Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02474/12.8BELSB
Data do Acordão:05/30/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:DEMISSÃO
CIRCUNSTÂNCIA AGRAVANTE
INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO FUNCIONAL
Sumário:Como se pode extrair do teor do artigo 26.º do ED/84, para a apreciação da possível inviabilidade da manutenção da relação funcional não basta dar como provado o cometimento das infracções e a sua gravidade objectiva, mas, de igual forma, é imprescindível provar, mediante juízo de prognose, que o cometimento de infracção ou infracções disciplinares comprometia de forma irremediável essa manutenção.
Nº Convencional:JSTA000P24620
Nº do Documento:SA12019053002474/12
Data de Entrada:02/04/2019
Recorrente:RTP - RADIOTELEVISÃO PORTUGUESA, SA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. RTP – Radiotelevisão Portuguesa, SA (RTP), devidamente identificada nos autos, recorre para este Supremo Tribunal do Acórdão do TCAS, de 18.10.18, em que se acordou “negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida” (acórdão tirado por maioria, com um voto de vencido).

Na base deste recurso está uma acção administrativa especial intentada no TAC de Lisboa por A………… com vista à anulação da deliberação do Conselho de Administração da RDP, de 18.07.03, deliberação esta que lhe aplicou a sanção de demissão.

O (então) autor peticiona, a final, que seja “concedido provimento ao presente recurso e ser declarada nula a decisão recorrida, absolvendo-se o recorrente; se assim se não entender deve a decisão recorrida ser anulada; se assim não se entender deve a decisão recorrida ser substituída por outra que condene o Recorrente em pena de multa, nos termos requeridos. Mais deve a recorrida ser condenada a praticar todos os actos e operações necessários para reconstituição da situação que existiria se o acto nulo/anulado não tivesse sido praticado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 47.º CPTA, assim se fazendo Justiça”.

O TAC de Lisboa, por sentença de 08.06.16, considerou que, “Em face do exposto, a decisão de aplicação da pena de demissão ao ora autor mostra-se viciada por erro sobre os pressupostos de facto, uma vez que não ficou provada em sede de procedimento disciplinar a inviabilização da manutenção da relação funcional”. Em consonância, decidiu no sentido da procedência da presente acção, e, consequentemente, anulou a deliberação do Conselho de Administração da RDP de 18.07.03 que aplicou a pena de demissão ao ora recorrido. (Cfr. fls. 537-8).

2. Inconformada, desta feita, com a decisão do TCAS, a ora recorrente RTP interpôs o presente recurso jurisdicional de revista, tendo, para o efeito, apresentado alegações, que concluiu do seguinte modo (cfr. fls. …):

A) Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, que confirmou a anulação (pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa) da deliberação do Conselho de Administração da RDP de 18.07.2003, que aplicou ao Autor (ora Recorrido) a sanção disciplinar de demissão, com base em erro sobre os pressupostos de facto (falta de demonstração da inviabilização da manutenção da relação funcional na sequência da conduta do Recorrido).

B) Muito embora o Recorrido tenha atribuído à presente ação, na sua petição inicial, o valor de € 30.000,00, a Recorrente manifestou a sua oposição, na sua contestação, a este valor indicado pelo Recorrente, sendo certo que, em sede de despacho saneador, acabou por ser fixada à presente ação o valor de € 30.000,01, pelo deverá ser esse o valor a atender para efeitos de aferição da admissibilidade do presente recurso.

C) O presente recurso deverá também ser admitido, por se encontrarem verificados os requisitos previstos no artigo 150.º do CPTA: necessidade de apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental;

D) É inequívoca a relevância jurídica e social associada à apreciação da legalidade de atos de demissão, não só para o próprio visado – que vê colocada em causa a sua (muitas vezes única) fonte de rendimentos –, como da própria Administração, em face dos encargos que estão normalmente associados a uma decisão deste tipo.

E) Uma vez que, no caso concreto, ficaram demonstrados todos os factos imputados ao Recorrido no processo disciplinar que lhe foi instaurado, é necessário delimitar o conteúdo desta cláusula geral inviabilização da manutenção da relação funcional, mais concretamente, o quantum de esforço de alegação e prova que tem de ser feito pela entidade que pratica o ato extintivo do vínculo de trabalho, para que se possa considerar cumprida essa exigência legal.

F) As dúvidas que se suscitam em torno desta questão são de tal forma relevantes, que acabaram por se refletir num certo dissenso no seio dos Senhores Juízes Desembargadores que analisaram a questão, materializado no voto de vencida da Senhora Desembargadora Ana Celeste Carvalho, que entendeu verificar-se, no caso concreto, uma situação inviabilizante de manutenção da relação funcional. Por isso, em nome da necessidade de uma melhor aplicação do direito – e por aplicação, a contrario, do artigo 671.º, n.º 3, do CPC, aplicável aos presentes autos por força do artigo 140.º, n.º 3, do CPTA – justifica-se uma clarificação acerca deste tema, para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares.

G) É fundamental confirmar se o ónus de preenchimento deste conceito indeterminado inviabilidade de manutenção da relação funcional se basta com a sua alegação na acusação do processo disciplinar e com a demonstração de factos suscetíveis (pelo menos em abstrato) de confirmar essa situação (o que ocorreu), sem necessidade de provar – diretamente – essa inviabilidade, ou se o Tribunal pode sindicar o juízo de inviabilidade, formulando uma convicção diferente da entidade que aplicou a sanção (cfr. acórdão do STA de 01/03/1991, Rec. nº 28339).

H) É necessário que o Supremo Tribunal Administrativo: concretize aquilo que é necessário que a entidade que aplique uma sanção disciplinar de demissão alegue e demonstre no decurso do processo disciplinar para que se possa considerar cumprido o dever de justificar a existência de uma situação de inviabilização da manutenção da relação funcional; ponderando a reconhecida margem de apreciação administrativa, esclareça qual o esforço de fundamentação que terá de ser feito pelo Tribunal, para que possa validamente anular uma sanção de demissão com base na falta de cumprimento do requisito demonstração da existência de uma situação de inviabilização da manutenção da relação funcional; clarifique se o artigo 28.º do DL 24/84, de 16 Janeiro, exige sempre a alegação e prova de circunstâncias agravantes especiais para a aplicação da sanção de demissão e, bem assim, se a falta de demonstração de uma determinada circunstância agravante que tenha sido invocada para justificar a aplicação de uma determinada sanção (em especial a de demissão) constitui, automaticamente, um factor invalidante do acto de aplicação dessa mesma sanção.

I) Está assente – não tendo tal factualidade sido, naturalmente, questionada pelo Tribunal a quo – que o Recorrido praticou as infrações descritas no relatório final de instrução, onde ficaram explicitadas as razões e fundamentos para a aplicação da pena de demissão.

J) Conforme tem afirmado, de forma consensual, a generalidade dos Tribunais, a inviabilização da manutenção da relação funcional não é um facto suscetível de prova, mas antes uma "cláusula geral a preencher por juízos de prognose efetuados com certa margem de liberdade administrativa" (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01/03/1991, citado no próprio Acórdão objeto do presente recurso).

K) Se é a própria Jurisprudência a reconhecer a inevitabilidade da intervenção de um juízo de apreciação administrativa, uma interpretação contrária à Administração, por parte dos Tribunais, sempre teria de ser inequívoca, precisamente porque é esta entidade que está em melhores condições de avaliar o impacto dos comportamentos das pessoas que tem ao seu serviço para efeitos de formulação do juízo de (im)possibilidade de manutenção da relação funcional] – cfr. a este propósito, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29 de Abril de 2014, no âmbito do processo 01097/13, disponível em www.dgsi.pt.

