Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:071/20.3BESNT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO DURADOURO
INTERRUPÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC).
II - O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.
Nº Convencional:JSTA000P26318
Nº do Documento:SA220200916071/20
Data de Entrada:07/06/2020
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. B……………….. e A………………… - notificados da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou improcedente a reclamação apresentada, ao abrigo do preceituado no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), do despacho do Chefe de Finanças de Oeiras 2 que indeferira o pedido que lhe tinham formulado de declaração de prescrição da dívida exequenda relativa ao processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 – interpuseram o presente recurso jurisdicional.

1.2. Nas alegações apresentadas aduziram, a final, as seguintes conclusões:

a) A citação para o processo de execução fiscal tem um efeito interruptivo da contagem da prescrição, podendo tal efeito manter-se apenas durante o período em que o processo não segue os seus trâmites normais por culpa - direta ou indireta - dos executados;

b) O disposto no n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil - que prevê que "[s]e a interrupção resultar de citação ( .. .) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo" - apenas será aplicável quando esteja em causa um processo judicial (e/ou procedimento administrativo) que, por atuação dos executados, determine que a Autoridade Tributária não possa efetuar as normais diligências de cobrança coerciva da dívida fiscal;

c) O entendimento de que a citação tem um o efeito duradouro relativamente à interrupção da prescrição no processo de execução, mesmo nas situações em que a cobrança da dívida não se verifica por inércia ou negligência da Autoridade Tributária (e sem qualquer influência dos executados), não só não encontra qualquer sustento no texto da Lei Geral Tributária, como colide igualmente com a ratio do próprio instituto da prescrição e, bem assim, com alguns dos princípios fundamentais do direito tributário, com assento constitucional e, em face disso, inarredáveis, desde logo porque nem o texto da lei, designadamente do artigo 49.° da LGT, nem qualquer outra disposição legal tributária, permite tal interpretação;

d) Não colhe, portanto, o entendimento de que, por aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil, o artigo 49.° da LGT deva ser interpretado no sentido de que o prazo de prescrição reinicia a sua contagem tão-só após o fim do processo de execução fiscal (ou a partir do "trânsito em julgado da decisão" que lhe ponha termo), considerando, para tanto, a decisão que, por iniciativa da Autoridade Tributária, declare em falhas a execução fiscal;

e) No plano do direito tributário, não pode ser reconhecido aquele efeito duradouro que se retira do n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil à interrupção da prescrição que decorre da mera citação do executado, uma vez que a prescrição integra o âmbito das garantias dos contribuintes e, como tal, está sujeita ao princípio da legalidade tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 103.° da CRP e, bem assim, do artigo 8.° da LGT;

f) A mera citação, enquanto ato administrativo praticado pela Autoridade Tributária, não tem natureza judicial, pelo que não faz qualquer sentido falar no "trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo", nos termos plasmados no n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil, uma vez que esse trânsito em julgado não existe, em rigor, no processo de execução fiscal;

g) O n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil apenas será aplicável nas situações em que os executados tenham apresentado uma oposição à execução - ou processo equivalente onde se discuta a (i)legalidade da dívida tributária -, devendo, apenas e tão só nestas situações, ser reconhecida relevância "à decisão que puser termo ao processo" do processo judicial de oposição à execução (ou outro equivalente);

h) A considerar-se que o prazo prescricional apenas se inicia a sua contagem com a declaração em falhas do processo de execução fiscal, enquanto "decisão que coloca termo ao processo", tal implicaria que as dívidas tributárias passassem a figurar como tendencialmente imprescritíveis, uma vez que a declaração em falhas é uma decisão administrativa, sem prazo para ser tomada pela Autoridade Tributária, obstando, por isso, ao cômputo real e efetivo do prazo interruptivo, o que deixaria os Recorrentes numa posição débil e desprovida das garantias que, nos termos da Constituição, lhes são devidas, tornando a Autoridade Tributária na "rainha e senhora" do processo de execução fiscal, promovendo um desequilíbrio inaceitável ao nível da relação jurídica tributária;

i) Admitir outra interpretação que não a sufragada pelos Recorrentes será aceitar que uma vez efetuada a citação, a Autoridade Tributária poderia "perseguir" ad aeternum os executados e o seu património, até decidir, efetivamente (e quando lhe aprouvesse), em sentido contrário, mediante declarar em falhas do processo - interpretação que é inadmissível à luz do instituto da prescrição de dívidas tributárias;

j) No caso em apreço, é manifesto que, após o trânsito em julgado do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, em 2 de março de 2011, nada impedia que a Autoridade Tributária procedesse à cobrança coerciva da dívida, sendo que a não cobrança da mesma se deveu à inércia / negligência / falta de atuação da Autoridade Tributária, inércia essa que muito prejudica os Recorrentes, na medida em que a Autoridade Tributária continua, a seu bel-prazer a cobrar juros de mora aos Recorrentes;

k) A situação despoletada pelo entendimento propugnado pelo Tribunal a quo acarreta para os Recorrentes, sujeitos passivos da relação jurídica tributária, um status quo de incerteza jurídica prolongada, que não se coaduna minimamente com os princípios que fundamentam o instituto da prescrição da dívida tributária: os princípios da legalidade, da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos, todos consagrados na Constituição;

