Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0963/04
Data do Acordão:11/30/2004
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO BELCHIOR
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PASSAGEM DE CERTIDÃO.
INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES.
LEGITIMIDADE PASSIVA.
Sumário:I - A legitimidade passiva, estando em causa acção ou omissão, e quando a parte demandada é o Estado, e segundo o disposto no artigo 10.º, nº 2, do CPTAF, é o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos, podendo o interessado, quando não seja dada integral satisfação a pedido formulado no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, requerer a intimação da entidade administrativa competente (cf. artigo 104.º, nº 1, do mesmo diploma legal).
II - Cabendo essencialmente ao Primeiro Ministro as funções de representação e de direcção e coordenação política do Governo, sem prejuízo de a lei poder atribuir-lhe competência, no âmbito dos assuntos correntes da Administração Pública, não lhe compete pronunciar-se sobre pedido de envio de cópia de elementos (nomeadamente eventuais actos administrativos e informações) relativos à construção de uma barragem e aproveitamento hidroeléctrico.
III - Assim, no enunciado condicionalismo, deve considerar-se o Primeiro Ministro carecido de legitimidade passiva em pedido de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões, relativo à matéria referida em II.
Nº Convencional:JSTA00061323
Nº do Documento:SA1200411300963
Data de Entrada:09/28/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:PMIN
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:INTIMAÇÃO INF CERT.
Decisão:INDEFERIMENTO.
Área Temática 1:INTIMAÇÃO INF CERT.
Legislação Nacional:CPTA02 ART10 N2 ART104 N1.
Referência a Doutrina:VIEIRA DE ANDRADE A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 5ED PAG270.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
I.1.Relatório
FAPAS – Fundo Para a Protecção dos Animais Selvagens, com os demais sinais nos autos, com invocação do artº 104º e segs. do CPTAF, requer INTIMAÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE INFORMAÇÕES, CONSULTA DE PROCESSOS OU PASSAGEM DE CERTIDÕES,
Contra o Senhor Primeiro Ministro (ER),
Com os fundamentos que, no essencial, se resumem ao que segue.
1.Por carta registada solicitou à ER se dignasse:
a) Enviar cópia de todos os actos administrativos da ER ou do Conselho de Ministros relativos à barragem e aproveitamento hidroeléctrico do Baixo Sabor;
b) Informar quem será o dono dessa obra;
c) Informar se a eventual barragem e demais componentes do empreendimento hidroeléctrico contarão com financiamento de fundos comunitários e, em caso afirmativo, quais os fundos e quais os montantes previstos;
d) Infirmar se a eventual barragem e demais componentes do empreendimento hidroeléctrico contarão com financiamento do Estado Português e, em caso afirmativo, quais os montantes previstos;
e) Infirmar se a eventual barragem e demais componentes do empreendimento hidroeléctrico contarão com quaisquer garantias, seja a que título for, do Estado Português e, em caso afirmativo, quais os montantes que serão garantidos.
2.A tal ofício respondeu o Chefe de Gabinete do Primeiro Ministro, dizendo que o mesmo foi “submetido à consideração do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território” (cf. doc. de fls.9).
3.A requerente respondeu reafirmando ser a competência do Primeiro Ministro (cf. doc. de fls.11),
3.O que reafirma, com invocação do nº 1 do artº 201º, nº 1 da CRP, não só quanto aos documentos a certificar como também quanto às informações pedidas,
4.Sendo certo não estar em causa matéria secreta ou confidencial,
5.E que tais elementos dizem respeito à projectada barragem do Rio Sabor.
6.A requerente tem o direito a ser informada ex vi artº 61º do CPA,
Sendo que,
7. o direito aos documentos da administração decorre dos artºs. 2º, nº 1, da Lei nº 65/93, de 26/AGO,
8.E a requerente é titular do direito de acção popular (artº 2º, nº 2, da Lei nº 83/95 de 31/AGO, para o que é essencial a pedida informação.
9. violou a ER o artº 61º do CPA, o artº 15º, nº 1 da Lei nº 65&93 e o artº 26º da Lei nº 83/95.
10.Esgotado o prazo de 10 dias úteis, e não havendo decorrido 20 dias úteis sobre esse prazo e não tendo recebido a requerente qualquer resposta ao seu requerimento, encontram-se reunidos os pressupostos exigidos por lei para o deferimento do pedido.
Termina requerendo a intimação da ER para, em 5 dias, dar cumprimento ao requerido.
I.2. Notificado o Primeiro-Ministro em cumprimento do artº 107º do CPTAF, veio dizer, e em resumo, que:
1.Para além de não assistir legitimidade activa à requerente, face ao pedido que lhe formulou, decorridos 4 dias após recepção do mesmo, foi informada pelo seu Chefe de Gabinete que o mesmo havia sido enviado à consideração do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território.