L) Sucede que o Tribunal a quo alicerçou a sua convicção – falta de verificação do requisito inviabilidade de manutenção da relação de trabalho – com base em argumentos manifestamente insuficientes: para além da exiguidade temporal dos factos não relevar, evidentemente, para efeitos de ponderação da (in)existência de uma situação de inviabilidade de manutenção da relação funcional, a carta, dirigida pelo Recorrido em 31 de março ao Diretor …………, parcialmente transcrita no ponto 30 da matéria assente, foi perfeitamente elucidativa para a Recorrente, permitindo-lhe formular o aludido juízo de inviabilidade, atenta a atitude “anunciada” do Recorrido de não cumprir aquela ordem, ao ponto de “sugerir” mesmo a instauração de um processo disciplinar – “Não me parecendo haver qualquer utilidade nesta estéril troca de correspondência, deverá a empresa utilizar qualquer dos procedimentos que tem ao seu alcance, designadamente, revendo a sua posição ou mantendo a sua teimosa atitude, remetendo a discussão para a esfera disciplinar.” (sublinhado nosso).

M) Daqui resulta que, para além da violação do dever de assiduidade, merece especial destaque, evidentemente, a desobediência deliberada, flagrante, reiterada e intolerável (porque conjugada com a atitude de “afronta”, materializada no excerto transcrito) às ordens que lhe foram dadas pela Recorrente.

N) Mas, então, que mais seria necessário alegar ou demonstrar, para se concluir que o Recorrido iria, inequivocamente, manter para o futuro esta situação de incumprimento e, assim, para que a Recorrente pudesse validamente formular o indispensável juízo de inviabilidade de manutenção da relação funcional? É manifesto que o Recorrido nunca iria acatar a ordem que lhe foi transmitida.

O) Para além da gravidade – intrínseca – do comportamento aqui em causa, reconhecida pelo próprio Tribunal a quo, não restam também dúvidas quanto à posição firme do Recorrido de não alterar, para o futuro, o seu comportamento, mantendo a sua atitude de afronta para com a Recorrente, numa clara predisposição para manter esse "braço de ferro", que justificou e forçou a intervenção da Recorrente com a instauração do processo disciplinar aqui em causa.

P) A Recorrente alegou resultados prejudiciais para o serviço público, decorrentes da conduta que este adotou, nomeadamente, a repercussão no regular funcionamento dos serviços e na imagem da mesma, em resultado da desautorização da Direção ……….. da Recorrente, num contexto de reestruturação da RDP, acompanhada de uma acentuada diminuição do quadro de pessoal. Ainda assim, essa circunstância agravante sempre deveria ter sido considerada um plus, permitindo apenas reforçar a convicção da inviabilidade de manutenção da relação funcional, e não uma condição essencial (tal como parece decorrer do teor do Acórdão Recorrido) para sua demonstração.

Q) Mesmo admitindo que esta questão não deixou de ser valorada pela Recorrente, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido – automaticamente – que sem essa circunstância verificada não poderia ser aplicada a sanção de demissão. Trata-se de um salto lógico e argumentativo demasiado longo e sem apoio legal, na opinião da Recorrente.

R) Tendo decidido da forma descrita anteriormente, o Acórdão Recorrido violou o artigo 28.º do DL 24/84, de 16 Janeiro, ao interpretar este preceito legal no sentido de exigir sempre a apreciação e ponderação de circunstâncias agravantes para efeitos de aplicação de uma sanção de demissão.

S) O Conselho de Administração da Recorrente, ao aplicar ao Recorrido uma sanção expulsória, não incorreu em erro, não violou a lei e não ofendeu o princípio da proporcionalidade, antes se limitou a colocar definitivamente termo a uma situação insustentável.

T) Caso, por absurdo, se admitisse adequada a aplicação de qualquer outro tipo de sanção que mantivesse o vínculo laboral, o Recorrido continuaria a recusar-se a trabalhar nos moldes que lhe foram definidos pela Recorrente (designadamente, em termos de local e período de execução da atividade), conclusão essa que, ao contrário do sustentado pelo Tribunal a quo, nada tem de especulativo;

U) Tendo presente o exposto, o Acórdão Recorrido enferma, portanto, de erro de direito na interpretação e aplicação das normas jurídicas sobre os deveres gerais dos funcionários e agentes e sobre a matéria disciplinar, designadamente, o disposto nos n.ºs 1 e 7 do art. 3.º, nos artigos 10.º, 26.º, 28.º e 31.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 Janeiro (que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local).

V) A sentença recorrida violou igualmente a Jurisprudência firmada dos nossos Tribunais Superiores, segundo a qual não compete ao tribunal apreciar a medida concreta da pena aplicada, salvo nos casos de erro manifesto e grosseiro, por se tratar de uma tarefa exclusiva da Administração, incluída na denominada discricionariedade técnica ou administrativa.

Assim, deve o presente recurso ser recebido e, a final, ser o mesmo julgado procedente, revogando-se o Acórdão Recorrido e confirmando-se a validade do ato de aplicação ao Recorrido da sanção de demissão.
E, decidindo desta forma, se fará a devida e costumada JUSTIÇA!”.

3. O ora recorrido culminou as suas contra-alegações com as seguintes conclusões (cfr. fl. …):

1 - Como referido nas alegações de recurso da demandada, o que está em causa é a “avaliação da validade/legalidade da pena disciplinar aplicada ao Recorrido (…) [e] não ter ficado demonstrada [de acordo com a sentença proferida em primeira instância e confirmada pelo acórdão recorrido] a inviabilização da relação funcional aqui em causa”, nos termos do artigo 150.º CPTA.

2 - Não falta doutrina e jurisprudência que concretize aquilo que é necessário que a entidade que aplique uma sanção disciplinar de demissão alegue e demonstre no decurso do processo disciplinar para que se possa considerar cumprido o dever justificar a existência de uma situação de inviabilização da manutenção da relação funcional (ex., acórdãos STA nos processos 028339, de 05.03.1991, 1228/02, de 01.04.2003, 040931, de 09.07.1998, 040060, de 13.01.1999, 01038/04, de 02.12.2004, 010/06, de 11.10.2006, 01034A/04, de 17.04.2008, 0212/15, de 25.02.2016.

3 - No fundo e em resumo, trata-se de uma tentativa de reeditar a tese que já foi defendida perante duas instâncias e que não foi acolhida, apesar de amplamente debatidas e aplicada a jurisprudência dominante do STA.

4 - Também não faltam preceitos legais, doutrina e jurisprudência que concretizem o dever de fundamentação das decisões do Tribunal: desde o n.º 1 do artigo 205.º da Constituição da República Português ao artigo 94.º do CPTA e 607.º ss CPC, levando todos à conclusão de que a fundamentação tem de ser suficiente por forma a dar a conhecer às partes as razões de facto e de direito que conduzem à decisão final (apenas a título exemplificativo, vide acórdãos STA nos processos 011946 de 10.01.1990, 016538 de 15.03.1995, 021293 de 19.03.1997 e 044915 de 16.06.1999).

5 - Parece que a demandada tem dificuldade em entender o que está firmado em doutrina e jurisprudência de que é requisito da aplicação da pena de demissão a inviabilidade da manutenção da relação funcional que se caracteriza, em primeiro lugar, pela gravidade dos factos que consubstanciam a infração (em segundo, pelo impacto que têm no exercício das funções e, por último, no autor demonstrar uma personalidade inadequada ao exercício das funções), i.e., as cirscunstâncias agravantes apenas têm por efeito poder conduzir a um aumento da pena disciplinar a aplicar (artigo 28.º ED), mas não têm o condão de inviabilizar uma relação quando os factos objeto do processo disciplinar não são suficientemente graves uma vez que este é pressuposto daquela concreta pena (artigo 25.º ED) – neste sentido e a título meramente exemplificativo, de Paulo Veiga e Moura, Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores da Administração Pública anotado, Coimbra Editora, 2011 e os acórdãos proferidos pelo STA nos processos 032195 de 10.07.1997, 010/06, de 11.10.2006 e 01015/10 de 27.01.2011.