l) O entendimento de que a citação para o processo de execução fiscal determina um efeito duradouro na interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, efeito esse que se mantém até à declaração em falhas do referido processo (pela Autoridade Tributária) colide com os objetivos do legislador, porquanto permitirá, indevidamente, à Autoridade Tributária (i) controlar, em absoluto e sem qualquer controlo jurisdicional, a manutenção ad aeternum dos processos de execução fiscal como estando "ativos", (ii) omitir o seu dever de prossecução do interesse público, através da cobrança coerciva das dívidas tributárias (em manifesta negligência) e, em suma e em manifesta contradição com o que se pretendeu com a introdução de um prazo prescricional de dívidas tributárias, (iii) permitir que a Autoridade Tributária possa ser premiada pela sua inércia / negligência através da cobrança de juros moratórios (pelo simples decurso do prazo em que nada fez, quando deveria ter feito) e impedir, in totum, o decurso do prazo prescricional das dívidas tributárias e, consequentemente, a extinção dos processos de execução fiscal em virtude do decurso do prazo prescricional;

m) A citação para o processo de execução fiscal determina um efeito duradouro na interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, efeito esse que se mantém, independentemente da atuação (ou falta dela) dos executados, até à declaração em falhas do referido processo (pela Autoridade Tributária) - equiparando a declaração em falhas "à decisão que [põe] termo ao processo", nos termos do n.º 1 do artigo 327.° do Código Civil - é inconstitucional, por violação do n.º 2 do artigo 103.° e, bem assim, do artigo 2.°, todos da CRP, inconstitucionalidade que é efetuada de modo processualmente adequado, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 72.° da Lei do Tribunal Constitucional;

n) Andou mal Tribunal, portanto, a quo ao entender que a citação para o processo de execução fiscal determina um efeito duradouro na interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária, efeito esse que se mantém até à declaração em falhas do referido processo (pela Autoridade Tributária), devendo, pois, ser substituída por outra que contemple as conclusões dos Recorrentes acima vertidas.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como procedente, por provado, e em consequência ser revogada a decisão recorrida, por ilegal e, bem assim, por se fundar numa interpretação normativa manifestamente inconstitucional, sendo substituída por outra que contemple as conclusões dos Recorrentes e determine a prescrição da dívida exequenda subjacente ao processo de execução fiscal n.º 3522200401036750, tudo com as legais consequências.”.

1.3. A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da interposição do recurso, da sua admissão e para, querendo, contra-alegar, quedou-se pelo silêncio.

1.4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo e apresentados com “Termo de Vista” ao Ministério Público, foi emitido parecer pelo Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto que, após ter identificado como questão a decidir a de «saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da questão da prescrição da dívida exequenda», promoveu a improcedência do recurso com os seguintes fundamentos:

«1. No que respeita a esta questão a Mma. juiz [do Tribunal] “a quo” seguiu neste particular a jurisprudência do STA1 [1 Cfr. acórdãos de 08/01/2017, proc. n.º 0895/14, de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15; de 19/01/2016, proc. n.º 01060/16; de 07/01/2016, proc. n.º 01564/15; de 26/08/2015, proc. n.º 01012/15; de 15/01/2014, proc. n.º 01670/13, de 06/03/2014, proc. n.º 0601/13; de 16/11/2011, proc. n.º 0289/11; de 12/08/2009, proc. n.º 0748/09; e de 17/12/2008, proc. n.º 01020/08.], que de forma reiterada e pacífica tem adoptado o entendimento sufragado na doutrina pelo conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA [Cfr. entre outros os acórdãos de 19/10/2016, proc. n.º 01060/16, e de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15] (In Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária, Áreas Editora, pág. 51), no sentido de que: “a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para a prescrição de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único efeito próprio da interrupção, presente em todas as situações (artigo 326.º, n.º 1 do CC). Porém, em certos casos, designadamente quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (artigo 327.º n.º 1 do CC). Resultam, assim, destes artigos 326.º e 327.º dois conceitos de interrupção da prescrição ou interrupções de dois tipos: um que se traduz exclusivamente num efeito instantâneo sobre o prazo de prescrição (inutilização para a prescrição do tempo decorrido); outro que se consubstancia no mesmo efeito instantâneo acrescido de um efeito suspensivo (é eliminado o período decorrido e a prescrição não corre enquanto o processo durar, efeito duradouro este que é próprio dos factos suspensivos da prescrição)”.
Considera, assim, o STA que na aplicação do disposto no artigo 49.º da LGT, há lugar à aplicação subsidiária do regime previsto nos artigos 326.º, n.º 1, e 327.º, n.º 1, ambos do Código Civil, para fixação dos efeitos dos factos interruptivos, entendimento este sufragado na doutrina pelo ilustre conselheiro Jorge Lopes de Sousa 2 [2 In Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária – Notas Práticas, 2.ª ed., 2010, p. 57.], que defende o duplo efeito dos actos interruptivos: um efeito instantâneo, que determina a inutilização para a prescrição do prazo decorrido até à sua verificação – art. 326.º, n.º 1, do C.Civil, e um efeito suspensivo, que determina que o novo prazo só começa a correr após a decisão que puser termo ao processo – art. 327.º, n.º 1, do C.Civil.
No caso concreto dos autos está em causa obrigação tributária decorrente de acto de liquidação de IRS, relativo ao ano de 1999, a que se aplica o prazo de prescrição de 8 anos previsto no artigo 48.º, n.º 1, da LGT (que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000).
Atento que o prazo de prescrição se iniciou em 01/01/2000, o respectivo termo ocorreria a 31/12/2007, caso não se verificassem factos interruptivos ou suspensivos da prescrição.
Na sentença recorrida considerou-se que aquele prazo decorreu até 08/09/2004, data em que os executados foram citados para os termos da acção executiva, cujo efeito interruptivo tem no entender do tribunal carácter duradouro até ao termo da acção executiva, motivo pelo qual se concluiu pela não verificação da prescrição.
Mais considerou o Tribunal “a quo” que tendo a dívida exequenda sido impugnada graciosa e contenciosamente e a dívida sido garantida através de penhora, se verificaram igualmente efeitos suspensivos no período de pendência daquelas acções.
Os executados e aqui Recorrentes não põem em causa a verificação dessas causas interruptivas e suspensivas da prescrição, mas defendem que após o trânsito em julgado da decisão que pôs termo à acção de impugnação, ocorrido em 02/03/2011, o prazo de prescrição de 8 anos voltou a correr e não se verificaram quaisquer outros factos interruptivos ou suspensivos da prescrição que obstassem ao seu decurso, ocorrido a 03/03/2019.