2. No entanto a requerente respondeu insistindo ser do Primeiro Ministro a competência para responder ao pedido,
3.Ao que a ER voltou a informá-la ser tal competência do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, o que fez em obediência ao disposto no nº 1, alínea c) do artº 15º da Lei 65/93, o qual preceitua que, “A entidade a quem foi dirigido o requerimento de acesso a um documento deve, no prazo de 10 dias:
(...)
c) Informar que não possui o documento e, se for do seu conhecimento, qual a entidade que o detém ou remeter o requerimento a esta, comunicando o facto ao interessado”.
4. Aliás, sobre a construção da barragem do Baixo Sabor, foi publicado no DR.II.S, nº 233, de 2/10/04, um despacho conjunto dos Ministérios da Economia e das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente, onde se invocam as específicas competências desses ministérios sobre a matéria,
5.Falecendo em definitivo ao Primeiro Ministro a competência específica sobre essas matérias, sob pena de se considerar caixa postal e centro de cópias de todos os administrados, e da Administração em geral,
Terminando por afirmar se de negar provimento ao pedido de intimação.
I.3. A fim de observar plenamente o contraditório, foi ordenado pelo relator que fosse notificada a requerente para se pronunciar sobre o teor da resposta da ER.
I.4. Veio então a requerente aos autos, e, para além de afirmar a sua inequívoca legitimidade, disse:
Foram requeridas ao Exm.o Senhor Primeiro Ministro cópias dos eventuais actos que quer ele quer o Conselho de Ministros tenha praticado no âmbito da projectada Barragem do Sabor. Donde, sobre ele recai a obrigação de entregar as cópias desses (eventuais) actos - ou a informação de que os mesmos não existem.
O mesmo se diga quanto às restantes informações que respeitam a eventuais financiamentos comunitários e a eventuais financiamentos ou garantias prestadas pelo Estado Português, bem como à informação de quem será o dono dessa obra, mormente se será o próprio Estado Português”.
Independentemente de vistos (cf. nº 2 do artº 107º do CPTAF) vêm os autos à conferência, pelo que cumpre apreciar e decidir.
II.1.FUNDAMENTAÇÃO
Com interesse para a decisão a proferir registam-se os seguintes FACTOS (Mª de Fª):
1. A requerente solicitou à ER, através de carta registada, (recebida por aquela entidade a 20 de Julho de 2004), e com invocação do artº 61º do CPA, que prestasse as informações e procedesse ao envio de cópias de certos actos e elementos, tudo como se mostra documentado a fls. 8, e aqui dado por reproduzido.
2. O Chefe de Gabinete do Primeiro Ministro respondeu, por carta de 23/JUL/04, dizendo que o assunto a que respeitava aquela carta foi “submetido à consideração do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território” (cf. doc. de fls.9).
3. A requerente, manifestando à ER ser ela a competente para dar resposta ao que lhe foi pedido pela carta referida em 1, a 28/JUL/04, renovou-lhe o pedido, através da carta documentada a fls. 11-12, e aqui dada por reproduzida.
4. O Chefe de Gabinete do Primeiro Ministro respondeu a 6/AGO/04, dizendo que relativamente ao pedido já anteriormente formulado “foi de imediato submetido à consideração do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, visto que, no quadro de competências, aquele Ministério detém a atribuição específica para prestar a informação por V.Exª solicitada” (cf. doc. de fls. 13).
5. A 18 de Agosto de 2004 a requerente deu entrada em Tribunal ao pedido de intimação.
II.1. DO DIREITO
Como se viu, a requerente, invocando o artº 104º e segs. do CPTA, veio requerer contra o Primeiro Ministro, que fosse intimado a prestar as informações e a passar as cópias a que se refere no seu petitório, e que já antes havia solicitado directamente àquela entidade pelo modo acima referido.
A ER, no entanto, suscita (desde a fase graciosa, aliás) a sua incompetência para ser demanda neste pedido, esclarecendo que desde logo o afirmou à requerente, a quem aliás informou sobre quem a detinha, bem como que a tal entidade remeteu o pedido que lhe formulara, o que diz ter feito em obediência ao disposto no nº 1, alínea c) do artº 15º da Lei 65/93 (O qual preceitua que, “A entidade a quem foi dirigido o requerimento de acesso a um documento deve, no prazo de 10 dias:
(...)
c) Informar que não possui o documento e, se for do seu conhecimento, qual a entidade que o detém ou remeter o requerimento a esta, comunicando o facto ao interessado”).
Notificada a requerente para se pronunciar sobre tal questão, afirmou que, tendo sido requeridas à ER cópias dos eventuais actos que quer ele quer o Conselho de Ministros tenha praticado no âmbito da projectada Barragem do Sabor (bem como restantes informações pedidas sobre o assunto e acima referidas) sobre ela recai a obrigação de entregar as cópias desses (eventuais) actos - ou a informação de que os mesmos não existem.