6 - Termos em que:

a) Deve ser rejeitada a admissão do presente recurso por não se encontrarem reunidos os pressupostos legais e tal como constante da jurisprudência desse venerando Tribunal (vide, a título de exemplo as decisões no processo 01105/08, de 07.01.2009; 07/10 de 20.01.2010; 0555/10, de 07.07.2010; 0596/14, de 24.06.2014; 01199/15, de 20.10.2015; 01599/15, de 15.12.2015 e 01300/16, de 07.12.2016);

b) Caso assim não se entenda o que só se admite como mero exercício teórico, deverá o mesmo ser julgado improcedente mantendo-se o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo de Sul por falta de verificação dos pressupostos legais da infração disciplinar, em particular dos pressupostos de que depende a aplicação da pena de demissão, bem como de qualquer circunstância agravante<

c) Caso tal também não se entenda, deverá ser ampliado o objeto do recurso nos termos que se passam a explicitar:

7 - Atenta a manifesta falta de verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto que a demandada não pode desconhecer pela sua flagrância, descortina-se como único objetivo daquela o protelamento do trânsito em julgado da decisão definitiva nos presentes autos, conforme resulta de todo o exposto, pelo que deverá a demandada ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização, nos termos do disposto na parte final da alínea d) do número 2 do artigo 542.º CPC.

8 - Sendo a certeza e seguranças jurídicas matéria de incontornável e indiscutível relevância social, deverá o STA apreciar a questão aqui colocada e, em consequência, concluir pela inviabilidade do recurso da demandada, por caso julgado, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º e n.º 3 do artigo 141.º e também 7.º-A CPTA e 6.º e 641.º CPC, devendo, em conformidade, ser proferida decisão de não provimento do recurso com a consequente anulação do acórdão do Tribunal Central Administrativo de Sul e a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e nos termos da jurisprudência firmada pelo STA, por exemplo, nos processos 029158 de 20.12.1994, 019422 de 28.02.1996, 01103/03 de 29.06.2004 e 046885 de 20.10.2004.

9 - Sendo o direito à justiça um direito fundamental, a não apreciação pelo Tribunal de todas as questões que lhe são colocadas pelas partes e das quais deva tomar conhecimento, por contenderem com tal direito constitucional, essencial no Estado de Direito, deverá ser conhecido pelo STA e, em conformidade, reconhecer, na parte referida para todos os devidos e legais efeitos, a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, suprindo a mesma e decidindo:

a) Declaração da sanção de demissão como abusiva nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 5.º, alíneas a) e g) do n.º 1, n.º 2 do artigo 88.º do AE e, consequentemente, ser a recorrida condenada nos termos do n.º 2 do artigo 89.º de tal AE e consequente condenação, nos termos legais;

b) Condenação da demandada a praticar todos os atos e operações necessários para reconstituição da situação que existiria se o ato nulo/anulado não tivesse sido praticado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 47.º CPTA;

c) Condenação da demandada na indemnização em substituição da reintegração prevista nos artigos 65.º EDFA e 301.º LGTFP;

10 - Por ser de relevância social evidente e melhorar significativamente a aplicação do direito deve o STA apreciar se a decisão que aplicou ao demandante a pena de demissão é válida ou nula por violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, 47.º, 58.º e art.º 21.º da Constituição Portuguesa, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo

11 - Por ser de relevância social evidente, também deverá o STA se pronunciar no sentido de que interpretar o artigo 22.º da LCT (também assim 81.º LGTFP e 120.º Código do Trabalho) no sentido de que pode a entidade patronal atribuir ao trabalhador funções não correspondentes à sua categoria profissional a título de actividade principal é inconstitucional por violação do disposto nos artigo 47.º e 58.º CRP e, consequentemente, por violação dos princípios constitucionais do direito ao desenvolvimento da personalidade, da dignidade da pessoa humana e do estado de direito.

12 - Sem transigir sempre se acrescentará que, caso assim não se entenda, deverá a decisão de aplicação da pena de demissão ser anulada por violação de lei, mormente do disposto na alínea f) da cláusula 3ª do Acordo de Empresa que determina que é obrigação desta “não exigir dos trabalhadores o exercício de funções ou tarefas diferentes das correspondentes à sua categoria profissional”

13 - Por assumir relevância social evidente (tanto mais que se pode encontrar, hoje, a mesma redação em vigor no artigo 177.º da LGTFP) e sendo necessária a uma melhor aplicação do direito, deverá o STA pronunciar-se sobre a matéria referida e julgar a conduta do demandante como não violadora do dever de obediência, uma vez que interpretar o artigo 10.º do EDFA no sentido de apenas ser legítima a desobediência a ordens que conduzam à prática de crime é violador do princípio constitucional da igualdade (por comparação com as causas de desobediência legítima previstas para o sector privado) bem como do direito de resistência (que se encontra estruturalmente dirigido à reacção contra actos de poder que, pelo seu conteúdo, ofendem direitos, liberdades e garantias), da legalidade, da proporcionalidade e do estado de direito

14 - Por ter relevância social evidente e ser necessário a uma melhor aplicação do direito, o STA devera pronunciar se sobre se o cumprimento da ….. contende com o dever de prossecução do interesse público e com o dever de zelo (por violação do dever constante do 14.º/1/c) Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99 de 13 de janeiro e do n.º 10 do Código Deontológico da profissão) 15 - Deve a decisão de aplicação da pena de demissão ser anulada por sofrer de vicio de violação de lei, por não ser conforme às disposições legais e contratuais citadas, nomeadamente as seguintes: Decreto-Lei nº409/71 de 27 de Setembro, art.º 11, n.º3 e art.º 12, n.º 3, alínea b); art.ºs 21.º, n.º 1, alínea a), art.º 22.º do Decreto-Lei 49408 de 22 de Novembro (RJCIT); AE da RDP, cláusulas 3.ª, alínea f), 5.ª, n.º1, alínea a), nos termos do disposto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo

Assim se fazendo a costumada

JUSTIÇA!”.

4. Por acórdão deste Supremo Tribunal [na sua formação de apreciação preliminar prevista no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA], de 11.01.19 (fls. …), veio a ser admitida a revista, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos:

“(…)

O ora recorrido foi sancionado com a pena disciplinar de demissão porque, perante uma ordem que alterava as suas funções e o seu horário de trabalho, comunicou superiormente que, por ela ser ilegal, a não cumpriria – o que fez, comparecendo repetidamente ao serviço no horário anterior.

O TAC disse que essa ordem, apesar de formalmente viciada, era obrigatória; mas anulou o acto punitivo por entender que se não demonstrara a inviabilidade da manutenção da relação funcional. Pronúncia que o TCA confirmou, embora só por maioria.

Na sua revista, a recorrente insurge-se contra a decisão anulatória das instâncias, por entender que os contornos do caso são demonstrativos daquela inviabilidade. E aduz ainda que o TAC e o TCA não dispunham, «in casu», de poderes cognitivos para questionar e destruir o juízo da Administração sobre essa matéria.


Ora, a posição das instâncias é controversa. Com efeito, a recusa expressa do arguido, aliás assumida «ex ante», de não cumprir as novas tarefas num diferente horário – o que parece ofender os deveres de obediência e de assiduidade, referidos no acto – suscita dúvidas sobre a bondade da decisão anulatória emitida. Pelo que se justifica o recebimento do recurso, para reanálise do assunto.

Acresce que a problemática sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional, sempre presente nas penas expulsivas, surge repetidamente nesta jurisdição. E convém que o Supremo lhe traga um novo «apport», quanto aos poderes cognitivos dos tribunais na matéria e quanto ao modo de os exercer”.

5. O Digno Magistrado do Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, emitiu parecer no sentido do provimento do presente recurso, parecer que mereceu resposta discordante do ora recorrido (cfr. parecer de fls…), cujo conteúdo se dá por inteiramente reproduzido).

6. Sem vistos, mas mediante entrega prévia do projecto de acórdão, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:


Resulta como assente nos autos o seguinte quadro factual:

“O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, nos seguintes termos:

1) Em 01.09.1974, A………… foi admitido ao serviço da então Emissora Nacional de Radiodifusão, para desempenhar as funções de jornalista no cargo ou posto de redactor; Cfr. documento de folhas 276 dos autos.