2. A jurisprudência do STA em que assentou a sentença recorrida é reiterada e pacífica, pelo que se nos afigura que se impõe a confirmação da respectiva doutrina. E assim sendo e uma vez que se mantém o efeito duradouro do facto interruptivo relativo à citação da executada, temos que concluir que o prazo de prescrição da dívida exequenda ainda não decorreu.
Por outro lado não resulta da matéria de facto assente na sentença recorrida, nem os Recorrentes alegam qualquer facto nesse sentido, que sustentem a sua alegação de que a cobrança coerciva da dívida só ainda não foi feita por inércia e negligência dos Serviços de Finanças (sendo certo que nesse caso sempre se impunha a “declaração de falhas” da dívida exequenda, nos termos dos artigos 177.º e 272.º do CPPT).

3. Quanto ao vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 103º, n.º 2, da CRP, e por violação do princípio da reserva de lei da AR em matéria tributária (arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. i), ambos da CRP), assim como a violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao princípio do estado de direito consagrado no artigo 2.º da CRP, e dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.
Alega os Recorrentes a este propósito que o tribunal “a quo” na apreciação que fez do vício de inconstitucionalidade «incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito».
Considera o Recorrente que é entendimento pacífico na jurisprudência do STA que «as normas que regulam o regime de prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão, inserem-se nas garantias dos contribuintes, pelo que se incluem na reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República». Por isso conclui que «por força do princípio da legalidade consagrado no n.º 2 do artigo 103.º da CRP, complementado com o disposto no artigo 11.º, n.º 4, da LGT, é constitucionalmente inadmissível invocar o disposto no artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil», e que, no seu entendimento, a aplicação de tal normativo está ferida de inconstitucionalidade, por violação dos princípios da legalidade e da reserva de lei da ER em matéria tributária (arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, al. I), ambos da CRP).
A propósito desta questão de constitucionalidade, nas vertentes assinaladas pela Recorrente, o tribunal “a quo” fez sua a fundamentação do acórdão do STA de 13/03/2019, proc. 01437/18, de que fez transcrições parciais 3 [3 «…pese embora não seja possível, no âmbito de obrigações tributárias, chamar à colação as normas do direito civil que regem o prazo de prescrição, que regem a determinação do dies a quo e que definem actos interruptivos e suspensivos – por se tratar de matéria taxativamente fixada na LGT e rigorosamente sujeita ao princípio da legalidade tributária de reserva da lei formal, integrando-se nas “garantias dos contribuintes” – pode e deve, contudo, ir aí buscar-se o significado do conceito jurídico de “prescrição” e dos conceitos de “interrupção” e de “suspensão” da prescrição, e, bem assim, o alcance dos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, sabido que, tal como a doutrina há muito vem afirmando e a LGT deixou consignado no seu art. 11.º, sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos de direito devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».], no sentido de que se mostra justificado o recurso à lei civil (Código Civil) para esclarecer os efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, os quais não se mostram regulados na lei tributária, e que não há motivo bastante para diferenciar neste aspecto as obrigações tributárias das obrigações civis. Entendeu-se igualmente que a atribuição de efeitos duradouros ao facto interruptivo da citação não contendia com a garantia de defesa e protecção jurisdicional.
Afigura-se-nos correto o entendimento vertido na sentença recorrida, que no fundo respalda o entendimento vertido no acórdão do STA citado, cuja doutrina, pela sua proficiência, se deve reiterar e manter.
Doutrina que como se refere no mesmo aresto é igualmente respaldada pelo Tribunal Constitucional, o qual no acórdão n.º 122/2015 de 12/02/2015, adoptando o entendimento já vertido nos acórdãos n.ºs 441/2012 e 6/2014, concluiu pela não verificação de vício de inconstitucionalidade, por violação do princípio da legalidade, na interpretação do artigo 49.º da LGT, ao atribuir-se efeitos duradouros aos factos interruptivos ali previstos.
Também no caso dos autos é admissível o raciocínio vertido no acórdão nº 441/2012 do Tribunal Constitucional, no sentido de que: «O que é relevante é que se não pode concluir, sem margem para dúvidas, que, in casu, o processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo se terá traduzido na criação de uma “norma” por parte do juiz, com recurso aos instrumentos próprios do pensamento analógico, e, por isso, através do emprego de meios hermenêuticos que a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º inequivocamente proíbe».
E no que respeita à violação dos princípios da certeza e segurança mostram-se pertinentes as considerações efectuadas no acórdão do TC nº 6/2014 de 7/1/2014, quando ali se refere: «Ora, cabe recordar, revertendo ao caso concreto, que o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49.º desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS / BENJAMIM SILVA RODRIGUES / JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».