Importa, pois, conhecer da questão de saber se no caso o titular do dever (Cf. o Prof. Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa-5ªed-, a p. 270.) na relação jurídico-administrativa em causa é a ER, pois que a proceder levará à rejeição do pedido (cf. artº 493º do CPC, aplicável ex vi artº 1º do CPTAF).
Ora, a propósito da legitimidade passiva, diz genericamente o artigo 10.º, nº 2, daquele corpo normativo, que, “quando a acção tenha por objecto a acção ou omissão de uma entidade pública, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, o ministério a cujos órgãos seja imputável o acto jurídico impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos” (é nosso o que vem realçado).
Especificamente quanto ao meio processual em causa, reza o artigo 104.º, nº 1, que, “quando não seja dada integral satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental ou do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, o interessado pode requerer a intimação da entidade administrativa competente, nos termos e com os efeitos previstos na presente secção” (é nosso o que vem realçado).
É, pois, contra a entidade administrativa competente, e não necessariamente contra o Ministério ou a pessoa colectiva, que haverá que ser instaurado o meio processual em causa.
Inculcando que tal entidade não é a aqui requerida, a CRP é logo esclarecedora quando, no seu artigo 201.º, estabelece o elenco das competências do Primeiro-Ministro, (Preceitua tal normativo, no seu nº 1, que:
“ Compete ao Primeiro-Ministro:
a) Dirigir a política geral do Governo, coordenando e orientando a acção de todos os Ministros;
b) Dirigir o funcionamento do Governo e as suas relações de carácter geral com os demais órgãos do Estado;
c) Informar o Presidente da República acerca dos assuntos respeitantes à condução da política interna e externa do país;
d) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei.(...)” ) onde ali se não antolha caber o que vem pedido. Por seu lado, também a Lei Orgânica do XVI Governo Constitucional nada comina a tal respeito, concretamente no seu artº 3.º (O qual preceitua: “1 - O Primeiro-Ministro possui competência própria e competência delegada, nos termos da lei.
2 - O Primeiro-Ministro pode delegar em qualquer membro do Governo, com faculdade de subdelegação, a competência relativa aos organismos e serviços dele dependentes, bem como a que, no domínio dos assuntos correntes da Administração Pública, lhe é conferida por lei.
3 - A competência atribuída por lei ao Conselho de Ministros, no âmbito dos assuntos correntes da Administração Pública, considera-se delegada no Primeiro-Ministro, com faculdade de subdelegação em qualquer membro do Governo.
4 - O Primeiro-Ministro é coadjuvado no exercício das suas funções pelo Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.). São, pois, funções de representação e de direcção e coordenação política do Governo que essencialmente cabem ao Primeiro Ministro, donde estão ausentes matérias de natureza administrativa, nomeadamente do género da que está em causa, sem prejuízo de a lei poder atribuir-lhe competência, no âmbito dos assuntos correntes da Administração Pública.
Na verdade, e em consonância com o que afirma a ER, a assistir-lhe competência para a prática do acto para que foi intimada, estaria encontrada uma fórmula para erigir os serviços de apoio do Primeiro Ministro, num (seguramente inoperacional) serviço central destinatário de todas as pretensões provindas de qualquer administrado, e relativamente à Administração em geral, decorrentes dos direitos à informação procedimental e de acesso aos arquivos e registos administrativos, ao arrepio do que dimana do que constitucionalmente preside à estrutura da Administração (cf. artº 267º da CRP), nomeadamente dos princípios de racionalidade e eficácia, e no plano contencioso, do que decorre das citadas disposições legais, concretamente dos artºs 10.º, nº 2, e 104, nº 1 do CPTA.
Aliás, a requerente, confrontada com a questão, nada em contrário conseguiu substanciar, apenas articulando que, sobre a ER recai a obrigação de entregar as pedidas cópias e prestar as informações solicitadas, porque...tal lhe foi requerido.
Isto é, segundo tal perspectiva, a competência (e bem assim a legitimidade) radicaria na mera manifestação de vontade do interessado, ao que a lei não confere o mínimo suporte, sendo ainda certo que a ER, como se alcança dos pontos 2 e 4 da Mª de Fª, assumiu uma postura de esclarecimento (e colaboração), informando sobre quem recaía a apreciação da matéria em causa, ao abrigo do disposto no nº 1, alínea c) do artº 15º da Lei 65/93, e sobre cujo acerto não cabe nesta sede, naturalmente, ajuizar, mas que a requerente, de todo o modo, não infirma.
Em suma, a ER não pode no caso considerar-se como titular do falado dever na relação jurídico-administrativa em causa, isto é, o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos pela requerente, e bem assim como parte legítima no presente meio processual.
III.DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos acordam em indeferir o pedido.
Sem custas por delas estar isenta a requerente (cf. artº 11º, nº 2 da Lei nº 35/98, de 18 de Julho).
Lisboa, 30 de Novembro de 2004. - João Belchior (relator) - Alberto Augusto Oliveira - Políbio Henriques.