2) Através da Ordem de Serviço Série A N.º 37/80 foi-lhe atribuída a categoria de jornalista de 2……. Cfr. documento de folhas 286 a 289 dos autos.

3) Através da Ordem de Serviço série B N.º 1/83 foi-lhe atribuída a categoria de jornalista do ….. A; Cfr. documento de folhas 290 e 292 dos autos.

4) Através da Ordem de Serviço Série A N.º 43/85, de 24.10.1985, foi promovido ao ….. escalão B; Cfr. documento de folhas 296 a 301 dos autos.

5) Através da Ordem de Serviço Série B N.º 34/86 de 31.07.1986 foi classificado na categoria de jornalista do …….; Cfr. documento de folhas 304 dos autos.

6) Através da ordem de serviço Série B N.º 54 de 07.11.1988 dos serviços internos da Radiodifusão Portuguesa E.P., foi promovido a jornalista do ……; Cfr. documento de folhas 308 a 310 dos autos.

7) Através da Ordem de Serviço Série B N.º 24/79 dos serviços internos da Radiodifusão Portuguesa E.P., passou a integrar a equipa de redacção da manhã I; Cfr. documento de folhas 312 dos autos.

8) Através da Ordem de Serviço Série A n.º 66/80 dos serviços internos da Radiodifusão Portuguesa E.P. passou a integrar, na qualidade de redactor, o turno da manhã II (das 08.00 às 15.00 horas) da redacção A (…….); Cfr. documento de folhas 314 a 319 dos autos.

9) Através da ordem de serviço n.º 9/81 dos serviços internos da Radiodifusão Portuguesa E.P., foi integrado no turno da madrugada (das 00.00 às 07.00 ou das 01.00 às 08.00 horas), na qualidade de jornalista na redacção RDP/….; Cfr. documento de folhas 320 a 327 dos autos.

10) Através da ordem de serviço 55/81 foi integrado na equipa da edição RDP/….., com horário de segunda a sexta às 12.00 horas e ao domingo 13.00/14.00; Cfr. documento de folhas 239 dos autos.

11) Através da ordem de serviço n.º 17/84 de 26.04.1984, dos serviços internos da Radiodifusão Portuguesa foi integrado na Equipa ……… com horário entre as 15.00 e as 22.00 horas; Cfr. documento de folhas 240 a 247 dos autos.

12) Com data de 29.11.1984, na secção de situação de pessoal dos serviços administrativos de pessoal da Direcção de pessoal da radiodifusão Portuguesa E.P., foi levantado "Auto por falta de Assiduidade", cujo teor consta de folhas 248 dos autos, que se dá por reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte:

"(...)... verifiquei..., que A…………, Jornalista do ………. do quadro de pessoal permanente, colocado na ………. deu as seguintes faltas: quinze em Maio, três em Julho; trinta e uma em Agosto; e nove em Setembro no corrente ano, que lhe foram consideradas injustificadas.(...)"

13) Por despacho do Conselho de Administração da RDP de 14.01.1985, transmitido através da Ordem de Serviço n.º 10/85 foi criado um ………. de Produção Jornalística com a atribuição de executar trabalhos de reportagem para serem difundidos nos vários canais da RDP; Cfr. documento de folhas 254 dos autos.

14) Por Deliberação de 14.03.1985, o Conselho de Administração da RDP colocou no ………. de Produção Jornalística os funcionários B………., C……….., A……………., D……….. e E………..; Cfr. documento de folhas 286 dos autos.

15) Com data de 28.07.1995, os serviços da Direcção de Recursos Humanos elaboraram documento com o seguinte teor:

"1- O Jornalista, A……….. (…..), está afecto ao ……… de Produção Jornalística.
2- Julgando-se que esse Núcleo se encontra desactivado, solicita-se informação sobre a viabilidade da sua colocação em serviço da Direcção ……..."; Cfr. documento de folhas 288 dos autos.

16) Com data de 01.09.1995, o Director de recursos Humanos da Radiodifusão Portuguesa S.A., dirigiu a A…………, carta com o seguinte teor:" Para tratar de assunto do seu interesse, queira comparecer, o mais urgente possível, na Direcção ……… – Rua …….. – Sr F……….”; Cfr. documento de folhas 289 dos autos.

17) Com data de 25.09.1995, por A…………., foi enviada ao seguinte teor: "Junto devolvo a V/ carta em refg, por ter-me sido enviada certamente por lapso. De facto, ao contrário do que poderá concluir-se da V/ carta, em refg, não tenho qualquer assunto do meu interesse a tratar com o senhor F……….. Se, porventura, um dia, o tiver, tratarei directamente com ele, sem recurso aos bons ofícios da RTP."; Cfr. documento de folhas 290 dos autos.

18) Com data de 25.09.1995, do departamento de Gestão Administrativa da Radiodifusão Portuguesa SA, foi dirigida a A…………, carta com o seguinte teor: "A fim de regularizar a sua situação profissional, queira comparecer no próximo dia 02 de Outubro, às 10H00, numa reunião com o Sr Director de Recursos Humanos, na Direcção de Recursos Humanos, sita na Avenida Eng. .........., número ..., .... andar, em Lisboa."; Cfr. documento de folhas 291 dos autos.

19) Com data de 22.02.1996, assinada com o nome ………., foi prestada declaração com seguinte teor: "Declaro que o Sr. Director de Recursos Humanos em 02 de Outubro/95 na minha presença mandou apresentar na D.R.H. o Jornalista Sr. A…………. A pedido do Jornalista foi-lhe passada a declaração que se anexa. Também na minha presença e na mesma altura o Sr Director de Recursos Humanos comunicou ao Jornalista Sr. A………….. que deveria assinar diariamente a folha de ponto que lhe foi apresentada e que se anexa. O Jornalista Sr. A…………. comunicou ainda que não assinaria a folha de ponto sem falar com o seu advogado, não tendo até hoje comparecido na RDP para assinar a referida folha."; Cfr. documento de folhas 291 dos autos.

20) Assinada pelo Director de Recursos Humanos da Radiodifusão Portuguesa SA, em 1996, foi dirigida a A…………., carta com o seguinte teor:

"1- Para ser cumprido por V. Exa, transcrevo despacho do Exmo. Conselho de Administração da Radiodifusão Portuguesa sobre a sua situação profissional:
"O Conselho de Administração em sua reunião de 15 de Março de 1996 delibera: a) Determinar a colocação do Jornalista ….. A………… na ………, sendo o seu local de trabalho nas instalações da Rua ………. em Lisboa.
b) Determinar ao responsável por aquela estrutura que sejam atribuídas ao referido jornalista tarefas inerentes à sua categoria profissional, de acordo com as necessidades de serviço.
c) Esta deliberação será comunicada ao trabalhador pela DRH 2 - Nestes termos deve V. Exa apresentar-se de imediato na Direcção ……….., nas instalações da Rua ……… em Lisboa.
3 - Na Secretaria Geral da Direcção ……….. ser-lhe-á entregue, pelo Secretário Geral, Sr ………., o cartão de marcação de ponto que V. Exa deverá utilizar para os devidos efeitos."; Cfr. documento de folhas 292 dos autos.

21) Com data de 12.06.1996, pelo Director ……… da Radiodifusão Portuguesa foi feita e dada a conhecer a A………… a respectiva avaliação de desempenho, tendo-lhe sido atribuída a menção de Muito Bom; Cfr. documento de folhas 296 a 299 dos autos.

22) Da respectiva ficha de avaliação, cujo teor aqui se dá por reproduzido, consta, além do mais, o seguinte: "O trabalhador em apreço, apesar do conflito que o opôs à RDP nos últimos anos, desempenha desde o dia do seu regresso, funções de grande responsabilidade na área do planeamento da ……. nomeadamente no que respeita aos problemas suscitados pela transferência para as ………. Está a fazê-lo com uma surpreendente e evidente carga de entusiasmo e denotando uma excepcional preparação para tarefas organizativas. A equipa de ..., (G………. e eu próprio, os dois elementos que com ele estão em contacto) considera que o jornalista A……….. pode e deve ver aproveitadas estas suas capacidades no interesse da RDP. É nesta área jornalística, ..., que ele será sem dúvida útil à empresa e não no desempenho de funções redactoriais, para as quais não revela nenhuma apetência."; Cfr. folhas 297 dos autos.