Entendemos, assim, que a sentença recorrida não incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito na apreciação que fez das questões de inconstitucionalidade que lhe foram colocadas pelo Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação igualmente nesta parte».

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre, agora, decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, na sua vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou, se, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), situação em que não podem ser reapreciadas pelo Tribunal ad quem. Numa vertente positiva, especialmente nas situações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, a delimitação do objecto do recurso constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.1. Atento o exposto – e tendo por referência a sequência lógica imprimida nas conclusões do recurso, uma vez que outra legalmente se não impõe - são as seguintes as questões a resolver:

2.1.1. A sentença recorrida devia ter julgado prescrita a dívida porque o efeito duradouro da interrupção da prescrição reconhecido à citação no nº 1 do artigo 327.º do Código Civil não é aplicável aos processos de execução fiscal, desde logo por não ser permitida pelo artigo 49.° da LGT, nem por qualquer outra disposição legal tributária?

2.1.2. A interpretação acolhida na sentença recorrida de que, no caso das dívidas fiscais, o segmento da norma do nº 1 do artigo 327.º do Código Civil que dispõe que "[s]e a interrupção resultar de citação ( .. .) o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo" é aplicável no processo de execução fiscal, e de que a decisão que põe termo ao processo, para efeitos de curso da prescrição é a declaração por falhas, viola ainda os princípios constitucionais da legalidade, reserva de lei, da certeza e segurança jurídicas e da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva previstos na Constituição da República Portuguesa?

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. Na sentença recorrida deram-se como provados os seguintes factos:

1. Em nome dos Reclamantes, B………………. e A……………., foi emitida, em 07-11-2003, a liquidação n.º 5324089842, relativa ao IRS de 1999 e respetivos juros compensatórios, no total de €30.851,92, com data limite de pagamento em 26-12-2003 [provado pelo documento n.º 2 junto à petição inicial e, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.° 5.° do CPC, por consulta dos elementos constantes no processo de impugnação judicial n.° 718/05.1BESNT, que correu termos no presente Tribunal, a fls. 13 do documento registado no SITAF com o n.º 003701783];

2. No dia 01-08-2004, foi instaurado contra os Reclamantes o processo de execução fiscal n.º 3522200401036750, no serviço de finanças de Oeiras 3, por falta de pagamento da liquidação identificada no ponto anterior (provado por documento, a fls. 1 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

3. No dia 08-09-2004, os Reclamantes foram citados da instauração do processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 (provado por documento, a fls. 2 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

4. No dia 01-10-2004, os Reclamantes apresentaram reclamação graciosa contra o ato de liquidação identificado no ponto 1 do probatório (cfr. documento n.º 2 junto à petição inicial);

5. Através de requerimento entregue em 08-10-2004 no serviço de finanças de Oeiras 3, os Reclamantes informaram, no processo de execução fiscal n.º 3522200401036750, que apresentaram reclamação graciosa, em 01-10-2004, e propunham-se a prestar garantia para suspensão dos autos, oferecendo, com vista à sua hipoteca legal voluntária, o prédio urbano sito na Rua ……………., n.º ….., freguesia e concelho de ………, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcochete sob o n.º 1778 da mesma freguesia e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo 2535, requerendo, a final, que fosse declarada a suspensão dos referidos autos de execução (provado por documento, de fls. 3 a 8 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

6. Através de despacho de 19-01-2005 da Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3, foi indeferido o pedido dos ora Reclamantes, «uma vez que o imóvel é pertença do executado apenas em parte - 2/8, sendo que o valor patrimonial do mesmo é de 1.100,25€, não garantindo o valor da dívida» (provado por documento, a fls. 11 e 12 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

7. Através do ofício n.º 1994, de 24-02-2005, foi dado conhecimento aos Reclamantes do despacho de indeferimento identificado no ponto anterior (provado por documento, a fls. 13 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

8. Através de requerimento remetido em 07-03-2005 para o serviço de finanças de Oeiras 3, os ora Reclamantes requereram a substituição do imóvel anteriormente oferecido pela fração autónoma designada pela letra «…..» do prédio urbano sito na Rua :……… n.º …, duplex …………., em Linda-a-Velha, e inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo 2154, requerendo, a final, que fosse declarada a suspensão dos referidos autos de execução (provado por documento, de fls. 14 a 19 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

9. Na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa, os ora Reclamantes apresentaram, em 27-06-2005, impugnação judicial contra o ato de liquidação identificado no ponto 1 do probatório, que correu termos neste tribunal sob o n.º 718/05.1BESNT [provado pelo documento n.º 3 junto à petição inicial e, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta dos elementos constantes dos referidos autos de impugnação judicial, a fls. 1 do documento registado no SITAF com o n.º 003701783];

