário) ou a dação em pagamento (artº 201º do mesmo diploma legal), podem ser definidos como actos materialmente administrativos em matéria tributária e não como meros actos de trâmite, uma vez que não se confinam nos estreitos limites da ordenação intraprocessual ou de mera regulamentação processual, antes projectam externamente efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. artigo 120 do Código de Procedimento Administrativo, e na jurisprudência, os Acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.12.2011, recurso 1072/11, de 02.02.2011, recurso 8/11, e de 28.01.2008, recurso 968/08).
Em todos eles se descobre um denominador comum característico do conceito dos chamados “actos materialmente administrativos”: são decisões que, ao abrigo de normas de direito público, visam produzir efeitos jurídicos em situações individuais e concretas, praticados, no exercício da função administrativa (embora em termos instrumentais), por órgãos integrados nos poderes político, legislativo e jurisdicional. Só este último aspecto os distingue dos actos administrativos, o que explica que estejam sujeitos ao mesmo regime geral, quer no plano substantivo (art.º 2º, nº 1, in fine, CPA), quer no plano processual (art. 4.°,1, c) ETAF, art. 51.°, 2 CPTA) (Cf., quanto à definição de acto materialmente administrativo, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Tomo III, 2ª edição, pag. 78. Como esclarecem aqueles autores trata-se de actos que estão na fronteira do conceito de acto administrativo, mas também fora dele, embora estejam sujeitos ao mesmo regime geral, quer no plano substantivo quer no plano processual.
E o aparente paradoxo da existência de actos materialmente administrativos praticados por órgãos integrados nos poderes político, legislativo e jurisdicional explica-se pela circunstância de os respectivos serviços estarem organizados e funcionarem em termos necessariamente similares aos dos serviços administrativos (têm corpos de trabalhadores próprios estruturados em cadeias hierárquicas encimadas por órgãos e actuam de modo procedimentalizado)).
Ora, confrontada a natureza dos actos que estão compreendidos nas hipóteses normativas acima transcritas, nomeadamente o pedido de dispensa de garantia previsto nos arts. 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 52º nº 4 da Lei Geral Tributária com a formulações dada ao conceito de acto materialmente administrativo, conclui-se seguramente que os mesmos estão nela compreendidos.

Mas se assim é, se a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia deve qualificar-se como acto materialmente administrativo em matéria tributária, sujeito ao regime geral do acto administrativo, quer no plano substantivo quer no plano processual, importa apurar se, no caso, há lugar à observação do direito de audição prévia previsto no artigo 60º da Lei Geral Tributária, ou seja se previamente à prolação da decisão de pedido de dispensa de garantia bancária, a Administração Fiscal estava legalmente obrigada a notificar a requerente do seu projecto de decisão para esta, querendo, se pronunciar.

E a resposta será negativa dada a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no artº 170º do Código de Procedimento e Processo Tributário (nº 4 do referido normativo), circunstância o essa que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade (artº 103º, nº1, al. a) do Código de Procedimento Administrativo aplicável ex-vi o artº 2º, al.c) da Lei Geral Tributária.
Com efeito a situação de urgência que justifica a não audiência dos interessados, nos termos da alínea a), do nº 1, do art. 103.° do C.P.A., tem efectivamente natureza excepcional, ocorrendo quando haja de prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais (Vide, neste sentido, Acórdão da 1ª secção do Supremo Tribunal Administrativo de 29.06.2006, recurso 816/05, in www.dgsi.pt, António Francisco de Sousa, Código de Procedimento Administrativo anotado e comentado, 2ª edição, pag. 320, e ainda Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Tomo III, 2ª edição, pag.137. ).

Ora, como se sublinha no Acórdão de 23.02.2012, desta secção, recurso 59/12, in www.dgsi.pt «se é verdade que o direito de participação dos cidadãos na formação das decisões que lhes dizem respeito tem de ser norteado pelo princípio superior da salvaguarda dos seus direitos ou interesses legítimos na feitura de uma decisão que se deseja correcta, não o é menos que tal exercício não deve criar obstáculos a situações objectivas de urgência legal, razão por que se impõe observar, também nos procedimentos tributários de carácter urgente, a norma que prevê a dispensa de audição contida no referido artigo 103.º, n.º 1, alínea a), do CPA.
No caso vertente, o curtíssimo prazo concedido à administração tributária para a decisão do pedido, conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar imediatamente toda a prova no requerimento onde formula a sua pretensão, denuncia objectivamente o carácter urgente deste procedimento tributário, onde o tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, de obviar ao sumiço de bens que possam garantir o pagamento integral da dívida exequenda, assim se justificando a não observância da formalidade prescrita no artigo 60.º da LGT, ao abrigo do disposto na alínea a), do n° 1, do artigo 103. ° do CPA, face à aplicação subsidiária das normas do CPA ao procedimento tributário».

Assim sendo a sentença recorrida, que anulou a decisão da Administração Fiscal por vício de preterição de formalidade legal (direito de audição), incorreu em errada interpretação e aplicação do disposto nos arts. 60º, nº 1, al. b) da Lei Geral Tributária e 103º, nº 1, al. a), do Código de Procedimento Administrativo pelo que deverá ser revogada, procedendo, com esta fundamentação, o recurso da Fazenda Pública.

6- Decisão
Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao presente recurso, revogando a sentença recorrida, com consequente manutenção na ordem jurídica do despacho reclamado.
Sem custas.

Lisboa, 20 de Junho de 2012. - Pedro Delgado (relator) - Ascensão Lopes - Valente Torrão(Com a seguinte declaração de voto: Voto a decisão, mas entendo que em processo de execução fiscal só há direito de audição prévia no caso expressamente previsto da reversão. Por isso a fundamentação que invoca o curto prazo no caso concreto, não me impressionou, nem é por isso que, em meu entender, se deve concluir pela inexistência de tal direito no caso concreto).