23) Com data de 22.06.2001, pelo Director ou Responsável Máximo da Estrutura, foi feita a avaliação de desempenho de A…………., tendo-lhe sido atribuída a classificação de "Insatisfatório"; Cfr. documento de folhas 320 dos autos.

24) Dessa avaliação consta, além do mais, o seguinte: "o funcionário em causa teve um desempenho abaixo dos requisitos da função,...As relações de trabalho ficaram também aquém ...".

25) Com data de 25.07.2001 de A………… foi dirigida ao Director ……….. da RDP carta com o seguinte teor: "Foi-me apresentado ontem um papel ou documento,..., para eu tomar conhecimento, onde supostamente são feitas referências a meu respeito. Assim sendo, pedi que me fosse fornecida uma cópia para analisar detalhadamente. A resposta foi que o documento era de circulação restrita, não poderia sair da …. e, muito menos ser fornecida cópia. Eram as "instruções" e eu, para instruções dessas já dei...(...) Assim sendo, a existir tal documento a meu respeito, deverá V. Exg apensar-lhe esta carta para os devidos efeitos."; Cfr. documento de folhas 322 dos autos.

26) Com data de 17.03.2003, do Director ……… para A………….., sob a identificação …… n.º …./2006/….., foi enviada comunicação com o seguinte teor:

"Assunto: Colocação no Serviço de Planeamento e Agenda.

No âmbito da reorganização da redacção, informo que foi colocado no Serviço de Agenda, a partir do dia 24 de Março de 2003, inclusive, com o horário de trabalho 10.00/17.00."; Cfr. doc. de fls 2 do processo administrativo.

27) Com data de 21.03.2003, de A………… para o …………, foi enviada comunicação com o seguinte teor:

"Assunto: …. N.°…./2003/….. A …. supra citada não cumpre qualquer dos requisitos que a torne válida."; Cfr. documento de folhas 3 do processo administrativo.

28) Sobre a comunicação referida em 26) foi aposto o seguinte:

DRH, para análise, tendo em conta a resposta do jornalista"

"Sr. Director ………

O trabalhador deve cumprir a sua determinação na nota de 17 de Março que é legítima e válida.

Lx 24.03.03"; Cfr. documento de folhas 3 do processo administrativo.

29) Com data de 26.03.2003, do Director ……… para A…………., sob a identificação …… n.º…/2003/… a – aditamento, foi enviada comunicação com o seguinte teor:

"Assunto: Colocação no Serviço de Planeamento e Agenda

Sobre o assunto em referência, transcreve-se o despacho do Director de Recursos Humanos:

"Sr Director ………

O trabalhador deve cumprir a sua determinação na nota de 17 de Março que é legítima e válida.

Lx 23.03.03"; Cfr. documento de folhas 4 do processo administrativo.

30) Com data de 31.03.2003 de A………….. para ………… foi enviada comunicação com o seguinte teor:

"Assunto : …… N.°…../2003/…..Por respeito pessoal para com o Exm.° Sr. Director de Recursos Humanos só posso entender o citado despacho como significando que o DRH entende que uma ….. emitida por um Director ……. é "válida e legítima", sem que isso traduza qualquer apreciação sobre o seu conteúdo. Se assim não fosse, se o citado despacho significasse a validação dos procedimentos, a conformidade com as regras a que a RDP está obrigada, isso traduziria uma depreciação profissional em relação ao Sr Dr ………, hipótese absurda que não considero. Assim, a …… supra citada não cumpre qualquer dos requisitos que a torne legítima e válida, sendo, antes, ilegítima, inválida, e abusiva. Não me parecendo haver qualquer utilidade nesta estéril trova de correspondência, deverá a empresa utilizar qualquer dos procedimentos que tem ao seu alcance, designadamente, revendo a sua posição ou mantendo a sua teimosa atitude, remetendo a discussão para a esfera disciplinar."; Cfr. documento de folhas 13 do processo administrativo.

31) Com data de 31.03.2003, do Director de ………. para Direcção de Recursos Humanos foi enviada comunicação com o, seguinte teor:

"Assunto: A………… Comunico que o funcionário A…………, n.° …….., não comparece no local de trabalho para onde foi transferido, desde o dia 24 de Março de 2003, no horário 10.00/17.00, conforme o estipulado nas notas de serviço interno que lhe foram entregues (ver anexos); Cfr. documento de folhas 14 do processo administrativo.

32) Sobre a comunicação referida em 30) foi aposto o seguinte despacho:

"Ao JUR

Para procedimento disciplinar 02.04.03

Nomeio instrutora a Dr.ª ……….. 02.04.03."; Cfr. documento de folhas 1 do processo administrativo.

33) O registo disciplinar de A………… é o que consta do documento de folhas 7 do processo administrativo, o qual, para todos os efeitos, aqui se dá por reproduzido, do qual consta, nomeadamente, o registo de 58 faltas injustificadas em 1984 e uma punição com pena de multa em 1978.

34) Do departamento de Gestão e Administração de Pessoal foram enviadas para Gabinete Jurídico listagens de absentismo do período de 16 a 31.03.03, referente ao jornalista ….. A………….., cujo teor é o que consta de documentos de folhas 11 e 12 do processo instrutor e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

35) Com data de 15.05.2003, no âmbito do processo disciplinar referido em 32), contra A…………, com a categoria profissional de Jornalista ….., foi proferida acusação com o seguinte teor:

"1 A nova Direcção ………. da RDP, ao assumir funções, e no âmbito da reorganização da respectiva Direcção, constatou que o trabalhador já há bastante tempo que não se ocupava, com carácter de regularidade e normalidade, de quaisquer tarefas inerentes à relação laboral.
2 Assim, no âmbito da reorganização da Redacção em curso e para obviar à situação insustentável de quase inactividade em que o trabalhador se encontrava, no dia 17 de Março de 2003, pela ….. n.º …./2003/…., o Director …….., superior hierárquico do arguido, comunicou-lhe que no âmbito da reorganização da redacção, informo que foi colocado no Serviço de Agenda, a partir de 24 de Março de 2003, inclusive, com o horário de trabalho 10.00/17.00horas.
3- Em 31 de Março p.p., o arguido em resposta à referida ….., em carta dirigida ao Director ………. referiu que a ….. supra citada não cumpre qualquer dos requisitos que a torne válida.
4 O director ………. remeteu a referida carta à Direcção de Recursos Humanos que mereceu do respectivo Director a seguinte informação: o trabalhador deve cumprir a sua determinação de 17 de Março que é legítima e válida.
5 Dessa informação, por aditamento à …… n.º …../2003/…., foi dado conhecimento ao arguido.
6 No entanto, desde 24 de Março e até à presente data, em consciente e deliberada desobediência às ordens válidas que lhe foram legitimamente transmitidas, o arguido não comparece onde foi colocado, nem cumpre o horário que lhe foi estipulado.
7 Na verdade, o arguido, numa ostensiva e continuada atitude de grave desobediência, intencionalmente não comparece naquele serviço nem cumpre o horário que lhe foi estipulado.
8 Em decorrência, com este comportamento, o arguido viola, ainda, de forma grave e continuada o dever de comparecer regular e continuamente ao serviço onde foi colocado e a servir bem durante as horas de trabalho que lhe foram estipuladas.
9 Os factos descritos são, aliás, o culminar de uma situação que se arrasta há algum tempo: o não cumprimento, por parte do trabalhador, do dever fundamental da respectiva relação funcional, ou seja, o dever de trabalhar, revelando ainda, ser sua intenção persistir nessa situação, obviamente insustentável. Assim,
Com tal comportamento, o arguido assumiu uma postura de consciente e deliberado afrontamento para com a entidade patronal, deixando bem claro, com esta atitude, ser seu firme propósito manter, no futuro, essa afrontação.
Sendo que os factos descritos evidenciam um comportamento infractor de tal maneira grave que são passíveis de inviabilizarem a manutenção da relação funcional. Na verdade, com esta conduta o arguido violou grave e culposamente o dever de obediência, bem como o dever de assiduidade, previstos, respectivamente, nas alíneas c) e g) do n.º 4, n.º 7 e n.º 11 do art.º 3.º, mas a censurar com uma única pena disciplinar, nos termos do art.º 14.º n.º 1, todos do DL 24/84 de 16 de Janeiro, aplicável ao trabalhador por força do art.º 25.º n.º 3 dos Estatutos da RDP SA, publicados em anexo ao DL 2/94.
Tais violações, atenta a sua gravidade, serão punidas com a pena de demissão conforme previsto no art.º 11 n.º 1 alínea f), no art.º 12.º n.º 8, no art.º 13.º n.º 11 e art.º 26 nº 1, todos do referido DL 24/84.
Milita contra o arguido a circunstância agravante prevista no n.º 1 alínea a) do artigo 31.º (vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, independentemente da estes se realizarem.
Não beneficia de atenuantes
Lisboa, 15 de Maio de 2003."; Cfr. documento de folhas 19 e 20 do processo administrativo.