10. Por ofício de 01-07-2005 deste Tribunal, o Representante da Fazenda Pública foi citado para contestar a ação de impugnação judicial n.º 718/05.1BESNT [provado, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta dos elementos constantes dos referidos autos de impugnação judicial, nomeadamente do documento registado no SITAF com o n.º 003702310];

11. Por despacho de 15-11-2005, foi deferido o pedido dos ora Reclamantes e aceite a constituição da hipoteca legal voluntária do imóvel melhor identificado no ponto 8 do probatório, determinando-se a sua notificação para proceder, junto à respetiva conservatória do registo predial, ao registo dessa hipoteca legal a favor do órgão de execução fiscal (provado por documento, a fls. 21 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

12. No dia 18-11-2005, os Reclamantes são notificados do despacho mencionado no ponto anterior (provado por documento, a fls. 22 e 23 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

13. No dia 22-11-2005, a Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3 proferiu despacho com o seguinte conteúdo: «[a]utorizada a constituição de hipoteca legal voluntária sobre o imóvel sito na freguesia de Linda-a-Velha, inscrito sob o Artigo 2154 A por despacho de 2005/11/15, determino a notificação do mandatário da executada no sentido de proceder ao respectivo registo na Conservatória do Registo Predial, tendo em conta o disposto no artigo 714° do Código Civil, de forma a que conste do mesmo, que a hipoteca é constituída a favor da Fazenda Nacional para garantia da dívida exigida nos autos de execução fiscal n.º 3522200401036750, no montante de 42.329,46, €, valor este calculado nos termos do artigo 199° n° 5 do CPPT» (provado por documento, a fls. 25 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

14. Através do ofício n.º 16730, de 24-11-2005, foi dado conhecimento aos ora Reclamantes do despacho melhor identificado no ponto anterior (provado por documento, a fls. 26 e 27 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

15. No dia 14-12-2005, os Reclamantes dirigiram à Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3 requerimento, através do qual informaram que procederam ao registo da hipoteca legal voluntária, a favor da Fazenda Nacional, sobre o artigo matricial 2154 - A, para garantia da dívida de €42.329,46, requerendo, a final, que fosse declarada a suspensão do processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 (provado por documento, de fls. 28 a 33 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

16. Através do ofício datado de 29-12-2005, foi dado conhecimento aos ora Reclamantes de que o processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 só seria suspenso com o registo definitivo da hipoteca legal a favor da Fazenda Nacional e que a suspensão só seria averbada com a entrega de certidão da conservatória onde constasse a respetiva inscrição (provado por documento, a fls. 34 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

17. No dia 03-01-2006, o Representante da Fazenda Pública remeteu o processo administrativo tributário ao processo de impugnação judicial n.º 7l8/05.lBESNT [provado, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta dos elementos constantes dos referidos autos de impugnação judicial, nomeadamente do documento registado no SITAF com o n.° 003719255];

18. Em 12-07-2006, os Reclamantes apresentaram requerimento dirigido à Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3, informando da recusa da conservatória do registo predial em registar a hipoteca voluntária, da subsequente apresentação de recurso hierárquico e do indeferimento do mesmo, por despacho de sustentação proferido em 07-02-2006, requerendo, a final, que fosse o serviço de finanças a proceder à constituição de hipoteca legal sobre o imóvel oferecido e, subsidiariamente, oferecendo-o à penhora, para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 (provado por documento, de fls. 35 a 51 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

19. Por despacho de 25-07-2006 da Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3, é recusada a constituição de Hipoteca Legal e determinada a penhora do bem oferecido (provado por documento, a fls. 52 e 53 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

20. No dia 26-07-2006, foi penhorado e apreendido o prédio urbano sito na Rua …………, n.º ………., em Linda-a-Velha, inscrito na matriz predial da respetiva freguesia sob o artigo 2154-A e descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º 5300 da mesma garantia, com o valor patrimonial de €111.220,35, para efeitos de garantia e pagamento da importância de €42.329,46, proveniente de dívidas de IRS, acrescida de juros de mora e custas processuais, exigidas no processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 (provado pelo documento n.º 4 junto à petição inicial);

21. Por ofício datado de 31-07-2006, o serviço de finanças de Oeiras 3 dirige ao Conservador da Segunda Conservatória do Registo Predial de Oeiras um pedido de registo da penhora efetuada no processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 (provado por documento, a fls. 70 e 71 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

22. No dia 15-09-2006, foi entregue no serviço de finanças de Oeiras 3 certidão de teor das descrições e de todas as inscrições em vigor relativas à fração autónoma designada pela letra «…» do prédio urbano sito na Rua ……….. n.º …, duplex ………., em Linda-a-Velha, e inscrito na matriz predial da referida freguesia sob o artigo 2154, da qual consta a penhora, a favor da Fazenda Nacional, datada de 26-07-2006, pelo valor de €42.329,46 (provado por documento, de fls. 76 a 96 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

23. Por sentença de 24-06-2010, proferida no processo n.º 718/05.1BESNT, foi indeferido o pedido de declaração de caducidade da garantia prestada pelos Reclamantes, melhor identificada no ponto 20 do probatório, além de ter sido considerada improcedente a impugnação judicial [ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, provado por consulta à tramitação dos referidos autos, no documento registado no SITAF n.º 005048159];