36) Através da carta n.º 013/2003/JUR, e por protocolo, o teor daquela acusação foi dado a conhecer ao arguido A…………., com informação, designadamente, de que dispunha de 20 dias para apresentar defesa escrita, consultar o processo, apresentar rol de testemunhas, juntar documentos ou requerer diligências; Cfr. documento de folhas 18 e 21 do processo administrativo.

37) Através de fax de 04.06.2006, subscrito por advogado, deu entrada no Gabinete Jurídico da RDP contestação à nota de culpa deduzida no processo disciplinar instaurado ao jornalista A…………..; Cfr. documento de folhas 22 do processo administrativo.

38) O teor dessa contestação é o que consta de folhas 23 a 29 o qual aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, a seguinte conclusão:

"De acordo com o n.º 7 do artigo 3.º do DL 24/84 de 16 de Janeiro, o dever de obediência consiste em acatar e cumprir as ordens de serviço dos seus legítimos superiores hierárquicos, dadas em objecto de serviço e com a forma legal.
A forma legal referida no preceito normativo refere-se ao próprio conteúdo da ordem e não aos formalismos eventualmente necessários, exactamente no mesmo sentido do disposto na alínea c) do artigo 20º da LCT, em que se determina que é obrigação do trabalhador obedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo na medida em que as ordens e instruções daquela se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias e, em última instância, do disposto no art.º 21.º da Constituição.
A tudo isto acresce que, nos termos do n.º 1 do art.º 13.º da Lei 1/99 de 13 de Janeiro, que aprova o estatuto do jornalista, se determina que os jornalistas têm direito a pronunciar-se sobre todos os assuntos que digam respeito à actividade profissional o que, no caso em apreço, não foi manifestamente cumprido.
Assim, e por todo o exposto, a recusa em acatar a …../2003/…. é legítima, não existindo qualquer violação do dever de obediência.
Consequentemente o arguido também não violou o dever de assiduidade, uma vez que continuou a cumprir o horário de trabalho acordado e em vigor."

39) Naquela contestação foram requeridas as diligências instrutórias que constam de folhas 29 do processo administrativo, entre as quais, a tomada de declarações de duas testemunhas.

40) Com data de 27.07.2003 (será 27.06.2003 face ao documento de folhas 49 do processo administrativo e à data aposta no relatório final), no âmbito do processo disciplinar instaurado a A……….., foi ouvido, na qualidade de testemunha, E……….. conforme auto de declarações constante de folhas 50 do processo disciplinar, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

41) Com data de 27.06.2003 (será 27.06.2003 face ao documento de folhas 49 do processo instrutor e à data aposta no relatório final), no âmbito do processo disciplinar instaurado a A……….., foi ouvido, na qualidade de testemunha, G………., conforme auto de declarações constante de folhas 51 e 52 do processo administrativo cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

42) Com data de 02.07.2003, no âmbito do processo disciplinar instaurado a A…………., foi elaborado o relatório final cujo teor consta de folhas 54 a 69 do processo instrutor, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

43) Desse relatório final consta conclusão e proposta de decisão nos seguintes termos:

"Consideram-se provados os factos de que o arguido vinha acusado.
Com tal comportamento o arguido viola gravemente, de forma ostensiva e continuada, o dever de obediência, bem como o dever de assiduidade.
Na verdade, com tal comportamento, o arguido assumiu uma postura de consciente e deliberado afrontamento para com a entidade patronal, deixando bem claro ser seu firme propósito manter, de futuro, essa afrontação incumprindo, deste modo, o dever fundamental da respectiva relação funcional, ou seja, o dever de trabalhar.
Deste modo, considerando-se provados os factos de que vinha acusado, pronunciamo-nos pela existência de um comportamento que constitui infracção disciplinar por violação do dever de obediência, bem como o dever de assiduidade, previstos, respectivamente, nas alíneas c) e g) do n.º 4, n.º 7 e n.º 11 do art.º 3.º , mas a censurar com uma única pena disciplinar, nos termos do art.º 14.º n.º 1, todos do DL 24/84, de 16 de Janeiro, aplicável ao trabalhador por força do art.º 25.º n.º 3 dos Estatutos da RDP SA, publicados em anexo ao DL 2/94 de 10 de Janeiro.
Assim, atenta a sua gravidade e militando contra o arguido a circunstância agravante prevista no n.º 1 alínea a) do art.º 31.º (vontade determinada de, pela conduta seguida, produzir resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, independentemente de estes se realizarem) e não beneficiando de qualquer atenuante,
Propomos, nos termos do art.º 11º n.º 1 alínea f) do artg 12.º n.º 8, do art.º 13.º n.º 11 e do art.º 26.º n.º 1, todos do referido DL 24/84, que ao trabalhador A………….. seja aplicada a pena disciplinar de demissão."

44) Com data de 18.07.2003, pelo Conselho de Administração da RDP, foi tomada decisão com o seguinte teor:
"Referência: Processo Disciplinar a A………..

Por se concordar com os fundamentos de facto e de direito constantes do relatório, o Conselho de Administração delibera acolher a proposta da Sra. Instrutora e, nos termos do artigo 66.º n.º 4, alínea a) decide, ao abrigo do disposto no artigo 11.º n.º 1 alínea f); art.º 12.º n.º 8; art.º 13.º n.º 11; art.º 26.º n.º 1, todos do DL 24/84 de 16 de Janeiro, aplicar ao trabalhador, A…………, a pena de demissão.

Envie-se ao trabalhador cópia do relatório."; Cfr. documento de folhas 75 do processo administrativo.

45) Em 21.07.2003 foi dado conhecimento a A…………, da decisão do Conselho de Administração da RDP mencionada em 43; Cfr. documento de folhas 76 do processo administrativo.

46) O arguido A………….., recorreu contenciosamente daquela decisão.
Cfr. documento de folhas 37 a 52 dos autos.

47) Esse recurso contencioso de anulação correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa sob o n.º 556/03, no âmbito do qual, por sentença de 02.05.2012, foi julgada procedente a excepção de irrecorribilidade daquela decisão, com a consequente absolvição da instância da entidade recorrida; Cfr. folhas 51 dos autos.

48) Em 31.05.2012, recorrente apresentou junto da recorrida recurso tutelar necessário daquela decisão, o qual foi julgado improcedente, por decisão notificada a 23.07.2012. Acordo das partes”.

2. De direito:

2.1. Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora recorrente – delimitado que está o objecto do respectivo recurso pelas conclusões das correspondentes alegações –, relacionadas com o conceito indeterminado de “inviabilidade da manutenção da relação funcional”, o modo como deve ser preenchido e qual o “quantum de alegação e prova” necessário para comprovar a verificação dessa inviabilidade funcional.

De forma mais concreta, e em síntese, alega a recorrente, antes de mais, que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento de direito por violação do artigo 28.º do DL n.º 24/84, de 16.01. Relembremos os aspectos essenciais desta alegação: “Q) Mesmo admitindo que esta questão não deixou de ser valorada pela Recorrente, nunca poderia o Tribunal a quo ter decidido – automaticamente – que sem essa circunstância verificada não poderia ser aplicada a sanção de demissão. Trata-se de um salto lógico e argumentativo demasiado longo e sem apoio legal, na opinião da Recorrente”; e, R) Tendo decidido da forma descrita anteriormente, o Acórdão Recorrido violou o artigo 28.º do DL 24/84, de 16 Janeiro, ao interpretar este preceito legal no sentido de exigir sempre a apreciação e ponderação de circunstâncias agravantes para efeitos de aplicação de uma sanção de demissão”.

Alega ainda a recorrente que o acórdão recorrido contrariou jurisprudência firme dos tribunais superiores quanto à questão dos poderes de cognição dos tribunais no que respeita à graduação das sanções disciplinares (“V) A sentença recorrida violou igualmente a Jurisprudência firmada dos nossos Tribunais Superiores, segundo a qual não compete ao tribunal apreciar a medida concreta da pena aplicada, salvo nos casos de erro manifesto e grosseiro, por se tratar de uma tarefa exclusiva da Administração, incluída na denominada discricionariedade técnica ou administrativa”).

Vejamos se assiste razão à recorrente.

2.2. Ao ora recorrido foi aplicada a sanção única de demissão em virtude de, com a sua conduta (rectius, as suas condutas), ter violado deveres inerentes às funções que exercia, em concreto, os deveres de assiduidade e de obediência.
Não está em causa no presente recurso de revista a questão da violação pelo ora recorrido dos deveres de assiduidade e de obediência, reconhecida pelas instâncias, e nem a gravidade objectiva da violação destes deveres funcionais, em especial, do dever de obediência, igualmente reconhecida pelas instâncias, decisões que não merecem qualquer censura.
De igual forma, acompanhamos sem reservas o raciocínio expendido na sentença da 1.ª instância, segundo o qual, não obstante o recorrido justificar a sua desobediência com a suposta ilegalidade da ordem de serviço que lhe foi dirigida, a verdade é que ele não tinha base legal ou constitucional para fundar a sua conduta.
Por último, igualmente acompanhamos as instâncias quanto à questão da não verificação da circunstância agravante constante do artigo 31.º, n.º 1, al. a). Efectivamente, e como se afirma a certa altura no acórdão recorrido, “não só os factos apurados no Processo Disciplinar não evidenciam a verificação da circunstância agravante de a vontade do autor de produzir resultados prejudiciais ao serviço público ou ao interesse geral, considerada na decisão punitiva, como essa vontade não é devidamente concretizada”.
Já não podemos acompanhar as instâncias quanto à questão da inviabilidade da manutenção da relação funcional. Vejamos porquê.
Tal como correctamente se afirmou nas instâncias, para averiguar dessa possível inviabilidade não basta dar como provado o cometimento das infracções e a sua gravidade objectiva, mas, de igual forma, é imprescindível provar, mediante juízo de prognose, que o cometimento de infracção ou infracções disciplinares comprometia de forma irremediável a manutenção da relação funcional (cfr. ainda os acórdãos do STA de 11.10.06, Proc. n.º 10/06, e de 02.06.11, Proc. n.º 103/11). Com base nesta tese, as instâncias consideraram que, caindo a circunstância agravante do artigo 31.º, n.º 1, al. a), não era possível, com base na matéria provada, concluir no sentido da inviabilidade da manutenção da relação funcional. E é justamente este raciocínio que não podemos acompanhar.
Antes de mais, há que dizer que a não verificação in casu da circunstância agravante só provocaria a ilegalidade do acto de demissão se o referido acto tivesse procedido à graduação da sanção dentro de uma determinada moldura – sendo que a sanção de demissão não admite graduação –, ou se tivesse procedido à escolha da sanção expulsiva – aposentação compulsiva ou demissão; ora, este vício não foi invocado nos autos, pelo que está fora do thema decidendum.
Além disso, e conforme se pode constatar a partir da leitura da Acusação proferida no âmbito do processo disciplinar em causa e no Relatório Final do Processo Disciplinar (cfr. fls. 18 e ss. e 53 e ss. do PA), o desrespeito, por parte do ora recorrido, do dever de assiduidade e, em especial, do dever de obediência foi suficiente para sustentar a inviabilização de manutenção da relação funcional (“Consideram-se provados os factos de que o arguido vinha acusado. Com tal comportamento o arguido viola gravemente, de forma ostensiva e continuada, o dever de obediência, bem como o dever de assiduidade. O comportamento infractor em causa é de tal maneira grave que inviabiliza a manutenção da relação funcional” – cfr. fl. 68 do PA). Com isto, pode inferir-se que, não obstante a circunstância agravante ter reflexos na medida da pena, não foi ela que, per se, determinou a gravidade da conduta do ora recorrido ao ponto de inviabilizar a manutenção da relação funcional. Mesmo sem o concurso da circunstância agravante em causa, sempre a sanção a aplicar seria a da demissão em virtude das duas infracções disciplinares cometidas pelo ora recorrido, em particular, da gravidade do desrespeito do dever de obediência.
Finalmente, mas não menos importante, temos que, partindo de uma distinta leitura dos factos, concluímos que a atitude de afrontamento provada indicia a vontade de persistir na conduta desrespeitadora dos deveres funcionais. Claramente que o recorrido encetou um “braço de ferro”, desafiando os seus superiores ao continuar a comparecer no local de trabalho, mas sem acatar a ordem de serviço que fixava novas funções e novos horários, e, ainda, ao mostrar que não teme procedimentos disciplinares – inclusivamente, como que os incentivando. O que se constata é que o recorrido actua exclusivamente com base no que entende serem os seus direitos e as suas razões, sem curar de saber se, mesmo tendo esses direitos, e ainda que a ordem de serviço seja ilegal, ainda assim, podia persistir no seu comportamento desrespeitador dos deveres funcionais em causa. Ora, como bem se disse na sentença da 1.ª instância, o recorrido não tinha base legal ou constitucional para fundar a sua conduta. E é esta atitude de afrontamento e teimosia, alheada das consequências jurídicas da sua conduta e centrada apenas nas suas convicções, que, a nosso ver, demonstram que o recorrido não tencionava desistir da sua “luta”. Atitude desafiante que, aliás, não era nova (cfr. os pontos 17) e 19) da matéria de facto).
Em face do exposto, concluímos que, com base nos factos provados, havia razões suficientes para considerar que a viabilidade da manutenção da relação funcional estava seriamente comprometida, não podendo afirmar-se que, ao aplicar a pena de demissão ao ora recorrido, a Administração tenha incorrido em erro grosseiro ou que tenha violado o princípio da proporcionalidade, em especial, na sua vertente da necessidade ou exigibilidade. Por este motivo, o acórdão recorrido em erro de direito na interpretação dos artigos 26.º e 28.º do ED/84. Fica, deste modo, prejudicado, nos termos do artigo 608.º do CPC (aplicado ex vi dos arts. 1,º e 140.º do CPTA), o conhecimento da questão dos poderes de cognição do tribunal e da alegada violação da jurisprudência dos tribunais superiores.


3. Pedido subsidiário apresentado pelo ora recorrido

3.1. Começa o ora recorrido por peticionar a condenação da recorrente por litigância de má fé (7 - Atenta a manifesta falta de verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto que a demandada não pode desconhecer pela sua flagrância, descortina-se como único objetivo daquela o protelamento do trânsito em julgado da decisão definitiva nos presentes autos, conforme resulta de todo o exposto, pelo que deverá a demandada ser condenada como litigante de má fé em multa e indemnização, nos termos do disposto na parte final da alínea d) do número 2 do artigo 542.º CPC).