24. Em 14-07-2010, os Reclamantes interpuseram recurso da referida sentença para o Tribunal Central Administrativo Sul [provado pelo documento n.º 5 junto à petição inicial e, ao abrigo da alínea c) do n.° 2 do art.° 5.° do CPC, por consulta à tramitação dos referidos autos, documento registado no SITAF n.º 005053318];

25. Em 25-01-2011, o Tribunal Central Administrativo Sul proferiu acórdão, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelos Reclamantes e anulando a liquidação dos juros compensatórios liquidados [provado, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta à tramitação dos referidos autos, de fls. 8 a 25 documento registado no SITAF n.º 005111924];

26. Por ofício de 26-01-2011, o referido acórdão foi notificado aos ora Reclamantes [provado, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta à tramitação dos referidos autos, de fls. 29 do documento registado no SITAF n.° 005111924];

27. Em 31-01-2011, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul foi notificado ao Exmo. Representante da Fazenda Pública e ao Digno Magistrado do Ministério Público [provado, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do art.º 5.° do CPC, por consulta à tramitação dos referidos autos, a fls. 30 do documento registado no SITAF n.º 005111924];

28. O acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, melhor identificado no ponto 9 do probatório, transitou em julgado em 02-03-2011;

29. No dia 09-05-2011, foi emitida a nota de anulação n.º 2011/12264, através do qual é anulada a quantia de €2.998,75, relativa a juros associados IRS de 1999, por motivo de apresentação de declaração fiscal de substituição (provado por documento, a fls. 144 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

30. No dia 01-07-2011, foi emitida a nota de anulação n.º 2011/15857, através do qual é anulada a quantia de €574,40, relativa a juros associados ao IRS de 1999, por motivo de apresentação de impugnação judicial (provado por documento, a fls. 145 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

31. No dia 26-08-2019, os Reclamantes apresentaram requerimento, dirigido ao Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3, pedindo o reconhecimento da prescrição da referida dívida e, consequentemente, a extinção do correspondente processo executivo n.º 3522200401036750 (provado pelo documento n.º 7 junto à petição inicial);

32. Por despacho de 22-11-2019 da Direção de Finanças de Lisboa, foi determinada a prossecução do processo de execução fiscal n.º 3522200401036750, para cobrança dos montantes em dívida (provado por documento, a fls. 153 do processo de execução fiscal apenso aos autos);

33. Em 05-12-2019, os Requerentes foram notificados, através do ofício n.º 4522, de 03-12-2019, do indeferimento do despacho proferido pela Chefe do serviço de finanças de Oeiras 3, no sentido de não reconhecer a prescrição da dívida em cobrança no processo de execução fiscal n.º 352220041036750 (provado pelo documento n.º 1 junto à petição inicial);

34. Até, pelo menos, à data em que foram apresentados os presentes autos a este Tribunal, o processo de execução fiscal n.º 3522200401036750 está ativo e não foi extinto (provado por consulta aos elementos constantes dos autos e do processo de execução fiscal e pela análise da informação prestada pelo órgão de execução fiscal ao abrigo do art.º 208.° do CPPT, nos pontos 2.30 e 2.31 relativo aos factos)

3.1.2. Mais se consignou na sentença recorrida que “Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados” e que “Para a formação da convicção do Tribunal na fixação da matéria de facto foram determinantes os elementos documentais constantes dos autos, em especial os elementos constantes do processo de execução fiscal apenso aos autos, e a consulta, na plataforma SITAF, à tramitação eletrónica de processos que correram termos neste Tribunal, conforme indicado em cada uma das alíneas.”.

4. Fundamentação de direito

Os executados, inconformados com a sentença que julgou improcedente a reclamação judicial por si deduzida contra a decisão do órgão da execução fiscal que não reconheceu a invocada prescrição das dívidas exequendas, vieram recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo.

Como se deixou assinalado na delimitação do objecto do presente recurso jurisdicional, os Recorrentes invocam nuclearmente como fundamento da sua pretensão de ver revogada a decisão da 1ª instância, que aí se fez errado julgamento de direito por, contrariamente ao sustentado nessa peça, o efeito duradouro da interrupção da prescrição reconhecido à citação no nº 1 do artigo 327.º do Código Civil não ser aplicável à citação dos executados nos processos de execução fiscal, desde logo por não ser permitida pelo artigo 49.° da LGT ou por qualquer outra disposição legal tributária, mas também porque a interpretação acolhida na sentença no sentido dessa aplicação viola os princípios constitucionais da legalidade, da reserva de lei da Assembleia da República em matéria tributária, da certeza e segurança jurídicas ínsitos ao princípio do Estado de direito e da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados, respectivamente, nos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i), 2.º , 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

As questões a resolver no presente recurso já foram objecto de aturada reflexão neste Supremo Tribunal Administrativo, sendo consensual o entendimento vertido nos diferentes acórdãos que versaram sobre elas.

Considerando que, nas alegações dos Recorrentes, não se vislumbra qualquer novo argumento ou elemento que justifique uma reponderação da jurisprudência já firmada sobre as questões suscitadas no caso sub judice, nem se registando da nossa parte qualquer divergência com esse entendimento uniforme, arrimamo-nos à fundamentação plasmada no mais recente acórdão deste Tribunal, de 2 de Setembro de 2020, proferido no processo n.º 705/19.2BELLE, integralmente disponível em www.dgsi.pt, que responde completa e cabalmente ao objecto do presente recurso e do qual consta designadamente que:

«(…) na situação sub judice não existe controvérsia relativamente ao prazo de prescrição aplicável – que é o de oito anos, previsto no art. 48.º, n.º 1, da LGT – nem quanto ao efeito interruptivo da citação do ora Recorrente (cfr. art. 49.º, n.º 1, da LGT). Também não existe controvérsia quanto ao denominado efeito instantâneo decorrente da interrupção, ou seja, o Recorrente não questiona e, ao invés, aceita expressamente que a interrupção da prescrição, no caso decorrente da citação, tem como efeito, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 326.º do CC, que dispõe: «A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte».

A controvérsia reside exclusivamente no chamado efeito duradouro da interrupção da prescrição decorrente da citação: enquanto a sentença, na esteira da jurisprudência deste Supremo Tribunal, com conformidade constitucional sindicada pelo Tribunal Constitucional, considerou que o prazo prescricional se mantinha interrompido até ao termo da execução fiscal por força do disposto no n.º 1 do art. 327.º do CC – que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo» – o Recorrente entende que tal norma não só não é aplicável em sede da relação jurídico-tributária, como a interpretação que sustenta essa aplicação é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais acima enunciados.

Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento quando recusou reconhecer a prescrição das dívidas exequendas, o que passa por indagar da legalidade e conformidade constitucional da interpretação nela adoptada, que reconheceu à interrupção da prescrição decorrente da citação (cfr. art. 49.º, n.º 1, da LGT) – para além do efeito, dito instantâneo, decorrente do art. 326.º do CC (este indisputado) – o efeito duradouro previsto no n.º 1 do art. 327.º do CC, de obstar a que o novo prazo prescricional comece a correr até ao termo do processo de execução fiscal.

2.2.2 DOS EFEITOS DA INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECORRENTES DA CITAÇÃO

A LGT, enunciando os factos interruptivos da prescrição no n.º 1 do art. 49.º da LGT, não prevê directamente os efeitos da interrupção da prescrição. Como bem ficou explicado no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS ( ) – também citado pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na sentença recorrida –, não fixando a LGT, na sua actual redacção e desde a alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, os efeitos dos actos interruptivos da prescrição das obrigações tributárias ( ), designadamente não definindo nem esclarecendo se tais actos têm apenas efeito instantâneo ou se podem também ter efeito duradouro, essa regulamentação deve buscar-se no CC, de acordo com a regra estabelecida no art. 2.º, alínea d), da LGT, pois é naquele Código, depositário dos princípios gerais de direito e que tem um regime acabado da prescrição das obrigações, que encontramos resposta legislativa às questões que o regime da prescrição das obrigações tributárias consagrado na lei tributária não regulou directamente ( ).

Como ficou dito no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Janeiro de 2016 proferido no processo com o n.º 1698/15 ( ), «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem nomeação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficiosa da prescrição. // Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».

Note-se que não se trata de colmatar uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só de interpretar e aplicar a lei subsidiária, nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente) ( ).

Assim, quanto aos efeitos da citação enquanto facto interruptivo previsto no n.º 1 do art. 49.º da LGT, por falta de regulamentação dos respectivos efeitos na LGT, há que aplicar as normas contidas no CC, designadamente o n.º 1 do art. 326.º, que estabelece que «[a] interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo seguinte», bem como o n.º 1 do art. 327.º, que dispõe: «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».

Em conclusão: quando, como no caso sub judice, o prazo de prescrição foi interrompido pela citação, a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, sem prejuízo de dever equiparar-se a essa decisão aquela que declare a execução fiscal em falhas ( ).

É essa a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal ( ) e não encontramos motivo para dela divergir: a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

A sentença seguiu essa jurisprudência e, por isso, não merece reparo.

2.2.3 DA CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERPRETAÇÃO ADOPTADA PELA SENTENÇA RECORRIDA

2.2.3.1 O Recorrente sustenta que a interpretação adoptada na sentença – na medida em que, como vimos, reconheceu ao facto interruptivo decorrente da citação na execução fiscal o referido efeito duradouro por força da aplicação do art. 327.º, n.º1, do CC – enferma de inconstitucionalidade por violação dos arts. 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, porque tal efeito não está previsto na lei tributária e a matéria da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente o regime da sua suspensão, se insere nas garantias dos contribuintes e, por isso, constituiu matéria incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

Salvo o devido respeito, não tem razão. A sentença recorrida, apreciando a questão, acolheu a jurisprudência deste Supremo Tribunal ( ), cuja conformidade face à CRP foi sufragada pelo Tribunal Constitucional ( ). Apenas não acompanhamos a afirmação aí formulada de que «quanto aos efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, não estamos no domínio estrito das “garantias dos contribuintes”» pois todo o regime da prescrição da obrigação tributária se insere no domínio das garantias dos contribuintes. A nosso ver, e como bem ficou dito no já referido acórdão de 6 de Dezembro de 2017, «[i]mporta lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum – na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição. Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico».