Antes de tudo, refira-se que esta pretensão vem inserida no âmbito do pedido de ampliação do objecto do recurso, quando na verdade se reporta ao processo tido na sua globalidade. Razão pela qual será apreciada e julgada.
Dispõe a al. d) do n.º 2, do artigo 542.º do CPC, conjugado com o seu n.º 1, que será condenado em multa e numa indemnização à parte contrária, aquele que “Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
O recorrido fundamenta o seu pedido de condenação da recorrente como litigante de má fé no facto de que, segundo é sua convicção, se verifica “a manifesta falta de verificação dos pressupostos processuais do recurso interposto que a demandada não pode desconhecer pela sua flagrância”. Esta simples afirmação, como facilmente se constata, não é de molde a fundar a pretendida condenação. Com efeito, não se vislumbra na conduta processual da recorrente nada que justifique a sua condenação como litigante de má fé, constatando-se que esta se limitou a fazer um uso normal dos meios processuais à sua disposição. Improcede, pois, esta pretensão do recorrido.

3.2. Sustenta ainda o recorrido a inviabilidade do recurso da demandada em virtude da verificação de uma situação de caso julgado (8 - Sendo a certeza e seguranças jurídicas matéria de incontornável e indiscutível relevância social, deverá o STA apreciar a questão aqui colocada e, em consequência, concluir pela inviabilidade do recurso da demandada, por caso julgado, nos termos conjugados da alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º e n.º 3 do artigo 141.º e também 7.º-A CPTA e 6.º e 641.º CPC, devendo, em conformidade, ser proferida decisão de não provimento do recurso com a consequente anulação do acórdão do Tribunal Central Administrativo de Sul e a manutenção da decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância e nos termos da jurisprudência firmada pelo STA, por exemplo, nos processos 029158 de 20.12.1994, 019422 de 28.02.1996, 01103/03 de 29.06.2004 e 046885 de 20.10.2004).

Ainda no âmbito dos pedidos formulados em sede de ampliação do objecto do recurso, o recorrido invoca a verificação de nulidade da decisão por omissão de pronúncia nos seguintes termos:

“9 - Sendo o direito à justiça um direito fundamental, a não apreciação pelo Tribunal de todas as questões que lhe são colocadas pelas partes e das quais deva tomar conhecimento, por contenderem com tal direito constitucional, essencial no Estado de Direito, deverá ser conhecido pelo STA e, em conformidade, reconhecer, na parte referida para todos os devidos e legais efeitos, a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º CPC, suprindo a mesma e decidindo:
a) Declaração da sanção de demissão como abusiva nos termos conjugados do disposto no n.º 1 do artigo 5.º, alíneas a) e g) do n.º 1, n.º 2 do artigo 88.º do AE e, consequentemente, ser a recorrida condenada nos termos do n.º 2 do artigo 89.º de tal AE e consequente condenação, nos termos legais;
b) Condenação da demandada a praticar todos os atos e operações necessários para reconstituição da situação que existiria se o ato nulo/anulado não tivesse sido praticado, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 47.º CPTA;
c) Condenação da demandada na indemnização em substituição da reintegração prevista nos artigos 65.º EDFA e 301.º LGTFP”.

Invoca ainda o recorrido que o TC se deve pronunciar sobre se a decisão que aplicou a sanção de demissão é válida ou nula por violação de uma série de direitos e princípios constitucionais (“10 - Por ser de relevância social evidente e melhorar significativamente a aplicação do direito deve o STA apreciar se a decisão que aplicou ao demandante a pena de demissão é válida ou nula por violação do disposto nos artigos 2.º, 3.º, 13.º, 18.º, 47.º, 58.º e art.º 21.º da Constituição Portuguesa, nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 133.º do Código de Procedimento Administrativo”).

O recorrido pretende também que este STA aprecie a seguinte interpretação normativa: “interpretar o artigo 22.º da LCT (também assim 81.º LGTFP e 120.º Código do Trabalho) no sentido de que pode a entidade patronal atribuir ao trabalhador funções não correspondentes à sua categoria profissional a título de actividade principal é inconstitucional por violação do disposto nos artigo 47.º e 58.º CRP e, consequentemente, por violação dos princípios constitucionais do direito ao desenvolvimento da personalidade, da dignidade da pessoa humana e do estado de direito” (“11 - Por ser de relevância social evidente, também deverá o STA se pronunciar no sentido de que interpretar o artigo 22.º da LCT (também assim 81.º LGTFP e 120.º Código do Trabalho) no sentido de que pode a entidade patronal atribuir ao trabalhador funções não correspondentes à sua categoria profissional a título de actividade principal é inconstitucional por violação do disposto nos artigo 47.º e 58.º CRP e, consequentemente, por violação dos princípios constitucionais do direito ao desenvolvimento da personalidade, da dignidade da pessoa humana e do estado de direito”).

Ainda mais, pretende que este STA aprecie a seguinte questão: “12 - Sem transigir sempre se acrescentará que, caso assim não se entenda, deverá a decisão de aplicação da pena de demissão ser anulada por violação de lei, mormente do disposto na alínea f) da cláusula 3ª do Acordo de Empresa que determina que é obrigação desta “não exigir dos trabalhadores o exercício de funções ou tarefas diferentes das correspondentes à sua categoria profissional”.

E ainda mais esta: 13 - Por assumir relevância social evidente (tanto mais que se pode encontrar, hoje, a mesma redação em vigor no artigo 177.º da LGTFP) e sendo necessária a uma melhor aplicação do direito, deverá o STA pronunciar-se sobre a matéria referida e julgar a conduta do demandante como não violadora do dever de obediência, uma vez que interpretar o artigo 10.º do EDFA no sentido de apenas ser legítima a desobediência a ordens que conduzam à prática de crime é violador do princípio constitucional da igualdade (por comparação com as causas de desobediência legítima previstas para o sector privado) bem como do direito de resistência (que se encontra estruturalmente dirigido à reacção contra actos de poder que, pelo seu conteúdo, ofendem direitos, liberdades e garantias), da legalidade, da proporcionalidade e do estado de direito”.

Por último, pretende o recorrido que este STA se pronuncie sobre a seguinte pretensão:

14 - Por ter relevância social evidente e ser necessário a uma melhor aplicação do direito, o STA devera pronunciar se sobre se o cumprimento da ….. contende com o dever de prossecução do interesse público e com o dever de zelo (por violação do dever constante do 14.º/1/c) Estatuto do Jornalista, aprovado pela Lei n.º 1/99 de 13 de janeiro e do n.º 10 do Código Deontológico da profissão).

15 - Deve a decisão de aplicação da pena de demissão ser anulada por sofrer de vicio de violação de lei, por não ser conforme às disposições legais e contratuais citadas, nomeadamente as seguintes: Decreto-Lei nº409/71 de 27 de Setembro, art.º 11, n.º3 e art.º 12, n.º 3, alínea b); art.ºs 21.º, n.º 1, alínea a), art.º 22.º do Decreto-Lei 49408 de 22 de Novembro (RJCIT); AE da RDP, cláusulas 3.ª, alínea f), 5.ª, n.º1, alínea a), nos termos do disposto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo”.

Vejamos.

O recorrido pretende que este STA aprecie e julgue questões cujo conhecimento o TCAS julgou prejudicado em virtude da decisão adoptada, favorável ao ora recorrido. Ora o pretendido equivale a requerer a este STA que aprecie e julgue pela primeira vez estas questões. Sucede que esta pretensão não é viável no âmbito do presente pedido de revista, pois este supremo tribunal não pode conhecer em substituição (cfr. arts. 665.º, n.º 2, e 679.º do CPC, aplicáveis ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA). Deve, desta forma, o processo baixar ao TCAS para aí se decidirem as sobreditas questões que ficaram prejudicadas.


III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, em revogar o acórdão recorrido, devendo os autos baixar ao TCAS para que se conheça do pedido subsidiário, se a tal nada obstar.


Custas pelo recorrido.

Lisboa, 30 de Maio de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.