Ou seja, o Tribunal a quo, seguindo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, entendeu que se mostra justificado o recurso à lei civil (Código Civil) para esclarecer os efeitos jurídicos da interrupção e da suspensão, os quais não se mostram directamente regulados na lei tributária, bem como que não há motivo bastante para diferenciar neste aspecto as obrigações tributárias das obrigações civis.

Por outro lado, como acima já assinalámos, a aplicação do disposto no art. 327.º do CC à obrigação tributária não resulta da colmatação de uma lacuna da legislação tributária por recurso à analogia (cfr. art. 10.º, n.º 1, do CC), mas tão-só da interpretação e da aplicação da lei subsidiária nos termos por aquela previstos (cfr. arts. 11.º, n.º 2 e 2.º da LGT, respectivamente). Assim, como ficou dito no já referido acórdão n.º 441/2012 do Tribunal Constitucional: «O que é relevante é que se não pode concluir, sem margem para dúvidas, que, in casu, o processo interpretativo seguido pelo tribunal a quo se terá traduzido na criação de uma “norma” por parte do juiz, com recurso aos instrumentos próprios do pensamento analógico, e, por isso, através do emprego de meios hermenêuticos que a Constituição, nos termos do n.º 2 do artigo 103.º inequivocamente proíbe».

Concluímos, pois, que bem andou a sentença recorrida ao considerar que a interpretação nela adoptada não viola o princípio da legalidade consagrado no art. 103.º, n.º 2, da CRP.

2.2.3.2 O Recorrente sustenta ainda que a interpretação adoptada na sentença recorrida viola os princípios da certeza e segurança jurídicas, decorrentes do princípio do Estado de Direito ínsito no art.º 2.º da CRP, e dos princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva, consagrados nos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP.

Sempre salvo o devido respeito, também não tem razão quanto a este ponto, sendo que a sentença deu cabal resposta a essa alegação do ora Recorrente, designadamente citando o já referido acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Março de 2019, proferido no processo com o n.º 1437/18.4BELRS, no qual ficou dito: «É certo que a prescrição da obrigação tributária se justifica pela necessidade da estabilização das relações jurídicas tributárias, de segurança e de paz jurídica, mas essa necessidade não confere ao respectivo devedor o direito a prazos de prescrição menores do que os previstos para o devedor de obrigação civil, ou o direito a enfrentar menos actos interruptivos ou suspensivos do prazo de prescrição destas obrigações, ou, sequer, o direito a obter diferenciados efeitos (duradouros ou instantâneos) para os actos interruptivos relativamente ao devedor de obrigação civil, pois não existe regra ou princípio (legal ou constitucional) que o imponha».

Recordemos também as considerações efectuadas no já referido acórdão do Tribunal Constitucional com o n.º 6/2014: «[…] o mecanismo de interrupção do prazo de prescrição que consta do n.º 1 do artigo 49 [da LGT] desde a sua versão originária, implicava já a possibilidade de o prazo interrompido pela interposição de algum dos meios processuais aí previstos não se reiniciar antes do trânsito em julgado da decisão que puser termo ao processo, por ser um dos efeitos normais da interrupção (artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil). Isso porque a utilização pelo legislador tributário da figura da interrupção da prescrição sem qualquer outra especificação não pode deixar de ser entendida, no quadro de uma interpretação sistemática da lei, como correspondendo a uma remissão para as disposições da lei civil que regulam o instituto, mormente no que se refere aos respectivos efeitos (neste sentido, DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., pág. 405)».

Finamente, diremos que não vislumbramos como as normas que disciplinam as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos possam contender com as garantias de defesa e protecção jurisdicional do Recorrente, pois não impedem o andamento de nenhum processo nem interferem com a prolação da decisão respectiva.

Afirma o Recorrente que a interpretação adoptada pela sentença recorrida «[s]eria permitir que o processo de execução fiscal ficasse indefinidamente pendente e os contribuintes à disposição das manobras coercivas do órgão da execução fiscal para todo o sempre» mas, a nosso ver, não é assim. Desde logo, a AT não tem interesse algum em protelar a cobrança das dívidas, antes pelo contrário, sendo que, em regra, a execução fiscal deverá estar concluída no prazo de um ano [cfr. art. 117.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)]. Mas, ainda que, por absurdo, esse protelamento acontecesse, sempre o executado poderia reagir contra ele, designadamente, atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal (cfr. art. 103.º, n.º 1, da LGT) solicitando a intervenção do juiz para pôr cobro a qualquer ilegalidade cometida, por acção ou por omissão, pelo órgão da execução fiscal [cfr. arts. 95.º, n.º 1, alínea j), e 103.º, n.º 2, da LGT e art. 276.º do CPPT].

Concluímos, pois, que a sentença recorrida fez correcto julgamento quando considerou que a interpretação nela adoptada não viola os princípios da certeza e segurança jurídicas nem os princípios da garantia de defesa e protecção jurisdicional efectiva.».

Em suma, face a tudo o que ficou transcrito, impõe-se concluir que a sentença recorrida não enferma de qualquer dos erros de julgamento de direito que lhe vêm assacados, julgando-se, em consequência, improcedentes todas as conclusões das alegações dos Recorrentes.

4. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes [cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil - aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

Registe e notifique.

*****

Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.